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Exegese de Romanos 5:1~11

EFEITOS PRESENTES E FUTUROS DA JUSTIFICAÇÃO-RECONCILIAÇÃO

Paulo Sung Ho Won

INTRUDUÇÃO

Martinho Lutero, em sua introdução ao livro de Romanos, diz que “Esta carta é
verdadeiramente a mais importante peça do Novo Testamento. É o evangelho mais puro.
É de grande valor para um Cristão não somente para memorizar palavra por palavra,
mas também para ocupá-lo com isso diariamente, como se fosse o pão diário da alma. É
impossível ler ou meditar nesta carta. Quanto mais alguém lida com ela, mais preciosa
ela se torna e melhor ela saboreia.”1. Certamente, Paulo foi autor dessa carta que foi
destinada à igreja de Roma, formada em sua maioria de gentios. Provavelmente, essa
carta foi escrita em circa 56/57 A.D. para preparar a sua ida à Roma. O grande tema da
carta é: “a Justiça de Deus”.

Paulo desenvolve de maneira muito precisa a “doutrina da justificação pela fé”. De


1:18~3:20, o apóstolo mostra a necessidade da justiça de Deus diante da depravação
humana em geral: nesse caso, não há distinção entre gentios (1:18~32), moralistas
(2:1~16) e judeus (2:17~3:8). Todos pecaram “e estão destituídos da glória de Deus”


























































1
Disponível
em
http://openlink.br.inter.net/gospel/prefrom.htm,
acessado
em
20
de
junho
de
2009.



(Rm 3:23) e todos merecem da condenação divina (3:9~20). A partir de 3:21 Paulo
começa a descrever a maneira pela qual Deus, por intermédio de Cristo, alcançou àqueles
que estavam perdidos, justificando-os. De 3:21 até 4:25, a mensagem é clara: apenas pela
fé em Cristo Jesus podemos ser inocentados dos nossos pecados, sendo conduzidos diante
da presença de Deus; para isso, o grande exemplo é Abraão. Porque Abraão? Ora,
Abraão, além de ser “pai” dos judeus, mostra que a justificação pela fé independe de
obras humanas, mas sim unicamente da graça divina: “Abraão creu em Deus, e isso lhe
foi imputado para a justiça” (4:3). Logo, isso quer dizer que a salvação não vem pela
observância da lei e das obras da lei, uma vez que Abraão é anterior aos códigos legais
dados no Sinai. Paulo não quer dizer que houve uma “mudança de planos” por parte de
Deus no Plano da Salvação, mas, que sempre, mesmo durante a vigência da antiga
aliança, a salvação era obtida pela fé, e não por obras. É diante desse quadro que
entramos no capítulo 5.

O texto analisado nesta exegese foi dividido em três partes: A justificação-


reconciliação na vida presente (5:1~5), o comentário de Paulo acerca da grandeza da
morte de Jesus que nos trouxe vida (5:6~8) e, em último lugar, as conseqüências futuras
da justificação-reconciliação na vida do cristão (5:9~11). Assim, há o entendimento de
que a ação graciosa de justificação por intermédio de Cristo alcança toda a nossa
existência: tanto a presente como a futura.

Juntamente com as análises técnicas lingüísticas e criticas do original grego, os


comentários exegéticos foram colocados dentro da mesma divisão. Optou-se por colocar
na íntegra o texto grego e sua tradução entre parêntesis para facilitar a visualização das
duas formas. Também, em último lugar, há um registro particular daquilo que temos de
grande lição, de aplicação direta em nossas vidas. A exegese que não faz voltar a nossa
vida é Deus é estéril, porém, a exegese que leva a um questionamento de nosso modo
atual de vida é muito fecunda.


 2


1. LIMITES DA PASSAGEM.

A análise detalhada de Rm 5:1~11 mostra que esta é uma passagem completa. Paulo faz
uso da partícula “οὖν” para começar esse trecho, com um desenvolvimento e raciocínio
completo. Assim, ele chega a uma conclusão daquilo que foi desenvolvido desde o
primeiro capítulo até o quarto, a saber, acerca da justiça de Deus.

Por outro lado, se olharmos também para Rm 5:12, texto posterior ao trecho
analisado, perceberemos o uso da expressão “dia< τοῦto”, ou seja, “portanto”, também
serve de início de um novo trecho, que é conclusão para o tema desenvolvido de
1:18~5:11. Também, pela análise de conteúdo dos trechos podemos chegar à conclusão
de que Rm 5:1~11 e 5:12~21 podem ser analisados de maneira separada:
• 5:1~11: há a discussão da justificação pela fé e sua implicância na vida presente e
na futura;
• 5:12~21: temos a discussão da obra de Adão e da superioridade de Cristo.

2. IDÉIA CENTRAL.

A justificação pela fé, por meio de Jesus Cristo, gera em nós a plena reconciliação e paz
em relação a Deus, e a mais firme certeza de que a vida que vivemos Nele é cheia de
alegria, por causa da esperança da glória futura e eterna que nos é reservado em Cristo.
Nem mesmo as tribulações são um problema sério, uma vez que estas podem ser usadas
por Deus para nos aprovar e firmar ainda mais a nossa expectativa em seu Reino e em sua
Pessoa.


 3


3. TRADUÇÃO DE RM 5:1~11.2

1
Portanto, tendo sido justificados pela fé temos paz com Deus, por meio
de nosso Senhor Jesus Cristo 2 por intermédio de quem obtivemos acesso pela fé
a esta graça na qual permanecemos firmes; e nos alegramos na esperança da
3
glória de Deus. Não somente isso, mas também nos orgulhamos nas
4
tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança,
um caráter aprovado; e o caráter aprovado produz esperança. 5 E a esperança não
nos desaponta, porque o amor de Deus tem sido derramado em nossos corações,
por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu.
6
Realmente, Cristo morreu em lugar dos ímpios, a seu tempo, quando
ainda éramos moralmente fracos.7 Dificilmente alguém morreria em lugar de um
8
justo, pois em favor de quem faça o bem alguém teria a coragem de morrer.
Mas Deus demonstra seu próprio amor para conosco porque Cristo morreu
quando ainda nós éramos pecadores.
9
Portanto, muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue,
10
seremos salvos, por meio dele, da ira. Porque se nós fomos reconciliados com
Deus por meio da morte de seu filho, quando éramos inimigos dele, muito mais
11
estando reconciliados, seremos salvos pela sua vida. Não somente isso, mas
nos alegramos também em Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, por
intermédio de quem recebemos, agora, a reconciliação.


























































2
 A
 tradução
 do
 trecho
 foi
 feita
 com
 base
 na
 NA27,
 Rega
 (2004)
 e
 Gingrich
 (1984).
 Porém
 foram


consideradas
 também
 as
 traduções
 da
 Nova
 Versão
 Internacional
 (NVI)
 e
 da
 Almeida
 Século
 XXI

(abreviada
neste
trabalho
como
A21).



 4



4. COMENTÁRIO EXEGÉTICO.

A justificação do homem significa a paz com Deus, em outras palavras, reconciliação.


Isso que dizer que o grande amor de Deus nos transforma de “réus” em “inocentes”, de
“inimigos” para “amigos”. Não há como entendermos essa dimensão do amor de Deus se
não for pela fé. É essa fé que nos abre todas as portas de acesso à presença de Deus.
Porém, a justificação e a conseqüente pacificação com Deus não possuem efeitos apenas
imediatos ou hedonistas, mas sim eternos.

A carta de Romanos é um poderoso referencial que tem sido esquecido em meio a


uma sociedade relativista e uma igreja, em grande parte, imediatista ou mercantilista.
Todo o esquema que o homem cria de barganha e troca com Deus desaba diante da
revelação da justiça e do amor divino derramado em nós por intermédio do Senhor Jesus.
O poder dessa justificação-reconciliação é tão grande que transcende “o momento da
conversão” atingindo o presente e o futuro. As tribulações de hoje possuem o propósito
de qualificar o cristão e de dar-lhe a esperança inabalável no Reino Eterno vindouro.

Ao introduzir esse trecho em seu comentário, Karl Barth diz, de maneira correta
sobre a paz que Cristo gera em nossos corações: “Esta paz não lhe advém de qualquer
comunicação do alem, nem de proteções naturais ou sobrenaturais, porém, pela certeza
do amor de Deus que é derramado abundantemente em seu coração pelo Espírito Santo,
que (sendo o próprio Deus) é o sustentáculo do “homem novo” o qual, pela fé, vê em
Cristo o generoso e poderoso “SIM” de Deus, vencendo a morte, para restaurá-lo na
condição de filho”3.


























































3
Barth,
pg
235.



 5



4.1. A justificação-reconciliação na vida presente.

1. ∆ικαιωθέντες οὖν ἐκ πίστεως εἰρήνην ἔχοµεν πρὸς τὸν θεὸν διὰ τοῦ κυρίου
ἡµῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ, (Portanto, tendo sido justificados pela fé temos paz com
Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo,)

O verbo usado por Paulo, dikaio>w , está no Particípio 1º. aoristo passivo que denota
uma ação única4 e definitiva de Cristo sobre a vida daqueles que crêem Nele. Essa
justificação5, ou o ato de tornar alguém justo, nos leva ao imaginário jurídico da época.
Há que se perceber que a justificação é oposta à condenação, conceito este que foi
desenvolvido por Paulo de Rm 1:18~3:20. Podemos analisar por vários ângulos o
conceito de justificação dentro da teologia paulina. Em primeiro lugar, a justificação
indica que, de acordo com o imaginário jurídico, o réu é deliberadamente absolvido pelo
juiz. Em segundo lugar, a justificação implica que o evento escatológico é antecipado
trazendo para o presente o veredicto final do juízo de Deus6, a saber, a absolvição eterna
do antes condenado.

Porém, a justificação não emana da ação humana, mas sim de Deus. Dessa maneira,
Paulo nos explica que esse ato divino e gracioso de inocentar um condenado à morte
eterna só pode ser recebida mediante a fé. De acordo com Sttot, “a graça e a fé
pertencem indissoluvelmente uma à outra, uma vez que a única função da fé é receber o
que a graça livremente oferece”7. A fé tira do homem toda a possibilidade de jactância
em si, uma vez que somente mediante à confiança plena na graça divina é que temos


























































4
Rega,
pg
213.

5
dikaiosu>nh
é
muito
utilizado
por
Paulo
que
lhe
confere
a
maior
gama
de
sentidos.
Há
uma
conexão


muito
 estreita
 desse
 termo
 com
 o
 Antigo
 Testamento,
 ao
 falar
 da
 justiça
 de
 Deus
 e
 de
 como
 Ele

justifica,
ou
seja,
torna
justo
o
seu
povo.
Cf.
DITNT
Vl1,
pg
1128.

6
STTOT,
John,
A
Cruz
de
Cristo,
pg
171.

7
Ibid.
pg
170.



 6



imputado sobre nós a condição de “justificados”, e sendo assim, absolvidos do juízo final.

É mediante a essa fé que “temos paz com Deus”. Nesse versículo temos pelo menos
um problema de manuscrito com relação ao verbo ἔχω. Muitos manuscritos usam o
verbo no Presente do Indicativo Ativo ἔχοµεν8. Porém, alguns outros manuscritos

importantes tais como a*, A, B*, C, D, K, L, 33, 81, 630, 1175, 1739* e Marcião

apresentam a variação ἔχωµεν, no Presente do Subjuntivo Ativo9. Para Bruce, a variação


pode ter vindo de um “primitivo estágio de transmissão de texto” que seria antes da
redação final das epístolas paulinas. Bruce salienta que o acento na primeira sílaba das
duas formas faria com que a distinção fonética tanto do ômicron, quanto do ômega,
desaparecesse, de modo que a sonoridade das duas palavras fosse idêntica10. Assim, a
tradução ficaria “tenhamos paz com Deus”. De acordo com Fitzmyer essa segunda
variação foi entendida pelos pais da igreja como “manter a paz” ou “continuemos em
paz”11 com Deus. Segundo Cranfield, devido ao contexto de exortação, a primeira
alternativa deve ser levada mais em conta12.

Essa justificação pela fé nos conduza à um outro conceito de semelhante impacto


no pensamento paulino que é a Reconciliação. Não podemos dissociar os dois conceitos.
Alguns estudiosos colocam uma hierarquia dentro da relação entre Justificação e
Reconciliação. Fitzmyer, e.g., diz que a justificação parece estar subordinada à
reconciliação13 enquanto que Cranfield diz que o fato dos homens serem justificados
implica que devem ter sido igualmente reconciliados com Deus14. De qualquer maneira,
que tipo de reconciliação é essa? Isso está expresso justamente na frase “temos paz com

























































8
A
NA27
se
utiliza
dos
manuscritos
 1,
B2,
F,
G,
P,
Y,
0220,
cf.
Fitzmyer.

a
9

Harrison,
pg
58
e
NA27.

10
Bruce,
pg
60.

11
Ibid.
pg
61.

12
Cranfield,
pg
106.

13
Fitzmyer,
pg
395.

14
Cranfield,
pg
105.



 7



Deus”. Essa paz não pode ser entendida em termos somente subjetivos ou relacionados
apenas a resolução de algum tipo de conflito interno ou externo ao homem, porém, deve
seguir o conceito mais pleno do ~Alv' hebraico15. Esse termo que em grego foi traduzido

como εἰρήνη16 implica não somente uma questão física, mas também, e sobretudo,
espiritual. Ela deve ser entendida no seu sentido positivo prosperidade, de plenitude de
um relacionamento com Deus.

Para Barth, “paz com Deus significa um acordo entre o homem e Deus, tornando
possível por meio da modificação da condição humana, vinda da parte de Deus, e
efetivada por meio do estabelecimento das relações normais da criatura com o Criador,
pela fundamentação do amor a Deus no temor do Senhor, o único e verdadeiro amor que
a criatura pode dedicar a Deus”17.

2. dι’ οὗ καὶ τὴν προσαγωγὴν ἐσχήκαµεν (τῇ πίστει)18 εἰς τὴν χάριν ταύτην ἐν ᾗ
ἑστήκαµεν, καὶ καυχώµεθα ἐπ’ ἐλπίδι τῆς δόξης τοῦ θεοῦ. (por intermédio de
quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual permanecemos firmes; e nos
orgulhamos na esperança da glória de Deus.)

A grande questão é: de onde vem tal condição? A resposta é categórica: “por intermédio
da fé”. A preposição dia> tem um peso muito importante nesse trecho: ela se repete sete
vezes. Não somente isso: como se apresenta no texto, a preposição dia> é seguida por
genitivo19, indicando claramente uma relação de mediação que Cristo assume como único


























































15
Dunn,
pg
247.

16
εἰρήνη
no
NT,
além
de
carregar
o
sentido
de
~Alv'indica
duas
coisas:
a
paz
como
antônimo
da
guerra

e
 segurança
 eterna,
 sendo
 dádiva
 de
 Deus.
 Dentro
 do
 contexto
 de
 Romanos
 5:1~11,
 Cristo
 é
 o

mediador
dessa
paz,
cujo
conceito
correlato
é
o
da
reconciliação.
Cf.
DITNT
Vl
2,
pg
1596.

17
Barth,
pg
238.

18
Não
há
consenso
entre
os
MSS
da
inclusão
ou
da
exclusão.
Pelo
contexto,
parece
fazer
mais
sentido


a
inclusão
da
expressão.

19
Rega,
pg
101.



 8



possível mediador entre Deus e os homens caídos da graça. Tal questão tornou-se tão
importante no pensamento cristão posterior que a tentativa da Igreja Romana em manter
um sistema de autopromoção mediante a ênfase nas obras e não na graça encontrou sua
maior resistência no movimento de Reforma do séc. XVI. Cristo é apresentado como
kurio>v, Senhor absoluto digno de ser considerado Mediador da justificação-
reconciliação. Alguns manuscritos não trazem a expressão “τῇ πίστει”, porém, mesmo
que esta não esteja presente, o seu conceito está implícito no trecho.

A obra de mediação de Cristo é detalhada no versículo 2, onde Paulo


provavelmente conduz o nosso imaginário para a sala de audiência de um rei. A figura do
rei era comparada ao dos deuses na antiguidade. Assim, adentrar em seu recinto de
maneira desrespeitosa e desonrosa poderia custar a vida. O ato do rei permitir a entrada
de uma pessoa expressa bem o termo “acesso pela fé a esta graça”, ca>riv20. Nós não
somos mais adversários ou inimigos do Rei, pelo contrário, fomos considerados justos e
da mesma forma dignos de entrar na presença de Deus e desfrutar da sua presença.

Conforme Bruce, existe uma variação de leitura do termo καυχώµεθα, que vem

verbo kauca>omai21, cujo sentido é “jactar-se”, “orgulhar-se”, podendo ser traduzido


como “nos gloriamos” ou pelo subjuntivo “gloriemo-nos”. As versões inglesas traduzem
o termo como “boast”, ou seja, uma extremo orgulho, satisfação ou alegria. Esse orgulho
está focalizada na “glória de Deus”22.

De acordo com Dunn, o termo prosagwgh> é usado culticamente no sentido de ter


acesso ao templo onde está a presença de Deus. É nessa presença que permanecemos
firmes, tendo a esperança na glória de Deus. O ato salvífico de Cristo não tem eficácia

























































20
No
sentido
de
favor
real,
de
misericórdia,
encontrando
paralelo
com
o
 ds,x, do
Antigo
Testamento.

21
Gingrich,
pg
114.

22
Cf.
NET
Bible
e
NIV.



 9



apenas no presente, muito pelo contrario, ela gera dentro de nossos corações esperança
futura na “glória de Deus”. A palavra ejlpiv, possui seu correspondente no hebraico,
denotando não uma expectativa incerta, mas uma confiança plena diante do futuro em
Deus. A vida do cristão não pode ser apenas resumida na condição do presente, mas
também na esperança futura. Paulo nos indica que vivemos numa tensão entre as coisas
do “agora” e do “por vir”. A expectativa é que a salvação seja plenamente completada no
dia escatológico final. Também essa mesma esperança não está relacionada com o
egoísmo humano, mas sim com a expectativa da plenitude do Reino que é dádiva do
próprio Deus: por isso, a esperança não depende das obras, mas sim da obra graciosa de
Jesus Cristo23. Para Calvino, a esperança “resplandece para nós desde o evangelho que
testifica que participaremos da natureza divina, pois quando virmos a Deus, face a face,
seremos semelhantes a ele”24.

3. οὐ µόνον δέ, ἀλλὰ καὶ καυχώµεθα ἐν ταῖς θλίψεσιν, εἰδότες ὅτι ἡ θλῖψις
ὑποµονὴν κατεργάζεται, 4. ἡ δὲ ὑποµονὴ δοκιµήν, ἡ δὲ δοκιµὴ ἐλπίδα· 5. ἡ δὲ
ἐλπὶς οὐ καταισχύνει, ὅτι ἡ ἀγάπη τοῦ θεοῦ ἐκκέχυται ἐν ταῖς καρδίαις ἡµῶν διὰ
πνεύµατος ἁγίου τοῦ δοθέντος ἡµῖν, (Não somente isso, mas também nos
4
orgulhamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; ea
5
perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado produz esperança. Ea
esperança não nos desaponta, porque o amor de Deus tem sido derramado em
nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu.)

“E não somente isso”. Essa construção é usada diversas vezes por Paulo para ratificar e
confirmar seu desenvolvimento inicial. De acordo com Dunn, a expressão “οὐ µόνον δέ”


























































23
DITNT,
verbete
“esperança”.

24
Barth,
pg
241.



 10



era amplamente utilizado na literatura grega e judaica25. Paulo, ao expressar a esperança
futura da glória de Deus volta a analisar o impacto da justificação pela fé na vida
cotidiana dos crentes em Cristo. Talvez hoje tenhamos perdido o significado real de
termos como “tribulação”, “perseverança”, “caráter aprovado” e “esperança”, pois
vivemos em um contexto totalmente diferente daquele vivido no primeiro século da era
Cristã.

Os seguidores de Cristo, na época de Paulo, estavam sob perseguição, não somente


na região da Judéia, mas também fora. Seguir a Cristo, naquele contexto, significava
muitas vezes ter que passar por apuros, sendo necessário até arriscar a própria vida.
Diante desse quadro de dificuldade aparente, Paulo nos conforta fazendo com que de
nossa condição presente, tenhamos os olhos fitos, novamente, na esperança do “por vir”.
Eles podiam realmente dizer que “se orgulhavam nas tribulações”. A expressão
“καυχώµεθα ἐν ταῖς θλίψεσιν26”, de acordo com Fitzmyer pode significar “nós temos
orgulho em nossas aflições”27.

Em oposição ao pensamento secular, onde os problemas e as tribulações são


encaradas como coisas ruins, e até maldição divina, Paulo nos expõe de maneira clara que
a tribulação é um poderoso instrumento da graça divina para que o homem seja testado e
aprovado para poder ter a condição de desfrutar das eternas bênçãos de Deus na
eternidade. Enquanto esse tempo de refrigério pleno não chega, essa mesma tribulação,
que produz em nós aprovação, consolida a nossa esperança em Deus mediante Cristo. Tal
estado de paz que vivemos em Deus não significa ausência de algum tipo de sofrimento,
uma vez que não podemos comparar a dimensão da nossa paz com as tribulações que são


























































25
Dunn,
pg
249.

26
 Danker
 argumenta
 que
 a
 expressão
 “ἐν ταῖς θλίψεσιν”
 é
 freqüentemente
 usada
 em
 um
 sentido

metafórico:
opressão,
aflição,
tribulação.
Cf.
Danker:2000.

27
Fitzmyer,
pg
397.



 11



passageiras: “na paz de Deus existe um “sofrer”, um “submergir”, um “estar perdido” e
“ser estraçalhado”” (Barth:1999:244).

Na mentalidade dos primeiros cristãos, a tribulação produzia “perseverança”.


‘Uποµονὴν28 significa paciência, persistir. A tribulação era uma grande oportunidade
para que o próprio ego das pessoas fossem quebradas e que elas pudessem olhar e
depender de somente de Deus. Paulo nos leva a imaginar uma peça de jóia que é colocada
no fogo para ser purificada. O forno da purificação, nesse caso, seriam as tribulações. O
resultado disso, é que passamos a ter assim “um caráter aprovado”. A própria palavra
δοκιµή significa “característica de ser aprovado, daí, caráter”29. A ARA traduz δοκιµή
por “experiência” enquanto que a A21 traduz como “aprovação”. Esse caráter aprovado
das tribulações e dos testes da vida gera a esperança.

Tal esperança vem com a garantia de que não seremos decepcionados. Nossas
expectativas futuras em Cristo certamente serão satisfeitas, uma vez que o amor de Deus
“tem sido derramado em nossos corações pelo Espírito Santo”30. O uso do termo ὅτι, de
acordo com Dunn, indica que o que esse processo de aperfeiçoamento é garantido pelo
amor de Deus, ou seja, a esperança é selada pelo amor. Esse “ἀγάπη τοῦ θεοῦ” tem sido
traduzido de diferentes maneiras: como genitivo objetivo (“nosso amor por Deus”), como
genitivo subjuntivo (“o amor de Deus por nós”), ou até mesmo pelos dois indicando um
genitivo geral ou pleno31. A seqüência da sentença deixa claro que se refere ao amor de
Deus que ele "derrama em nossos corações", que é o próprio Espírito Santo. De
qualquer maneira, está explícito no texto a tentativa de Paulo mostrar que a nossa vida


























































28
 De
 acordo
 com
 Danker,
 significa
 a
 capacidade
 de
 suportar
 e
 superar
 as
 dificuldades
 através
 da


paciência
e
perseverança.
Cf.
Danker
pg
1039.

29
Gingrich,
pg
59.

30
 Há
 o
 uso
 do
 tempo
 perfeito
 indicando
 uma
 ação
 que
 se
 inicia
 no
 passado,
 mas
 que
 tem

continuidade
presente.

31
Cf.
NET
Bible.



 12



futura, tanto quanto a vida presente, está baseada no fundamento do amor, que produz
esperança mediante a fé. A tríade fé-esperaça-amor é um fundamento no pensamento
paulino32.

O amor é derramado em nossos corações. O coração, καρδία, entendido não como

um órgão físico, mas compreendido segundo a concepção judaica ble, como centro de
todo o entendimento, dos sentimentos, e de toda a interioridade humana, contrapondo-se
à aparência externa33. A ação de Deus inicia-se, assim, a partir do nosso interior,
atingindo as nossas ações exteriores. O verbo também se encontra no tempo perfeito, o
que indica que a ação do derramar se iniciou no passado, mas que tem continuidade até
agora.

O Espírito Santo não faz mais morada em templos físicos, mas no interior daqueles
que crêem em Cristo (1Co 3:16). A razão pela qual podemos estar firmes nessa esperança
divina, sem medo de ser “envergonhado”, por uma lado, é a ação a partir do coração
humano que é por meio do Espírito Santo. Diferente do Antigo Testamento, quando o
x;Wr era derramado a apenas poucas pessoas, ele é derramado agora em “nossos

corações”, cumprindo as profecias do “derramamar do Espírito” sobre todas aqueles que


crêem (Cf. E.g., Jl 2:28,29). O verbo dido>nai , “dar”, está no particípio aoristo passivo,
indicando que o derramar do Espírito é uma “dádiva” divina, ou seja, algo concedido por
Deus de acordo com a sua vontade, soberania e graça.

4.2. Comentário de Paulo: a magnitude da morte que nos gerou vida.

6. ἔτι γὰρ Χριστὸς ὄντων ἡµῶν ἀσθενῶν ἔτι κατὰ καιρὸν ὑπὲρ ἀσεβῶν ἀπέθανεν.


























































32
Cf.
1Co
13:13.

33
Wolff,
pg
84.



 13



(Realmente, Cristo morreu em lugar dos ímpios, a seu tempo, quando ainda éramos
moralmente fracos.)

O homem, antes de ser justificado pela graça mediante a fé, vivia em um estado de
ajsqenh>v, ou seja de “fraqueza”34 (tal fraqueza parece ser mais moral do que física).
Porém, justamente por aqueles a quem Deus considerava fraco, ele enviou o seu Filho a
fim de que, mediante a sua obra, eles fossem salvos. Além da fraqueza moral, é
salientado que o homem é ἀσεβῶν ou seja, ímpio: nas palavras de Fitzmyer, “um homem
sem reverência a Deus”, ou no inglês, godless35, demonstrando mais uma vez a condição
de separação com Deus, pelo pecado, que o homem estava antes de ter um encontro com
Cristo. Foi pelo fraco e pelo ímpio que Jesus morreu. Aqui está o cerne daquilo que
cremos ser a mensagem do Evangelho: Jesus morreu por aqueles que não conheciam a
Deus, para que através dessa morte, o amor de divino fosse revelado cabalmente a todos
aqueles que ouvissem da mensagem evangélica. Tudo isso obedece o tempo, ou seja, o
kairo>v divino. Alguns enxergam uma conexão desse “tempo” com o “momento
escatológico” devido a ênfase dada nas tribulações. O importante é que Deus é soberano
sobre o “tempo cronológico” humano. O plano de salvação não foi uma solução “feita às
pressas”, mas sim, pensado desde a eternidade e colocado em ação “a seu tempo”.

7. µόλις γὰρ ὑπὲρ δικαίου τις ἀποθανεῖται· ὑπὲρ γὰρ τοῦ ἀγαθοῦ τάχα τις καὶ
τολµᾷ ἀποθανεῖν· (Dificilmente alguém morreria em lugar de um justo, pois em
favor de quem faça o bem alguém teria a coragem de morrer.)

Parece que Paulo abre espaço para um comentário particular acerca da morte de Jesus
nesse versículo. Como entender essa observação? Não existem pessoas que morrem por


























































34
Cf.
Gingrich,
pg
36.

35
Fitamyer,
pg
398.



 14



pessoas justas, e são muito poucas as pessoas que podem morrer por pessoas
consideradas boas ou “por uma boa causa”36. Se esse fato é real, quem morreria por
“fracos” e “ímpios”? Diante dessa contraposição de idéias, há, sem dúvida, uma
exaltação implícita de Paulo da obra salvífica de Cristo, concretizada na cruz. Na posição
de Paulo, somente Deus poderia fazer algo que, na visão humana, seria um enorme
paradoxo, ou seja, faria mais sentido morrer por alguém que valesse a pena do que por
uma pessoa que é meu próprio adversário.

8. συνίστησιν δὲ τὴν ἑαυτοῦ ἀγάπην εἰς ἡµᾶς ὁ θεὸς ὅτι ἔτι ἁµαρτωλῶν ὄντων
ἡµῶν Χριστὸς ὑπὲρ ἡµῶν ἀπέθανεν. (Mas Deus demonstra seu próprio amor para
conosco porque Cristo morreu quando ainda nós éramos pecadores.)

Essa é a razão pela qual Deus escolheu os “fracos” e “ímpios” para enviar o seu Filho em
sacrifício definitivo. Deus demonstra, ou mostra (suni>sthmi), o seu amor por nós não
apenas pelo fato de Cristo ter morrido. Paulo não deseja discutir na morte por si mesma,
mas a qualidade dessa morte. Jesus morreu não para ser um mártir político e insuflar
posteriormente a mente dos seus seguidores por um propósito secular, mas sim, Cristo
morreu pelos transgressões de pessoas que ainda estavam mergulhadas em seus pecados.
É em favor (ὑpe>ρ), dos ἁµαρτωλῶν , ou seja, pecadores, é que Cristo morreu.

4.3. Os efeitos futuros da justificação-reconciliação.

9. πολλῷ οὖν µᾶλλον δικαιωθέντες νῦν ἐν τῷ αἵµατι αὐτοῦ σωθησόµεθα δι’


αὐτοῦ ἀπὸ τῆς ὀργῆς. (Portanto, muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu
sangue, seremos salvos, por meio dele, da ira.)


























































36
Fitzmayer,
pg
399.



 15



Paulo complementa o desenvolvimento do versículo anterior. Se Deus demonstrou o seu
amor por meio de Cristo quando ainda éramos pecadores, muito mais agora que somos
justificados seremos salvos da ira divina. Paulo leva seu raciocínio mais longe: se Cristo
morreu por pecadores, quanto mais, ou muito mais (πολλῷ οὖν µᾶλλον) ele nos salvará
da ira vindoura de Deus (acerca da qual Paulo explica em Rm 1). A expressão traduzida
como “muito mais ainda” na NVI, é usada por Paulo diversas vezes nos seus escritos, e
pelo menos quatro vezes dentro do versículo 5. De acordo com Dunn, a fórmula
recorrente “πολλῷ οὖν µᾶλλον” no corpus paulinus vem do exemplo rm,Axw" lq; (leve e

pesado) dos escritos rabínicos37, ou seja pares de idéias que se completam no final.

Paulo volta ao verbo que iniciou o capítulo 5: δικαιωθέντες. Ele faz um contraponto
entre a situação atual do crente e a sua condição futura. No presente, estamos justificados
por seu sangue (ἐν τῷ αἵµατι αὐτοῦ σωθησόµεθα) e no futuro, seremos salvos de sua
ira. O substantivo ὀργῆς pode ser entendido aqui como o juízo final de Deus, o dia em

que ele exercerá a sua justiça de acordo com o conceito veterotestamentário do ~AyI hw"hy>,
o “Dia do SENHOR”. De acordo com Dunn, a adição do aoristo, seguido pelo futuro,
demonstra uma tensão escatológica presente no desenvolvimento de Paulo38. Mais uma
vez temos a tensão entre o “agora” e o “ainda não”.

10. εἰ γὰρ ἐχθροὶ ὄντες κατηλλάγηµεν τῷ θεῷ διὰ τοῦ θανάτου τοῦ υἱοῦ αὐτοῦ,
πολλῷ µᾶλλον καταλλαγέντες σωθησόµεθα ἐν τῇ ζωῇ αὐτοῦ· (Porque se nós
fomos reconciliados com Deus por meio da morte de seu filho, quando éramos
inimigos dele, muito mais estando reconciliados, seremos salvos pela sua vida.)

Mais uma vez, Paulo recorrendo à expressão “εἰ (…) πολλῷ µᾶλλον”, forma mais usual


























































37
Dunn,
pg
257.

38
Dunn,
pg
257.



 16



que “πολλῷ οὖν µᾶλλον”, ressalta a magnitude da obra da Cristo na vida dos salvos.
Porém a tensão passa a ser entre o “inimigo” e o “reconciliado” de Deus. O inimigo de
Deus é aquele que de acordo com Cranfield é “hostil” a Ele39. Jesus, mesmo diante da
hostilidade e da inimizade estabelecida entre Deus e os homens, “deu o primeiro passo”
em direção do homem, reconciliando em si as duas partes. Logo, já não há mais
inimizade entre Deus e a humanidade que crê Nele. Diante disso, a tarefa de salvar pela
sua vida os que já são reconciliados parece ser mais fácil. Paulo tem a preocupação de
não dissociar a justificação da reconciliação.

Ainda segundo Cranfield, a reconciliação possui uma conotação mais pessoal do


que a justificação, termo mais repleto de um sentido mais jurídico-forense. Essa
reconciliação foi conquistada mediante a morte do “seu filho”. Para Calvino, “dizer que
fomos reconciliados com Deus por meio da morte de Cristo significa que foi um
sacrifício expiatório, através da qual Deus foi pacificado com relação ao mundo”40.

A idéia de uma reconciliação mediada por uma pessoa era familiar no Antigo
Testamento (e.g., Moisés, Arão, Finéias). Porém, diferente do Antigo Testamento, no
Novo, Deus além de tomar a iniciativa, Ele mesmo age em favor dessa reconciliação.
Estando já reconciliado com Deus por Cristo, “seremos salvos pela sua vida” (A21). O
termo zwh> dentro desse contexto não aponta apenas para a vida presente, mas
prioritariamente para a vida do Cristo ressurreto. Assim, Paulo lança esperança no
coração dos cristãos no sentido de que a nossa condição de reconciliados com Deus gera
uma conseqüência futura, que é a participação da ressurreição de da vida eterna no Filho.
Essa vida eterna foi justamente conquistada pela morte, pela qual é selada a
reconciliação. Portanto, a morte do Filho gera vida eterna no Filho.


























































39
Cranfield
,
pg
111.

40
Calvino,
pg
198.



 17


11. οὐ µόνον δέ, ἀλλὰ καὶ καυχώµενοι ἐν τῷ θεῷ διὰ τοῦ κυρίου ἡµῶν Ἰησοῦ
Χριστοῦ, δι’οὗ νῦν τὴν καταλλαγὴν ἐλάβοµεν. (Não somente isso, mas nos
orgulhamos também em Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, por
intermédio de quem recebemos, agora, a reconciliação.)

Paulo tem algo a mais a dizer: “e não somente isso, mas também” (οὐ µόνον δέ, ἀλλὰ
καὶ) que podemos viver uma vida de alegria, orgulho, glória e exultação em Deus. Se
antes éramos inimigos separados por um abismo intransponível, agora, desfrutamos de

um grau de proximidade tal, que estamos em Deus (ἐν τῷ θεῷ41). Algumas versões
variam na tradução de καυχώµενοι: a maioria das versões do português, como a A21,
trazem: “nos gloriamos”, porém, em versões inglesas como a NIV encontramos: “we (…)
rejoice”. Porém, os dois sentidos, gloriar, orgulhar ou alegrar, se complementam em
expressar o estado de espírito das pessoas que foram justificadas-reconciliadas com
Deus.

Como não poderia deixar de ser, Paulo tributa a Cristo a realidade da proximidade
com Deus. Quando lemos “διὰ τοῦ κυρίου ἡµῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ” devemos ter em
mente que esse Cristo que nos reconciliou com Deus é Senhor Absoluto sobre todas as
coisas. Foi por meio dele que recebemos agora (νῦν), ou seja, desfrutamos no presente
momento, o privilégio de não mais sermos chamados de inimigos, mas amigos de Deus.
Se entendermos que a justificação-reconciliação é obtida por meio de Cristo, logo, a lei e
as tradições judaicas perdem espaço e o seu papel prioritário na vida dos cristãos. Não

podemos mais ser considerados qyDIc; pelas obras, mas di>kaiov em Cristo. O Aoristo

ἐλάβοµεν indica que a ação da reconciliação teve um começo pontual no passado, porém


























































41
Caso
Locativo.



 18



ela é desfrutada até o agora (νῦν) e serve de ponte para a esperança do futuro42.

5. SIGNIFICÂNCIA DO TEXTO E CONCLUSÃO.

Esse texto onde Paulo nos mostra a dimensão da justificação pela fé, é base para aquilo
que entendemos ser a “salvação” por intermédio de Cristo. Entendemos que nesse
processo, o mérito humano é irrelevante comparado com a graça manifesta de Deus na
pessoa de seu Filho Jesus. Essa justificação e reconciliação com Deus faz-nos viver numa
dimensão diferente de vida em relação àquelas pessoas que não conhecem da Verdade. Se
o mundo busca viver e gozar ao máximo da sua existência efêmera sobre a terra, sem
nenhuma perspectiva verdadeira do post-mortem, nós podemos viver essa vida motivados
pela esperança de estarmos eternamente na presença “da glória de Deus”. Isso nos leva a
viver uma vida cristã de equilíbrio entre o agora e o por vir: não vivendo como se o
amanhã não existisse, e tão pouco não vivendo o hoje em função do amanhã. A
Justificação-Reconciliação de Deus pode ter início pontual na nossa existência, porém,
seus efeitos e seu poder se estendem não somente aqui na terra, mas como também na
eternidade.

Algumas lições são importantes nesse trecho estudado: primeiramente, somos


justificados pela fé, mediados pela obra redentora de Jesus Cristo. Isso é importante
porque nos revela que tudo o que somos, nessa nova condição de vida em Cristo, vem do
próprio Cristo. Não há méritos pelas quais o homem possa se gloriar. O único motivo que
o texto apresenta para nos gloriarmos é na “esperança da glória de Deus”.

Em segundo lugar, por intermédio do sacrifício de Jesus, temos paz com Deus. Não

























































42
Dunn,
pg
261.



 19



somos mais ímpios condenados ao inferno, pelo contrario, pela graça fomos salvos e
inocentados. Nossa relação de separação com Deus foi anulada e unida por Cristo, e
sendo assim, podemos viver não somente com paz com relação ao próprio Deus, mas
também em relação à minha própria vida e a dos meus semelhantes.

Em terceiro lugar, a paz que Deus nos concede nos permite viver, mesmo que sendo
sob as piores condições de sofrimento e tribulação, porque a paz nos faz estar abertos à
ação de Deus em todas as circunstâncias, inclusive nas dificuldade. Nesse processo nasce
a verdadeira esperança. A tribulação tira o foco de nossas vidas e a centralidade de nossas
necessidades. Ao vermos a nossa fragilidade em meio às dificuldade, desviamos nosso
olhar a Deus que se torna única fonte de força e conforto. As tribulações geram não
apenas a expectativa da solução dos problemas, mas do descanso eterno, da paz eterna, a
ser completada e desfrutada “naquele dia”. Por isso, podemos nos alegrar nas tribulações.

Em quarto lugar, Paulo nos faz meditar acercada grandeza da obra de Cristo na
Cruz. Em poucas palavras, ninguém faria isso: nem por justos, tão pouco por pecadores.
Porém, o amor de Deus se manifestou no mundo na pessoa de Jesus. Somente por meio
Dele é que podemos desfrutar da real justificação.

A justificação, em último lugar, só pode ser entendida e vivida juntamente com a


reconciliação. São “dois lados de uma mesma moeda”. Tanto o aspecto legal, com
relação à lei e à justiça, quanto o aspecto relacional, são solucionados em Cristo Jesus.
Com base nisso, de acordo com os versículos 9 e 11, podemos ser “salvos da ira” e
“salvos pela sua vida”. Já não há juízo, no sentido de condenação, para os que crêem.
Aqueles que entendem o Evangelho e se submetem a ele podem gozar também da vida
em Cristo. Justificados e reconciliados podemos viver o hoje da melhor forma possível,
com a firme esperança de que há o amanhã e de que mesmo na eternidade nunca


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deixaremos de ser em Cristo “justificados” e “reconciliados” com Deus?

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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTH, Karl. Carta aos Romanos, Novo Século, São Paulo, 1999.

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 21



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