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Tpragrama de Formagdo de trafecrorse AMfabeticaderes 1U O que esti escrito & 0 que se pode ler: a interpretacho de um texto associado a uma damagem Telma Weisz Como sabemos, as criancas constroem hipoteses sobre como se escreve, e muitos professores jf ouviram falar disso. No entanto, parte importante e pouco conhecida das investigagdes sobre 2 aquisi¢io da escrita se refere a0 que poderiamos chamar hipéteses de leitura, isto 6, sio as idéias que as criangas constroem sobre © que estd ou nao grafado em um texto escrito e o que se pode ler ou nio nele. As criangas, antes de aprenderem a ler e escrever, constroem idéias distingdes que parecem estranhas aos nossos olhos alfabetizados. Em uma fase muito inicial, raramente observada em grupos de classe média, encontram-se criangas para quem as letras ainda no so objetos substitutes (isto , objetos cuja fungio ¢ representar outros abjetos). Emilia Ferreiro’ comenta: "gragas aos sujeitos menores de nossa amostra de classe baixa podemes afirmar a realidade desse nivel", E reproduz entrevistas de criancas de 3 e 4 anos como, por exemplo, o didlogo abaixo: Martin (3 anos € 5 meses) observa conosco uma série de cartelas com desenhos, alguns dos quais trazem um texto: Entrevistador Crianga © que ¢? (mostrando a imagem) Um boneco que se poderia ler aqui? (mostrando 0 texto) Letras Nas letras diz letras? (Concorda) ‘Olha, ¢ esta tem letras? (mostrando imagem sem texto) (Nega) © quee Um boneco Vou colocar letras. Nas letras... 0 que estou pondo? Letras Letras que dizem 0 qué? Letras | No arige "Or processor conetrutwor de aproprago ds erent ai Ox proceson de lture «esr seas parca p10, arasr¢* 1 Na primeira parte do video O que Estd Escrito e 0 que se Pode Ler, Ricardo Patrick (5 anos e 6 meses) — para quem imagens e textos podem compartilhar o mesmo espaco sem que isso indique que haja qualquer relagdo entre ambos — nos di z seguinte interpretag3o para a cartela R e ° G 1 90 | It | | to \sinterpretagio: ce qua 6 ch ce qua Dinterpretagio: ci = 8 ce ch_— Beech interpretagao: cd é qi 6 cf e lis Para Ricardo Patrick, as letras sio apenas letras.© que ele jd sabe é que elas tém nome. E quando the perguntam 0 que esta escrito nelas,o que “dizem" as letras, faz com que elas “digam’ nomes de letras, ou melhor, "nomes’ que parecem de letras. Depois que as letras se tornam objetos substitutos, as criangas costumam pensar que qualquer coisa que esteja escrita perto de uma figura deve ser o nome da figura. Elas imaginam também que. se em uma caixa de remédio hi algo escrito, deve ser "remédio" ou, quem sabe, "pilulas". A hipétese de que 0 que esta escrito junto de uma imagem deve ser seu nome fica evidente quando perguntamos a criangas que nao sabem ler o que se vé em uma figura e elas respondem: "uma bola" (ou "uma boneca", ou "uma bicicleta” ...),€ quando perguntamos o que esté escrito junto da bola ela diz apenas "bola" (ov "boneca’, ou "bicicleta’, omitindo 0 artigo indefinido). Essa distin¢ao sutil € sistematica e caracteriza o que Emilia Ferreiro chamou a "hipétese do nome", Isto € que no inicio as criangas pensam que 0 que se escreve sio apenas os nomes. Investigando essas idéias infantis ela descobriu coisas interessantes: * Uma das primeiras idélas que as criangas elaboram em relagio ao significado de uma sequiéncia de letras ¢ a seguinte:as letras representa © nome dos objetos. Santiago, um menino de 3 anos pertencente a classe média.a mais jovem das criangas que acompanhamos longitudinalmente, fol quem fez explicitamente essa afirmagio. Enquanto olhava um novo carrinho de brinquedo, descobriu as letras impressas no objeto e, apontando para essas letras, disse:"Aqui estio as le- tras. Elas dizem 0 que é”. O texto escrito na verdade dizia "México", mas Santiago achou que estava escrito "carro", De modo semelhante, as criangas acham que as letras impressas em uma lata de leite dizem "leite": que as letras em um relogio dizem “relogio", ¢ assim por diante. O significado de um texto escrito é, portanto, inteiramente dependente do contexto. Se 0 contexto for um livro com figuras, imagina-se que as letras "digam" o nome dos objetos ilustrados. A proximidade espacial entre a escrita e as gravuras ¢ a informagao relevante que as criangas procu- ram para descobrir qual dos textos escrites poderia "dizer" 0 nome de cada objeto ilustrado. ya canvarlons” capi do lire Mfabeiacto a explana iia da autora 6 resleados Experimenco descito no argo de Emil Ferrero "A hterpretgio da excrit anea ten proceso, da Edtora Cortex, Usaremoe a seguir vrlosIagmentox deise artigo par ‘estas nvesugacons, ruse 2 Em um grupo de criangas entre 3 e 5 anos, de diferentes origens socials, que a pesquisadora acompanhou durante dois anos, realizando entrevistas individuais a cada dois meses, apresentou-se as criancas um conjunto de cartoes com imagens e um conjunto de cartelas com textos escritos Nenhuma das criangas sabia ler ou conhecia de meméria a forma do que estava escrito nas cartelas, Solicitava-se a elas que pareassem as figuras com os escritos que "combinassem" com elas. Depois se pedia a cada crianga que dissesse o que estava escrito em cada uma. As criangas [...] deixam evidente que o significado atribuido ao escrito (texto) depende incei- ramente do contexto: 0 significado do texto muda tantas vezes quantas varia © contexto, Por exemplo, se um determinado texto tiver sido colocado em relacio a imagem de uma girafa,"ele diz girafa", mas o mesmo texto escrito pode “dizer” outros nomes (leo, "cavalo etc., se 0 conjunto de cartdes ilustrados for um conjunto de animais). © mesmo texto escrito pode "dizer" novamente "girafa" se for outra vez colocado nas proximidades daquela imagem. [..] E dessa forma que pensam Johnny William (4 anos e 8 meses), Cassio (5 anos e 9 meses) € Guilherme Pereira (5 anos e 6 meses).’ Eles nos ajudam a compreender um momento da evolusio fem que as letras ja alcangaram sua condicio de objeto que representa outro e as criancas jé construiram uma hipdtese interessante: um conjunto de letras que acompanha um desenho ou uma foto deve ser a escrita do nome daquilo que aparece na imagem. No entanto, para as criangas que pensam como Johnny William, Cassio e Guilherme Pereira, a escrita ainda nfo adquiriu uma qualidade que Ihe é fundamental: a estabilidade, a permanéncia Como nos explicou Guilherme Pereira, se 0 conjunto de letras onde estava escrito 0 nome do {edo vai para junto da figura do elefante, ‘vira” o nome do elefante. E, quando nome atribuido antes ao elefante vai para perto da figura do macaco, "vira" © nome do macaco. Essa total dependéncia do texto com relagio ao contexto ¢ ultrapassada — como vemos com Bruna, Murilo e Karine — e, quando isso acontece. as criangas ficam até um tanto surpreendidas com © inusitado da pergunta.’ A partir de entio, com a "hipétese do nome" bem estabelecida, as criangas comesam a ter a possibilidade de considerar algumas propriedades do préprio texto escrito em relagio com a imagem. Esse € 0 caso de Guilherme Cruz’ que, diante da necessidade de dar conta dos trés segmentos que ele reconhece no texto "esta bolsa minha’ associado & imagem de uma bolsa, interpreta-o como: ESTA BOLSA E MINHA | | | mo chi la JA Stephanie,’ que também leva em conta que © texto, além de estar escrito em duas linhas, é composto por varias partes, atribui a cada uma delas um nome diferente — mas sempre um nome. Todos, de alguma forma, relacionados ao que esté representado na imagem. Diante de uma cartela onde se vé 0 desenho de uma paisagem com pelxes, arvores, casas etc,, Stephanie produz 2 Seguinte interpretacao para o texto: (OS PEIXES ESTAO | I peixes Arvore Que vinos no video 0 que Eid Esco » que ve Pode Ler I pute “em, ern. idem mare’ 3 NADANDO NO RIO. | | casa planta E,finalmente, além das propriedades quantitativas, as criancas, ainda antes de serem capazes de ler convencionalmente, podem comecar a considerar também as propriedades qualitativas do texto.Tanto para ajudar a antecipar o significado do que esta escrito, quanto para verificar a adequacio de suas antecipagdes. Como vemos Camila’ fazer diante da imagem de um morango e do texto: ADORO MORANGO | | salgado morango © que sera que faz Camila ler salgado em “adoro”? € 0 fato de que, quando ela escreve, produz escritas sildbicas usando principalmente as vogais. E por isso que ela imagina que "salgado” pode comegar com "a", Se © professor niio conhece as hipéteses infantis sobre o sistema de escrita’, nio tem como interpretar © que Camila fez a nao ser tratando suas respostas como tolice ou erro. Compre- ender a evolugio das idéias infantis sobre a escrita e sobre a leitura é muito importante. Sio essas informagées — que s6 a investigacao propicia — que Ihe permitem ultrapassar as limitagdes do nosso olhar alfabetizado e considerar o ponto de vista do aluno. Para saber mais sobre este tema leia: Emilia Ferreiro. "Os processos construtivos de apropriagio da escrica’. In: Emilia Ferreiro & Margarita Gomes Palacio. Os processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre, Artes Médicas, 1987. "Leitura com imagem’, capitulo do livro Psicogénese da lingua escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky. Porto Alegre, Artes Médicas. * Wem 1 Ver videos Corstugto da Estee Conseugio do Esrit: PimeisPosos. mruere| 4

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