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Fernando Pessoa Almeida Garrett

Sim, sei bem Seus Olhos


Que nunca serei alguém. Seus olhos --- se eu sei pintar
Sei de sobra O que os meus olhos cegou ---
Que nunca terei uma obra. Não tinham luz de brilhar.
Sei, enfim, Era chama de queimar;
Que nunca saberei de mim. E o fogo que a ateou
Sim, mas agora, Vivaz, eterno, divino,
Enquanto dura esta hora, Como facho do Destino.
Este luar, estes ramos, Divino, eterno! --- e suave
Esta paz em que estamos, Ao mesmo tempo: mas grave
Deixem-me crer E de tão fatal poder,
O que nunca poderei ser. Que, num só momento que a vi,
Almeida Garrett Queimar toda alma senti...
Voz e Aroma Nem ficou mais de meu ser,
A brisa vaga no prado, Senão a cinza em que ardi.
Perfume nem voz não tem;
Quem canta é o ramo agitado,
O aroma é da flor que vem.
A mim, tornem-me essas flores
Que uma a uma vi murchar,
Restituam-me os verdores
Aos ramos que eu vi secar...

E em torrentes de harmonia
Minha alma se exalará,
Esta alma que muda e fria
Nem sabe se existe já.

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