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Microbiologia

Streptococcus

(continuação da aula anterior)


Cocos Gram positivos: Micrococcus

• São agentes da população microbiana normal da pele, mucosa e orofaringe;


• Mecanismos de virulência não são conhecidos, portanto, para já são aparentemente inofensivos e
raramente implicados em doença; quando são isolados temos de saber se devemos ou não valorizar, o
que depende do contexto clínico;
• São microrganismos que existem na vida livre, no ambiente, ao contrário dos Staphylococcus que vimos
na aula anterior;
• As colónias são muito coloridas, avermelhadas, têm muito pigmento, o que não acontecia com os
Staphylococcus;

Microrganismos mais frequentemente isolados


Nas estatísticas, os Staphyloccocus são os organismos mais frequentemente isolados nos laboratórios de
microbiologia e são a maior fatia dos agentes que nós isolamos no hospital.

Em termos de resistência aos antimicrobianos, os Staphylococcus já são na sua maioria produtores de


beta-lactamases, tanto os Staphylococcus aureus como os Staphylococcus coagulase negativo, o que os
torna resistentes à maioria dos beta-lactâmicos. Estes só seriam sensíveis, então, àquelas penicilinas que
são resistentes às beta-lactamases, aqui um exemplo é a oxacilina ou meticilina (no laboratório ensaiamos a
meticilina, mas equivale à susceptibilidade à oxacilina).
Entre nós, a percentagem de resistência à oxacilina é enorme e maior do que a da maior parte dos
países da Europa; são os tais MRSAs resistentes à meticilina. Resistência à vancomicina ainda não temos,
mas estamos com atenção porque de facto pode aparecer. Já apareceu uma ou outra estirpe isolada no
mundo mas entre nós ainda não. Ás vezes é o único fármaco que temos disponível e é bastante tóxico, tem
alguns problemas, mas ainda temos susceptibilidade à vancomicina.

Conclusões
Em suma, os Staphylococcus:
• cocos de Gram positivo;
• catalase positivo;
• habitantes normais da pele e das mucosas, embora também aí possam dar problemas e invadir se
tiverem portas para entrar (fissuras, feridas…);
• mecanismos de patogenicidade: estruturais (parede do Gram +, cápsula…), mas são sobretudo grandes
produtores, para o meio extracelular, de hemolisinas e outras toxinas…
• muito resistentes à terapêutica – grande existência de MRSAs, sobretudo a nível hospitalar.

(Hoje a aula já é de Streptococcus e Enterococcus, mas Enterococcus só vamos falar na próxima aula.)

Dantes metidos no mesmo grupo, os Enterococcus eram uma espécie de Streptococcus,


Mas hoje em dia detectaram-se muito mais diferenças do que semelhanças entre os dois grupos e isso
justificou fazer-se um género à parte.

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Streptococcus
Objectivos:

Vamos ver as características gerais, algumas particularidades de epidemiologia, os mecanismos de


patogenicidade mais importantes, as principais doenças e como fazer o seu diagnóstico.

Características gerais:

• são cocos Gram positivos; ao contrário dos Staphylococcus que estavam permanentemente em
aglomerado, aqui vão estar em cadeia ou aos pares (tipicamente, não quer dizer que seja
patognomónico)
• são capsulados, não esporulados e imóveis (como os Staphylococcus)
• a grande diferença é que são todos catalase negativos (e então quando temos um coco Gram positivo a
primeira coisa que temos a fazer é a catalase, se for positiva é um Staphylococcus, se for negativa é um
Streptococcus ou um Enterococcus);
• grupo diversificado, alguns podem ser comensais outros por si só são normalmente patogénicos e
invasores;
• grande variabilidade na patogenicidade e na susceptibilidade a antimicrobianos; os Streptococcus de uma
maneira geral são muito susceptíveis aos antimicrobianos ao contrário dos Enterococcus que são dos
microrganismos mais resistentes (estas e outras diferenças justificaram a separação, mas foram
sobretudo estudos genéticos que vieram a separar estes dois grupos).

Classificação dos Streptococcus:

São os microrganismos cuja classificação e identificação é mais complexa. Em termos de


Staphylococcus, a identificação era bioquímica, ou seja o comportamento para determinados açúcares e
determinas proteínas. O que vai identificar os S. aureus dos outros é a coagulase, que também é uma prova
bioquímica, mas mesmo dentro dos Staphylococcus coagulase negativo fazíamos uma bateria de provas
bioquímicas para os identificar. Nos Streptococcus a classificação é mais complexa e dizemos que é mista:
1. serve-se muito do aspecto das colónias e uma das coisas muito importantes é o padrão hemolítico
dos Streptococcus, são beta-hemolíticos se provocam uma hemólise total, α-hemolíticos, se
provocam uma hidrólise parcial, ou não hemolíticos (isto ajuda logo a agrupa-los);
2. Rebeca Lancefield estudou muito bem a composição antigénica da parede e dividiu-os por vários
grupos; era bom se pudessemos encaixá-los todos nestes grupos, mas há alguns Streptococcus que
não têm antigénios típicos na parede, ou seja não conseguiram ser classificados por esta
classificação, portanto alguns têm o padrão hemolítico e a composição antigénica, outros não têm o
padrão antigénico específico;
3. ainda algumas provas bioquímicas, mas novamente nem todos são passíveis de serem classificados
por provas bioquímicas.
Portanto, uma classificação complexa, mista e normalmente nos laboratórios de rotina baseada na
hemólise, antigénios da parede, quando possível, e propriedades bioquímicas.
A nível de investigação, a genética dá uma grande ajuda na classificação.

Mecanismos de patogenicidade:

Alguns são parecidos com os dos Staphylococcus. Têm uma constituição estrutural idêntica à dos Gram
positivos:
• cápsula, já vimos como era um importante mecanismo;
• parede com proteínas, carbohidratos e grande quantidade de peptidoglicano, tal como os
Staphylococcus;

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• têm na sua constituição o ácido lipoteicoico que é muito importante na adesão (o primeiro passo para
haver patogenicidade é haver adesão);
• têm ainda uma proteína M, que é muito antigénica, ou seja, faz despertar muito uma reacção
imunológica; há mesmo alguns Streptococcus que foram destituídos de proteína M e deixaram de ter
potencial de patogenicidade; curiosamente é uma proteína imunogénica que faz com que o nosso
organismo produza anticorpos que muitas vezes vão ter um efeito contraproducente porque para além de
neutralizar a proteína, que era o objectivo da produção de anticorpos, vão eles mesmo atacar estruturas
do nosso organismo, portanto, há aparentemente algumas semelhanças antigénicas entre os
Streptococcus e algumas estruturas do nosso organismo, daí que vamos ter algumas doenças que são
não só infecciosas mas imunológicas, ou seja, doenças auto-imunes;
• tal como os Staphylococcus (fiquem com a ideia de que Gram positivos = grandes produtores de toxinas
extracelulares), são capazes de produzir toxinas terríveis e superantigénicas que vão dar doenças
sistémicas, mas também enzimas como a estreptoquinase que digere a fibrina, a estreptodornase ou
desoxirribonucleases muito responsáveis por destruição do tecido e invasão pela bactéria, hialuronidases
que destroem o tecido conjuntivo e as tais hemolisinas que degradam os glóbulos rubros, neste caso
também designadas por streptolisinas (enzimas produzidas pelos Streptococcus; muitos são produtores
de β-hemólise, mas não só, também podem ser produtores de α-hemólise).

Streptococcus pyogenes do grupo A


O Streptococcus pyogenes é um Streptococcus do grupo A porque a estrutura antigénica da sua parede
aglutina com o grupo A na classificação de Rebeca Lancefield.

Características gerais:

• Responsável pelas amigdalites bacterianas que todos nós já tivemos; muitas aparecem-nos com pus na
garganta, exsudados, mas não é muito fácil na clínica descobrir se terá origem bacteriana ou vírica, mas
é importante colocar a hipótese de ser este Streptococcus, fazer o diagnóstico e tratar cedo para evitar as
complicações que vamos ver;
• o maior reservatório é a mucosa oral e nasal;
• não se sabe bem porque é que podemos ser portadores do S. pyogenes e não há problema nenhum,
mas de repente, por alguma quebra no sistema imunológico, ele consegue levar a sua avante e infectar;
• há muitos serótipos e isso é importante porque nós vamos produzir anticorpos contra um serótipo dos S.
pyogenes, o que pode impedir de termos este tipo de infecções, mas depois podemos ter outra infecção
por um S. pyogenes serologicamente diferente;
• é um dos agentes mais agressivos;
• estão descritas várias proteínas: proteína F (ligação à fibronectina), proteína M (que para além de
antifagocítica, é também muito imunogénica);

Patologia causada por S. pyogenes:

• faringite/amigdalite (+ frequente nos jovens e nas crianças) com aspecto exsudado, pus, portanto são
cocos piogénicos; quando se olha para a garganta e se vêm bolas de pus é a favor de ser uma doença
bacteriana, mas também pode não ser… uma colheita é importante para distinguir;
• infecções da pele (o impétigo), erisipelas, celulite, fasceíte;
(estas doenças também poderiam ser provocados pelos Staphylococcus, sobretudo o aureus; aqui as
diferença são sobretudo as faringites/amigdalites que são mais devidas aos Streptococcus do que
propriamente ao aureus)
• também pode dar doenças sistémicas como pneumonia, bacteriemia e febre no pós-parto.

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Doenças devido às toxinas:

• escarlatina – muitas vezes após uma faringite, uma infecção pelo Streptococcus, este agente pode ser
lisogenizado por um bacteriófago, que lhe passa material genético, e faz com que ele produza a toxina;
portanto há estirpes que são lisogénicas, ou seja, que têm este Fago no seu interior, e estirpes que não;
muitas vezes temos a amigdalite e fica por ali, outras vezes, se tivermos esta estirpe lisogénica, podemos
ter mais tarde a escarlatina;
A escarlatina tem como aspecto: rubor na face, que se espalha depois por todo o tórax e que depois
passa a descamação fina que parece lixa;
Portanto, é causada pelo Streptococcus pyogenes se for parasitada pelo Fago, conseguindo produzir a
toxina que causa a escarlatina;
• síndrome de choque tóxico, parecido com o do Staphylococcus, que dá uma falência multiorgânica e
muitas vezes mortal;

Doenças pós-estreptocócicas imunológicas:

Felizmente são relativamente raras. Em termos de tratamento já não vamos recorrer a antimicrobianos,
vamos tratar sintomaticamente com anti inflamatórios porque os anticorpos não se tratam com antibióticos. Já
passou a infecção bacteriana e isto é uma consequência de ter havido produção de anticorpos contra a
bactéria.
Muitas vezes formam imunocomplexos que se vão depositar a nível renal produzindo glomerulonefrite
pós-estreptocócica ou são anticorpos que têm tanta semelhança com as nossas células, nomeadamente com
as células do miocárdio, que vão originar a tal febre reumática, que pode ser só aguda ou deixar sequelas
para toda a vida.

• glomerulonefrite pós-estreptocócica – normalmente 1 a 3 semanas após a pessoa ter tido uma amigdalite,
uma faringite, uma infecção que pode ser também cutânea pelo Streptococcus, vai haver deposição de
imunocomplexos no rim. É a teoria mais recente, embora já se tenha falado em serem os próprios
anticorpos a atingirem o rim. A reacção antigénio-anticorpo é do tipo chave-fechadura e a formação dos
tais imunocomplexos que se depositam no rim dão uma insuficiência renal com edema, hematúria,
proteinúria e até hipertensão;

Os Streptococcus têm muitos serótipos e são os serótipos 12, 49, 55 e 57 que mais frequentemente dão
glomerulonefrite (não é preciso estarem a decorar estes números até porque normalmente no exame
bacteriológico não vêm mencionados os serótipos do Streptococcus, interessa é perceberem que há
muitos serótipos e que felizmente temos muitas amigdalites e não vamos ter sempre glomerulonefrites);
portanto, alguns têm antigénios mais problemáticos que dão uma resposta imunológica mais complexa;

Não é frequente a recidiva de glomerulonefrite ao contrário da febre reumática;

• febre reumática – está atribuída a anticorpos anti-estreptolisina O; a estreptolisina O tem antigénios, um


dos quais faz despertar a formação de anticorpos anti-estreptolisina O. É importante saber o nome
porque muitas vezes é um teste que se pede: doseamento de anticorpos anti-estreptolisina O.

Mas há outros anticorpos: anti-laminina, anti-colagénio, e outras macromoléculas, em suma anticorpos


que se produzem contra tecidos do nosso organismo.

Há sobretudo reacção cruzada com os tecidos cardíacos, musculo-esqueléticos; por vezes dá dores
articulares, febre, endocardite, portanto há uma inflamação das membranas cardíacas e muitas vezes
poliartralgias que podem ser tão agudas (isto é + frequente nas crianças) que impedem uma criança de
andar, embora possam ser também assintomáticas.

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3% dos indivíduos com faringite estreptocócica não tratada ou mal tratada desenvolvem febre reumática;
felizmente temos as nossas amigdalites e nem sempre desenvolvemos febre reumática porque mais uma
vez só alguns serótipos é que vão dar origem à produção de anticorpos que agridem as nossas
membranas, neste caso o 1, 3, 5, 6, e 18 são os mais frequentes.

Porquê mal tratada ou não tratada? Porque como vocês sabem, a resposta imunológica demora algum
tempo a desenvolver, embora comece mal haja contacto com o agente. No entanto, é importante
começar rapidamente o tratamento antibacteriológico (embora por vezes o diagnóstico entre vírus e
bactéria seja difícil de estabelecer). Se conseguirmos debelar a infecção é menos provável que a
resposta imunológica ocorra e a amigdalite tem poucas consequências, enquanto que a febre reumática
pode ter consequências muito graves.

Cerca de 1% das crianças em idade escolar podem ter febre reumática;

Ao contrário das glomerulonefrites, está descrito que esta doença ocorre mais após infecções
respiratórias; não está descrito que infecções cutâneas possam dar febre reumática;

Podem ocorrer surtos múltiplos de febre reumática; por exemplo: tive uma amigdalite, tenho um processo
de febre reumática, e posso ter várias vezes porque os Streptococcus são banais, comensais e temos
contacto com muitos serótipos ao longo da vida. E vocês sabem que uma segunda reacção imunológica,
quando já se conhece o agente, é muito mais violenta. Assim, se uma criança teve febre reumática, tem
riscos de a ter novamente e a segunda vez muito mais grave do que a primeira. O tratamento
normalmente é uma terapêutica sintomática porque não faz sentido nenhum na febre reumática, na fase
em que já desapareceu a amigdalite, estar a tratar com antimicrobianos, embora isto seja um erro
frequentíssimo; e mais, às vezes é feito o doseamento de anticorpos anti-estreptolisina O, vê-se que tem
um valor muito elevado, porque muitas vezes são crianças que fazem amigdalites de repetição, e tratam
com penicilina. Claro que os anticorpos ficam na mesma, não é?

Em pessoas que tiveram febre reumática, para evitar que tenham outro surto, faz-se profilaxia da febre
reumática, ou seja, os indivíduos fazem uma dose mensal, normalmente de penicilina de longa duração
(os Streptococcus pyogenes ainda são dos que têm mantido mais susceptibilidade à penicilina). Se a
pessoa mesmo assim tiver uma amigdalite tem de tratar com uma dose mais elevada.
Até quando é que se deve fazer profilaxia? Isto também vai variando com as edições do Harrison. A
epidemiologia começa a ser muito importante na rotina e nós vamos fazer até achar que vale a pena, ou
seja, enquanto o benefício for maior que o risco. Sabe-se que as infecções estreptocócicas são muito
mais frequentes até à vida adulta e por isso até aos 25, 30 anos vale a pena; não quer dizer que a pessoa
não possa depois ter uma infecção por Streptococcus, mas se já é mais raro, não compensa tanto.
Se uma pessoa que teve febre reumática ficar com algumas sequelas, uma nova estreptococia, que pode
ser provocada por uma manobra dentária (os Streptococcus existem muito na boca), pode ser mortal. Se
se produzirem novamente anticorpos que vão lesar o tecido cardíaco, pode ocorrer insuficiência cardíaca.
Portanto, faz-se profilaxia com antimicrobianos.
Em suma: na fase aguda trata-se com anti-inflamatórios e com repouso porque interessa tratar a
inflamação. Se tratarem a inflamação ela passa a fibrose e uma válvula fibrosada fica deficiente e acaba
por deixar de funcionar ou prejudica a circulação. Ficando documentada a febre reumática faz-se
profilaxia de novas crises de febre reumática até à vida adulta. Se ainda assim tiver estreptoccias, estas
tratam-se com antimicrobianos numa dose mais elevada que a profilática.

Streptococcus agalactiae ou S. do grupo B


Características gerais:

• pode colonizar de forma assintomática;

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• pode ser muito grave nas crianças e sobretudo os recém nascidos são muito susceptíveis;
• por isso faz-se o rastreio das grávidas no final da gravidez para ver se são portadoras de S. agalactiae;
apesar deste microrganismo não constituir nenhum problema para a mãe, faz-se a descontaminação para
a criança não ser contaminada, o que ocorre geralmente na altura do parto, podendo ter uma septicemia
por S. agalactiae, que se for tratada não deixa sequelas nenhumas, mas se não for pode ser mortal.
• fazem adesão, citotoxicidade, invasão e bacteriemia. Causa então doença sistémica, mas que acontece
sobretudo nos RN;
• na maioria são β-hemolíticos, mas por vezes também são α-hemolíticos, pelo que não podemos usar a
hemólise para pesquisar os S. agalactiae.

Doenças provocadas pelo S. do grupo B:

• podem dar qualquer doença desde infecções cutâneas a infecções mais invasivas;
• são sobretudo as grávidas, com quem temos de ter algum cuidado, e mais precisamente na altura do
parto, dado que a contaminação do recém nascido pode dar bacteriemia, meningite e pneumonia (é a
grande preocupação do S. do grupo B); faz-se rastreio, na altura do parto, às 35 a 37 semanas para
evitar que a criança seja contaminada. Se fizermos um rastreio e não houver tempo para tratar, por
exemplo devido a um parto pré-termo, prefere-se fazer cesarianas em vez de via baixa porque é na altura
do parto que a criança é contaminada.
• Mas como nós costumamos dizer “qualquer bactéria pode dar doença em qualquer local”estas são
apenas as mais frequentes.

Streptococcus dos grupos C e G

• β-hemolíticos
• Podem ser oportunistas e existir na população microbiana normal mas também estão descritas doenças
por estes Streptococcus, desde septicemia, faringites, otites, sinusites…

Streptoccus bovis

• Muitas vezes aglutina com serótipo B da Rebeca Lancefield


• Também responsável por septicemia e endocardites

Há muitos Streptococcus que dão principalmente doença nos animais e não têm sido encontrados em
patologia humana.

Streptoccus viridans

• Existem como comensais na boca, mas também têm sido responsabilizados por patologia (há quem os
responsabilize pela cárie dentária)
• Streptococcus viridans diz respeito a um grande conjunto de Streptococcus no qual se incluem:
-S. mutans
-S. anginosus
- S. salivarius
• São normalmente α-hemolíticos (provocam a hemólise parcial dos glóbulos rubros) mas podem ser não-
hemolíticos
• Existem no tubo digestivo, desde a boca até mesmo ao intestino, e também a nível urogenital

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• Podem provocar cárie dentária em alguns indivíduos, embora muitos indivíduos apresentem
Streptococcus viridans na boca e não apresentam cárie dentária (cárie dentária é uma doença
multifactorial, mas se há alguma bactéria directamente a ela ligada, essa bactéria é o Streptococcus
viridans)
• Pode estar associado infecções abdominais, sobretudo pós-cirúrgicas
• Possível associação a endocardites

Streptoccus pneumoniae

• Também chamado pneumococcus


• São Streptococcus que aparecem muitas vezes dois a dois – são diplococos
• São lanceolados (um pouco alongados)
• São sempre α-hemolíticos (hemólise parcial) – característica importante no diagnóstico diferencial

Podemos ser portadores de S. pneumoniae sem ter qualquer problema (e se fizéssemos uma zaragatoa
da mucosa nasal ou orofaringe identificar-se-ia esta bactéria). Ainda assim, este tipo de Streptococcus tem
sido responsabilizado por patologia, particularmente em crianças e idosos (embora qualquer indivíduo possa
ser afectado). A infecção é bastante frequente.

Factores de risco para infecção por S. pneumoniae:

Normalmente a patologia instala-se após uma infecção, por exemplo vírica, que predispõe o indivíduo
para infecção por S. pneumoniae
• Patologias respiratórias como a DPCO (doença pulmonar crónica obstrutiva)
• Alcoolismo
• Diabetes
• Insuficiência renal crónica
• Insuficiência cardíaca

Factores de Patogenicidade:

• cápsula proeminente
• enzimas comuns a outros Streptococcus
• outras enzimas, nomeadamente a pneumolisina (que é uma enzima hemolítica e dermonecrótica)
• carbo-hidrato C que leva ao aumento da quantidade de Proteína C reactiva. O doseamento de proteína C
reactiva constitui um indicador de infecção, embora não necessariamente pelo S. pneumoniae.
• produção um grande número de proteínas de adesão
• produção proteína IgA secretora (protease que leva à destruição das mucosas, favorecendo a invasão do
hospedeiro por S. pneumoniae)
• produção de peróxido de hidrogénio (embora o S. pneumoniae não seja a única bactéria capaz de tal)

Doenças frequentemente causadas por S. pneumoniae ou pneumococcus

• pneumonia
• broncopneumonia
• meningite (a bactéria pode invadir o hospedeiro pela mucosa nasal e depois atravessar a placa crivosa do
etmóide, sendo esta a via pela qual causa meningite)
• septicemia (se a bactéria conseguir alcançar a corrente sanguínea e aí se desenvolver)
• infecções respiratórias altas (otites, sinusites, conjuntivites)

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Diagnóstico laboratorial de ESTREPTOCOCIAS

Colheita do produto:

É dependente da patologia que o indivíduo apresenta:


• Se um indivíduo apresenta uma amigdalite, faz-se uma zaragatoa da amígdala.
• Caso se trate de uma pneumonia faz-se colheita das secreções e, normalmente, também
hemoculturas (porque, sobretudo no indivíduo febril, há bactérias que entram em circulação).
• Numa suspeita de meningite colhe-se liquor.
• Em relação à suspeita de infecção por Streptococcus B numa grávida faz-se colheita de exsudado
vaginal por zaragatoa.

Há outras maneiras, para além das tradicionais, de se fazer o diagnóstico em microbiologia. Uma delas é
pela utilização de anticorpos específicos para cada tipo de Streptococcus. Por exemplo, para identificação do
S. pyogenes (Streptococcus do grupo A), é usual pedir-se teste com anticorpos anti – grupo A.
É frequente os clínicos pedirem testes com anticorpos específicos em casos de infecções respiratórias.
Pedem teste para o tipo de anti-streptolisina O, por exemplo. O importante é saber interpretar o teste
efectuado, ou seja, não se tratam anticorpos com penicilina, ou com qualquer tipo de antibiótico!

Em bacteriologia, os passos de análise laboratorial são sempre idênticos e devemos reter o esquema de
base de análise no laboratório, que acaba, portanto, por ser aplicável a todo o tipo de bactérias (veremos
depois que na parasitologia e na micologia as coisas já se processam de uma forma um pouco diferente).

Uma vez chegado o produto ao laboratório devemos olhar para ele uma vez que o aspecto macroscópico
da amostra é importante.
Se a amostra apresentar um aspecto purulento suspeita-se de uma infecção por um coco Gram positivo.
Se a amostra apresentar um aspecto muito límpido possivelmente não vai crescer nada em cultura e pode até
nem se tratar de uma infecção bacteriana.
De salientar que o aspecto macroscópico não exclui nem confirma nenhuma suspeita embora nos dê
algumas indicações e seja importante analisá-lo.

Microscopia:

Segue-se o exame microscópico:


• A partir do produto que colhemos faz-se um Gram (que já vimos nas aulas práticas).
• Permite dizer se se trata de um coco ou de bacilo, se é Gram positivo ou Gram negativo.
• No das bactérias em discussão nesta aula, tratar-se-iam de cocos Gram positivo, e por estarem
dispostos 2 a 2, diplococos, ou em cadeia teriam todas as características a favor de serem
Streptococcus.

O exame microscópico dá-nos várias pistas importantes para a identificação da bactéria, embora
resultados negativos não excluam a infecção.

Exame Cultural:

É o passo seguinte no diagnóstico laboratorial em bacteriologia.

Há que pensar inicialmente no que precisamos para que as nossas bactérias cresçam, qual o meio mais
indicado.
Os Streptococcus são bactérias muito exigentes que só crescem em meios de cultura muito ricos (ao
contrário dos Staphylococcus que, como discutido na última aula, crescem em qualquer meio de cultura, até

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num meio muito rico em sal). Neste aspecto, os Streptococcus também contrastam com os Enterococcus,
assunto da próxima aula, que também já não são tão exigentes quanto ao meio de cultura.

Os Streptococcus normalmente exigem meios com sangue. Assim usa-se o agar-sangue e o agar-
chocolate, sendo o último muito bom para se semear Streptococcus uma vez que é o meio mais rico em
nutrientes pelo facto dos glóbulos rubros estarem hemolisados.
Os Streptococcus também crescem bem em gelose-sangue e gelose-chocolate. Quando temos uma
infecção por Streptococcus geralmente preferimos gelose (ou agar) sangue a gelose (ou agar) chocolate para
que se possa estudar o padrão hemolítico (o agar e gelose sangue são meios diferenciais, ao contrário do
agar e gelose chocolate que não permitem distinguir as bactérias que são hemolíticas das que não são
hemolíticas).

Assim o exame cultural de Streptococcus deve-se fazer num meio diferencial (como o agar-sangue) para
que possamos distinguir os β-hemolíticos, dos α-hemolíticos e dos não hemolíticos.

O facto de, por exemplo, sabermos que um Streptococcus é β-hemolítico não permite identificar a
espécie em causa mas já permite excluir, por exemplo, o S. pneumoniae (que é sempre α-hemolítico).

De acordo com o diferente padrão hemolítico dos vários Streptococcus, o aspecto da cultura será
distinto.
Numa cultura de Streptococcus β-hemolíticos esperamos encontrar, num meio com sangue, uma zona
transparente a rodear as colónias, uma vez ocorrerá hemólise total.
Em relação aos α-hemolíticos espera-se um aspecto esverdeado das culturas.
O padrão hemolítico é, portanto, muito importante numa primeira análise das colónias.

Sabendo que um Streptococcus em análise é β-hemolítico, é possível distinguir-se a espécie pelo padrão
de aglutinação com anticorpos de Lancefield.
Tratando-se de um Streptococcus α-hemolítico, como o Streptococcus pneumoniae, este não produz
aglutinação com nenhum padrão de anti-soro da Rebecca Lancefield.

Quando estamos perante uma colónia de bactérias que são cocos Gram positivos, catalase negativos, β-
hemolíticos, vamos fazendo aglutinações com os anticorpos de Lancefield (com o A, o B, com o C), para
tentarmos identificar a colónia em questão:
• Se sofrer aglutinação com A trata-se de um Streptococcus pyogenes
• Se aglutinar com o B é um Streptococcus agalactiae ou,
• se aglutinar com C pode-se dizer que se trata de um Streptococcus do Grupo C.
Faz-se assim uma espécie de eliminação de hipóteses. Se desta forma não for possível fazer a identificação
(já que algumas estirpes de Streptococcus não aglutinam com nenhum dos Streptococcus conhecidos) é
necessário fazer-se uma bateria de provas bioquímicas.

• Streptococcus do Grupo A

As colónias de Streptococcus do grupo A são colónias β-hemolíticas, que aglutinam com soro anti-A (e
essas provas são suficientes para a sua classificação não é necessário mais nenhum tipo de prova).

Há ainda a possibilidade de realizar outro tipo de prova, mais clássica: a susceptibilidade à bacitracina.
A bacitracina é um anti-microbiano que neste momento não se usa para tratar doentes mas que se usa
para ajudar na identificação do Streptococcus pyogenes. O que se faz neste tipo de teste é semear a bactéria
a identificar num disco de papel impregnado com este anti-microbiano. A presença, no final do teste, de
qualquer halo de inibição é indicativa de que se trata de um Streptococcus do grupo A.

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De notar que os Streptoccus dos grupos B, C, D, não são inibidos pela bacitracina.
Este tipo de prova demora cerca de 24 horas e apenas nos indica se os Streptococcus em análise
pertencem ou não ao grupo A.

Com as provas com anti-soros a pesquisa é mais rápida, mas a prova com a bacitracina é mais barata e é
uma prova clássica. Pode ser útil, por exemplo na investigação do microorganismo causador de uma
amigdalite, situação em que apenas valorizamos a identificação de Streptococcus do grupo A, já que os
outros Streptococcus pertencem à população microbiana normal. Porém, naquelas situações em que
queremos identificar todos os tipos de Streptococcus o mais indicado é fazer-se imediatamente as provas
com anti-soros.

• Streptococcus do grupo B

Em relação aos Streptococcus do grupo B, por exemplo S. agalactiae, são normalmente colónias β-
hemolíticas embora haja algumas descrições de colónias que não o são e que levaram a um sub-diagnóstico.

Neste momento há um meio cromogénico, que é um meio de cultura que normalmente é também
selectivo (inibe alguma população microbiana normal). Este meio permite também fazer provas bioquímicas;
cora de roxo quando se trata de um Streptococcus β-hemolítico, do grupo B, numa prova que não faz
identificação pela hemólise, sendo uma forma mais prática de identificação. Pelo método clássico far-se-ia em
primeiro lugar a hemólise das colónias seguida da selecção das colónias β-hemolíticas e sua aglutinação com
anticorpos para o grupo B.

O teste de CAMP é um teste clássico, neste momento já ultrapassado. Este teste de CAMP consiste em
semear no centro de uma placa com meio de cultura um Staphylococcus aureus (que é uma bactéria β-
hemolítica) e depois semear à sua volta os Streptococcus que queremos identificar. Neste tipo de teste só os
Streptococcus do grupo B produzem um fenómeno de aumento da hemólise do Staphylococcus aureus. A
este aumento da hemólise produzida pelo Staphylococcus aureus chama-se fenómeno CAMP +. De salientar
que apenas os Streptococcus do grupo B produzem esta característica banda de hemólise. Este teste demora
24 horas e só nos indica se o Streptococcus é ou não do grupo B, pelo que poderia ser útil nos exames a
grávidas, embora a aglutinação seja sempre mais rápida já que é imediata.

Outro tipo de prova disponível é o teste do hipurato, que também é obsoleto neste momento, mas que
está sempre descrito nos livros. Os Streptococcus do grupo B são os únicos que são hipurato positivo. Trata-
se então uma prova um pouco ultrapassada pela facilidade com que se dispõe de anticorpos monoclonais e
se fazem reacções de aglutinação.

Não podemos esquecer a importância de pesquisar Streptococcus do grupo B em grávidas, prova


presente nos protocolos de todas as gravidezes pelas 35, 36 semanas em que se faz um zaragatoa para
determinar se a grávida é ou não portadora destes Streptococcus. Se a mãe for portadora, estamos perante
uma situação que em princípio não tem consequências para a grávida, mas que implica a descontaminação
da mãe antes do parto, para evitar a infecção do recém-nascido.

A identificação destas bactérias pode ser feita em meio gelose-sangue, salvaguardando sempre que o
Streptococcus do grupo B nem sempre são β-hemolíticos.

Os meios de Todd são uns caldos que também se usam para identificação destes Streptococcus. O
procedimento consiste em semear uma zaragotoa no caldo e depois transferir para um meio de gelose-
sangue. O caldo é inibidor para a população microbiana normal, favorecendo o crescimento e a riqueza em
Streptococcus do grupo B (tratando-se, portanto de um meio de enriquecimento).

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De entre todas estas possibilidades indicadas, o mais indicado para a identificação de Streptococcus do
grupo B é o meio cromogénico porque, uma vez semeada directamente a colónia e obtido um aspecto roxo
da cultura, identifica-se imediatamente a bactéria como um Streptococcus do grupo B.

• Streptococcus pneumoniae

Em relação ao Streptococcus pneumoniae, só suspeitamos da sua presença quando obtemos colónias


de cocos Gram+, catalase+, α-hemolíticas. Não têm aglutinação com os anticorpos específicos da Rebecca
Lancefield.

Várias provas podem ser feitas:


- Susceptibilidade à optoquina, que não é um medicamento, mas que é um fármaco com que se
impregna um disco de papel que se coloca sobre colónia α-hemolítica previamente semeada. Se
obtivermos um halo de inibição superior a 15 mm podemos dizer que se trata de um S. pneumoniae.
É uma maneira prática de fazer esta identificação, mas se o resultado for negativo, não sabemos de
que microorganismo se trata. A nível de secreções, nas quais só valorizamos o Streptococcus
pneumoniae esta é uma prova muito prática.
- Outra prova clássica e muito útil é a lise em presença de sais biliares. Esta prova é feita em
meia hora, e consiste em colocar a bactéria num caldo com sais biliares. Se no fim do tempo do teste
o caldo estiver límpido significa que houve lise completa e pode-se dizer que se trata de um
Streptococcus pneumoniae.
- Também podem ser usadas baterias de provas bioquímicas mas que dão alguns problemas
porque nem sempre permitem uma correcta identificação, pelo que normalmente se recorre às provas
anteriormente referidas.

• Em relação ao S. bovis ou aos Streptococcus dos grupos B e C, identificamo-los muito bem


usando anti-soros específicos de grupo.

Diagnóstico Laboratorial:

Em microbiologia, para além do exame cultural, é também possível fazer-se a identificação de


microorganismo por pesquisa de antigénios de cada um dos tipos de Streptococcus. Tal método permite dar
uma resposta mais rápida ao clínico que pretende conhecer o microorganismo que causou uma determinada
patologia. Este tipo de teste tem uma sensibilidade baixa, mas como a sua especificidade é elevada, pelo que
se o teste der um resultado positivo é uma grande ajuda na identificação.

Neste momento é ainda possível fazer um teste para pesquisa de antigénios, carbo-hidrato C, de S.
pneumoniae na urina. Este teste caracteriza-se por uma sensibilidade reduzida mas por uma boa
especificidade.

Também é possível pesquisar-se ácidos nucleicos. O grande problema deste tipo de testes é que a
pesquisa tem de ser dirigida para um determinado microorganismo.

Não esquecer que a pesquisa de anticorpos anti-streptolisina O, muito pedida, tem um valor relativo. É
o que se deve pedir quando há suspeita de febre reumática. O ideal é pedir dois doseamentos deste
anticorpo, em semanas consecutivas, e o aumento da quantidade destes anticorpos é a favor de tratar-se de
febre reumática.

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Susceptibilidade aos Antimicrobianos:

Neste momento, qualquer bactéria que é isolada no laboratório obriga a fazer um teste de
susceptibilidade aos antimicrobianos porque os padrões de susceptibilidade são cada vez menos previsíveis.
Os Streptococcus, sobretudo os β-hemolíticos, são ainda dos microorganismos mais susceptíveis à
penicilina, que acaba por ser o fármaco de eleição para tratar, por exemplo, uma amigdalite.
Já começa a haver resistência à eritromicina, que é um fármaco muitas vezes administrado em
alternativa à penicilina.

O S. pneumoniae é um pouco uma excepção, porque para este microorganismo já há mais resistência.
A resistência pode ser devida a uma alteração das proteínas específicas às quais se ligam os
antimicrobianos. A resistência pode ser de alto nível ou de baixo nível. Quando é de baixo nível pode-se
administrar uma dose mais agressiva de antimicrobiano para regular a infecção.
Os Streptococcus são normalmente susceptíveis às cefalosporinas de 3ª geração e ainda à
rancomicina.

Streptococcus β-hemolíticos são ainda muito resistentes, os outros tipos já nem tanto.

Em relação aos pneumococos há uma vacina disponível que está indicada para os indivíduos de
grupos de risco: idosos, debilitados e imunodeprimidos (aqueles em maior risco ter estas infecções).

FIM

Aula desgravada por:


Marina Felicidade Dias Neto
Marta Filipa de Oliveira Ferreira

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