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Sociedade, meio ambiente e inclusão sociodigital: alcances,

limites e possibilidades
Danilo Rodrigues César1, Débora Abdalla Santos1, Djane Lúcia Moura Conceição
Cruz1, Jerônimo Teles dos Santos1, João Teixeira de Jesus1, Leandro Santos1,
Thalita Gonzaga1
1Universidade Federal da Bahia (UFBA)
danilorcesar@gmail.com, abdalla@ufba.br, djane_cruz@yahoo.com.br,
jeronimoteles@gmail.com, joaocompufba@gmail.com, zapata492@yahoo.com.br
pequenagonzaga@gmail.com

Abstract. The permanent community outreach programme at Federal


University of Bahia, called Digital Wave, was created in 2004 under the
auspices of the Computing Science Department in partnership with the Data
Processing Centre. Towards that end, it hosts several community outreach
projects from basic computing courses using free software to projects within
the communities, including the refurbishment of computers. This paper
presents some of our experience in environment preservation actions, where
we seek to educate citizens that are aware and attentive to issues related to the
environment. For that, we emphasise computer recycling and awareness to the
problems created by technological waste.

Resumo. O programa permanente de extensão da Universidade Federal da


Bahia, chamado Onda Digital, foi criado em 2004, sob a coordenação do
Departamento de Ciência da Computação com a parceria do Centro de
Processamento de Dados. Abriga diversos projetos de extensão, que vão
desde cursos de informática básica com software livre até projetos em
comunidade, envolvendo recondicionamento de computadores. Este artigo
apresenta um pouco da experiência vivenciada nas ações de preservação
ambiental, em que buscamos a formação de cidadãos conscientes e
preocupados com a preservação do meio ambiente. Para tal, destaca-se a
reciclagem de computadores e a sensibilização aos problemas gerados pelo
lixo tecnológico.

1. Introdução
Entendemos por Inclusão Digital (ID) a possibilidade de acesso dos cidadãos de uma
sociedade às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que incluem, entre
outras, os computadores e serviços de internet. Segundo a Fundação Getúlio Vargas
[FGV 2003] este acesso pode ser dividido em três tipos: acesso ao capital físico
(computador, periféricos, etc.), capital humano (i.e., aulas de informática, educação
básica, etc.) e capital social (internet e outras formas de associativismo). Assim, para
que a inclusão digital seja completa e sustentável é preciso que o cidadão se aproprie
das tecnologias de informação de forma ampla, consciente e autônoma. Incluímos nesta
lista a dimensão ambiental, o cidadão deve estar consciente dos problemas gerados pelo
lixo tecnológico, também chamado resíduo eletroeletrônico.
Recentemente vemos no país diversas iniciativas para promover a inclusão
sociodigital, provenientes dos governos locais e federais, de entidades não
governamentais (ONGs) e iniciativas privadas. Em Silveira e Cassino (2003) são
encontrados vários exemplos – Cidadania Digital: os Telecentros do Município de São
Paulo; Telecentros comunitários: Peça Chave da Inclusão Digital – A Experiência do
sampa.org; A Experiência Pioneira do Software Livre no Rio Grande do Sul. Na era dos
bits, a desigualdade social agora é fortalecida por aqueles que têm ou não acesso à
informação.
Neste contexto, surge o programa Onda Digital que busca diminuir a distância
entre estas duas realidades, reduzindo esta “brecha digital”, colocando a Universidade
como instituição atuante no cenário da inclusão sociodigital. Acreditamos que por
serem centros de excelência na produção e difusão do conhecimento e também,
instituições públicas, as Universidades Federais têm um papel relevante nos processos
de inclusão sociodigital.
Uma das ações do Programa Onda Digital é o Projeto Onda Solidária de
Inclusão Digital1 que tem como missão “Promover o uso das tecnologias livres de
informação e comunicação como meio de contribuir para sustentabilidade e
desenvolvimento sociocultural e econômico local, potencializando ações de reutilização
e descarte adequado do lixo tecnológico”. O projeto Onda Solidária de Inclusão Digital
busca em uma de suas linhas de ação a preservação ambiental, através da formação de
cidadãos consciente e preocupados com a preservação do meio ambiente. Para tal,
destaca-se a reciclagem de computadores e a sensibilização aos problemas gerados pelo
lixo tecnológico.
Entendemos que aliado aos esforços da comunidade científica no
desenvolvimento de metodologias e ferramentas para gestão do meio ambiente e
recursos naturais os fatores sociais devem ser trabalhados em paralelo como forma
efetivamente sustentável para o progresso da vida humana no planeta Terra.
Neste artigo, relatamos nossa experiência em levar a problemática do lixo
tecnológico para uma parte do público alvo do Programa Onda Digital. Em particular,
as experiências com duas oficinas de arte com lixo tecnológico e duas oficinas de
robótica pedagógica livre. Além disto, o projeto Onda Solidária de Inclusão Digital
implantou na comunidade de Pirajá um telecentro comunitário montado apenas com
máquinas recondicionadas que ficou a disposição para acesso livre por 18 meses,
mostrando que podemos utilizar equipamentos eletroeletrônicos considerados como lixo
para uso social.

2. Lixo tecnológico e seus desafios


A retórica das revoluções tecnológicas na história do capitalismo pode ser resumida da
seguinte maneira: final do século XVIII e início do século XX, máquinas a vapor e
têxteis; meados do século XIX o ferro, o carvão e os caminhos de ferro; princípio do
1 Este projeto teve apoio da Fapesb (PES0025/2008) do Proext 2007 (MEC/SESU) e Programa novos
Brasis 2006.
século XX, a eletricidade, o petróleo, o automóvel, o avião e o computador.
Essa incessante evolução tecnológica, almejada pelo homem tem seu nascimento
na Revolução Industrial com a introdução das máquinas no convívio dos seres humanos
e as práticas predatórias ao meio ambiente com vistas a realizar o sonhado crescimento
econômico.
Propiciar o crescimento da economia era um fator bem visto pela sociedade que
outrora considerava o capital natural como infinito. Mas, na década de 60 do século
passado, o surgimento da problemática ambiental foi direcionada ao crescimento
demográfico e as chagas que poderiam se abrir na sociedade. Seguindo para o final
deste decênio, ocasião, que os alertas do perigo do crescimento econômico começaram
a ecoar como mais uma problemática ambiental.
O desenvolvimento das capacidades humanas reuni o saber cuidar da
endoecologia – a geografia interna dos seres humanos – e da exoecologia – ambiente, o
qual o ser humano está inserido – que juntos formam o que conhecemos como mundo e
seus habitantes. Quando, somos instruídos a cuidar bem do endoecologia, noções de
saúde, acumulo cognitivo são privilegiados, tendo como consequência a preservação da
exoecologia. Mas, quando a ausência de educação se faz presente, inicia-se um processo
paradoxal como é o caso do avanço tecnológico e o lixo causado por ele, ou seja,
quando o progresso começa a ser regresso. Esse é o ponto crucial nas mudanças
introduzidas pela Revolução Tecnológica na Sociedade Contemporânea.
A indústria tecnológica teve um grande impulso a partir do século XX. Essa
evolução tecnológica, especialmente nas últimas décadas, tem inundado o mercado com
novos produtos. O grande problema é o que fazer com a grande quantidade desses
produtos que são descartados, trocados por lançamentos, supostamente mais eficientes.
Esse é um dos grandes desafios da modernidade.
As constantes inovações tecnológicas nos eletroeletrônicos nem sempre são
necessidades imediatas, mas, soam como um convite ao consumo. Assim, as
atualizações que são feitas através de aquisições de novos equipamentos, tanto para uso
pessoal como profissional, implica diretamente em adjetivar máquinas como obsoletas
e, consequentemente, sucatas eletrônicas.
Para Fontenelle (2002), esse desenvolvimento tecnológico, pautado em valores
da eficiência econômica, tem tornado os produtos cada vez mais descartáveis. Produtos
que antigamente eram feitos para durar muitos anos, hoje tem uma vida útil muito
menor e, ao invés de consertar, as pessoas são incentivadas a jogar fora e comprar um
modelo novo. É a chamada era do descartável.
Atualmente, há um crescimento no número de computadores descartados por
defeito ou obsolescência. Só nos Estados Unidos, 500 milhões é o número aproximado
de computadores que caíram em obsolescência até o ano de 2009 [SVTC 2009]. No
Brasil, a previsão para 2010 é a de que 10 milhões de computadores serão vendidos, e
em cinco anos, a maioria deles serão trocados [IBDC 2009]. Tal descarte se dá, na
maioria das vezes, sem levar em conta a possibilidade de recuperar máquinas, utilizando
peças da própria “massa” rejeitada/descartada. Nos Estados Unidos, apenas 10% dos
computadores rejeitados/descartados passam por algum processo de reciclagem [SVTC
2009] e, mesmo quando essa possibilidade é considerada, existe dificuldade para
selecionar o material que pode ser (re)aproveitado numa remontagem.
Como é possível observar, o número de eletroeletrônicos em uso no mundo só
têm aumentado, sem, em contrapartida, uma via de destinação final segura e sustentável
para abarcar toda ou boa parte da quantidade de lixo tecnológico produzido pela
substituição desses produtos. O Brasil segue a tendência mundial, com aumento no
número de vendas e acesso da população aos eletroeletrônicos em geral. O que por um
lado é excelente, pois promove a inclusão sociodigital da população menos abastada,
por outro é bastante preocupante, pois maximiza ainda mais os problemas gerados pelo
excesso de lixo produzido.
Uma solução mais completa exigiria uma conjunção de fatores complexos,
necessitando de ações de diversas esferas sociais, como governo, educadores, usuários,
fabricantes, comerciantes, empresas de reciclagem, entre outros. Somente com a
mudança de atitude de todos esses atores sociais poderão ser alcançadas soluções que
minimizem o impacto ambiental causado pelo lixo tecnológico.
A partir do momento em que um computador perde o seu “valor tecnológico”
para o proprietário e este começa a considerar o seu descarte, cria-se o problema do
melhor destino possível para a “máquina”. A depender do estado em que se encontrar o
computador a descartar, podem haver várias formas de (re)aproveitá-lo de maneira a
causar os menores danos possíveis ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, de forma a
dar nova utilidade ao mesmo.
Genericamente, utiliza-se o termo reciclagem para denominar qualquer método
que (re)aproveite um produto após o fim de sua vida útil. Entretanto, existem diferentes
abordagens, tecnologias, atores e beneficiários para cada um dos métodos de
(re)aproveitamento considerados.
O reuso consiste (re)colocar um produto sem qualquer modificação de volta à
disposição de um consumidor final, que geralmente não é o mesmo consumidor do
primeiro ciclo de vida do produto. A remanufatura consiste na revisão, verificação e
eventual conserto de um produto novo que foi reprovado num teste de qualidade do
próprio fabricante ou pelo cliente dentro do período de garantia, para posterior revenda.
O recondicionamento diz respeito à desmontagem, recuperação, remontagem e,
caso necessário, adaptação de um produto que chegou ao fim de sua durabilidade ou se
tornou obsoleto, com o intuito de lhe dar uma segunda vida útil. Por fim, a reciclagem
de produtos propriamente dita refere-se à desmontagem total, separação dos
componentes de acordo com a matéria de que são feitos, trituração e/ou outros
processos específicos, de maneira a produzir matéria-prima para a indústria de outros
produtos.
A reciclagem também oferece consideráveis dificuldades ecológicas quando
aplicada a um computador pessoal. A recuperação de vários tipos de matérias-primas a
partir dos rejeitos envolve processos tecnologicamente difíceis e que apresentam
elevado riscos de contaminação ambiental e das pessoas envolvidas no manejo devido à
grande quantidade de substâncias tóxicas presentes na máquina [NCM 1995]. Vários
cuidados especiais devem ser administrados na reciclagem desses materiais [PNUMA
2003]. Diante do exposto, recondicionar quando possível passa a ser a opção mais
ecologicamente correta ao tratar de computadores descartados. Diante desses fatos a
indagação foi inevitável: o que fazer diante desta situação utilizando as práticas
pedagógicas que a acadêmia dispõem? A solução pensada e posta em prática são
descritas a seguir.

3. Relato das experiências


O Projeto Onda Solidária de Inclusão Digital foi desenvolvido na comunidade de Pirajá
no município de Salvador-BA, realizado no período de março de 2007 a dezembro
2009. Um dos resultados alcançados foi a implantação do telecentro comunitário onde
foram disponibilizados 18 computadores – todos com software livre - oriundos do
processo de recondicionamento de Lixo Tecnológico – computadores em desuso.
Gostaríamos de destacar que atualmente os computadores estão disponíveis para a
comunidade acadêmica no restaurante universitário da UFBA. A transferência dos
computadores ocorreu por que a comunidade ainda não está preparada para a autogestão
dos recursos ofertados. Esse é um dos problemas para se manter um telecentro. Em 03
anos o projeto ampliou significativamente as suas ações de inclusão sociodigital,
disponibilizando os registros de sua experiência no sítio:
http://wiki.dcc.ufba.br/OndaDigital. No ano de 2010, o projeto participou do Prêmio
ARede 2010 – Especial Educação – e foi premiado2.
Para alcançar esse objetivo – implantar o telecentro comunitário – foi realizada
uma campanha para arrecadar computadores em desuso. As peças que não utilizamos na
montagem das máquinas foram separadas na categoria de tóxicas e não tóxicas. Por não
representar risco de contaminação, as peças não tóxicas foram direcionadas para a
realização de oficinas de artesanato com lixo tecnológico, tendo como público alvo
criança e adolescentes. O restante das peças não utilizadas (sem distinção de ser tóxica)
foram (re)aproveitadas em duas oficinas de Robótica Pedagógica Livre.

3.1. Oficinas de Robótica Pedagógica Livre


As transformações ocorridas na humanidade implicam diretamente nas adaptações dos
sistemas produtivos, políticos, jurídicos, ambientais, educacionais às novas estruturas
sociais. Dentro dessa nova composição destaca-se o uso das tecnologias livres nos
processos de criação, aprendizagem e compartilhamento entre educadores e educandos
nas práticas educacionais, praticando a transdisciplinaridade como coloca Basarab
Nicolescu:
A transdisciplinaridade, como o prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que
está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e
além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo
presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento
[Nicolescu 1999].

A academia como centro de produção e de difusão do conhecimento ao integrar

2 Disponível em <http://www.arede.inf.br/inclusao/edicoes-anteriores/172-edicao-no-64-
novembro2010/3558-premio-arede-2010-especial-educacao-onda-digital>. Acesso em: 24 mar 2011.
cultura digital e meio ambiente está praticando a transdicisplinaridade em prol do
processo pesquisa, ensino e extensão.
Ao propor versar sobre Tecnologias Livres nas instituições de ensino superior
sob a perspectiva de preservação ambiental, é apresentar o problema Lixo Tecnológico
e a Robótica Pedagógica Livre aliada ao uso do Software Livre como soluções possíveis
para minimizar os danos ambientais. Faremos uso da expressão Robótica Pedagógica
Livre como proposta pedagógica; isto é,
consideramos que Robótica Pedagógica Livre é uma denominação para o
conjunto de processos e procedimentos envolvidos em propostas de ensino e
aprendizagem que tomam os dispositivos robóticos como tecnologia de
auxílio para/na construção do conhecimento. Desta forma, quando nos
referirmos à robótica pedagógica não estamos falando da tecnologia ou dos
artefatos robóticos em si, nem do ambiente físico onde as atividades são
desenvolvidas. Não estaremos nos referindo à outra coisa senão à proposta de
possibilidades metodológicas de uso de tecnologias informáticas e robóticas
no processo de ensino e aprendizagem [César 2008].

Nessa proposta pedagógica que une dispositivos robóticos baseados em soluções


livres e em sucatas como tecnologia para a construção coletiva do conhecimento,
podemos afirmar que essa proposta metodológica propicia um ambiente dinâmico para
o ensino e a aprendizagem. De forma específica, utiliza-se de softwares livres (Linux e
seus aplicativos) como base para a programação e da sucata de equipamentos
eletroeletrônicos e hardwares abertos/livres para a construção de kits alternativos de
robótica pedagógica (kits construídos de acordo com a realidade social de cada escola) e
protótipos de artefatos robóticos (robôs, braços mecânicos, elevadores, etc.).
O Software Livre e a Robótica Pedagógica Livre3 são ações de Tecnologias
Livres que trazem flexibilidade, facilitando o aprendizado e de uso das “máquinas”,
implicando no rendimento tanto de educadores e educandos na construção coletiva do
conhecimento.
Com o lixo tecnológico recebido pelo projeto Onda Solidária de Inclusão Digital
foram realizadas duas experiências com Robótica Pedagógica Livre. Uma na Escola
Municipal Papa Paulo VI no município de Candeias-BA e outra para estudantes
Universitários durante o evento Escola Regional de Computação dos Estados da Bahia,
Alagoas e Sergipe (ERBASE).
A oficina na Escola Municipal Papa Paulo VI4 ocorreu nos dias 23 e 24 de
outubro de 2008 durante a realização do evento da Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia, quando adotamos o tema “Lixo Tecnológico e a Evolução do Planeta”,
como atividade pedagógica do projeto Educandow5 do Programa Onda Digital. Nesta
oficina participaram 20 alunos das sétimas e oitavas séries do fundamental. Não foi
requerido nenhum conhecimento prévio dos alunos.

3 Disponível em <http://www.roboticalivre.org/portal/>. Acesso em: 24 mar 2011.


4 Disponível em <https://wiki.dcc.ufba.br/bin/view/TecCiencia/SemanaCienciaTecnologia>. Acesso
em: 24 mar 2011.
5 Este projeto tem apoio da Empresa Dow Brasil através de contrato firmado com a Universidade
Federal da Bahia.
Foram utilizados materiais retirados de equipamentos eletrônicos descartados
para construir pequenos robôs autônomos e outros controlados por software de
computador. A oficina contou com a participação ativa dos alunos e tratou da
conscientização quanto ao descarte inconsequente de lixo tecnológico, bem como suas
repercussões ecológicas, sociais e econômicas. No primeiro dia foi realizada uma
apresentação do que é lixo tecnológico, apresentando os principais tipos de lixo
tecnológico, como celulares, rádios, televisões além de computadores e outros
eletrônicos. Os participantes da oficina puderam observar alguns exemplos de lixo
tecnológico que possuem componentes (re)aproveitáveis, como drive de CD-ROM,
placa-mãe e celulares. A partir desse ponto, foi apresentado o conceito de sistema
autônomo e não autônomo. Foi explicado o exemplo da rede de luz elétrica nas cidades,
um sistema autônomo programado para executar determinada ação quando determinado
evento ocorrer. Foi falado também da época em que o sistema elétrico não era
autônomo, sendo necessária a intervenção humana para que a luz dos postes
acendessem.
Num segundo momento foi apresentado alguns exemplos de lixo tecnológico
que podem ser (re)aproveitados, por exemplo, baterias de celular, componentes de
placa-mãe de computadores, motores de disquetes, entre outros. O professor da oficina
apresentou aos participantes um exemplo de robótica livre utilizando o motor do
vibracall de um celular, uma escova dental e uma bateria de 3V. Com esses
componentes é possível fazer uma escovinha que se move como uma barata pelo chão6.
Também foi apresentado um carrinho7 construído com partes de computador
(re)aproveitadas, um exemplo de sistema não autônomo, o robô em forma de carrinho
de 3 rodas é controlado por um programa de computador por uma interface construída a
partir da porta paralela do computador e uma placa de circuito eletrônico. Foi mostrado
aos participantes comandos para fazer o robô andar para a frente, trás, esquerda, direita,
dá meia volta. No segundo dia os participantes foram divididos em equipes de quatro e
cada equipe deveria construir o robô que simula a baratinha. Cada equipe abriu um
celular e retirou o motor do vibracall, cortou uma escova dental e construiu o robô
acrescentando a bateria de 3V. Para fazer a ligação do motor com a bateria foi
necessário soldar um pedaço de fio em cada pólo do motor, o que possibilitou aos
participantes da oficina verem como utilizar o ferro de solda – o processo de soldar. No
final cada equipe havia construído seu robô baratinha. Na segunda parte o professor
explicou como é feita a transmissão dos comandos para o robô em forma de carrinho; e
como a energia da bateria é transferida para que o motor de vibracall do celular
funcione e faça a baratinha se locomover.
Por último, o professor mostrou para a turma como funciona as luzes de uma
árvore de natal, mostrando um led e explicando que as luzes da árvore de natal são
semelhantes a um led, recebem comandos de acender e apagar (0's e 1's). Mostrou como
o programa que controla essa ação é feito no computador, explicando cada passo do
programa e exibindo uma pequena placa com leds para que os participantes pudessem

6 Disponível em <http://libertas.pbh.gov.br/~danilo.cesar/robotica_livre/projeto_robo_escova_livre/>.
Acesso em: 24 mar 2011.
7 Disponível em <http://libertas.pbh.gov.br/~danilo.cesar/robotica_livre/projeto_robo_frank/>. Acesso
em: 24 mar 2011.
ver os leds acendendo e apagando.
A oficina da Erbase foi realizada no período de 15 a 18 de abril de 2008 com
carga horária total de 12 horas e contou com a participação de 20 estudantes
universitários da área de Computação e Informática, inscritos na Erbase. Os
participantes da oficina foram divididos em 4 grupos de 5 pessoas. As equipes foram
formados no primeiro dia e decidiram qual o tema e os materiais que iriam utilizar. No
período de 4 dias, cada equipe construiu uma Interface de Hardware Livre (IHL), além
da construção de um "artefato robótico" com a utilização de sucatas. Na seção de
encerramento da Erbase, cada grupo apresentou seu produto final (kit de robótica
pedagógico livre e artefato robótico) construído a partir do “lixo tecnológico” e
demonstraram os seus movimentos a partir dos softwares livres desenvolvidos. Uma
comissão avaliou os artefatos construídos no quesito aplicabilidade e grau de
dificuldade do software desenvolvido.
Estas duas experiências nos mostraram as diversas possibilidades de uso da
robótica pedagógica livre para o ensino e aprendizagem de conteúdos escolares , ao
mesmo tempo que faz uso de material que seria descartado, em geral de forma
inapropriada, sensibilizando os jovens com a questão do lixo tecnológico.
Entretanto, a Robótica Pedagógica Livre pode exigir um percurso didático mais
longo – dicas para a criação de projetos escolares 8. E para ser bem aproveitada – de
acordo com o contexto da escola e/ou dos alunos –, alguns pré-requisitos como
conhecimentos básicos em eletrônica e em linguagem de programação podem ser
necessários.
Para atingir um público mais de crianças e com oficinas de curta duração,
experimentamos realizar oficinas de arte para construção de artefatos não robóticos.

3.2. Oficinas de Arte com Lixo Tecnológico


A arte produzida com produtos reciclados tem sido bastante difundida e utilizada como
forma de preservação do meio ambiente. Entretanto, a utilização dos resíduos
eletroeletrônicos necessitam de cuidados especiais, pois muitas peças podem conter
elementos tóxicos que mostram perigo tanto no manipulação do material quanto da
exposição do artefato final.
Atentos para esta questão separamos peças não tóxicas para servir de material
para oficinas de artes com sucata de lixo tecnológico, como forma lúdica de despertar
nas crianças a consciência dos problemas apresentados pelo lixo tecnológico.
Foram realizadas duas oficinas, uma na Escola Municipal Papa Paulo VI durante
o evento da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia nos dias 24 e 25 de outubro de
2008; e outra na comunidade de Pirajá, em julho de 2009, no evento de comemoração
de um ano de funcionamento do telecentro comunitário.
Em ambas oficinas tivemos a participação de crianças na faixa etária de 7 a 12
anos. No primeiro momento – em ambas oficinas – foi explicado o objetivo da oficina
para instigá-los na produção de artefatos de decoração com o lixo tecnológico. Também
se passou informações sobre a importância da reutilização correta do material que
8 Disponível em <http://www.institutoclaro.org.br/infograficos/2/>. Acesso em: 24 mar 2011.
estava sendo utilizado e dos riscos que certas peças de equipamentos eletroeletrônicos
apresentam.
De início, em ambas oficinas, as crianças ficaram apáticas e foi preciso um
esforço para transformar todo aquele potencial criativo reprimido em formas e cores.
Após a demonstração de alguns exemplos de artefatos as ideias surgiram. Entre colas,
tintas, ferramentas e componentes de sucata de computador surgiram daquelas mãos
criativas bijuterias, chaveiros, pingentes, suportes para caneta e papel, caixas decoradas,
robôs surgiam da imaginação das crianças e se materializavam (Figura 1) em meio a
todo aquele material que normalmente seria descartado na natureza.

Figura 1. Exemplos de robôs, chaveiros, caixas e outros artefatos feitos com o


Lixo Tecnológico nas oficinas de arte.

Assim naquela sala tudo poderia ser transformado em sorrisos e satisfações, o


que parecia ser inútil logo passou a servir, o que parecia desinteresse passou a ser
energia capaz de transformar as realidades de tantos universos, uma verdadeira
pluralidade singular, todos estavam dispostos e confiantes quanto suas capacidades e
poderes de transformação.
Foi possível perceber que mesmo com todo esforço algumas mentes ficaram
alheias ao processo das oficinas, mas com tudo, o importante é que uma semente foi
plantada e com um contínuo trabalho logo teremos propagadores de ideias e ações de
reciclagem e de processos sustentáveis de preservação à vida.

4. Considerações Finais
A problemática da preservação do meio ambiente dentro da perspectiva do
Desenvolvimento Sustentável, impera mudança radicais para assegurar a continuidade
da vida na terra em condições saudáveis. Para que isso se concretize é imprescindível, a
mudança dos padrões de consumo, pressionando o setor industrial a mudar os seus
meios de produção e acrescentar em sua logística o retorno dos produtos para o
fabricante.
O ato de consumir tem que ir além das fronteiras da aquisição para atender uma
necessidade imediata ou não, passando a ser um ato político, consciente do seu poder
decisório em preservar o meio ambiente.
O conceito de consumo consciente traz a luz vários elementos que sustentam o
argumento que crescimento econômico e preservação do meio ambiente são possíveis
em uma sociedade. Desta maneira, respostas e soluções desencadeadas a partir da
compreensão dos limites impostos não só pelo capital natural, mas também, pelas
limitações do desemprego, precarização das formas de trabalho e outros motivos que,
pedem o redesenho das organizações, visando ações que primem pelo bem estar dos
seres vivos.
Nesse trabalho alcançamos resultados concretos com o recondicionamento de
computadores para compor telecentros comunitários e vivenciamos o potencial inovador
das Tecnologias Livres e seus desdobramentos nas práticas pedagógica, instigando a
transdicisplinaridade, despertando nos jovens a consciência dos problemas causados
pelo lixo tecnológico e criando um ambiente dinâmico de ensino e aprendizagem.
Enfrentamos os limites do que podem ser transformados, mesmo com essas
iniciativas, muito material que foi doado ao Projeto Onda Solidária de Inclusão Digital
continua sem solução para correta destinação. Não serviram para (re)compor
computadores novos, não foram usados nos artefatos robóticos, nem utilizados nas
oficinas de artes.
A abordagem desse tema ainda não é proporcional à sua importância, o que
contribui para o desconhecimento de suas potencialidades, inclusive quanto à
exploração econômica, dadas as diversidades conjunturais inerentes tanto quanto às
possibilidades de reciclagem, quanto ao custo somado das atividades de coleta,
tratamento e destinação final.
Os efeitos da poluição gerada por esses resíduos, junto com as outras diversas
formas que o homem agride a natureza, já estão produzindo resultados notórios. Muitas
pessoas em cidades de países subdesenvolvidos estão deixando de se dedicar à
agricultura para manipular os resíduos eletroeletrônicos na procura de metais preciosos,
expondo o próprio corpo aos componentes tóxicos e descartando as partes não
aproveitadas no solo, sem qualquer proteção, comprometendo uma vasta área ao redor
e, inclusive, sua própria saúde.
O ideal seria buscar o gerenciamento integrado de todos os tipos de resíduos
sólidos, através do envolvimento de diversos setores da sociedade, com o objetivo de
aproveitar todas as possibilidades oferecidas de reciclagem e descarte mais seguro.
Através do gerenciamento integrado, é possível a identificação de alternativas
tecnológicas economicamente viáveis, adequadas à realidade de cada localidade, no
sentido de reduzir os impactos negativos provenientes da produção do lixo.

Referências
César, Danilo Rodrigues, Revista CESoL, 2008. Disponível em
<http://www.cesol.ufc.br/node/58>. Acesso em: 24 mar 2011.
FGV – Fundação Getúlio Vargas, “Mapa da Exclusão Digital”, 2003. Disponível em
<http://www.fgv.br/cps/bd/MID/APRESENTACAO/Texto_Principal_Parte1.pdf>.
Acesso em: 24 mar 2011.
Fontenelle, I. A, “O nome da marca: McDonald´s, fetichismo e cultura descartável”,
São Paulo: Boitempo, 2002. IBDC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor,
Revista do IDEC nº 131. Maio de 2009. Disponível em <http://www.idec.org.br>.
Acesso em: 25 jun 2009.
NCM – NORDIC COUNCIL OF MINISTERS, “Environmental Consequences of
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Nicolescu, B, “O manifesto da transdisciplinaridade”, São Paulo: TRIOM, 1999.
PNUMA, Proyecto de directrices técnicas para el reciclado/regeneración
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da Basiléia – PNUMA). Disponível em <http://www.basel.int>. Acesso em: 25 jun
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Silveira, Sérgio Amadeu; Cassino, João (organizadores), “Software Livre e Inclusão
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SVTC – Silicon Valley Toxics Coalition, “Global E-Waste Crisis: E-Waste is the
Fastest Growing Part of the Waste Stream”. Disponível em
<http://www.svtc.org/site/PageServer?pagename=svtc_global_ewaste_crisis>.
Acesso em: 25 jun 2009.

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