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Atividades de Estudo:

Diversas atividades irão auxiliá-lo, funcionando como reforço na aprendizagem.

Após o estudo do conteúdo de cada unidade, você deverá


realizar os Exercícios. Essas atividades foram desenvolvidas para
você mesmo verificar o progresso obtido ao longo do percurso.
As autoavaliações serão corrigidas automaticamente pelo
sistema. Ela pode ser refeita tantas vezes quanto necessário.
Acesso pelo menu Avaliações.
Autoavaliação
Essa atividade, proposta ao final de cada unidade, será corrigida
pelo tutor. Espera-se que o aluno demonstre capacidade de
análise e domínio dos temas estudados.
Acesse pelo campo Avaliação no botão Trabalhos/Redações.
Para enviar para correção, clique em “Salvar e finalizar”. Caso
queira salvar para continuar mais tarde, clique em “Salvar
versão”.
Avaliação de
Unidade Observe no Painel de desempenho: verde - atividade
corrigida; cinza – atividade salva, mas não finalizada para
correção ou devolvida para ser refeita. Fique ligado!
Ao final do curso o aluno deverá cumprir a Avaliação Final do
Avaliação Curso. No campo Avaliação, clique em Trabalhos/Redações e
Final do acesse a avaliação correspondente.
Curso

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trechos de citação, desde que a fonte seja informada.

O fórum é um valioso instrumento de integração possibilitando


que todos os participantes se conheçam e compartilhem
Fórum conhecimentos. Sua participação é obrigatória e será
considerada na composição da nota final do curso. Localize o
acesso por meio do campo Comunicação.
Pelo painel de desempenho você acompanha suas atividades no
Painel de curso. Observe pela cor indicada na legenda a situação dos
desempenho exercícios, avaliações e fóruns. Dê um clique no quadradinho
branco, indicado por uma letra (T ou F) que o sistema mostrará
a atividade desejada. Consulte-o regularmente. Leia com
atenção as observações do professor-tutor.

As avaliações finais de unidade, de curso e os fóruns temáticos


Aprovação somam 100 pontos. Serão considerados aprovados os alunos
que efetuarem todas as avaliações e participarem de, ao menos
2 dos 3 fóruns, obtendo média mínima igual ou superior a 70
(setenta).

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CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Módulo I Módulo II Módulo III


Avaliação das Unidades 15 Avaliação das Unidades 9 Avaliação das
Unidades
1º Fórum Temático 16 2º Fórum Temático 16 3º Fórum Temático
Avaliação Final do Curso 18
Total Geral 100

MÉDIA PARA APROVAÇÃO – 70 PONTOS dos 100 possíveis. Também é necessária, para
aprovação final, a participação em, ao menos, 2 dos 3 fóruns e o cumprimento de das
avaliações propostas.

Certificação Eletrônica: Decorridos 10 dias após a data de conclusão do curso, entre com seu nome de
usuário e senha e clique no ícone Emitir certificado. Você terá a opção de imprimir o CERTIFICADO e
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impressão. Caso deseje uma impressão especial, bastará utilizar papel com gramatura ou
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da declaração emitidos eletronicamente e impressos pelo próprio aluno.

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Confira os ícones utilizados neste curso:

Acesse o texto
sugerido Comunique-se!
Literatura sugerida

Assista ao filme ou
ao vídeo Curiosidade Objetivo de
aprendizagem

Avaliação Final do
Avaliação Final de
Curso
Unidade
Pesquise na
Internet
Para refletir
Atenção

Conclusões
Você sabia?
Autoavaliação

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de aprendizagem e orientações para a utilização dos recursos e ferramentas de
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Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo: Dilemas e Perspectivas

Nesta Unidade, são tratados alguns dilemas e perspectivas relacionadas à questão das Relações
Internacionais. Serão abordados os temas:

-As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo e a Globalização


-A Importância das Relações Internacionais para o Brasil
-Relações Internacionais como Disciplina Independente

Objetivos da Unidade:

Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:

# identificar os principais pontos da agenda de relações internacionais contemporâneas;


# estabelecer o conceito e as características da Globalização;
# estabelecer a importância das relações internacionais para o Brasil;
# assinalar a evolução histórica e a importância de Relações Internacionais como
disciplina
acadêmica.

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Em um curso de educação a distância por meio da Internet, o estudante tem


um papel central no estabelecimento de uma relação de qualidade com o
conteúdo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter o melhor
aproveitamento possível do curso.

pág. 01

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

Conexão Mundo é uma série de 20


programas sobre relações
Antes de iniciar os estudos desta internacionais que oferece
Unidade, assista ao primeiro vídeo informações necessárias à
educacional da série: Conexão Mundo compreensão dos novos processos de
(“Aldeia Global Mundo Digital” – as intercâmbio entre as nações. Os
duas partes), disponível na página do ILB. programas enfocam toda a história
das relações entre os povos, os
tratados e políticas para a nova ordem
internacional e procuram desvendar
conceitos como o de “globalização”,
“blocos econômicos” etc.

As últimas décadas do século XX foram marcadas pela intensificação das relações entre os
povos, de uma maneira como nunca experimentada anteriormente. Cada vez mais, as
distâncias estão menores, tempo e espaço perdem o significado que tinham para nossos pais e
avós, e as pessoas de diferentes locais do globo tomam consciência de que “a menor distância
entre dois pontos é uma tecla”.

O século XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo está menor, globalizado,
interligado física e eletronicamente; pode-se tomar café em Londres e almoçar em Washington;
as fronteiras perdem sua importância; o sistema internacional vê-se cada vez mais integrado; a
tecnologia alcança milhões de pessoas, e não há limite ao conhecimento humano. O último
século do segundo milênio presenciou uma evolução tecnológica inimaginável!

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O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO

O termo globalização pode ser entendido como fenômeno de


aceleração e intensificação de mecanismos, processos e
atividades, com fins à promoção de uma interdependência
global e, em última escala, à integração econômica e política
em âmbito mundial. Trata-se de conceito revolucionário,
envolvendo aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos.
Registre-se, ademais, que esta é apenas uma das várias

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conceituações do fenômeno, o qual não é recente, mas se acelerou a partir da segunda metade
do século XX.

Um dos aspectos mais importantes da globalização envolve a idéia crescente do “mundo sem
fronteiras”. Isso é perceptível em termos como “aldeia global” e “economia global”. Poucos
lugares do mundo estão a mais de dez dias de viagem, e a comunicação através das fronteiras
é praticamente instantânea.

Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se


formam, com conseqüências que ultrapassam os benefícios No caso do Mercado
econômicos, pois as conquistas sociais e políticas de um Comum do Sul
membro do bloco logo deverão chegar aos territórios de todos (MERCOSUL), há a
os outros. Princípios como a democracia e a prevalência dos chamada “cláusula
direitos humanos podem ser defendidos e argüidos em troca de democrática”, a qual
benefícios econômicos. Cite-se, por exemplo, o caso de países estabelece que apenas
como Grécia, Portugal e Espanha, que, para serem aceitos na países sob regimes
então Comunidade Européia, tiveram que promover democráticos podem
importantes mudanças econômicas, sociais e políticas. O participar do bloco. Essa
mesmo se aplica à Turquia, que aspira a tornar-se parte da cláusula teria contribuído
moderna Europa. para que fossem evitadas
alternativas autoritárias
Assim, o atual processo de globalização envolve a integração em alguns países do
econômica mundial em diversos níveis, com a redução das Mercosul, em momentos de
distâncias em virtude do desenvolvimento de mecanismos de crise institucional. Não
produção e distribuição de bens em escala global, e do obstante, há que se
fortalecimento dos meios de comunicação. Nesse contexto, questionar se o ingresso da
novos Atores, como as organizações não-governamentais, as Venezuela sob o regime de
empresas transnacionais, a opinião pública e a mídia, ganham Hugo Chávez no MERCOSUL
destaque ao influenciarem a conduta dos Estados. não representaria uma
contestação da “cláusula
democrática”.

Uma leitura essencial sobre o tema é o artigo de Paulo Roberto de Almeida, “Contra a
Anti-Globalização”.
pág. 03

DILEMAS DA GLOBALIZAÇÃO

Entretanto, a globalização também é marcada por problemas em escala mundial. Nesse sentido,
há a criminalidade que ultrapassa as fronteiras dos Estados, com organizações criminosas
exercendo suas atividades ilícitas de maneira organizada e internacional. Crimes como o
narcotráfico, o tráfico de armas, o tráfico de pessoas e de animais e a pirataria, todos esses há
muito não são problemas exclusivos de um ou outro país, mas são questões globais que devem
ser encaradas globalmente. E a base do crime organizado é a lavagem de dinheiro, que
movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano no mundo, ou 4% do Produto Interno Bruto
(PIB) mundial, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Assim, ao lado das grandes conquistas, há novos e grandes desafios: parte significativa da
população mundial ainda permanece no século XIX. Nações ricas e prósperas convivem com
Estados que comportam milhões de miseráveis. Alguns locais do globo ainda não saíram da
Idade Média! Novas e antigas doenças afligem milhões. Cite-se, ainda, a parte significativa da

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raça humana que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional presencia
crises econômicas, políticas, culturais e sociais. E o destino da humanidade permanece uma
grande incógnita.

Para maiores detalhes sobre a lavagem de dinheiro e de seus efeitos no mercado


internacional, vale conferir: ODON, Tiago Ivo. Lavagem de dinheiro: os efeitos
macroeconômicos e o bem jurídico tutelado. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, ano 40, n. 160, p. 333-349, out./dez. 2003.
pág. 04

MEIO AMBIENTE, DIREITOS HUMANOS, CONFLITOS INTERNACIONAIS

Outro importante tema de relações internacionais nesse mundo Convém registrar que para
globalizado envolve os problemas ambientais. Cada vez mais a Relações Internacionais
humanidade toma consciência de que as questões ambientais como disciplina acadêmica
não podem ser tratadas como assuntos internos dos Estados e ou área do conhecimento
que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra é empregaremos iniciais
maiúsculas enquanto que
um corpo único e seus recursos ambientais são patrimônio de
quando nos referirmos ao
todos os seres humanos e das futuras gerações. Daí que os
objeto de estudo usaremos o
males causados ao meio ambiente afetam toda a humanidade.
termo em minúsculo.

No último quartel do século XX, a proteção ao meio ambiente passou a ser uma das grandes
preocupações da comunidade internacional, não só na área governamental, mas também entre
todos os habitantes da terra. A Conferência do Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar
influência, e multiplicaram-se nas últimas décadas os tratados sobre todos os aspectos
ambientais, tanto assim que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados
sobre meio ambiente.

Também a proteção aos direitos humanos é um assunto em voga, sobretudo quando notícias de
violações a esses direitos nos chegam de todas as partes do planeta. No moderno sistema
internacional, agressões contra uma pessoa devem ser consideradas crimes contra toda a raça
humana. O intenso trabalho das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no
continente americano – da qual foi presidente o brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade –
refletem essa nova realidade.

Ademais, à medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem também os conflitos, outro
componente marcante da agenda internacional desde sempre. E no extremo dos conflitos,
temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse sentido, o século XX foi marcado por uma
grande quantidade de guerras pelo globo, inclusive com dois conflitos que envolveram
praticamente toda a sociedade internacional.

De fato, uma das grandes certezas do século XXI é que nele ainda presenciaremos o fenômeno
da guerra. Entretanto, alguns cogitam mesmo que a guerra no século XXI não será mais entre
países, mas entre civilizações (HUNTINGTON, 1998).

Em caso de dúvidas, contate o seu tutor por meio da Plataforma de Educação a


Distância do ILB (menu "Comunicação" - "Mensagem") ou por e-mail. Ele está à sua
disposição e pode ajudá-lo.

pág. 05

IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes desafios! E é
nesse contexto que se percebe a necessidade de conhecimento das relações internacionais.
Atualmente, quem não estiver informado sobre o que ocorre no mundo poderá ver-se bastante
limitado, pessoal e profissionalmente.

Hoje, a sociedade internacional está tão interligada, tão integrada em um processo de


globalização, que situações ocorridas na China podem afetar a nós, brasileiros, do outro lado do
planeta. Daí que o problema do outro passa a ser também um problema nosso e o bem-estar
de cada homem passa a significar o bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se você
não é parte da solução, é parte do problema!

Assista à aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonçalves, por ocasião
do curso presencial ministrado no ILB, no primeiro semestre de 2008. Aumente o
som de seu equipamento e bons estudos!

Duração: 5min24
Caso não consiga visualizar:
1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;
2) pode precisar atualizar o Flash Player (

http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

O BRASIL E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Como quinto maior país do globo em população e dimensão


territorial, e estando entre as maiores economias do planeta, com
condições e pretensões de se tornar uma Grande Potência, o Brasil
não pode se furtar a ter um papel de destaque nas relações
internacionais. As transformações e acontecimentos no mundo
globalizado farão cada vez mais parte de nosso dia-a-dia em uma
tendência praticamente irreversível.

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Estamos estrategicamente localizados, com fronteiras com praticamente todos os


países sul-americanos e com o Atlântico como principal via para a Europa e a África.
Ademais, somos uma nação tida como pacífica e respeitadora do direito internacional
e com incontestáveis atributos de liderança regional. Finalmente, não devemos
desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um povo multiétnico,
empreendedor, e, nos dizeres de Gilberto Freyre, com suas peculiares “características
antropofágicas”.

Pouco significativa diante de suas potencialidades é a atuação brasileira no cenário


internacional. Apenas nas últimas décadas do século XX é que o Brasil começou a se fazer mais
presente. Isso coincide com o surgimento e o desenvolvimento dos primeiros cursos de
Relações Internacionais no País e com o aumento do interesse nas questões internacionais por
parte de diversos setores da nossa sociedade.

É premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de Relações


Internacionais. Na Administração Pública, essa demanda é mais evidente. No Poder Legislativo,
é fundamental que aqueles que assessoram os legisladores conheçam as principais linhas da
política internacional tão bem quanto conhecem a política interna brasileira. Afinal, política
interna e política externa estão estreitamente relacionadas: as ações daquela afetarão e serão
afetadas por esta e vice-versa.

Um sítio interessante para o estudante e o profissional da área de Rel é o Inforel, que


traz cobertura atualizada das questões de relações internacionais e defesa nacional,
além de artigos com análises interessantes (disponível nos Links relacionados no
Menu Apoio).
pág. 06

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

A importância das relações internacionais também pode ser percebida na maneira como o tema
é tratado na Constituição Federal. A Carta Magna, já em seu Título I, referente aos “Princípios
Fundamentais”, estabelece, no art. 4º, os princípios que regem as relações internacionais do
Brasil:

• Independência nacional;
• Prevalência dos Direitos Humanos;
• Autodeterminação dos povos;
• Não-intervenção;
• Igualdade entre os Estados;
• Defesa da paz;
• Solução pacífica dos conflitos;
• Repúdio ao terrorismo e ao racismo;
• Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
• Concessão de asilo político.

Ainda no que concerne à Lei Maior, também os direitos e garantias fundamentais estão
intimamente relacionados às experiências vivenciadas pela comunidade das nações ao longo de
sua história. Foi graças às Revoluções em países como a Inglaterra, a França, os EUA e a
Rússia, e à difusão desses princípios para além de suas fronteiras, que o mundo moldou uma
cultura de direitos fundamentais que hoje são inquestionáveis em todo o planeta. E a violação a
esses direitos gera repulsa da comunidade internacional.

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Vereshchetin (1996), por exemplo, vê no que chama de “fator direitos humanos” um dos
principais meios de retomada de uma cultura mínima de proteção internacional no pós-Guerra.
O relacionamento entre Estado e indivíduo, que tradicionalmente foi objeto de preocupação de
leis internas, não mais pode ser considerada uma questão puramente doméstica dos países.

A Constituição da Rússia de 1993, por exemplo, trouxe como princípio a incorporação das
normas internacionais ao sistema jurídico interno e a prevalência dos acordos internacionais dos
quais a Federação Russa faça parte no caso de estes estabelecerem regras que difiram
daquelas estipuladas em lei interna. Isso tem se mostrado uma tendência constitucional em
vários países. Quando não há dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais têm dado
o rumo da interpretação.

Na década de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polônia, por exemplo,


decidiram que a Constituição e as normas internas deveriam ser interpretadas de tal
forma que as normas internacionais geralmente aceitas tivessem força efetiva.

Há, portanto, sinais de uma crescente interdependência até mesmo no campo jurídico no
mundo, e o Tribunal Penal Internacional nada mais é do que uma expressão e conseqüência
disso.

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O PODER LEGISLATIVO E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As relações internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo. Em nosso


sistema jurídico-político, quaisquer tratados que o Brasil celebre com outras nações ou com
organizações internacionais devem necessariamente passar pelo aval do Congresso Nacional
antes de serem ratificados.

O art. 49 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer, logo em seus primeiros


incisos, as competências exclusivas do Congresso Nacional:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais


que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz,


a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele
permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei
complementar;

E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuições mais específicas, pois é a Casa Legislativa que
avalia e aprova nossos embaixadores, autoridades máximas das missões diplomáticas
brasileiras, designados para representar o País no Exterior. Compete também ao Senado
autorizar as operações externas de natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.

Cada Casa Legislativa possui Comissões encarregadas dos temas de relações exteriores e
defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional (CRE), composta por 19 membros titulares e 19 suplentes, é competente para tratar
das questões que envolvam as relações internacionais do País.

A legislação brasileira evidencia a importância do Poder Legislativo nos destinos das relações
internacionais do País. E quanto mais o Brasil busque integrar-se na comunidade das nações e

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ocupar o seu devido papel de destaque, mais importante se faz o conhecimento, na esfera do
Legislativo, dos principais temas de relações internacionais.
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O ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Antes de concluirmos a primeira Unidade, convém apresentar algumas considerações gerais


sobre o estudo das relações internacionais como disciplina, as áreas de atuação do profissional
de relações internacionais e a realidade brasileira.

O estudo de Relações Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito, Economia,


Administração, História, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Estatística e, sobretudo, de questões
internacionais contemporâneas.

O interesse por temas de relações internacionais aumentou mais ainda após os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao assistirmos àqueles dramáticos acontecimentos em
tempo real, alguns véus foram retirados, e aos poucos tomamos consciência de que as
distâncias físicas se estreitavam ao mesmo tempo em que as distâncias culturais e sociais
aumentavam. O terrorismo passa também a ser uma questão global, que afeta países nos
hemisférios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente.

No campo profissional, as relações internacionais são aplicáveis em diversas áreas. No Brasil,


há profissionais de relações internacionais atuando em vários setores da Administração Pública
e da iniciativa privada.

Em termos de carreira, uma das mais conhecidas é a


diplomacia. O diplomata é o legítimo representante do
Governo e da nação junto a outros povos e organizações
internacionais. Para se tornar um diplomata no Brasil, é
necessário o ingresso na carreira por meio de concurso
público, promovido pelo Instituto Rio Branco (IRBr) do Palácio do Itamaraty
Fonte:www.inforel.org
Ministério das Relações Exteriores. Aprovado no concurso,
e após um período de treinamento no IRBr – para aqueles
que não dispõem de título de Mestre ou Doutor –, o
diplomata inicia uma carreira como Terceiro Secretário,
podendo chegar a Embaixador.

No serviço público, além da Chancelaria, o profissional de relações internacionais tem diante


si alternativas de trabalho nos vários órgãos da Administração Federal, Estadual e Municipal.
Afinal, sempre há uma “assessoria internacional” em cada ministério, secretaria, autarquia e
empresas públicas. E o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presença de
profissionais de relações internacionais nas principais carreiras de Estado.

Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre ao profissional de relações


internacionais. Além das grandes corporações multinacionais e transnacionais, as empresas
brasileiras de médio e grande porte já percebem a necessidade de atuarem em uma economia
globalizada. Assim, em um mundo cada vez mais integrado econômica e financeiramente, as
empresas precisam de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no
sistema internacional. Aquelas que desconsideram essa percepção acabam por sucumbir.

Além disso, há a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizações Internacionais e


Organizações Não-Governamentais que atuam no globo: ONU, OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO,
FAO, Greenpeace, WWF etc. Brasília tem representação da maior parte dos organismos
internacionais dos quais o Brasil é membro e, com isso, o mercado do profissional de relações
internacionais se amplia na Capital Federal.

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE

Até o início do século XX, as relações internacionais não eram estudadas como disciplina
independente. O estudo do tema estava sempre sob o manto de outras ciências, como o
Direito, a Economia, a Sociologia e a Ciência Política.

À medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relações entre os


Estados mais diversificadas, relações estas que envolviam conflito e cooperação, e que muitas
vezes culminavam em situações que interferiam diretamente no quotidiano das pessoas e na
política interna das nações, percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem a
conduta dos Atores em um cenário internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam constituir
uma nova área do conhecimento, independente e com autonomia para gerar suas próprias
percepções da realidade. Daí o aparecimento das primeiras cátedras de Relações Internacionais
pelo mundo.

Os cursos de Relações Internacionais surgiram na primeira metade do século XX, nas principais
universidades européias e norte-americanas. Foram constituídos com o objetivo de produzir
conhecimento que explicasse como se desenvolviam as relações entre os Estados. Naquele
contexto, as perguntas que impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao
grande trauma da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes até então,
que envolvera diversas nações do globo e causara pesadas perdas, sobretudo no território
europeu. Assim, os temas centrais eram:

• O que havia conduzido o mundo a uma situação de conflito tão drástica?


• O que leva os Estados à guerra?
• É possível se evitar o conflito entre os povos?
• Como agem os Atores internacionais e quais as forças que interferem na
conduta destes entes?

Claro que, com o decorrer do século XX, o estudo de Relações Internacionais diversificava-se à
medida que os laços entre os povos tornavam-se mais complexos e novos temas, como
cooperação, desenvolvimento, integração, paz, direitos humanos e globalização, vinham à baila.
Atualmente, a disciplina é ampla e alcança as mais diferentes áreas de estudo, e evolui à
medida que evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, atualmente há cursos de
Relações Internacionais nas principais universidades do mundo e profissionais da área atuando
nos mais variados segmentos dos setores público e privado.

O primeiro curso de Relações Internacionais no Brasil foi instituído na Universidade de Brasília,


na década de 1970, fazendo da capital da República o referencial brasileiro em estudos
internacionais. Até meados da década de 1990, havia apenas dois cursos de Relações
Internacionais no Brasil – na Universidade de Brasília e na Universidade Estácio de Sá (Rio de
Janeiro). Hoje, são dezenas de instituições que oferecem a graduação em Relações
Internacionais por todo o País. Trata-se, portanto, de carreira de grata expansão. Mesmo assim,
a contribuição brasileira para as relações internacionais ainda é muito incipiente, sobretudo
para um País que tem potencial para se tornar uma Grande Potência entre seus pares.

Feitas essas primeiras considerações acerca do tema de nosso curso, realize as atividades
propostas e, em seguida, passemos às teorias e aos principais conceitos utilizados pelos
profissionais e estudiosos das Relações Internacionais.

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Atividades de autoavaliação -
Para efeito de fixação dos conceitos estudados na Unidade, clique no menu lateral em
"Avaliação" e escolha a que se refere a esta Unidade(U1) e Módulo(M1): Rel I -
Autoavaliação M1U1 e realize a atividade. Lembrando que essas questões serão
corrigidas automaticamente pelo sistema e que permitem que o aluno refaça caso escolha a
opção inadequada.

Avaliação da Unidade -
Para auxiliá-lo a entender e refletir melhor sobre o conteúdo apresentado, responda a
questão proposta. O exercício será corrigido e poderá ser comentado pelo Tutor. Caso
seja necessário, o Professor-Tutor pode solicitar que você reformule a questão, caso
em que ele fará uma observação no seu campo de resposta, orientando-o nesse sentido. Nesse
caso, a atividade aparecerá em cinza no Painel de desempenho. Acompanhe atentamente!
Para acessar a atividade, localize o menu "Avaliação", clique na opção: Trabalhos/Redações -
Avaliação da Unidade 1 Módulo I e trabalhe com afinco.

Unidade 2 - Conceitos Fundamentais

A Unidade 2 tem como foco os conceitos básicos para a análise e compreensão do campo das
Relações Internacionais.

Objetivos da Unidade :

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de identificar e definir os seguintes


conceitos fundamentais de relações internacionais:

• Sociedade Internacional;
• Atores;
• Forças Profundas;
• Sistema Internacional;
• Potência;
• Hegemonia.

Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias para
o estudo do conteúdo e para a autoavaliação do cursista. Tenha um bom
aproveitamento!

pág. 01

CONCEITOS FUNDAMENTAIS

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Essencial para o desenvolvimento de nosso curso é a compreensão de conceitos fundamentais


de Relações Internacionais. Nesse sentido, seria complicado tentar iniciar qualquer análise de
Relações Internacionais sem as noções desses conceitos essenciais. Os conceitos elementares
de Relações Internacionais sobre os quais se tratará neste curso são os de:

• Sociedade Internacional;
• Atores;
• Forças Profundas;
• Sistema Internacional;
• Potência;
• Hegemonia.

Antes de iniciar o estudo desta Unidade, sugerimos que assista atentamente aos dois
vídeos seguintes do Conexão Mundo, “Conceitos Fundamentais de Relações
Internacionais V2”, disponível no sítio do ILB
.

A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses conceitos.

Sociedade Internacional

Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de Relações
Internacionais refere-se à temática que envolve a Sociedade Internacional.

Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos desse conceito?

A idéia de Sociedade Internacional – termo cunhado por Hugo


Grócio no século XVII – permite direcionar a atenção para a
atuação padronizada dos Estados. Apesar da ausência de uma
autoridade central no cenário internacional, os Estados exibem
padrões de atuação que estão sujeitos a, e constituídos por,
restrições de diversas naturezas – históricas, sistêmicas, legais,
morais etc.

Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade


Internacional à evolução histórica das relações entre os grupos,
povos e, mais tarde, Estados-nações organizados em âmbito
espacial determinado. Podemos identificar a evolução da Sociedade Internacional a partir das
relações entre os grupos primitivos da Antigüidade, passando pelos reinos e impérios e
chegando à Idade Contemporânea, com a ascensão do Estado nacional e soberano nos séculos
XVIII e XIX e o seu declínio, no século XX, frente a um sistema cada vez mais globalizado e
interdependente.
pág. 02

Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formação dos Estados nacionais,
que só se deu, nos moldes como os concebemos hoje (compostos de povo, território e
soberania), há dois séculos. Mesmo que não houvesse consciência dos povos a esse respeito,
não há como negar a existência “de fato” de uma Sociedade Internacional na Antigüidade.
Afinal, a partir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e diferenciados,
exercendo relações políticas, culturais ou comerciais entre si, tem-se uma Sociedade

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Internacional embrionária. Das tribos passaram-se aos reinos, às cidades-estados e aos


impérios, e estes, vistos em um contexto macro e nas relações entre si, formavam a Sociedade
Internacional do mundo antigo.

Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um Sistema Internacional


da Antigüidade, refletia mais um conjunto de sociedades regionais localizadas, muitas vezes
sem qualquer contato entre si e até sem consciência da existência das outras sociedades. Era
uma época em que as forças naturais limitavam a comunicação entre Oriente e Ocidente, e a
“Sociedade Internacional do sistema grego” mantinha pouco contato com a “Sociedade
Internacional do extremo oriente” – na qual o império dinástico chinês era o principal ator.

Somente com as grandes navegações e o expansionismo europeu pelo planeta é que se


estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim, desde o século XVI, o mundo vai-se
tornando cada vez mais integrado, seja pela força da economia e do comércio, seja pela força
dos canhões e das conquistas coloniais européias. Paul Kennedy, em sua obra já clássica
Ascensão e Queda das Grandes Potências, analisa, com clareza, como o extremo oeste do
continente euroasiático, conhecido como Europa, com uma diversidade de povos e reinos
autônomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-se pelo mundo e,
em pouco mais de dois séculos, tornar-se o centro de uma sociedade global, subjugando
impérios tradicionais como a China e o Império Otomano.

O termo “internacional” foi utilizado pela primeira vez em 1780,


pelo filósofo inglês Jeremias Bentham, em sua obra Princípios de
Moral e Legislação. Essa é a época do apogeu dos Estados
nacionais, com o início do declínio do absolutismo no continente
europeu. Era um período em que a idéia de nação ainda estava
muito ligada à figura do soberano. A Sociedade Internacional
representava, para os europeus, a “Cristandade”, com seus
paradigmas e princípios seculares. O Estado soberano era o
principal Ator internacional.

Foi com a Revolução Francesa que o conceito de nação deixou de


ter caráter puramente simbólico e passou a relacionar-se
diretamente à questão da soberania. A soberania passou a residir essencialmente na nação,
onde o súdito tornou-se cidadão e as relações entre os Estados, até então simbolizados e
conduzidos pelos monarcas, estenderam-se às relações entre os povos. O século XX esclarece
essa nova perspectiva: as relações entre nações não são necessariamente relações entre os
Estados, muito pelo contrário.

pág. 03

Não há dúvida de que essa Sociedade Internacional é dinâmica e tem sua evolução diretamente
relacionada à evolução dos grupos, povos, reinos, Estados, Impérios e nações, enfim, de todos
os Atores que a compõem ou a compuseram e das forças que influenciam a sua atuação.

Qual é, então, o conceito de Sociedade Internacional?

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A resposta para essa pergunta é percebida de maneira diferenciada pelos teóricos das Relações
Internacionais, que podem ser reunidos em três grandes grupos (CERVERA, 1991). Para os
teóricos do primeiro grupo, é simplesmente impossível definir Sociedade Internacional. Limitam
-se, assim, ao estudo dos componentes da Sociedade Internacional e à evolução das relações
entre eles. Os teóricos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional em
contraposição a outros grupos sociais. Por essa ótica, a pergunta que se busca responder é
“Como é a Sociedade Internacional?” É irrelevante, portanto, para esses autores, a formulação
de um conceito teórico para Sociedade Internacional. De qualquer maneira, eles não deixam de
apresentar sua definição de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas
explicações, como veremos adiante.

O terceiro grupo, majoritário, afirma não só ser possível, mas também necessário, proceder à
definição do termo “Sociedade Internacional”, para que se possa tratar com mais propriedade o
estudo dos fenômenos internacionais e das relações que se desenvolvem em seu meio. Uma
vez que concordamos com essa percepção, apresentaremos nosso conceito de Sociedade
Internacional. Antes, porém, vejamos alguns conceitos de autores renomados.

Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional é o “conjunto de seres humanos que
vivem sobre a terra”. Percebemos uma definição genérica e abrangente, que põe
completamente de lado as estruturas em que os seres humanos estão agrupados, como as
nações ou os Estados nacionais. Para o autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-
se com o de “humanidade”. Chega-se a perceber mesmo uma concepção idealista, pois a
Sociedade Internacional teria em primeiro plano o indivíduo, independentemente de suas
origens e do grupo ou povo a que pertence.

Hedley Bull (2002), com base em uma análise sistêmica, definiu Sociedade Internacional
como um “grupo de comunidades políticas independentes que não formam um sistema
simples”. Definição mais precisa e completa de Sociedade Internacional é de Juan Carlos
Pereira (2001): “um âmbito espacial e global em que se desenvolve um amplo conjunto de
relações entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou geograficamente organizados
e com poder de decisão.” O autor acredita que a Sociedade Internacional estaria evoluindo para
uma Comunidade Internacional.

Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como “aquela sociedade
global (macrossociedade) que compreende os grupos com um poder social autônomo, entre os
quais se destacam os Estados, que mantêm entre si relações recíprocas, intensas, duradouras e
desiguais sobre as quais é assentada certa ordem comum”.
pág. 04

Por fim, cabe apresentar nossa própria conceituação de Sociedade Internacional, que é baseada
na corrente historiográfica, pela qual buscamos reunir elementos que consideramos essenciais
para a compreensão do termo e de sua evolução desde a Antigüidade:

A nosso ver, Sociedade Internacional pode ser definida como o conjunto de entes que
interagem de maneira sistêmica em uma esfera internacional sob a influência de
forças profundas.

Desmembremos esse conceito para melhor compreensão.

Ator Internacional

A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um conjunto de entes.


Esses entes nada mais são do que os Atores internacionais. Ator internacional é toda
autoridade, organização, grupo ou pessoa que representa ou pode vir a representar um papel
de destaque na Sociedade Internacional. A percepção desses Atores varia conforme o tempo e a
corrente teórica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade, podem
ser considerados os mais importantes: os Estados nacionais, os atores governamentais
interestatais (as organizações internacionais), os atores não-governamentais interestatais (i.e.,

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organizações não-governamentais e empresas multi e transnacionais, entre outros) e os


indivíduos.

Não são todas as pessoas, grupos ou organizações que podem ser identificados como Ator
Internacional. Para nossa classificação, é necessário que a atuação desses entes tenha
destaque internacionalmente. Uma associação, por exemplo, estabelecida dentro de
determinado país e voltada em suas atividades e interesses prioritariamente ao âmbito interno
daquele país não é um Ator internacional.

Não obstante, qualquer grupo, organização ou indivíduo pode vir a tornar-se Ator internacional.
Grandes empresas transnacionais de hoje foram, no passado, pequenas organizações
comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavam exclusivamente no interior de seu país
de origem, não sendo à época Atores internacionais. À medida que essas empresas cresceram,
expandiram-se para além das fronteiras de seus Estados de origem e começaram a atuar e
influir na Sociedade Internacional, tornaram-se Atores internacionais.

Ainda sobre os Atores e seus dados estatísticos, sugere-se a publicação The World Factbook,
produzida anualmente pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), com dados
atualizados sobre as nações do mundo.
pág. 05

Sistema Internacional

O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se à atuação sistêmica na


esfera internacional. Adotamos uma abordagem sistêmica, em que o aspecto relacional é
importante. Sistema pode ser conceituado como “conjunto de elementos e instituições entre os
quais se possa encontrar alguma relação” ou, ainda, “conjunto ordenado de meios de ação ou de
idéias, tendente a um resultado”. A abordagem sistêmica em relações internacionais vê o conjunto
de inter-relações entre os Atores internacionais como sujeito a padrões, normas – enfim, a forças
profundas –, que remetem ao conjunto mais amplo, o sistema internacional como um todo.

As primeiras considerações a respeito do modelo sistêmico para explicar as Relações


Internacionais tomaram por base referências da Biologia e da Química. Nesse sentido, pode-se
associar a noção de sistema ao corpo humano, no qual vários subsistemas – circulatório,
nevrálgico etc. – são compostos de órgãos que se relacionam e dependem uns dos outros. A idéia
de sistema, portanto, está relacionada a um ordenamento nas relações entre componentes e à
interdependência entre esses componentes.

Raymond Aron, em sua obra clássica Paz e Guerra entre as Nações, recorreu
ao conceito de sistema para evocar a dinâmica das relações internacionais.
Assim, a Sociedade Internacional tem características suficientemente
estáveis para que possamos percebê-la como um sistema onde os Atores
conduzem suas relações dentro de certos padrões.

Caberia apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo com


Frederic S. Pearson e J. Martin Rochester (2000, p. 641):

Sistema Internacional. Conjunto de relações em âmbito mundial nas áreas política,


econômica, social e tecnológica, em torno do qual ocorrem as relações internacionais em
um dado momento.

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Há ainda autores que separam as noções de Sociedade Internacional e de Sistema Internacional


para identificar certos períodos históricos. Por exemplo, Sociedade Internacional teria como
substrato a idéia de concerto e harmonia internacional, que alguns defendem corresponder, por
exemplo, à Europa do pós-1815. Em contrapartida, Sistema Internacional traduziria a existência
de vários pólos de poder que interagem entre si e não necessariamente se harmonizam no todo, o
que alguns autores defendem corresponder ao mundo pós-1945.
pág. 06

Forças Profundas

Finalmente, de acordo com a nossa concepção de Sociedade Internacional, o terceiro elemento


fundamental são as “forças profundas”. A idéia de “forças profundas” origina-se da corrente
historiográfica das Relações Internacionais, cujos principais expoentes foram Pierre Renouvin e
Jean-Baptiste Duroselle. De acordo com esses historiadores, as forças profundas nada mais
seriam que determinados fatores que influenciariam as ações das coletividades:

As condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses econômicos e


financeiros, os traços da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais,
essas forças profundas formaram o quadro das relações entre os grupos humanos e,
em grande parte, lhes determinaram o caráter. O homem de Estado, nas suas decisões
ou nos seus projetos, não pode negligenciá-las; sofre-lhes a influência e é obrigado a
constatar os limites que elas impõem a sua ação. Todavia, quando ele possui, quer
dons intelectuais, quer uma firmeza de caráter, quer um temperamento que o levam a
transpor aqueles limites, pode tentar modificar o jogo de semelhantes forças e utilizá-
las para seus próprios fins.

Juan Carlos Pereira denomina tais forças profundas de “fatores condicionantes” (PEREIRA,
2001, p. 44). Identifica alguns desses fatores: fator geográfico, fator demográfico, fator
econômico, fator tecnológico, fator ideológico/sistema de valores, fator político-jurídico e fator
militar-estratégico.

Portanto, a Sociedade Internacional é composta de entes – Estados, organizações


internacionais, organizações não-governamentais, empresas transnacionais, indivíduos, entre
outros – que são influenciados pelas forças profundas – fatores geográficos, demográficos,
migratórios, políticos, econômicos e financeiros, ideológicos, religiosos, tecnológicos etc. – em
suas ações sistêmicas na esfera internacional.

Uma leitura complementar recomendada é a do texto sobre Rio Branco e as Forças


Profundas, de Arno Wehling, sob o tema: Visão de Rio Branco – o homem de
estado e os fundamentos de sua política.

Além do clássico Histoire des rélations internationales, obra-mestra da historiografia


francesa das relações internacionais, caberia destacar dois livros de Renouvin e
Duroselle já traduzidos para o português: Introdução à História das Relações
Internacionais – publicada em 1967 pela Difusão Européia do Livro, de São Paulo – e
Todo Império Perecerá – um dos últimos grandes trabalhos de Duroselle, lançado no Brasil em
2000.

pág. 07

Além dos conceitos já tratados, caberiam, em nosso curso introdutório, algumas observações
– ainda que sem aprofundamento – a respeito de outros conceitos essenciais para viabilizar
nosso entendimento dos temas tratados no decorrer das próximas unidades. Passemos a eles.

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Potência

O Sistema Internacional é composto por uma diversidade de Atores. Nesse contexto, o Estado
ocupa papel de destaque. Mas existem diferenças marcantes entre os Estados na esfera
internacional e o grau de influência (poder) que eles exercem. Assim, importante para a
compreensão das relações internacionais é a idéia de Potência e das diferentes gradações
dessa classificação.

Há inúmeras definições para Potência. Segundo Martin Wight (2002), Potência é “um Estado
moderno e soberano em seu aspecto externo, e quase pode ser definido como a lealdade
máxima em defesa da qual os homens hoje irão lutar”. Rafael Calduch Cervera (1991), por
sua vez, cita o conceito de Potência Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como
aquele Estado “mais ou menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do
jogo em um ou mais âmbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de
relacionar tais âmbitos para alcançar uma vantagem”.

Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade Internacional, Martin Wight


relaciona Potências Dominantes, Grandes Potências, Potências Mundiais e Potências Menores.
Potências Dominantes e Potências Mundiais seriam subdivisões do gênero Grande Potência,
uma vez que ambas as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade
de influência significativa no Sistema Internacional. Em última análise, a diferenciação poderia
ser restringida a Grandes Potências e Potências Menores.

Wight define Potência Dominante como aquela capaz de


medir forças contra todos os rivais juntos. E cita exemplos
ao longo dos séculos, como Atenas, à época das Guerras do
Peloponeso, o Império Romano, a Espanha de Carlos V e de
Filipe II, a França de Luís XIV, a Grã-Bretanha no século
XIX, e os EUA no século XX.

Outro termo muito utilizado e cujas características vão além


da Potência Dominante, conforme definida por Wight, é o de
Superpotência. Esse termo, cunhado com o advento da
Guerra Fria, designava exclusivamente URSS e EUA. Esses
países, em virtude de suas capacidades nucleares – com
poder de destruição global –, inúmeras vezes associadas ao
poderio militar convencional e à influência político-ideológica
mundial, tinham status único na comunidade das nações.
Gounelle (1992) indica quatro características das
Superpotências:

• têm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;

• dispõem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos armamentos


convencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de outros meios de
destruição em massa;

• assumem a liderança de uma aliança militar (os EUA da OTAN e a URSS do Pacto de
Varsóvia);

• pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.

Convém lembrar que a idéia de Superpotência ultrapassa em muito o potencial exclusivamente


militar. De fato, a capacidade de destruição massiva do planeta é o elemento central do
conceito de Superpotência, mas o aspecto de liderança de um bloco de nações e de pretensões
de estabelecimento de uma sociedade universal em seus moldes político-econômico-ideológico
-sociais não pode ser desconsiderado.

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Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma Superpotência: os EUA.
Alguns autores vislumbram a possibilidade da China vir a ocupar, na segunda metade do
século XXI, o lugar da URSS. Entretanto, ainda não há que se falar na China como
Superpotência, uma vez que esta, além de não dispor de arsenais nucleares capazes de fazer
frente ao poderio de Estados como EUA e Rússia, não tem pretensões – nem condições – de
projetar um modelo sócio-político-cultural-ideológico seu para o mundo. A Rússia, por sua vez,
apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruição massiva do planeta, não
pode ser chamada de Superpotência, exatamente porque também não tem condições de
aspirar a qualquer pretensão hegemônica no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim,
os EUA, considerados os vencedores da Guerra Fria, são hoje o único Estado com as
características básicas da superpotência e, de fato, essa nação tem-se tornado tão poderosa
que já se cunha o conceito de Hiperpotência, algo sem precedentes na História.

A Hiperpotência dispõe de um aparato bélico superior ao das demais Potências juntas. Esse
aparato não se resume ao potencial das armas de destruição em massa, mas inclui
armamento convencional significativo, e capacidade de operação militar em mais de um teatro
no globo. Ademais, trata-se de uma Economia de peso diante do sistema, sua influência na
política internacional é marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo sócio-cultural e
político para outras regiões do planeta.

Assim, os EUA não encontram, no início do século XXI, adversários militares à altura, e são a
Grande Potência econômica e a liderança mundial. Do ponto de vista econômico, por exemplo,
apenas a coalizão das grandes economias européias pode fazer frente aos EUA, o mesmo se
podendo dizer das economias asiáticas. A projeção de poder dos norte-americanos no mundo
não encontra precedentes, e alguns analistas já começam analisar a política externa
estadunidense como uma política de império. De qualquer maneira, o conceito de
Hiperpotência ainda encontra-se em desenvolvimento.

O conceito de Wight para Potência Dominante tem grande proximidade com a idéia de
hegemon, ou seja, uma potência tão poderosa que seria necessária uma coalizão de todas as
demais nações para contê-la. A concepção de hegemon ultrapassa a esfera exclusivamente
político-militar, de modo que o Estado que detém esse título influencia a Sociedade
Internacional em esferas diversas, como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e até
o Direito. Além disso, essa influência do hegemon não ocorre necessariamente de maneira
impositiva. De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um misto de coerção e
consenso. Finalmente, convém lembrar que o hegemon continua influenciando a Sociedade
Internacional mesmo após perder esse status.

Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje é mantida mais por outros meios – o
que alguns autores chamam de soft power (poder suave) –, como a presença marcante na
compilação e divulgação de notícias e diversões, na produção de bens de consumo, nas
inúmeras formas de cultura popular e sua identificação com a liberdade política e de mercado,
do que propriamente por meio do hard power (poder militar).

Além da potência hegemônica, há outros atores estatais com capacidade significativa de


influência na Sociedade Internacional. Esses são as Grandes Potências, as quais, inclusive,
disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-se a potência dominante, chegando, muitas
vezes, a alcançar esse objetivo. De fato, as relações internacionais seriam um grande tabuleiro
onde essas Potências disputariam poder em um jogo de influência. Como exemplos atuais de
Grandes Potências teríamos China, França, Rússia, Alemanha, Japão e Grã-Bretanha.

As potências menores constituem a maioria. Seu grau de influência no sistema varia


significativamente. Nesse grupo, poderiam ser relacionadas desde as Potências Mundiais
menores – como Espanha e Índia – até as Potências Regionais – Argentina e Egito, por

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exemplo. Vale destacar que uma Potência Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande
Potência, e até, a Potência Dominante. Os EUA são um bom exemplo disso.
pág. 09

Max Gounelle (1992) comenta que, à medida que dispõe de capacidade de influenciar de
maneira significativa os outros entes da Sociedade Internacional em prol de seus interesses
particulares, um Estado pode ser classificado como Microestado, Potência Local, Potência
Média, Grande Potência ou Superpotência.

Os microestados são aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos dias e que, em
sua maioria, tiveram origem na formação histórica dos Estados nacionais europeus ou no
processo de descolonização. Encontram-se constantemente sob amplo grau de dependência
frente a uma Potência e integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizações
internacionais. Conviria exemplificar nessa categoria países como o Principado de Mônaco e a
República de San Marino, diversos Estados-arquipélagos no Pacífico ou até algumas Repúblicas
da América Central e Caribe. Apesar de minimamente influentes na Sociedade Internacional,
esses entes ganham força quando se associam e se fazem representar em organismos
internacionais onde tenham poder de voto igual ao de outros Estados.

As Potências Locais são as mais numerosas. Participantes das atividades comuns da vida
internacional, esses entes têm como objetivos principais sua própria sobrevivência e a defesa
de sua soberania territorial. De maneira geral, não têm grandes pretensões internacionais de
projeção de poder e acabam também associados às Grandes Potências ou a Potências
Regionais. Como exemplos para essa categoria, teríamos países como Bolívia, Paraguai,
Camboja, Albânia e Moçambique.

São classificados como Potência Regional ou Potência Média aqueles Estados aptos a
representarem certo papel de destaque em grandes áreas geopolíticas. Egito, Síria, Nigéria,
Brasil, Argentina e Irã são exemplos de Potências Regionais ou Médias. Esses países exercem
influência em virtude de suas aptidões de liderança sob certos limites geográficos, fundadas
em seus potenciais materiais ou demográficos, suas envergaduras ideológicas ou seu peso
militar, econômico e até social.

Gounelle, no entanto, diferencia Potências Regionais de Potências Médias ao afirmar que estas
últimas têm ambições mundiais restritas às suas próprias capacidades. Tais pretensões
poderiam ser limitadas a domínios específicos (nuclear, cultural, econômico, diplomático). A
França, a Alemanha, a China e o Japão estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle
relaciona como Potências Médias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de
Grandes Potências, ou seja, Potências com interesses globais e capacidade de influenciar a
Sociedade Internacional em diferentes domínios. Ao chamar Potências como China e Grã-
Bretanha de Potências Médias, Gounelle o faz comparando-as às Superpotências – à época,
URSS e EUA.
pág. 10

Hegemonia
Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra
International Relations: : the Key Concepts, de Martin Griffiths e
Terry O’Callaghan (London: Routledge, 2002).

Hegemonia, em grego, significa “liderança”. Em sentido amplo, portanto, em Relações


Internacionais, o hegemon é o líder – ou o Estado líder – de um grupo de nações.

Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicáveis, presume-se que haja
uma certa ordem na Sociedade Internacional. Daí que, apesar de ser o Estado mais poderoso
no cenário internacional, o hegemon só pode exercer sua liderança (hegemonia) se houver
relações de poder entre entes em um meio internacional.

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Hegemonia consiste, então, no exercício de uma liderança ou comando em uma sociedade,


com base em recursos de poder. Esses recursos fundamentam-se em dois aspectos: coerção e
consenso. Assim, toda relação de poder tem por base os graus de coerção e consenso
exercidos por um ente ou mais de um sobre os demais. À medida que é alterada essa relação,
muda também a liderança no grupo.

Para o exercício da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas esferas de
consenso e coerção. Uma relação que se baseie apenas na coerção – por meio de recursos de
força militar ou econômica – não pode ser verdadeiramente hegemônica, da mesma maneira
que é impossível a liderança da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dos
demais Atores.

As relações internacionais têm sido marcadas pela disputa, por parte das Potências, da
hegemonia na Sociedade Internacional. Essa hegemonia, além de política, pode ser militar,
econômica, cultural ou ideológica. Pode ser regional ou global. Um Estado que seja a Potência
hegemônica em uma dessas áreas muito provavelmente o será na maioria das outras. É claro
que tal liderança pode ter diferentes gradações e que uma grande Potência econômica em
nossos dias pode não ter o mesmo poder de influência cultural ou até militar no cenário
internacional.

A Sociedade Internacional será sempre marcada por um hegemon, cujo interesse é manter o
status quo do sistema, diante de outras Potências que não pouparão esforços para se tornar o
hegemon. De acordo com a teoria da estabilidade hegemônica, o hegemon tem que ter
capacidade de garantir a ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes
da comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria dispor de
alguns atributos: liderança em um setor econômico ou tecnológico e poder político baseado no
poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos a capacidade de obter consenso sobre
sua liderança.

Não acumule dúvidas. Procure saná-las logo que apareçam


.
pág. 11

Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existência de uma hegemonia, que
tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer “bens públicos” internacionais, como lei,
ordem e moeda estável. Conforme didática explicação de Griffiths (2004, p. 26-27):

(...) os mercados não podem crescer em produção e distribuição de bens


e serviços se não houver um Estado que forneça certos pré-requisitos.
Por definição, os mercados dependem da transferência, por meio de um
mecanismo de preço eficiente, de bens e serviços que possam ser
comprados e vendidos entre os principais agentes particulares que
permutam direitos de posse. Mas os mercados dependem do Estado para
lhes dar, por coerção, regulamentos, taxas e certos “bens públicos” que
eles sozinhos não podem gerar. Isto inclui uma infra-estrutura legal de
direitos e leis de propriedade para fazer contratos, uma infra-estrutura
coerciva que assegure a obediência à lei, além de um meio de permuta
estável (dinheiro) que assegure um padrão de avaliação dos bens e
serviços. Dentro das fronteiras territoriais do Estado, os governos
fornecem tais bens. É claro que, internacionalmente, não existe Estado
no mundo capaz de multiplicar sua provisão em escala global. Baseando-
se na obra de Charles Kindleberger e na análise de E. H. Carr sobre o
papel da Grã-Bretanha na economia internacional no século XIX, Gilpin
argumenta que a estabilidade e a “liberalização” da permuta

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internacional dependem da existência de uma “hegemonia”, que tenha


tanto capacidade quanto vontade de fornecer “bens públicos”
internacionais, como lei, ordem e uma moeda estável para o comércio
financeiro.

Em termos gerais, essa é a Teoria da Estabilidade Hegemônica.

É uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4,


ao tratarmos do debate teórico travado entre neorealistas e
neoliberais.

As Potências hegemônicas são as Grandes Potências na concepção de Wight, e o hegemon


nada mais que a Potência Dominante. A hegemonia político-ideológica no planeta, por
exemplo, era disputada pelas Superpotências no contexto da Guerra Fria, mas a URSS
dificilmente poderia ser caracterizada como ameaça à hegemonia econômica dos EUA.

Deve ser esclarecido, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria, imaginava-se
que a União Soviética se tornaria uma grande potência econômica. Isso é
especialmente válido para os anos 30: enquanto as economias ocidentais agonizavam
por causa da crise de 1929, a economia soviética crescia a taxas espantosamente
altas.
pág. 12

Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para esta aula


do Professor Joanisval.

Duração: 2min55

Caso não consiga visualizar:


1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;
2) pode precisar atualizar o Flash Player (

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http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

Essas observações introdutórias são suficientes

e fundamentais para a compreensão das unidades seguintes e para a discussão dos temas
tratados neste curso.

Artigo interessante para concluir os estudos dessa Unidade é o texto de João


Marques de Almeida, sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.

Atividade de autoavaliação -
Para efeito de fixação dos conceitos estudados na Unidade, clique no menu lateral
em "Avaliações" e escolha a que se refere a esta Unidade(U2) e Módulo(M1): Rel I -
Autoavaliação M1U2 e realize a atividade. Essas questões serão corrigidas
automaticamente pelo sistema.

Avaliação da Unidade - Da mesma forma que na Unidade anterior responda a


questão proposta. Lembre-se de que caso seja necessário, o Professor-Tutor pode
solicitar que você reformule sua resposta, ness caso ele fará uma observação no
campo da questão orientando-o nesse sentido. Revendo o procedimento: para acessá-
lo, busque o menu "Avaliação", escolha a opção: Trabalhos/Redações - Avaliação
da Unidade 2 Módulo I. Bom trabalho! Acompanhe seu Painel de desempenho! Observe a
legenda com as cores indicadas! Unidade 3 - Correntes teóricas das Relações Internacionais

Aqui começa a terceira Unidade do Módulo I do curso de Introdução às Relações Internacionais.


Nela, serão discutidas algumas correntes teóricas das Relações Internacionais.

Objetivos da Unidade:

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:

# indicar e caracterizar as principais correntes teóricas das Relações Internacionais no Século


XX;
# identificar os principais debates teóricos da disciplina.

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Esperamos que você tenha excelente aproveitamento em seus estudos!

pág. 01

TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O objeto material de qualquer ciência se define pela parcela de realidade que se pretende
conhecer mediante a formação de teorias e a utilização de um método científico (CERVERA,
1991). A teorização sobre as Relações Internacionais surgiu quando se buscou explicar a
existência e as condutas dos entes internacionais. É na Grécia Antiga, com a obra de Tucídides,
História da Guerra do Peloponeso, que se tem a primeira manifestação embrionária de uma
teoria de Relações Internacionais.

Há algo que as ciências naturais e as ciências sociais, conforme Karl Popper, certamente têm
em comum: a necessidade da teoria para se desenvolverem. Nas palavras de Tomassini (1989,
p. 55):

A ciência exige algo mais do que fatos e descrições de fatos. Exige


uma explicação de por que ocorreram, que efeitos causaram e
algumas predições (ou, no caso das ciências sociais, conjecturas)
sobre seu comportamento provável no futuro, uma mescla de
causalidade, teleologia e prospecção. No campo das ciências
sociais, como em outras ciências, a teoria é chamada a ministrar
essas explicações, pondo ordem ao mundo heterogêneo e muitas
vezes incompreensível dos fatos isolados, e a arriscar algumas
predições.

A Teoria do Equilíbrio de Poder

Começamos por essa teoria por uma razão simples:


para muitos estudiosos da política internacional, a
Teoria do Equilíbrio de Poder, também conhecida como
Teoria do Balanço de Poder, é o que mais próximo
existe de uma teoria política das relações
internacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador,
chegou mesmo a dizer que tal teoria constituía uma
“lei” da História.

Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento


do Estado-nação, multiplicaram-se também as
teorizações a respeito das relações internacionais. Em
um contexto de anarquia internacional e de conflito
entre os Estados, as práticas dos agentes e dos Atores
na Sociedade Internacional levaram à formulação de
uma teoria que pode ser considerada a precursora da
análise convencional realista das relações internacionais, a Teoria do Equilíbrio de Poder.

A Teoria do Equilíbrio de Poder percebe o cenário internacional em uma situação de equilíbrio,


no qual o poder é distribuído entre os diversos Estados. Quando um Estado começa a se
destacar e a buscar aumentar seu poder frente os demais, há uma perturbação no equilíbrio, e
faz-se necessária uma coalizão das Potências para conter o Estado “pretensioso” e restaurar a

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ordem. Assim, pressupondo o Estado como um Ator racional, a teoria defende que o balanço ou
o equilíbrio de poder é a escolha preferível e, portanto, a tendência do sistema internacional. A
Teoria orientou as relações internacionais nos quatro séculos compreendidos entre a Guerra dos
Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi útil para justificar as
condutas dos Estados e ações de governantes em um contexto anárquico e conflituoso, como
será visto nas Unidades 2 e 3 do Módulo seguinte.

Alguns autores distinguem entre o equilíbrio de poder como uma política (esforço deliberado
para prevenir predominância, hegemonia) e como um padrão da política internacional (em que
a interação entre os Estados tende a limitar ou frear a busca por hegemonia e, como resultado,
há um equilíbrio geral).

Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as conseqüentes mudanças no cenário internacional e


no equilíbrio de forças, em virtude dos traumas causados pelo conflito e do desenvolvimento do
discurso pacifista junto à opinião pública internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder foi
questionada. Sob o argumento de que essa doutrina não poderia perdurar em um sistema em
que a guerra deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato pós-guerra foi marcado por novas
concepções sobre as relações internacionais, baseadas em uma nova corrente teórica, a qual se
fundamentava no Direito Internacional, na solução pacífica das controvérsias e na busca de
uma estrutura supranacional que garantisse a paz: o Idealismo das Relações Internacionais.

Foi, portanto, na primeira metade do século XX, que os primeiros teóricos de Relações
Internacionais começaram a desenvolver suas explicações sobre o tema em um contexto de
disciplina autônoma. Claro que, em virtude de um objeto de estudo tão complexo, diversas
foram as correntes teóricas instituídas nas últimas décadas. Como não é este um curso de
teoria, pretendemos apresentar apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.
pág. 02

A fase idealista

O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente teórica de Relações


Internacionais, surge em um contexto do final de um conflito muito marcante, a Primeira
Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupação daqueles que então começavam a teorizar
sobre as relações internacionais:

como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor, como evitar o conflito,
sobretudo bélico, entre os Estados?

No que concerne ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca poderia ter
sido mais favorável ao Idealismo. A Grande Guerra havia demonstrado a fragilidade da
tradicional diplomacia européia como meio para assegurar a ordem e a paz internacional. As
enormes perdas humanas e materiais produzidas pelo conflito foram responsáveis, também,
pelo advento de uma opinião comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada
como instrumento de política dos Estados. Pregava-se, ademais, o estabelecimento de um
modelo de segurança coletiva capaz de evitar novas contendas.

Assim, sob os auspícios do discurso idealista e moralizante do presidente estadunidense


Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Nações (SDN), com o objetivo de ser a
organização central de um sistema de segurança coletiva e um fórum em que os Estados
pudessem resolver suas contendas de maneira pacífica. A SDN, portanto, contribuía para
acentuar o otimismo frente ao futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos
de um sistema dirigido para preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante
se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organização internacional, do
estabelecimento de mecanismos tendentes à solução pacífica e de propostas de desarmamento.
Importância significativa foi dada pelos idealistas ao Direito Internacional e às instituições
jurídico-normativas que garantissem a ordem nas relações entre os Estados: ganhava força o
institucionalismo nas relações internacionais.

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O Idealismo partia do princípio de que as relações Anarquia internacional


internacionais encontram-se em estado de natureza, ou seja, não significa
de anarquia internacional. As nações devem buscar, destarte, “desordem”, mas, sim,
superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em ausência de um
âmbito internacional que ordene as relações entre os povos. governo central
Os Estados, acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de superior aos Estados
acordo com os mesmos princípios morais que guiam a conduta (que são soberanos e
do indivíduo. Para estimular ou obrigar esses Estados a seguir só prestam contas a si
tais princípios, seria fundamental que se institucionalizasse, mesmos e a outros
em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em Atores do sistema).
alcançar a paz e a prosperidade. O estudo de Relações Anarquia é,
Internacionais, como disciplina autônoma, mostrou-se como portanto, ausência
uma ciência da paz. de governo.

pág. 03

O Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas visões de mundo opostas, em que o


ponto de partida é a dicotomia anarquia x ordem. Apesar de Tucídides, com História da Guerra
do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos de soberania e a tese do estado de
natureza, já ter iniciado a moldar uma concepção anárquica do mundo, é com Thomas Hobbes,
em Leviatã, e, em seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Capítulo III da obra
Segundo Tratado do Governo Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de natureza
anárquico a respeito das relações internacionais.

Segundo Lijphart (1982), as noções de soberania e de anarquia internacional inspiraram três


teorias interligadas: a do governo mundial, a do equilíbrio de poder (ou balanço do poder) e a
da segurança coletiva. Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia é
responsável pela tensão internacional, é necessário celebrar um contrato social internacional
para instituir um governo mundial soberano e único, para pôr fim à anarquia. A teoria do
equilíbrio de poder, ao contrário, defende que a luta pelo poder entre os Estados soberanos
tende a gerar um equilíbrio, o qual não alimenta uma tensão perpétua, mas cria uma ordem
internacional. Para a teoria da segurança coletiva, o melhor seria que os Estados se
empenhassem em tomar medidas coletivas contra todo agressor, o que acabaria atenuando a
anarquia internacional. Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os
Estados soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado por Lijphart, essas três teorias
correspondem a estágios sucessivos de uma progressão em direção a uma centralização cada
vez mais repleta de autoridade e poder (no sentido balanço de poder - segurança coletiva -
governo mundial). O mundo nunca passou do segundo estágio, o qual foi, na verdade, o foco
da maior parte dos autores idealistas.

Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa, soberania é


normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e Thomas Hobbes, nos quais
significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, a história do sistema de
Estados modernos, do século XVII em diante, é uma tentativa de se distanciar da rigidez
dessa concepção original em busca da idéia de igualdade formal.

Para as Relações Internacionais, é particularmente importante a visão construída por Hugo


Grócio sobre a sociedade internacional a partir da teoria do contrato. Grócio, considerado o pai
do Direito Internacional, defendeu ser o direito um conjunto de normas ditadas pela razão e
sugeridas pelo appetitus societatis. A base da doutrina de Grócio é a solidariedade, ou potencial
solidariedade, entre os Estados em relação à aplicação da lei internacional, e procura
estabelecer uma ordem mundial restringindo os direitos dos Estados de irem para a guerra por
motivações políticas e promover a idéia de que a força só pode ser legitimamente usada em
nome dos objetivos e anseios da comunidade internacional como um todo.

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Grócio, como se observa, apresenta uma hipótese inversa à do equilíbrio de poder. Para ele,
existe um fundamento comum de normas morais e jurídicas, e o mundo é uma sociedade
composta de Estados onde reina um consenso normativo suficientemente amplo e intimidador
para que a noção de estado de natureza e de anarquia internacional não seja aplicável. A tese
de Grócio parte da noção de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorização,
desconsiderando a relação necessária entre anarquia e guerra, relação esta reduzida a mera
“hipótese” (e não a um “dado” ou “premissa”, como fazem os realistas).

pág. 04

A teoria e a prática das relações internacionais desde a Primeira Guerra Mundial, principalmente
com o Pacto da Liga das Nações (o Pacto de Paris), a Carta da Organização das Nações Unidas
(ONU) e a Carta do Tribunal Internacional de Nuremberg, derivam da fórmula grociana, que
concebe a sociedade internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da
sociedade doméstica usada pelos teóricos do contrato social dos séculos XVII e XVIII.

Edward Hallett Carr, autor do clássico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja primeira edição foi
lançada logo após o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial, em 1939, analisa a
dicotomia entre uma perspectiva utópica e a prática realista dos Estados e ilustra bem a
maneira como os idealistas viam as relações internacionais e os argumentos que utilizavam ao
tratarem das interações entre os povos:

O aspecto teleológico da ciência da política internacional tem estado


evidente desde o princípio. Surgiu de uma grande e desastrosa
guerra; e o objetivo mestre que inspirou os pioneiros da nova ciência
foi o de evitar a recidiva desta doença do corpo internacional. O
desejo passional de evitar a guerra determinou todo o curso e direção
iniciais do estudo. Como outras ciências na infância, a ciência política
internacional tem sido marcadamente e francamente utópica. Ela se
encontra no estágio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o
pensamento, a generalização sobre a observação, e poucas tentativas
são efetuadas de uma análise crítica dos fatos existentes e dos meios
disponíveis. Neste estágio, a atenção está concentrada quase
exclusivamente no fim a ser alcançado.

Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson – que refletia o pensamento idealista geral, e
que continha a resposta de Wilson “se não funcionar, teremos que fazê-lo funcionar!”, quando
indagado se aquele modelo moralizante e pacifista funcionaria – e esclarece:

O advogado de um plano para uma força de polícia internacional, ou


para a ‘segurança coletiva’, ou de algum outro projeto para uma
ordem internacional, geralmente responde à crítica, não com um
argumento destinado a mostrar como e por que ele pensa que seu
plano funcionaria, mas sim, ou com uma declaração de que ele tem
que ser posto a funcionar porque as conseqüências de sua ausência
de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por
alguma panacéia alternativa.

Após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações foi um esforço específico da política
internacional de substituir o princípio do equilíbrio de poder pelo princípio da segurança
coletiva. Tal princípio, que sustentou a criação daquela Organização, foi elaborado para remover
a necessidade de equilíbrio ou balanço. Para os realistas, essa sua remoção no período Entre-
Guerras teria sido justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema
internacional pós-1945 deixou de ser explicado em termos do princípio idealista da segurança
coletiva, e noções de bipolaridade e multiplaridade, típicas das análises de balanço de poder, o

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substituíram. Chegou-se mesmo, nos períodos mais quentes da Guerra Fria, em se falar de
“balanço de terror”.

Para reforçar o conceito dessa Corrente Teórica, assista ao vídeo da aula a seguir.

Duração: 10min

Caso não consiga visualizar:


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pág. 05

A fase realista

A década de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade internacional,


conseqüência de comoções políticas, econômicas e ideológicas, internas e internacionais, e pelo
fracasso do sistema da Sociedade das Nações e da política de apaziguamento das democracias
européias, marca a decadência da perspectiva idealista para a teoria das Relações
Internacionais. Nesse período, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que
ganhava força, o Realismo Político.

Esses acontecimentos serão tratados na segunda parte deste curso – Introdução às


Relações Internacionais II, referente à evolução histórica da Sociedade Internacional.

Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudança no aporte


teórico. O Realismo representou, em um primeiro momento, a reação dos especialistas às
insuficiências teóricas e práticas dos idealistas, no contexto de convulsões internacionais dos
anos trinta e da própria Segunda Guerra Mundial. Para os realistas, o apelo à opinião pública e
à razão humanista, preconizada pelos idealistas, mostraram-se incapazes de prevenir a guerra,
fazendo-se necessário retomar as idéias de segurança nacional e de força militar como suportes
da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, os Estados poderiam
assegurar a paz internacional e a solução pacífica das controvérsias. Carr assinalava que o

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significado último da crise internacional era “o colapso da total estrutura do utopismo baseado
no conceito de harmonia de interesses”.

A pragmática nova geração de estudiosos do pós-Segunda Guerra Mundial baseava-se no


pensamento clássico maquiavélico e hobbesiano e via na defesa dos interesses nacionais, em
relação a poder, o grande eixo da conduta dos Estados soberanos no meio internacional. O
Realismo encontrou maior respaldo nos EUA. Daquele país, a doutrina realista difundiu-se pelo
globo, tornando-se a corrente teórica mais relevante para explicar as Relações Internacionais.
Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e também em unidade própria.

Atualmente, cerca de 90% da produção acadêmica dos EUA em Relações


Internacionais tem por fundamento a corrente realista
.
pág. 06

Behavioristas e Pós-behavioristas

A terceira fase da Teoria das Relações Internacionais desenvolveu-se também nos EUA como
“resposta aos excessos do Realismo”. Trata-se de uma aproximação com a vertente
behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou conhecida como behaviorista ou científica. Para
Arenal (1984, p.82):

No início dos anos cinqüenta, alguns especialistas norte-americanos


em política de segurança nacional repensam os postulados do
realismo político, com base no caráter impreciso e intuitivo dos
mesmos para a análise da realidade internacional, e buscam um
enfoque de caráter científico capaz de dar resposta à complexidade
das Relações Internacionais. O impacto dos métodos de pesquisa e os
modelos das ciências físico-naturais são notados com força nas
pesquisas que começam a pôr em marcha. A partir desse momento,
uma onda de cientificismo, que trata de desenvolver uma ciência das
Relações Internacionais, com base na aplicação de métodos
quantitativo-matemáticos, invade as Relações Internacionais,
impondo-se o que se denominou perspectiva behaviorista ou
conducista.

Para os behavioristas, o objeto das Relações Internacionais é o comportamento dos Atores. O


estudo desse objeto deve atentar para parâmetros que envolvam fases como a coleta e a
elaboração de dados, o tratamento quantitativo desses dados e, finalmente, a produção de
modelos dentro do rigor científico das ciências exatas. Para os behavioristas, os estudos devem
estar sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem científica das
ciências sociais deve ser elaborada com base em dados empíricos, rejeitando-se análises
provenientes do Direito, da História ou da Filosofia. Entre os vários enfoques da corrente
behaviorista, convém destacar a Teoria da Tomada de Decisões, a Teoria Sistêmica das
Relações Internacionais e a Teoria dos Jogos. Os autores científicos mais renomados são Morton
Kaplan, David Singer e G. T. Allison.

O desenvolvimento da corrente “científica” gerou um grande debate nos anos sessenta entre os
tradicionalistas filosófico-intuitivos (idealistas e realistas) e os científicos (behavioristas).

Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton (1969) chamou
de “nova revolução da ciência política”, e que se convencionou chamar de pós-behaviorismo.
Essa nova revolução ter-se-ia produzido devido a uma profunda insatisfação com a pesquisa
política e os ensinamentos behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da política
em uma ciência segundo o modelo físico-natural. As bandeiras levantadas pelos pós-

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behaviorista são ação e relevância. O novo movimento, sem abandonar o enfoque científico do
behaviorismo, dirige sua atenção à conduta humana enquanto tal e aos problemas reais do
mundo, às motivações e aos valores subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com
ênfase ao caso concreto, dando atenção a um objeto de análise que difere dos objetos das
ciências exatas. O Pós-Behaviorismo constituiu, portanto, a síntese do debate entre as
concepções tradicionalistas e as científicas.

pág. 07

Os 3 paradigmas teóricos das Relações Internacionais: Realismo, Pluralismo e


Globalismo

Atualmente, a doutrina reconhece três grandes correntes teóricas das Relações Internacionais:
o Realismo, o Pluralismo e o Globalismo. São também chamados de paradigmas teóricos, dado
que as variadas teorias que existem na disciplina podem ser encaixadas em uma dessas três
correntes. O Realismo trabalha mais com os conceitos de poder e equilíbrio de poder, o
Globalismo com dependência, e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de
tomada de decisão e transnacionalismo.

Vamos abordá-las brevemente a seguir.

Assistindo ao vídeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos conteudistas


deste curso, você terá uma visão introdutória do surgimento do Realismo.

Duração: 5min25

Realismo

O Realismo tem algumas proposições básicas. Primeiro, o Estado é o ator principal no meio
internacional, e o estudo das relações internacionais foca essa unidade política. Atores não-
estatais, como as empresas multinacionais, são menos relevantes para a análise, e as
organizações internacionais, como a ONU ou a OTAN, não possuem existência autônoma ou
independente porque são compostas de Estados, as verdadeiras unidades soberanas,
independentes e autônomas, que determinam o comportamento dessas organizações
internacionais.

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O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, que era uma forma de “gerência” do poder, na
visão realista, foi paralisado, durante a Guerra Fria, pelo veto – os interesses de poder da URSS
e dos EUA iam em sentidos opostos e, por conseqüência, impediam a organização de funcionar.
No pós-Guerra Fria, apesar da superação das rivalidades dentro do Conselho, a Organização
ainda não funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstância, do “interesse” dos
Estados para atuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste entre a ação rápida na Guerra do
Golfo e a inércia diante da crise iugoslava.

Segundo, os Estados são atores unitários. São unitários porque quaisquer diferenças de visão
entre os líderes políticos ou burocracias dentro do Estado são, no final das contas, resolvidas,
para que o Estado fale uma só voz.

Terceiro, os Estados são atores racionais. São racionais porque, dados certos objetivos,
trabalham com alternativas viáveis para alcançá-los, à luz de suas capacidades, por meio de
uma análise de custo-benefício. Os realistas reconhecem a existência de problemas como falta
ou ruído de informação, incerteza, pré-julgamento e erros de percepção, mas, contudo,
pressupõem que os tomadores de decisão não medem esforços para alcançar a melhor decisão
possível.

Finalmente, para os realistas, a segurança nacional é a questão de maior importância para a


agenda de política exterior de qualquer Estado. Questões políticas e militares dominam a
agenda, e são chamadas de “alta política” (high politics). Os Estados atuam para maximizar o
interesse nacional. Em outras palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de
atingirem qualquer objetivo que tenham estabelecido, os quais incluem preocupações de alta
política relativas à sobrevivência do Estado (segurança) assim como os objetivos de baixa
política ligados a esse campo, como comércio,
finanças, câmbio e bem-estar.

A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganistão,


após os ataques terroristas de 11 de setembro de
2001, e sua guerra preventiva contra o Iraque, em
2003, evidenciam o conflito alta política x baixa
política, pois durante os quatro anos do Governo Bush,
os democratas o criticaram constantemente por ter
abandonado as questões de economia doméstica em
nome da segurança nacional. Até mesmo o direito
interno foi suspenso nos EUA por questões de
segurança nacional. Vêm sendo negados a vários suspeitos, estrangeiros e nacionais, direitos
garantidos constitucionalmente, em ampla afronta ao princípio do devido processo legal (due
process of law), conquista de mais de dois séculos da sociedade norte-americana.

pág. 08

Pluralismo

Assista à aula introdutória, gravada no curso presencial no ILB, sobre Pluralismo. Vamos
lá!

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Duração:6min24

Os anos de 1980 e 1990 deram força à corrente teórica conhecida como Pluralismo, que veio
para desafiar as proposições do Realismo. Nessa corrente normalmente se enquadram os
neoliberais.

O Pluralismo é baseado em quatro proposições básicas. Primeiro, atores não-estatais são


importantes na política internacional. Organizações internacionais, por exemplo, podem tornar-
se, em algumas questões, atores independentes, ao contrário do que defendem os realistas.
Elas são mais do que simples fóruns em que Estados competem e cooperam uns com os outros.
O corpo de funcionários de uma organização internacional pode reter um grau expressivo de
poder ao determinar os termos de uma agenda, assim como ao fornecer informações sobre as
quais representantes de Estado baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relação
aos países que pedem empréstimos além de suas cotas, e, por conseqüência, precisam seguir o
receituário do “consenso de Washington”).

Similarmente, organizações não-governamentais, como a WWF, e corporações multinacionais,


como a Petrobrás, a IBM, a Sony, a General Motors, a Exxon, o Citicorp, entre várias outras,
também desempenham papéis importantes na política mundial. Atualmente, lembram os
pluralistas, até mesmo na área comercial as ONGs têm sido chamadas a atuar. O ex-Secretário-
Geral da ONU, Kofi Annan, afirmou, em junho de 2004, durante visita ao Fórum da Sociedade
Civil, reunião de ONGs que pela primeira vez tinham assento na Conferência das Nações Unidas
para o Comércio e para o Desenvolvimento (UNCTAD), que a sociedade civil tem peso na
balança para tornar o comércio internacional mais justo.

Para os pluralistas, também não se poderia negar o impacto de atores não-estatais, como
grupos terroristas (como a Al Qaeda e o Hamas), comerciantes de armas da máfia russa,
movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.

Segundo, para os pluralistas, o Estado não é um ator unitário. O Estado é composto de


indivíduos, grupos de interesse e burocracias que competem entre si. Apesar de as decisões
serem noticiadas como decisões de “tal país”, é geralmente mais correto se falar em decisão
feita por uma coalizão governamental particular, uma agência burocrática do Executivo ou
mesmo um único indivíduo. A decisão não é tomada por uma entidade abstrata chamada
“Brasil”, “China” ou “EUA”, mas por uma combinação de atores por trás da definição da política
externa.

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Diferentes organizações podem apresentar perspectivas distintas em determinada questão de


política externa. Competição, formação de coalizões e compromissos eventualmente resultarão
numa decisão que será anunciada como uma decisão do país. Essa decisão “estatal” pode ser o
resultado de lobbies levado a efeito por atores não-governamentais (como o lobby dos
fazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsídios agrícolas, das empresas
multinacionais, de grupos de interesse, ou mesmo de um ente amorfo, a opinião pública).
Assim, para os pluralistas, o Estado não pode ser visto como um ator unitário, uma vez que tal
rótulo perderia de vista a multiplicidade de atores que formam e compõem a entidade chamada
de “Estado-nação”.

Terceiro, os pluralistas desafiam a suposição realista de que o Estado é um ator racional. Dada
a visão pluralista e fragmentada do Estado, pressupõe-se, ao contrário, o choque de interesses,
a barganha e a necessidade de compromisso que nem sempre levam a um processo de tomada
de decisão racional.

Por fim, para os pluralistas, a agenda da política internacional é extensa. Embora a segurança
nacional seja importante, os pluralistas também se preocupam com um número variado de
questões econômicas, sociais, energéticas e ecológicas que têm surgido com o aumento da
interdependência entre os países e as sociedades nos séculos XX e XXI. Alguns pluralistas, por
exemplo, enfatizam o comércio e as questões monetárias e energéticas, as quais estariam no
topo da agenda internacional. Outros focam o problema demográfico e a expansão da fome no
Terceiro Mundo. Outros, ainda, focam a poluição e a degradação do meio ambiente. Nesse
sentido, os pluralistas rejeitam a dicotomia entre alta política (high politics) e baixa política (low
politics) dos realistas.
pág. 09

Globalismo

Para introduzir o conceito de Globalismo, assista ao vídeo e, em seguida, leia


atentamente o texto que se segue! Bons estudos!

Duração: 3min25

Historicamente, o Globalismo se relaciona com o surgimento do Terceiro Mundo na política


mundial. Nesse sentido, representa uma visão ignorada e desprestigiada da realidade

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internacional. Para eles, a hierarquia, como uma característica chave, é mais importante do que
a anarquia, dada a desigualdade na distribuição do poder dentro do sistema.

Vimos que os realistas organizam seus estudos em torno da questão básica de como a
estabilidade pode ser mantida num mundo anárquico. Os pluralistas se perguntam como
mudanças pacíficas podem ser promovidas num mundo que é crescentemente interdependente
política, militar, social e economicamente. Os globalistas, por sua vez, se concentram na
questão de por que tantos países do Terceiro Mundo na América Latina, na África e na Ásia não
têm conseguido se desenvolver. Para muitos globalistas, mais ligados à linha marxista, essa
questão faz parte de um campo maior de análise: o desenvolvimento do capitalismo no mundo.

Os globalistas são guiados por quatro proposições. Primeiro, é necessário entender o contexto
global em que Estados e outros atores interagem. Os globalistas argumentam que para explicar
o comportamento em qualquer nível de análise – o individual, o burocrático, o societário e o
estatal –, é necessário, antes, entender a estrutura geral do sistema global no qual esses
comportamentos se manifestam. Assim como os realistas, globalistas acreditam que o ponto de
partida da análise é o sistema internacional. Numa extensão mais larga, o comportamento de
atores individuais é explicado por um sistema que fornece limitações e oportunidades.

Segundo, os globalistas realçam a importância da análise histórica na compreensão do sistema


internacional. Apenas rastreando a evolução histórica do sistema é possível entender sua
estrutura atual. O fator histórico chave e a característica definidora do sistema como um todo é
o capitalismo. Até mesmo os Estados socialistas precisam operar dentro desse sistema
econômico, que constantemente restringe suas opções.

Terceiro, os globalistas assumem que existem mecanismos de dominação que impedem que o
Terceiro Mundo se desenvolva e que contribuem para o desenvolvimento desigual ao redor do
planeta. A compreensão desses mecanismos requer o exame das relações de dependência entre
os países industrializados do Norte (América do Norte e Europa) e os vizinhos pobres do
Hemisfério Sul (América Latina, África e Ásia).

Finalmente, os globalistas defendem que os fatores econômicos são absolutamente críticos para
se explicar a evolução e o funcionamento do sistema capitalista mundial e a relegação do
Terceiro Mundo para uma posição subordinada. A economia funciona como uma espécie de “alta
política” para os globalistas.

Para fins didáticos, podemos traçar o seguinte quadro, que relaciona os três paradigmas das
Relações Internacionais:

Realismo Pluralismo Globalismo

Unidades Estado como principal Estado e atores não-estatais, Estado, classes, elites,
analíticas unidade de análise. como organizações burocráticas, sociedades e atores não-estatais
elites, sociedades, indivíduo, como operadores do sistema
grupos de indivíduos, capitalista.
organizações internacionais,
corporações multinacionais,
organizações não-
governamentais.

Concepção de Estado unitário e racional. Estado não-unitário e não- Estado não-unitário e racional,
Ator racional: desagregado em visto sob a perspectiva histórica

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componentes, alguns dos quais do desenvolvimento do


com atuação transnacional. capitalismo.

Dinâmica Estado como maximizador Conflito, barganha, formação de Política externa como padrões
comporta- de seus próprios interesses coalizões e compromissos nos racionais de dominação dentro e
na política externa. processos transnacionais e de entre Estados e sociedades.
mental
tomada de decisão em política
externa, não necessariamente
levando a resultados ótimos.

Agenda Segurança nacional como Agenda múltipla, com questões Questões econômicas como
questão mais importante. sócio-econômicas tão ou mais mais importantes.
importantes do que questões de
segurança nacional.

pág. 10

Outras correntes teóricas

Registre-se, outrossim, que as correntes citadas nesta Unidade são as mais difundidas e
tradicionais. Não obstante, neste contexto de pós-modernidade, ganham força perspectivas de
vanguarda, com destaque para o Construtivismo. Foge ao escopo deste curso a análises dessas
outras correntes.

Passemos, portanto, aos principais debates que marcaram a Teoria das Relações Internacionais
no século XX.

OS GRANDES DEBATES TEÓRICOS

Idealismo X Realismo

O debate entre realistas e idealistas iniciou-se na década de 1930. Não obstante, conforme
acentua Arenal (1984), trata-se “de um debate que está presente, com maior ou menor força,
em toda a história da teoria internacional, inclusive tendo recobrado força com novas
perspectivas em nossos dias”. De acordo com John Herz (1951, p.8), o Idealismo é um tipo de
pensamento político que “não conhece os problemas que surgem do dilema da segurança e
poder”, ou que o faz “somente de uma forma superficial”. O Realismo, por sua vez, ao
contrário, considera fatores de segurança e poder inerentes à sociedade humana.

Arenal relaciona as características essenciais do Idealismo e do Realismo na Tabela 1:

TABELA 1: IDEALISMO X REALISMO

IDEALISMO REALISMO

1) Crença no progresso: diante da suposição 1) Pessimismo antropológico: nega a


de que a natureza humana pode ser possibilidade de evolução para uma sociedade
compreendida não como imutável, mas como mais humanista. A política de poder sempre
potencialidade que se atualiza foi e será o cerne das Relações
progressivamente ao longo da História. Internacionais.

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2) Visão não-determinista do mundo: a fé no 2) Visão determinista do processo histórico: a


progresso careceria de sentido se não fosse ordem internacional dificilmente pode ser
acompanhada de uma similar crença na modificada pela ação humana. É possível
eficácia da mudança por meio da ação compreender o processo histórico, mas não
humana. alterá-lo.

3) Racionalismo: considera que uma ordem 3) Distinção entre os códigos de conduta


política é racional e possível na Sociedade moral do indivíduo e do Estado: a ética
Internacional e que, como os indivíduos são pública é diferente da ética na vida privada. O
morais e racionais, da mesma maneira os homem de Estado, enquanto defensor da
Estados são capazes de comportarem-se de comunidade nacional, não está limitado em
forma racional e moral em suas relações. É a sua atuação pelas normas éticas e morais que
racionalidade que conduz ao progresso. regem os particulares. Daí o conceito de
“razão de Estado”, em virtude do qual
condutas inaceitáveis em âmbito interno do
Estado seriam plenamente aceitáveis na
política internacional.

4) Harmonia natural de interesses: os Estados 4) Ausência de harmonia natural de


teriam interesses mais complementares que interesses: os Estados encontram-se em uma
antagônicos. Daí a idéia de que é possível a competição constante, uma vez que é difícil
cooperação entre os povos por um fim último se obter a confiança entre os entes estatais
de paz e integração. que lhes permita escapar dessa situação.

pág. 11

Assim, para os idealistas, a política é a arte do bom governo, e o poder político não constitui
fenômeno natural, lei imutável da natureza. A Sociedade Internacional, em um primeiro
momento, poderia até se encontrar em um estado de natureza, mas a anarquia internacional
seria naturalmente substituída não por um sistema baseado no equilíbrio de poder, mas por
uma ordem fundamentada na lei internacional, em instituições e na cooperação entre os povos.
Assim, a conduta racional dos Estados os levaria à constituição de um poder supranacional,
uma confederação de nações, que garantiria a segurança e a paz no Sistema (a “paz perpétua”
de Kant).

Os realistas, por sua vez, consideram a política internacional uma constante e interminável luta
pelo poder, definido em capacidade de influência. Negam o otimismo idealista. Atuar
racionalmente significa agir em favor dos próprios interesses; ou seja, de aumentar o poder, a
capacidade ou habilidade de controlar os outros entes internacionais. Partindo do princípio de
que o homem não é naturalmente bom e que se reúne em sociedade apenas porque é a melhor
maneira que encontrou para garantir a segurança essencial à sua sobrevivência diante da
guerra de todos contra todos, o Realismo percebe o Estado como um gladiador envolvido em
um combate perpétuo pela sobrevivência na Sociedade Internacional anárquica em que as
relações de força predominam.

O Realismo não considera a moral ou a ética como limites à ação do Estado, mas a prudência, o
senso de oportunidade e o cálculo racional. Essa consideração explica o pragmatismo e a falta
de credulidade em organizações internacionais como instituições que não sejam apenas meros
instrumentos de alguns Estados no jogo de poder internacional. Um governo mundial baseado
apenas no Direito e no desejo global de paz é inconcebível para o Realismo.
pág. 12

Tradicionalistas X Científicos

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O debate entre os enfoques clássico e científico ou entre tradicionalistas e behavioristas


ultrapassa, na ótica de Arenal, o debate entre realistas e idealistas. Afinal, ensina o mestre,
tanto os partidários da análise clássica quanto os da perspectiva científica podem inscrever-se
nas visões realista ou idealista. O debate entre tradicionalistas e behavioristas tem caráter
metodológico. Faremos apenas algumas breves considerações introdutórias a esse respeito.

Luciano Tomassini (1989), ao relacionar as principais diferenças entre os


dois debates, lembra que, enquanto o primeiro debate (idealistas x
realistas) tem sua origem específica no âmbito das relações internacionais,
o segundo (tradicionalistas x científicos) está centrado na totalidade das
ciências sociais, tendo ocorrido em virtude da “revolução behaviorista”. Os
científicos buscavam alcançar, nas ciências sociais, o nível de exatidão
similar ao das ciências exatas. Daí a tentativa de adoção de técnicas
semelhantes às utilizadas nas ciências naturais – como as da química, da
física e até da biologia – e a busca de “leis naturais” para explicar as
relações sociais.

Uma segunda distinção, segundo Tomassini, repousa no fato de que, enquanto o primeiro
debate referia-se a questões substanciais – aspectos da natureza humana, dos fundamentos da
Sociedade Internacional, da essência do poder –, o segundo debate teve cunho metodológico.
Nesse sentido, tanto pensadores realistas quanto teóricos idealistas poderiam assumir uma
perspectiva científica em suas análises.

Finalmente, Tomassini assinala que, se o debate entre idealistas e realistas, por tratar de
questões substanciais, faz com que as duas correntes sejam eternamente irreconciliáveis, o
segundo debate estabelece uma paulatina aproximação das colocações e um entendimento
final, dando origem aos pós-behavioristas. Os neorealistas são o melhor exemplo desse
resultado.

Os behavioristas criticavam os tradicionalistas pelo fato destes dissociarem o sistema


internacional do sistema nacional, e também porque os tradicionalistas ignoravam as variáveis
internas – como, por exemplo, o processo de tomada de decisão no âmbito interno –, as quais
seriam, na concepção científica, fundamentais para a compreensão da política exterior.
Ademais, os behavioristas não davam atenção a questões filosóficas e morais, como a busca da
paz, a moralidade da Sociedade Internacional, ou quais seriam os melhores mecanismos para a
estabilidade internacional baseada no crescimento e na cooperação entre nações.

A resposta tradicionalista às críticas behavioristas fundamentava-se no fato de que a Sociedade


Internacional é complexa demais para que se chegue a “leis” que expliquem o sistema e a
conduta dos Atores com base na análise de variáveis isoladas. Lembravam, ainda, que o
método qualitativo não permitia a compreensão de situações chaves – fundamentadas em
aspectos intuitivos ou racionais. Finalmente, assinalavam que, devido ao sigilo, em Relações
Internacionais é longo o tempo até que se tenha acesso a determinadas informações que
seriam essenciais para “quantificar a análise científica”. Na resolução de questões urgentes na
Sociedade Internacional, não é possível, outrossim, esperar até que se consigam os dados
estatísticos ou a conclusão das várias análises de casos em que os científicos querem basear-
se.

Certamente foi de grande relevância a contribuição behaviorista para a análise das relações
internacionais. Afinal, foi possível aperfeiçoar os métodos da teoria e sistematizar as análises
sob uma perspectiva mais empírica. Não obstante, o aspecto intuitivo ou racionalista das
ciências sociais jamais poderá ser desprezado. Nesse sentido, não se pode querer atribuir às
ciências humanas equivalência em relação às ciências naturais, exatas. Em Relações
Internacionais, assim como em qualquer ciência social, o homem – seja sob seu aspecto
individual, seja por meio de suas manifestações coletivas – é o objeto central de estudo. Tentar
explicar as relações humanas com base apenas nos critérios exclusivamente quantitativos pode
conduzir o analista a erro em sua avaliação.

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pág. 13

A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais

Segundo Tomassini, o enfoque sistêmico para explicar as relações internacionais encontra-se


“entre os aspectos substantivos que dividiram os realistas e idealistas durante o primeiro pós-
guerra e as questões metodológicas que foram objeto das disputas entre tradicionalistas e
científicos” após a Segunda Guerra Mundial. Há, entretanto, aqueles que situam a corrente
sistêmica na escola científica.

A escola sistêmica encontra suas origens na década de 1950, quando se começou a aplicar
conceitos de análise de sistemas ao estudo das Relações Internacionais. Sua principal diferença
frente ao enfoque convencional consistia no fato de que, enquanto os tradicionalistas concebiam
as relações internacionais como um conjunto de interações entre unidades independentes e
soberanas – os Estados –, não sujeitas a pautas nem a qualquer previsibilidade, a análise
sistêmica percebia as relações internacionais influenciadas ou determinadas pela estrutura ou
pelas tendências de uma unidade mais ampla, que seria o Sistema Internacional em seu
conjunto.

Um sistema geral pode ser definido como algo substantivado em um conjunto de elementos ou
partes interconectados. Essa conexão entre os diversos elementos ocorre por meio de um
princípio claramente identificável ou, mais simplesmente, por um rol de interação hipotético
entre seus distintos componentes. Pode-se dizer, portanto, que um sistema é um conjunto de
unidades que interagem entre si de acordo com padrões relativamente regulares e perceptíveis,
alguns dos quais podem configurar subsistemas que se relacionam com o conjunto, seguindo o
mesmo tipo de padronizações, e cujos limites ou parâmetros também são reconhecíveis, mas
que, em geral, permanecem abertos a influências de um meio ambiente externo.

A maior preocupação da perspectiva sistêmica está na interação entre os componentes de um


Sistema Internacional e nos efeitos que o sistema tem sobre a conduta dos Atores. Daí a
atenção maior aos mecanismos e à estrutura do conjunto que às partes específicas.

Tomassini conclui que os enfoques sistêmicos têm permitido conhecer e melhor compreender as
relações existentes entre as distintas unidades nacionais, o Sistema Internacional em seu
conjunto e os diversos subsistemas que operam em seu interior. O enfoque também é
importante para:

• a percepção das funções que desempenham as estruturas e sua influência sobre o


comportamento das distintas unidades;
• a necessidade de trabalhar com diferentes níveis de análise, com os limites entre um
Sistema Internacional e seus elementos contextuais;
• a natureza fechada ou aberta do sistema diante desse contexto; e
• a interação observável entre o sistema e os diferentes segmentos que o integram.
pág. 14

Um termo muito usado na análise sistêmica é o de “subsistema”, que também será explorado
no decorrer deste curso. Aplicado às Relações Internacionais, normalmente vem associado à
idéia de região – “subsistemas regionais” – ou às relações dentro de um setor (subsistema
econômico, militar etc).

A região, concebida como um subsistema, implica categorizar o todo (ou sistema) em partes
distintas. O subsistema apresentaria as mesmas características do sistema, sendo que em um
nível diferente. A busca por padrões e processos característicos se daria da mesma forma que
na análise de sistemas, embora não necessariamente apresentando os mesmos resultados.

Por exemplo, poder-se-ia considerar a integração uma tendência


periférica em um sistema mundial e, ao mesmo tempo, uma

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tendência dominante em um subsistema. Esta é, Usamos o texto


particularmente, uma das conclusões de alguns pesquisadores a intitulado Estratégias
respeito da formação de blocos econômicos. Dentro do sistema Comerciais do Brasil:
mundial, esta seria uma tendência dominante apenas entre Alca, União Européia,
países periféricos, e não entre as principais Potências. Paulo OMC e Negociações Sul-
Nogueira Batista Jr., por exemplo, argumenta que os EUA e a Sul, preparado para o
União Européia (UE) não têm e nem pretendem ter acordo de seminário “O Brasil e
livre comércio entre si. Tampouco está em cogitação uma área Oportunidades de
de livre comércio entre os EUA e o Japão, ou entre o Japão e a Integração”, patrocinado
UE. Isso não impede que os EUA, a UE e o Japão mantenham pelo Banco
inter-relacionamento comercial substancial e crescente ao longo Interamericano de
do tempo. O que os norte-americanos, europeus e japoneses Desenvolvimento e pela
têm feito nas últimas décadas é negociar, no âmbito Fundação Getúlio Vargas
multilateral, em rodadas sucessivas de liberalização, a gradual e de São Paulo, realizado
seletiva diminuição de barreiras ao comércio internacional. em 04 de novembro de
2003.

Concepções relativas a hierarquia, que normalmente eram empregadas no estudo do sistema


macropolítico da política internacional, pode ser aplicado, com a mesma validade, na análise de
subsistemas regionais. Assim, um ator estatal pode apresentar papel significante em um nível e
apenas modesto em outro. Índia e Brasil são bons exemplos. Além disso, dois processos
sistêmicos relevantes, como o conflito e a cooperação, podem igualmente se manifestar no
nível subsistêmico, e, ainda, provocar um efeito spillover sobre o macrosistema. O conflito
palestino-israelense é ilustrativo disso.

Trataremos mais adiante, na Unidade 5, das idéias de subsistema econômico, militar, ideológico
etc.

Entre os principais expoentes da escola sistêmica nas Relações Internacionais estão Morton
Kaplan, Karl Deutsch, e Richard Rosecrance. No caso do Neorealismo, cuja perspectiva é
eminentemente sistêmica, tem-se em Kenneth Waltz seu grande expoente.

Sugerimos as obras de Waltz, particularmente Teoria das Relações Internacionais


(Theory of International Politics) para o estudo mais aprofundado da perspectiva
neorealista de relações internacionais, e, ainda, O homem, o estado e a guerra.

pág. 15

Realistas X Pluralistas

Outro debate relevante é o que se dá entre realistas e pluralistas. Os pluralistas colocam o


caráter anárquico da Sociedade Internacional e a importância da segurança em segundo plano,
o que é fortemente criticado pelos realistas, para os quais nenhuma análise das relações
internacionais será completa sem se considerar a estrutura anárquica do Sistema e o dilema da
segurança. Para os pluralistas, dada a complexa interdependência da Sociedade Internacional, o
uso militar da força tende a ter menos utilidade na resolução de conflitos.

Os pluralistas nem sempre usam os conceitos de sistema e de equilíbrio nas relações


internacionais, dado que não concebem Atores autônomos e predeterminados no cenário
internacional. Eles criticam as previsões baseadas em análises de balança de poder dos realistas
por serem demasiado genéricas.

Ao contrário do mundo idealizado pelos realistas, os pluralistas vêem indeterminação e


imprevisibilidade, dado que não há separação entre política externa e política interna, sendo
aquela mera extensão desta, pois não deixa de ser influenciada por fatores como a opinião

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pública, a indústria do lobby e processos de barganha entre os atores internos (políticos,


agências burocráticas etc.). A noção de Estado-nação dos pluralistas, ao contrário do que
concebem os realistas, é difusa, irracional e altamente permeável.

A Teoria da Estabilidade Hegemônica, que vimos na Unidade 2 ao tratarmos de hegemonia, é


exemplo de uma tentativa de conjugação da perspectiva realista com a pluralista. Alguns
consideram essa teoria um “compromisso parcial” entre ambas as correntes.

Outros debates

Há outros debates mais recentes e igualmente relevantes, como os debates entre neorealistas e
globalistas e entre neorealistas e neoliberais. Vamos abordá-los na próxima Unidade.

Também sobre o debate teórico de relações internacionais, veja o texto de


William Gonçalves, Relações Internacionais.
pág. 16

MUDANÇAS NA TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A partir de 1990, a Teoria das Relações Internacionais passou a enfrentar um problema


epistemológico, uma vez que estava acostumada a trabalhar com os conceitos de Estado
nacional, soberania, território nacional, interesse nacional, entre outros. Alguns autores
identificam, na década de 1990, a ramificação das escolas da Teoria das Relações
Internacionais em três direções: o Realismo, nos EUA; o Pluralismo, na Europa e na literatura
mais recente da América Latina; o Globalismo, nas interpretações da esquerda ainda presente
na América Latina e em outros países do Hemisfério Sul.

O Realismo passou a sofrer várias críticas devido à dificuldade do Estado em administrar forças
transnacionais. O Globalismo se enfraqueceu com a crise do socialismo real. O Pluralismo se
revelou inadequado, uma vez que as suas preocupações com as questões sociais teriam sido
desprezadas pela nova política internacional (SARAIVA, 1997, p. 361-362). Os seguintes
movimentos passaram a ter relevância para a análise das relações internacionais
contemporâneas:

• soma de fluxos transnacionais como fator que afeta o cotidiano das pessoas e leva à crise
do Estado-nação, cujo universalismo e soberania são questionados;

• relativização do conceito de soberania, surgindo expressões, nos meios diplomáticos,


como “soberania operacional”;

• Atores não-estatais não necessariamente agem contra o Estado, mas exigem mudanças
de sua conduta – na política interna e externa;

• Atores não-estatais forçam o Estado a levar em conta a Comunidade Internacional, uma


vez que a interdependência torna-se fato e os problemas globais (ecologia, migrações,
epidemias, narcotráfico, direitos humanos, terrorismo) passam a ser de responsabilidade
de todos;

• o Sistema Internacional passa a ser composto de sistemas confederados, o que solapa a


identidade tradicional;

• a Economia desliga-se do espaço nacional e das regulamentações do Estado, funcionando


para o exterior.

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A transição da bipolaridade para a globalização ocorreu, no entanto, sem que a nova ordem
internacional demonstrasse capacidade para superar problemas globais, como o endividamento
internacional, a hegemonia do mercado financeiro, o arrocho econômico mundial requerido para
o ajuste de economias centrais e o desemprego estrutural. Esses também são temas
importantes para os teóricos de Relações Internacionais no século XXI.

Um filme interessante para se entender, na prática, teoria das relações internacionais


é o “Sob a Névoa da Guerra” (Errol Morris, EUA, 2003), documentário em que o ex-
Secretário de Defesa dos EUA, Robert McNamara, faz uma análise da política externa
dos EUA na II Guerra Mundial.

Como sugestão de leitura, reforçamos a indicação da última grande obra de


Jean-Baptiste Duroselle, Todo império perecerá: teoria das relações internacionais.
Interessante, ainda, um livro básico para a compreensão do Realismo, A Política entre
as Nações, de Hans Morgenthau. Finalmente, convém conhecer a Escola Inglesa de
Relações Internacionais por meio de duas obras fundamentais: A Política do Poder, de Martin
Wight, e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull. Veja a referência completa sobre essas obras
na Bibliografia Complementar, no menu de apoio.

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questões objetivas referentes a esta unidade.

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ao texto e busque esclarecimentos com seu Professor-Tutor! Bons estudos!
Unidade 4 - O Realismo

Nesta Unidade, é apresentada a principal corrente teórica das Relações Internacionais: O


Realismo.

O conteúdo está assim dividido:

O Realismo
O conflito e a questão da segurança
Críticas ao Realismo
O Neorealismo
Os últimos grandes debates
Neorealistas X Globalistas
Neorealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência
Conclusões

Objetivos da Unidade:

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:

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# identificar as características da principal corrente teórica das Relações Internacionais


e as críticas a essa corrente;
# descrever a evolução do pensamento realista nas Relações Internacionais ao longo do
século XX;
# discorrer sobre a validade do Realismo no século XXI.

Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento do curso, é


sua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário e preciso para
os estudos.

pág. 01

O REALISMO

A tentativa mais notória do século XX para explicar as relações internacionais foi conduzida por
um grupo de pensadores que contemplavam a realidade internacional com base nas relações de
força, poder e dominação. Esses autores foram os representantes da corrente teórica conhecida
como Realismo Político ou, simplesmente, Realismo. Trata-se da doutrina mais clássica e aceita
das Relações Internacionais, chegando-se a ponto de muitos a considerarem o tronco central do
estudo teórico do tema. Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, ela teve
notório fortalecimento. Devido a essas peculiaridades, optamos por dedicar uma Unidade
específica a essa corrente.

Entre os fundamentos do Realismo, buscaremos analisar as idéias que mais se destacam, a


saber:

• a percepção de um sistema internacional anárquico, sem uma autoridade central superior


aos Estados e titular legítima do uso da força;

• o caráter praticamente exclusivo do Estado como o único ou, ao menos, o principal Ator
internacional;

• o desprezo pelo institucionalismo e pelo papel efetivo das organizações internacionais no


sistema.

• a percepção de que os Estados são entes unitários e racionais ao conduzirem sua política
externa;

• a heterogeneidade desses Atores, quanto a aspectos econômicos, políticos, culturais etc;

• o predomínio da competição e da dimensão conflitiva sobre todas as formas de relações


entre os Atores internacionais;

• a busca da racionalidade na conduta dos Estados, que atuam na esfera internacional


perseguindo sempre seu interesse nacional;

• o interesse nacional definido com base no poder, que conduz a uma paradoxal ordem
internacional no sistema anárquico, ordem esta imposta pelas Potências hegemônicas
aos demais Estados e em benefício das primeiras;

• a preocupação com a segurança como umas das grandes orientadoras da conduta dos
Atores, no que os realistas consideram ”alta política” (high politics) em contraposição à
chamada baixa política (low politics);

• a idéia de equilíbrio de poder na ordem internacional, estabelecido pelas Potências.

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pág. 02

Os realistas tiveram por objetivo inicial definir as características que fariam do campo de estudo
das Relações Internacionais uma ciência própria. Daí buscarem distinguir, preliminarmente, a
política internacional da política interna dos Estados. Desenvolveram, então, a percepção
anárquica do sistema internacional.

Assim, os realistas percebem o sistema internacional como anárquico, no qual não existe poder
central ou superior dos Estados soberanos. Para os realistas, os Estados não reconhecem e não
se submetem a qualquer autoridade que não a sua própria, também não estando, em última
análise, internacionalmente sujeitos nem mesmo às regras do Direito. Nesse sentido, os
Estados “são livres para fazer sua própria justiça e podem recorrer à força para defender seus
interesses nacionais” (SENARCLENS, 2000, p. 16).

O pensamento realista inspira-se nas


concepções de Thomas Hobbes sobre o
“estado de natureza” e, reproduzindo a
visão hobbesiana sobre o homem, percebe
os Estados numa situação de guerra
permanente – não necessariamente de
conflito armado –, na qual perseguem
seus interesses nacionais.

Nesse contexto anárquico, o Estado é visto


internacionalmente como um ente unitário
e que atua em política externa de maneira
racional, sendo o cálculo estratégico
essencial para garantir sua sobrevivência.
Nesse sentido, o interesse nacional
definido em termos de poder guiará a
conduta dos Estados, e, em meio à guerra
de todos contra todos, é essencial para a
sobrevivência de qualquer ente a garantia de sua segurança e o aumento de sua capacidade de
influência no sistema.

Em âmbito interno, segundo Hobbes, os homens associam-se e abrem mão de parte de sua
independência para garantir sua segurança, transferindo uma parcela de seu poder para um
soberano – o Estado – que, tornando-se o único e legítimo titular do uso da força (coerção),
protege-os e garante a ordem. Na esfera internacional, entretanto, declaram os realistas, não
há uma autoridade superior à qual os Estados estejam dispostos a transferir parcela de seu
poder ou soberania em troca de segurança.

Para garantir sua segurança, os Estados irão buscar aumentar seu poder – definido pela
capacidade de influenciar os demais Estados e de ser influenciado o mínimo por eles –,
projetando-o no sistema internacional. Esse poder relaciona-se intimamente com o uso da força
– sobretudo de poderio político-militar e os aspectos econômicos relacionados a ele. Em outras
palavras, quanto mais forte for um Estado frente a seus pares, menos sujeito a ser subjugado
por estes ele se encontra.
pág. 03

Paradoxalmente, uma vez que é impossível a coexistência em um sistema internacional caótico,


os realistas acreditam que há uma ordem internacional estabelecida pelas Potências – Estados
mais poderosos –, que a impõem aos demais Atores. A ordem se fundamenta, portanto, em um
equilíbrio de poder instituído pelas relações entre as Potências. Quando uma Potência aumenta
sua esfera de poder, entrará em atrito com as demais – que não aceitarão ver sua capacidade
de influência diminuída. Dessa maneira, o sistema poderá ser levado ao desequilíbrio, chegando

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-se ao conflito entre os Estados poderosos, que culminará, por sua vez, em uma nova ordem
imposta pelos vencedores.

Os realistas não acreditam em uma ordem internacional instituída por princípios morais e
fraternos. Qualquer forma de cooperação internacional será conduzida pelos Estados enquanto
esses perceberem que a cooperação garantirá mais segurança que a não-cooperação. As
instituições internacionais são frágeis e somente prevalecem enquanto for mais conveniente
para as Potências. No meio internacional, o Direito acaba quando a força começa.

Destarte, para os realistas, os Estados só seguirão e defenderão o Direito Internacional


enquanto isso lhes for interessante. Caso as instituições jurídicas internacionais contrariem
interesses de um Estado, este não se furtará a violá-las, desde que tenha capacidade –
potencialidade de uso da força – para fazê-lo e para suportar as reações dos outros Estados que
defendam aqueles institutos. Periodicamente, os governos recorrem à força e violam os
princípios de Direito Internacional, produzindo, inclusive, argumentos jurídicos para justificar
sua política de agressão.

Outro aspecto importante do pensamento realista é a percepção do Estado como o único, ou,
no mínimo, o principal Ator nas Relações Internacionais. Nessa perspectiva, os demais Atores –
reconhecidamente as organizações internacionais – não seriam mais que instrumento de
manobra das Potências para garantir sua hegemonia na Sociedade Internacional. Segundo
Senarclens (2000, p. 18):

De fato, as grandes potências definem as condições da segurança


internacional e se arrogam em uma boa margem de manobra na interpretação
dos princípios da Carta das Nações Unidas. Elas dominam as organizações
internacionais; as utilizam continuamente para servir aos seus próprios fins
[das grandes Potências], notadamente para efetivar suas ambições políticas e
seu desejo de hegemonia. (...) Para os realistas, (...) o direito e a moral nas
Relações Internacionais não fazem mais que exprimir a racionalização dos
interesses dos principais Estados que dominam a política mundial.

(...) Definitivamente, as normas jurídicas e as instituições são frágeis; sua


implementação é frágil, uma vez que os Estados interpretam a seu bel prazer
as obrigações que elas impõem; [os Estados] as transgridem invocando a
defesa de seus interesses nacionais. Contrariamente ao que ocorre na esfera
estatal interna, não há [no meio internacional] um poder legítimo capaz de
instaurar e assegurar uma ordem política impondo sua arbitragem frente aos
conflitos entre os Estados; nenhuma autoridade é capaz de produzir um
conjunto de normas jurídicas universalmente reconhecidas como legais. Não
existe uma corte internacional capaz de julgar de maneira sistemática e
coerente as diferenças entre os Estados, nem forças policiais [internacionais]
que possam coibir agressões a fim de estabelecer a paz. O indivíduo que viole
a lei dentro de um Estado é passível de sanção. O Estado que transgrida o
direito internacional em geral não é punido.

O institucionalismo, portanto, não encontra abrigo na perspectiva realista.


pág. 04

Ademais, a liberdade de ação dos Estados na esfera internacional estará relacionada à força que
cada um deles tenha frente aos demais. Em Paz e Guerra entre as Nações, Raymond Aron,
partindo do pressuposto de que os Estados são soberanos – e, portanto, livres para perseguir
sua própria justiça –, admitiu que o direito desses entes de recorrer à força constitui uma das
especificidades das relações internacionais.

No que concerne ao meio internacional heterogêneo, os realistas afirmam que, apesar de os


Estados serem juridicamente idênticos e terem direitos iguais de pronunciar-se perante o

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Trilhas - ILB - Educação a distância Página 45 de 164

concerto das nações, na prática, a capacidade de exercerem sua soberania varia


consideravelmente.

O que os realistas buscam deixar claro é que não se pode querer igualar a China a
Liechtenstein, ou o Brasil à Somália, ou, ainda, os EUA ao Afeganistão. Não adianta, portanto,
querer argüir o artigo 2º da Carta das Nações Unidas para que se imponha o princípio da
igualdade entre os Estados nas relações internacionais. Os Estados são distintos uns dos outros
quanto a grandeza territorial, populações, localização geográfica, capacidade militar, níveis de
desenvolvimento em que se encontram, recursos econômicos, capacidade de exploração desses
recursos. É exatamente em virtude dessas diferenças que os Estados terão maior ou menor
influência no sistema internacional e buscarão formas de defender seus interesses.

O artigo 2º da Carta das Nações Unidas dispõe que a ONU é “fundada sobre o
princípio da igualdade soberana de todos os seus Membros”.

Destarte, para os realistas, a política internacional de cada Estado é conduzida considerando-se


as próprias potencialidades e as daqueles com os quais o Estado vá relacionar-se. A
heterogeneidade – econômica, política, militar, cultural, ideológica, social – é a regra no
sistema internacional, e não levar isso em consideração pode ser tremendamente desastroso
para qualquer Ator.
pág. 05

O conflito e a questão da segurança

A política internacional, como toda política, tem por base os conflitos


relacionados à distribuição do poder e dos recursos econômicos. Os
Estados atuam na arena internacional considerando essa disputa por
poder e por recursos econômicos. E os governos não devem ter objetivos
maiores que os da defesa de seus “interesses nacionais”, entre os quais o
mais importante é assegurar sua sobrevivência. É exatamente a conduta
dos Atores internacionais em uma persecução - muitas vezes
desordenada - por seus interesses nacionais que leva à situação de
conflito e caos. Daí a assertiva de Morgenthau em A Política entre as
Nações:

A política internacional, como toda política, é uma luta pelo


poder. Quaisquer que sejam os fins últimos da política
internacional, o poder é sempre o fim imediato.

Os realistas percebem diferentes maneiras pelas quais os Estados buscam sua segurança. Para
assegurar a independência, dependendo da posição e do status internacional, optam pela
proteção de uma grande Potência, a participação em sistemas de segurança coletiva ou em
alianças políticas ou militares. De qualquer maneira, a maioria dos Estados dispõe de forças
armadas para garantir sua segurança. Aqueles que renunciaram a elas (a Costa Rica é o caso
mais notório), necessariamente confiam sua defesa à proteção de uma Potência hegemônica.

Philippe Braillard, em Teoria das Relações Internacionais (1990, p. 115), resume bem os
principais conceitos do pensamento de Morgenthau:

Para Morgenthau é o poder (power) e, mais precisamente, a procura pelo


poder, que é o fundamento de toda a relação política e que constitui,
assim, o conceito chave de toda a teoria política. Esta procura do poder

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está inscrita profundamente na natureza humana onde tem a sua


origem, natureza que não é essencialmente boa já que ela confere a
todos os homens um ardente desejo de poder ou animus dominandi, e os
faz, com freqüência, agir como uma ave de rapina, pelo menos ao nível
das relações dos grupos sociais entre si. Temos, por isso, no fundamento
da teoria política de Morgenthau, uma visão filosófica do homem, uma
antropologia, marcada pelo pessimismo, que é fortemente inspirada pela
obra do teólogo Reinhold Niebuhr, um dos mestres do pensamento da
escola realista americana.

No que respeita particularmente à política internacional, a aspiração ao


poder por parte das diversas nações, cada uma procurando manter ou
modificar o status quo, conduz, necessariamente, a uma configuração
que constitui o que chamamos de equilíbrio [de poder] (balance of
power) e as políticas que visam conservar esse equilíbrio. Ao estabelecer
uma ligação necessária entre a aspiração das nações ao poder e as
políticas de equilíbrio, Morgenthau pretende evitar o erro cometido pelos
que acreditam que podemos escolher entre a política fundada no
equilíbrio e uma política, de um gênero melhor, esquecendo que todos os
Estados procuram os seus interesses, exprimidos em termos de poder.

Também sobre o Realismo, veja o texto que trata da moral nas Relações
Internacionais numa perspectiva realista, de
Marcelo Beckert Zapelini.
pág. 06

Críticas ao Realismo

Claro que o Realismo tem sofrido pesadas críticas ao longo de décadas. Por exemplo, afirma-se
que a teoria negligencia aspectos sociais, culturais ou mesmo econômicos, dando valor
exacerbado a fatores político-militares. Outra crítica é de que o conceito de poder na
perspectiva realista estaria mal definido e seu emprego demasiado vago, uma vez que o poder
seria, ao mesmo tempo, “um fim, um meio, um motivo e uma relação”.

Há, ainda, aqueles que lembram que o interesse nacional definido em termos de poder é
discutível, uma vez que é complicado determinar e quantificar esse interesse. Ademais, o
Estado jamais poderia ser considerado um Ator unitário e racional, e as decisões e ações de
política externa são fruto de um complexo conjunto de interesses de forças em diferentes níveis
da sociedade interna. Daí que interesse nacional seria um conceito bastante subjetivo, tanto em
virtude da diversidade das forças do interior do Estado que estabelecem quais são as
prioridades e os interesses da nação, quanto devido à heterogeneidade do sistema
internacional.

Finalmente, há a ponderação de que a teoria realista assenta-se numa visão das relações
internacionais limitada à configuração dessas relações nos séculos XVIII e XIX, ou mesmo na
primeira metade do século XX, sendo inadequada ao sistema internacional contemporâneo,
marcado pela diversidade de Atores e de grupos, como organizações internacionais,
organizações não-governamentais e empresas transnacionais.

O conhecimento da perspectiva realista é fundamental para a compreensão das


relações internacionais. Além da já citada obra de

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Morgenthau, sugere-se a leitura dos trabalhos de Raymond Aron, com destaque para Paz e
Guerra entre as Nações e dos livros de Henry Kissinger.
pág. 07

O NEORREALISMO

Duração: 7min08

O vídeo acima, com explicações bem focadas na Corrente Neorrealista, o ajudará a


compreender com bastante clareza os princípios teóricos em questão. Na sequência,
estude o conteúdo e realize as atividades propostas! Seu Professor-Tutor está apto a
dirimir suas dúvidas. Consulte-o sempre que julgar necessário.

O Neorrealismo é uma versão mais atual do Realismo. Pegou emprestado alguns elementos do
cientificismo behaviorista e, assim, deu um renovo para a corrente realista. O Neorealismo
deriva de um movimento epistemológico que ficou conhecido como Estruturalismo. Segundo os
estruturalistas, a sociedade se define pelas condições de possibilidade de toda organização
social. A análise dos diferentes sistemas constitutivos da Sociedade Internacional e de sua
articulação mostra serem eles a aplicação de certo número de leis lógicas encontráveis em toda
sociedade. Tal ponto de vista se casou com algumas perspectivas “clássicas”, como as que
vêem as “leis” da anarquia e do poder como explicativas da realidade (como a “lei” do balanço
de poder já estudada), dando luz ao Neorrealismo. Para os estruturalistas, são essas as
invariantes ou constantes que dão unidade necessária à fundamentação científica. Enfim, para
os estruturalistas, o importante é identificar os padrões, os arranjos, as organizações
sistemáticas em determinado estado.

Em suma, o Estruturalismo foi fundamental para o desenvolvimento dos métodos “científicos”


ao ensinar que o processo científico básico é o analítico, da decomposição das coisas, e que se
deve privilegiar o aspecto relacional da realidade, uma vez que as relações são constantes,
enquanto que os elementos podem variar.

Kenneth Waltz (2002) se utiliza do Estruturalismo para criar o seu Neorrealismo,


também chamado de Realismo Estrutural, ao final da década de 1970, que ele
modestamente chama de “revolução de Copérnico” no âmbito das Relações
Internacionais.

Waltz identifica três níveis de análise nas Relações Internacionais: o Indivíduo, o Estado e a
Sociedade (economia doméstica/sistemas políticos), e o Sistema Internacional (ambiente

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anárquico). Dos três níveis de análise identificados por ele, concentra-se no terceiro nível, para
dizer que a anarquia é uma constante, um “dado” na estrutura do Sistema Internacional.
Enquanto esse primeiro critério da estrutura, a anarquia, é uma constante, o segundo, a
distribuição de capacidades, é uma variável, pois varia entre os Estados. O referencial empírico
para essa variável é a quantidade de Superpotências que domina o sistema. Dado o pequeno
número de tais Estados – importante perceber que ele escrevia na época da Guerra Fria –, e,
além disso, para Waltz, não mais que oito já foram importantes, a política internacional,
segundo ele, poderia ser estudada em termos da lógica de poucos sistemas.

O Neorrealismo foca mais as características estruturais do sistema internacional estatocêntrico


do que as unidades que o compõem (os Estados). Em outras palavras, é a estrutura que molda
e conforma as relações políticas entre as unidades. Para Waltz, o Realismo tradicional, por se
concentrar nas unidades e nos seus atributos funcionais, é incapaz de trabalhar com mudanças
de comportamento ou na distribuição de poder que ocorre independentemente das flutuações
entre as próprias unidades. Assim, apesar de o sistema ainda ser anárquico e as unidades ainda
serem autônomas no Neorealismo, a atenção voltada para o nível estrutural fornecia-lhe uma
imagem mais dinâmica e menos restrita do comportamento político internacional emergente. O
Neorrealismo busca explicar como as estruturas afetam o comportamento e os resultados,
independentemente das características atribuídas ao poder e ao status.
pág. 08

Para Waltz, o sistema internacional funciona como o mercado, o qual está interposto entre os
atores econômicos e os resultados que eles produzem. É o mercado que condiciona seus
cálculos, seus comportamentos e suas interações. Assim, para ele, é a estrutura do sistema
internacional que limita o potencial de cooperação entre os Estados e que, por conseqüência,
gera o dilema da segurança, a corrida armamentista e a guerra.

Waltz lembra que as empresas devem desenvolver sua própria estratégia para
sobreviver em um meio competitivo, sendo difíceis ações coletivas que otimizem o lucro
a longo prazo.

Waltz usa a noção de poder estrutural – espécie de poder que pode estar operando quando os
Estados não estiverem agindo da forma que se esperava, dada a desigualdade de distribuição
de poder no sistema internacional. Percebe-se que Waltz se inspirou em Durkheim, para quem
a sociedade não é a simples soma de indivíduos e que todo fato social tem por causa outro fato
social, e jamais um fato da psicologia individual. Em seu trabalho sobre o suicídio, Durkheim
procurou demonstrar que mesmo no ato privado de tirar a própria vida, conta mais a sociedade
presente na consciência do indivíduo do que sua própria história individual. Ou seja, o ambiente
é mais importante do que o agente, e essa é a tese por trás do Neorealismo de Waltz.

Isolando a estrutura, Waltz argumenta que uma estrutura bipolar dominada por duas
Superpotências é mais estável que uma estrutura multipolar dominada por três ou mais
Superpotências, pois é mais provável que se sustente sem guerras espalhadas no sistema. Para
ele, há diferenças expressivas entre multipolaridade e bipolaridade. Na multipolaridade, os
Estados confiam em alianças para manter a segurança, o que é inerentemente instável, uma
vez que existem potências demais para se permitir que qualquer uma delas trace linhas claras e
fixas entre aliados e adversários. Em contraste, na bipolaridade, a desigualdade entre as
Superpotências e cada um dos outros Estados assegura que a ameaça posta a cada um deles
seja mais fácil de ser identificada, e, no sistema bipolar da Guerra Fria, a URSS e os EUA
mantinham o equilíbrio central, confiando mais nos próprios armamentos do que nos aliados.
Ficam, assim, minimizados os perigos decorrentes de previsões erradas. A intimidação nuclear e
a inabilidade das Superpotências em superarem mutuamente as forças retaliadoras aumentam
a estabilidade do sistema. Ou seja, para Waltz, a estrutura do sistema em si gerava a
estabilidade.

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Os conceitos de multipolaridade e de bipolaridade serão abordados com mais


detalhes no próximo módulo.

Waltz foi criticado por Raymond Aron, para quem a estabilidade da Guerra Fria tinha mais a ver
com as armas nucleares em si do que com a bipolaridade. Muitos críticos argumentaram que o
modelo de Waltz era muito estático e determinístico, além de desprovido de qualquer dimensão
de mudança estrutural (revolução). Mas essas, na verdade, são as características do
Estruturalismo. Em Waltz, os Estados estão condenados a reproduzir a lógica da anarquia, e
qualquer cooperação que ocorra entre eles ficará subordinada à distribuição de poder. Os
neoliberais criticam Waltz por exagerar o grau de “obsessão” dos Estados pela distribuição de
poder e por ignorar os benefícios coletivos que podem ser alcançados pela cooperação.

Abordaremos esse debate entre neorealistas e neoliberais mais à frente.

Outros acusaram Waltz de tentar legitimar a Guerra Fria sob o manto da ciência. Com o fim da
Guerra Fria, um dos pólos da estrutura ruiu, a URSS, o que não se harmonizava com as
expectativas da teoria de Waltz, segundo as quais as Superpotências amadureceriam para se
tornar “duopolistas sensíveis” no comando de uma estrutura crescentemente estável.

pág. 09

OS ÚLTIMOS GRANDES DEBATES

Visto o Neorealismo, agora podemos abordar os últimos grandes debates teóricos de interesse
para o presente curso introdutório. Tais debates, que surgiram nas últimas décadas do século
XX, refletem as teorizações que se fizeram necessárias para explicar as significativas mudanças
nas relações internacionais produzidas pelo processo de globalização e pelo aumento da
interdependência entre os Atores.

Neorealistas X Globalistas

Um dos últimos debates que merece referência neste curso é o que se dá entre neorealistas e
globalistas.

Como visto, a corrente neorealista surge com o objetivo de desenvolver uma análise mais
precisa das Relações Internacionais, baseada nos pressupostos realistas clássicos, mas com
adaptações que tinham que considerar a nova realidade internacional mais complexa.

Como já referido, Waltz (2002) reafirma a perspectiva tradicional realista: o princípio da


soberania estatal confere à Sociedade Internacional características próprias e limita os domínios
da cooperação internacional, prejudicando qualquer integração durável. O autor retoma a
ênfase na teoria do equilíbrio de poder diante do Sistema Internacional anárquico, no qual os
Estados competem e atuam em defesa de seus interesses, que podem ser percebidos como, no
mínimo, a sua própria preservação, e, no máximo, a dominação universal.

O Globalismo, por sua vez, usa algumas das categorias que o Neorealismo usa (como o poder
estrutural), pois também deriva do Estruturalismo, mas surge como uma corrente alternativa.
Os globalistas reconhecem, como os neorealistas, que há limitações estruturais para a
cooperação entre os Estados, mas defendem que isso se dá mais em razão da hierarquia do que
da anarquia no Sistema. Para eles, a hierarquia, como uma característica chave, é mais

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importante do que a anarquia, dada a desigualdade na distribuição do poder dentro do sistema.


Os globalistas enfatizam o poder estrutural e centram as capacidades chaves no sistema
econômico. Para eles, uma divisão peculiar do trabalho ocorreu historicamente no sistema
mundial como resultado do desenvolvimento do capitalismo como a forma dominante de
produção.

Como já referido na Unidade 3, o Globalismo busca explicar as relações internacionais não em


virtude de cooperação ou conflito, mas sob a ótica do subdesenvolvimento de vários países. Os
globalistas buscam analisar as Relações Internacionais dentro de um contexto global e geral,
assim como fazem os neorealistas, mas acreditam que o que deve ser explicado são as relações
de dominação, ou seja, como a minoria consegue dominar a maioria, doméstica ou
internacionalmente, e essa dominação encontra na Economia seu aspecto central.

“Existe uma influência marxista no globalismo, principalmente nas análises sobre o


padrão de evolução histórica das relações de dominação (o conflito seria o motor da
dinâmica entre as classes sociais). Existe também um enfoque na totalidade, ou seja,
não é possível entender o capitalismo sem entender as relações de exploração. Afirmam
também, nessa perspectiva global, que qualquer solução localizada deve ser vista
apenas como uma etapa da solução global.” Miguel Burnier, Debate Interparadigmático das
Relações Internacionais, no
Caderno Pet Jur n. IV.

pág. 10

O Globalismo vê um sistema-mundo capitalista composto por um núcleo (o centro) e a


periferia. As áreas centrais se engajaram, historicamente, nas atividades econômicas mais
avançadas: bancária, industrial, agricultura de alta tecnologia etc. A periferia tem fornecido
matéria-prima, como minérios e madeira para a expansão econômica do centro. O trabalho não
-qualificado é sufocado e aos países periféricos é negado o acesso a tecnologias avançadas nas
áreas/setores em que podem vir a competir com os países centrais. O relacionamento
polarizado entre as duas categorias é um dos motores do sistema.

Assim, não basta um consenso ideológico a favor do capitalismo (como pensam os neoliberais)
ou uma concentração do poder militar entre as hegemonias do centro (como pensam os
neorealistas) para que um conflito sério no sistema possa ser evitado. Para os globalistas, não
bastaria nenhum dos dois se não fosse a divisão da maioria numa camada inferior maior.

Autores globalistas, como Immanuel Wallerstein, acreditam que o sistema-mundo continuará a


funcionar como tem feito nos últimos quinhentos anos, em busca do acúmulo sem fim de bens
e capital, e que a periferia será cada vez mais marginalizada na medida em que a sofisticação
tecnológica do centro se acelerar.

Neorealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência

Este último debate é o mais relevante para o mundo que se descortina diante de nossos olhos
neste início do século XXI. Também pode ser referido como um debate entre neorealistas e
pluralistas, já que os liberais e neoliberais se reúnem no paradigma pluralista.

Como pano de fundo desse debate temos a Teoria da Interdependência. Esse debate teórico
ganhou força nas décadas de 1980 e 1990 e perdura até os dias de hoje. O debate se dá em
torno de questões como: se o sistema internacional mudou ou não sob o impacto da
interdependência, e quais as implicações de tal mudança para a teoria e prática das relações
internacionais. No fundo, quando surgiu o debate, a questão era se o modelo clássico da
“anarquia” estava perdendo seu poder explicativo frente à “interdependência” entre os Estados,
se a agenda tradicional das relações internacionais passou ou não a reduzir a importância da

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“alta política” (high politics – segurança militar,


dissuasão nuclear) e a elevar a “baixa política” (low
politics – comércio, finanças internacionais etc.).

Na época em que surgiu, a discussão era travada


entre os que acreditavam que o sistema internacional
não estava sofrendo nenhuma mudança sistêmica (a
escola neorealista) e os que argumentavam que o
Realismo passou a ser um guia inadequado para a compreensão das mudanças dramáticas
ocorridas nas relações internacionais como resultado das forças econômicas transnacionais (a
escola neoliberal).
pág. 11

A razão desse debate era a crise do sistema Bretton Woods, a crise de conversibilidade do dólar
e os choques de petróleo, eventos que abalaram todo o mundo. E, claro, não se pode deixar de
citar, o fracasso dos EUA na Guerra do Vietnã.

Segundo Waltz (2002), a direção da interdependência econômica dependia da distribuição de


poder no Sistema Internacional. O significado político das forças transnacionais não decorre de
sua escala; o que importa é a vulnerabilidade dos Estados às forças fora de controle e os custos
da redução de exposição a essas forças. Para Waltz, no sistema bipolar então vigente, o grau
de interdependência era relativamente baixo entre as Superpotências e a persistência da
anarquia, como princípio central organizador das relações internacionais, garantia que os
Estados continuassem a privilegiar a segurança acima da busca por riquezas (GRIFFITHS,
2004).

Do outro lado do debate estavam os neoliberais, que afirmavam que o crescimento das forças
econômicas transnacionais, como os fluxos financeiros, a crescente irrelevância do controle
territorial frente ao crescimento econômico e a divisão internacional do trabalho tornavam o
Realismo obsoleto. Os benefícios coletivos do comércio e a influência dos fluxos financeiros para
as políticas domésticas dos Estados assegurariam uma cooperação maior entre os Estados e
contribuiriam para o declínio do uso da força entre eles.

Um dos fortes defensores das teses neorealistas foi Stephen Krasner. Para Krasner (1983), os
Estados soberanos continuam sendo, nos tempos de hoje, agentes racionais e interesseiros,
firmemente preocupados com seus ganhos relativos. Argumentou que os períodos de abertura
na economia mundial correspondem aos períodos nos quais um Estado é nitidamente
dominante. No século XIX, foi a Grã-Bretanha; no período 1945-1960, os EUA. Por
conseqüência, concorda com Waltz: o grau de abertura depende, em si, da distribuição de
poder entre os Estados. A “interdependência” econômica é subordinada ao equilíbrio de poder
econômico e político entre os Estados, e não o contrário.

A Teoria da Estabilidade Hegemônica, vista na Unidade 2, trata desse ponto.

Krasner também ataca os globalistas. Para ele, os Estados nem sempre colocam a riqueza
acima dos outros objetivos. O poder político e a estabilidade social também são cruciais, e isso
significa que, embora o comércio aberto possa fornecer ganhos absolutos para todos os Estados
que se comprometerem com ele, alguns Estados ganharão mais do que outros, e essas
diferenças de poder são o principal fator determinante e explicativo do comportamento dos
Estados. Krasner ataca os globalistas pelo fracasso em explicarem o envolvimento dos EUA na
Guerra do Vietnã, que provocou tão intensas discordâncias domésticas para tão pouco ganho

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econômico. Se os EUA freqüentemente desejavam proteger os interesses das corporações norte


-americanas, reservaram o uso da força em larga escala, todavia, para as causas ideológicas.
Isso explicaria a guerra contra o Vietnã, uma área de importância econômica insignificante para
os EUA, e a relutância no uso da força durante as crises do petróleo nos anos de 1970, que
ameaçaram o fornecimento do produto em todo o mundo capitalista.

pág. 12

Krasner atacou de frente a “interdependência” neoliberal, e todo o institucionalismo


supostamente por trás dela. Segundo ele, Estados pequenos e pobres do Sul tendem a apoiar
os regimes internacionais que distribuem recursos autoritariamente, ao passo que os Estados
mais ricos do Norte favorecem regimes cujos princípios e regras dão prioridade aos mecanismos
de mercado. Regimes internacionais “autoritários” são aqueles conjuntos de regras, normas,
princípios e procedimentos que aumentam os poderes soberanos dos Estados individualmente,
dando aos Estados o direito de regulamentar fluxos internacionais (migração, sinais de rádio,
ativos financeiros, aviação civil etc.) ou de distribuir acesso a recursos internacionais (fundo do
mar, atmosfera, etc.). Os Estados do Terceiro Mundo procuram, na verdade, proteção. Tentam
se proteger contra a operação de mercados em que eles se encontram em desvantagem. Não
seria por outro motivo o apoio de países do Terceiro Mundo ao Fórum Social Mundial, cujas
preocupações tem sido a regulamentação dos fluxos financeiros internacionais e a imposição de
uma tributação sobre eles (a chamada “taxa Tobin”).

Regimes internacionais são normalmente definidos como princípios, normas, regras e


processos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas do Ator convergem
para uma dada questão setorizada (issue area). Os regimes implicam não apenas em
normas e expectativas que facilitam a cooperação entre os Estados, mas formas de
cooperação.

Krasner, assim, identifica uma dicotomia regulamentação/Terceiro Mundo versus


desregulamentação/Primeiro Mundo, que, no fundo, evidencia relações de poder. Krasner,
desse modo, rejeita, mais uma vez, a hipótese de que os Estados perseguem simplesmente
riqueza, e argumenta que os Estados do Terceiro Mundo também se envolvem em lutas pelo
poder, querendo diminuir sua vulnerabilidade ao mercado e exercer um controle estatal maior
sobre ele (é o que estaria por trás, por exemplo, das discussões na China sobre o controle ou
não dos fluxos de capital – deixar ou não fechada a conta de capital do balanço de
pagamentos). Assim, a soberania dá aos Estados do Terceiro Mundo uma forma de “metapoder”
ou poder de uma ideologia coerente para atacar a legitimidade dos regimes do mercado
internacional e as injustiças do capitalismo global (GRIFFITHS, 2004).

Portanto, para os neorealistas, a tentativa de estabelecer regimes internacionais como meio de


superar ou atenuar os efeitos da anarquia não funciona. Tais regimes não disfarçam as
diferenças de poder existentes nas relações internacionais e tampouco conseguem alterar a
importância da soberania dos Estados.

Neoliberais como Robert Keohane (2001) tentariam derrubar essas teses, buscando uma
resposta positiva para a questão de se as instituições explicam ou não o comportamento dos
Estados. O argumento básico de Keohane é que, num mundo interdependente, o paradigma
realista é de uso limitado para ajudar a compreender a dinâmica dos regimes internacionais, ou
seja, as normas, regras e princípios que governam as tomadas de decisão e as operações em
relações internacionais sobre determinadas questões, como o dinheiro.
pág. 13

Os neoliberais usam o modelo da “interdependência complexa”. Trata-se de um modelo


explanatório das relações internacionais que pressupõe múltiplos canais de contato entre as

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sociedades, uma ausência de hierarquia entre questões de agenda e uma diminuição da


utilidade do poder militar, ou um papel minimizado para o uso da força. A “interdependência
complexa” é o resultado da multiplicação das interconexões globais e da aceleração de fluxos
financeiros, demográficos, de bens, serviços e de informações, com operadores extremamente
variados: organizações intergovernamentais, multinacionais, organizações não-governamentais,
sociedade civil, dentre outros, os quais passam a ganhar espaço nas decisões e discussões
internacionais, e o Estado deixa de ter o único papel relevante nas relações internacionais,
embora ainda proeminente.

Sob condições de interdependência complexa, os neoliberais afirmam que é difícil para Estados
democráticos delinearem e perseguirem políticas exteriores racionais, como defendem os
realistas.

Os neorealistas, tornando o debate mais acalorado, responderam dizendo que não é verdade
que a distribuição de poder político e militar não se relacione com a condição de
interdependência complexa. A Teoria da Estabilidade Hegemônica é normalmente citada como a
conjugação das idéias do realismo com as idéias pluralistas de interdependência (vide Unidade
2). Ela explica, por exemplo, a ligação entre o poder hegemônico e o grau de interdependência
complexa no comércio internacional. Waltz, ao falar sobre a importância do equilíbrio de poder,
mostrou que a interdependência, longe de tornar obsoleto o poder, dependia da habilidade e da
disposição dos EUA em fornecer as condições sob as quais os outros Estados estariam
participando da concorrência por ganhos relativos e cooperando para maximizar seus ganhos
absolutos com base em uma cooperação no comércio e em outros setores de controvérsia.

A Teoria da Estabilidade Hegemônica procurou responder ao argumento neoliberal de que o


crescimento da interdependência econômica entre os Estados os estaria enfraquecendo e
atenuando o relacionamento histórico entre a força militar e a capacidade de sustentar
interesses nacionais. Afinal, está a interdependência econômica que testemunhamos no mundo
atual reduzindo a importância do poder militar? A resposta dessa teoria é negativa, como visto.

Portanto, para autores como Gilpin, a liderança hegemônica dos EUA e o anti-sovietismo foram
as bases do compromisso com o “internacionalismo liberal” e com o estabelecimento de
instituições internacionais para facilitar a grande expansão comercial ocorrida entre os Estados
capitalistas nos anos de 1950 e 1960 (chamados de “anos dourados” por Eric Hobsbawm).
Giovanni Arrighi, em sua obra O longo século XX, apresentou tese no mesmo sentido. Sem a
presença de um hegemon, não teria havido os anos dourados do pós-Guerra.

Caso não esteja seguro com relação ao domínio do conteúdo, reveja suas anotações
pessoais e releia o Módulo I. Você deve consultar o seu Professor-Tutor em caso de
dúvidas, por meio do Menu - Comunicação, escolha a opção Mensagem na Plataforma
de Educação a Distância do ILB.
pág. 14

Conclusões

O Realismo continua sendo a principal corrente teórica de Relações Internacionais. No


século XXI, análises sob uma ótica realista passam a considerar diferentes fatores e novos
Atores. Não obstante, esses novos elementos não conduzem à decadência ou obsolescência do
paradigma, mas, sim, a novas adaptações. As teses neorealistas são bons exemplos. De fato,
com as mudanças na política internacional que vêm ocorrendo neste início de milênio,
motivadas pelas pretensões hegemônicas de projeção de poder da Hiperpotência norte-
americana, nunca o mundo pareceu tão realista.

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Nessa Unidade então, estudamos a principal corrente teórica das Relações Internacionais: O
Realismo. Volte ao início da Unidade e verifique se os objetivos propostos foram alcançados. As
atividades que propomos a seguir o ajudarão nesse sentido.

Não perca os prazos! Consulte com regularidade o Calendário de Atividades do Curso!

Atividades de autoavaliação - Essa atividade o auxiliará a autoavaliar seus


conhecimentos. Responda as questões objetivas que serão corrigidas
automaticamente pelo sistema. Escolha a opção referente a esta unidade. Acesso pelo
menu "Avaliações".

Avaliação da Unidade - Para auxiliá-lo a entender e refletir melhor sobre o conteúdo


apresentado na unidade, responda a questão proposta para esta etapa. Acesso pelo
menu lateral "Trabalhos/Redações". O exercício será corrigido e poderá ser comentado
pelo Tutor. O procedimento você já conhece! Bons estudos.

Unidade 5 - Sociedade Internacional: Aspectos Gerais

A Unidade 5 do Módulo I é dedicada ao estudo de questões e aspectos gerais que caracterizam


a Sociedade Internacional. Para tanto, ela foi assim preparada:

Evolução histórica e conceitos:


• Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional;
• A extensão espacial;
• A diversidade sistêmica;
• A estratificação hierárquica;
• A polarização;
• O grau de homogeneidade e heterogeneidade;
• O grau de institucionalização

Objetivos da Unidade:

Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:

# apresentar os aspectos gerais que caracterizam a Sociedade Internacional;


# assinalar as subestruturas que compõem a Sociedade Internacional e sua importância
na compreensão da mesma.

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Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento do curso, é


sua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário e preciso para
os estudos.

pág. 01

SOCIEDADE INTERNACIONAL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO

Em um primeiro momento, podemos relacionar a Sociedade Internacional à evolução histórica


das relações entre os grupos, povos e Estados-nações organizados em âmbito espacial
determinado. Assim, é possível identificar a evolução da Sociedade Internacional a partir das
relações entre os grupos primitivos da Antigüidade, passando pelos reinos e impérios e
chegando à Idade Contemporânea, com a ascensão e o declínio do Estado-nação frente a um
sistema cada vez mais globalizado e interdependente.

Em nossas observações acerca da Sociedade


Internacional, a análise histórica pode ser de
grande auxílio. Essa análise é definida como o
estudo do grande número de eventos ou fatos
que transcenderam as fronteiras entre os
Estados e que relacionaram entre si as nações
e os povos, de forma pacífica ou conflituosa.

Conceito de Sociedade Internacional

Convém apenas lembrar que definimos Sociedade Internacional como o conjunto de entes
que interagem de maneira sistêmica em uma esfera internacional sob a influência de forças
profundas. Passemos aos elementos fundamentais da Sociedade Internacional.

Elementos Fundamentais e Sistema da


Sociedade Internacional

Para Rafael Calduch Cervera (1991, p. 64-55), “a Sociedade


Internacional é uma sociedade global de referência”, ou seja,
constitui “um marco social de referência, um todo social em
que estão inseridos todos demais grupos sociais, quaisquer
que sejam seus graus de evolução e poder”. É uma
“sociedade de sociedades, ou macrossociedade, em cujo seio
surgem e se desenvolvem os grupos humanos, desde a
família às organizações intergovernamentais, passando pelos
Estados.”

A Sociedade Internacional pode ser percebida como um conjunto de sociedades, sendo,


portanto, heterogênea. Registre-se que há cerca de apenas três séculos é que a Sociedade
Internacional começou a adquirir características “globais”: até recentemente, pouco contato
havia entre as diversas “sociedades” dentro da Sociedade Internacional.

pág. 02

Outro ponto a que Calduch chama a atenção é que “a Sociedade Internacional é distinta da
sociedade interestatal”. Mesmo sendo o Estado o principal Ator internacional, compreender a
Sociedade Internacional apenas com base nas relações interestatais conduziria a uma

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percepção obscura e, portanto, deficiente da realidade. Não há como


desconsiderar, sobretudo nos dias atuais, a presença e influência cada vez
maior de grupos diferentes dos Estados-nação no sistema internacional.
Ademais, convém lembrar que a doutrina aceita a existência de uma
Sociedade Internacional antes do surgimento dos Estados nacionais.

Calduch afirma, ainda, que não é possível considerar a existência de uma


Sociedade Internacional em seu sentido estrito, sem que seus membros
mantenham relações mútuas intensas e duráveis no tempo. Com isso, assinala
que a mera ocorrência de ações esporádicas e ocasionais não basta para se considerar a
existência de uma Sociedade Internacional.

Discordamos dessa percepção de Calduch. Afinal, o que não se pode conceber, nos termos
apresentados, é uma sociedade global, interdependente, como a dos dias atuais. Entretanto,
Sociedade Internacional sempre houve, mesmo que sua principal característica fosse a falta de
interação entre as sociedades/civilizações que a compunham.

A Sociedade Internacional pode ser percebida na dicotomia “anarquia x ordem comum”.


Evidente que é anárquica por não possuir uma autoridade superior que, legítima titular do uso
da força, controle ou imponha a conduta a seus membros. Não existe um governo mundial ou
uma autoridade supra-estatal. Assim, os Atores conduzem suas relações internacionais de
acordo com seus próprios interesses e, ao menos no que concerne aos Estados, não aceitam,
de maneira geral, autoridade superior no sistema.

Todavia, relembre-se que anarquia internacional não é sinônimo de desordem. Há uma ordem
comum no meio internacional, estabelecida pelos próprios Atores para viabilizar suas relações.
Nesse sentido, o papel das grandes Potências é essencial, pois são elas que definem os rumos
do sistema. Não poderiam existir “relações internacionais” sem um ordenamento mínimo na
Sociedade Internacional.

Essa ordem internacional emana da correlação de forças e poderes entre os Atores


internacionais. Pode-se dizer que esse ordenamento é estruturado com base em elementos
como extensão espacial, diversificação estrutural, estratificação e hierarquia, polarização, grau
de homogeneidade ou heterogeneidade e de institucionalização. São os chamados “elementos
da estrutura internacional”. Variam conforme o tempo e as diferentes sociedades, podendo ser
identificados em todas elas.

Esses elementos foram


apresentados por
Calduch, e as
observações que
faremos a respeito são
provenientes do estudo
de sua obra.

Sobre as transformações na Sociedade Internacional, interessante a trilogia


de Manuel Castells: A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder da
Identidade (Paz e Terra, 2000), Fim de Milênio (Paz e Terra, 2002).
pág. 03

A extensão espacial

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Para Calduch, “a Sociedade Internacional é uma sociedade territorial”. Daí considerar-se


essencial para a análise de qualquer Sociedade Internacional o conhecimento do “marco
espacial” em que a referida sociedade se encontra assentada.

A Sociedade Internacional sofrerá transformações em sua estrutura e dinamismo sempre que


sua dimensão espacial for alterada, ou, ainda, quando algum de seus membros principais
experimentar mudanças em seus limites fronteiriços ou em sua zona de influência territorial
direta – como ocorreu no Leste Europeu para a URSS. Vale lembrar que, sendo o Estado o
principal Ator internacional, suas mudanças territoriais e reações a mudanças têm marcado as
diferentes sociedades internacionais.

Portanto, da mais remota Antigüidade aos dias atuais, a constante expansão geográfica da
Sociedade Internacional gerou conflitos e mudanças nos Atores e nas relações de poder entre
eles. O que deve ficar claro é que, até o século XX, a característica da Sociedade Internacional
era exatamente a composição espacial de diferentes sociedades internacionais, ainda que com
espaços definidos e com crescentes intercâmbios culturais, comerciais, sociais e políticos, mas
com características distintas e espaço geográfico delimitado.

O século XX marca o limite espacial da Sociedade


Internacional. Esse foi um problema que surgiu quando
a Sociedade Internacional alcançou dimensões
planetárias. Com o desenvolvimento tecnológico, a idéia
de “globalização” apresenta uma Sociedade
Internacional não mais espacialmente limitada ao
continente europeu, ao Ocidente ou ao “mundo
civilizado”, mas às dimensões do planeta Terra.

Não se pode mais buscar soluções para problemas locais


sem um pensamento global. Os problemas da Sociedade
Internacional globalizada têm efeitos em todo o território
do planeta. Entre esses “desafios” estão o fenômeno do
esgotamento dos recursos naturais, o crescimento
exponencial da população mundial, a deterioração
ambiental ocasionada pela contaminação da terra, do ar e das águas, o uso crescente da
energia nuclear para fins civis ou militares, a utilização do espaço estratosférico e das
profundezas oceânicas. Acrescente-se a significativa disparidade de renda na esfera
internacional, marcada por uma minoria da população do globo com alto padrão de vida e a
maioria vivendo em condições subumanas, na miséria absoluta, sob regimes autoritários e sem
quaisquer perspectivas de futuro digno. Essas condições implicam necessariamente uma
reestruturação da Sociedade Internacional, em que a questão geográfica, isoladamente, cai
para segundo plano.
pág. 04

A diversidade sistêmica

A Sociedade Internacional é composta de distintos subsistemas, cuja correlação configura a


ordem internacional imperante. Cada um desses subsistemas corresponde a uma das áreas
imprescindíveis para a existência da Sociedade Internacional em seu conjunto. Calduch prefere
chamá-los de “subestruturas”.

Cite-se, então, o subsistema econômico, no qual está a base material e produtiva


indispensável para a existência dos grupos humanos. Incluem-se aí tanto o conjunto dos fatores
e forças de produção quanto as inter-relações associadas ao processo econômico (produção,
comércio e consumo). O subsistema econômico não pode ser descartado para a compreensão
da Sociedade Internacional, uma vez que a Economia é uma das “forças profundas” mais
influentes na conduta internacional dos Atores.

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O segundo subsistema a ser considerado é o político-


militar. Compõe-se das comunidades políticas e organizações
internacionais, bem como das relações de autoridade e
dominação que elas mantêm entre si em virtude de normas
jurídicas ou mediante o exercício do poder militar.

O terceiro subsistema é o cultural-ideológico. Forma-se,


segundo Calduch, por “atores e relações internacionais
desenvolvidas a partir da existência de conhecimentos,
valores ou ideologias comuns a distintas sociedades humanas e dos processos de comunicação
que deles derivam”. O subsistema cultural-ideológico, tão importante quanto os anteriores,
desempenha um papel de mediador entre a dimensão político-militar e a econômica, como foi
testemunhado, por exemplo, nos anos da Guerra Fria.

Naturalmente, cada um dos subsistemas está conformado de maneira particular, em virtude


das características exclusivas de cada um de seus componentes. Suas respectivas evoluções
seguem ciclos e ritmos de diferentes intensidade e duração, provocando tensões, desajustes e
crises, tanto entre os grupos que as capitalizam quanto ao conjunto da Sociedade Internacional.

pág. 05

A estratificação hierárquica

A Sociedade Internacional constitui uma realidade complexa, cujos membros ocupam níveis ou
estratos segundo a desigualdade de poder – político, econômico, militar, social,
cultural/ideológico. Uma vez que há diferentes graus de influência nos assuntos internacionais,
existe uma hierarquia “de fato” entre os Atores na Sociedade Internacional. Daí o conceito de
Calduch para essa estratificação: “conjunto das diferentes e desiguais posições ocupadas pelos
atores internacionais em cada uma das estruturas parciais que formam parte da Sociedade
Internacional.”

Uma primeira observação a ser feita a respeito da estratificação é que a hierarquia internacional
não é única e imutável em cada Sociedade Internacional e muito menos homogênea para cada
subsistema. Assim, a posição ocupada por um Estado no Subsistema econômico internacional
poderá não ser a mesma no subsistema político-militar, ou vice-versa. Para exemplificar, a
influência atual do Brasil na economia internacional é bastante diferente de sua influência na
política ou de seu poder militar, e, mais ainda, de seu papel cultural-ideológico internacional.

Calduch lembra, também, que, junto aos Estados soberanos, “deve-se considerar aqueles
grupos internacionais cujo protagonismo fica limitado a certas áreas da vida internacional, por
exemplo, o Fundo Monetário Internacional, para o subsistema econômico; o [extinto] Pacto de
Varsóvia, para a política; a Agência de notícias Reuters, no plano cultural”. Claro que esses
outros membros da Sociedade Internacional não podem ser desconsiderados, pois é
inquestionável sua influência nos diferentes subsistemas, em alguns casos muito superior à da
maior parte dos Estados-nacionais.

Acrescentemos a relevância no papel de alguns


indivíduos na Sociedade Internacional
contemporânea, os quais exercem, efetivamente,
influência como Atores internacionais. Inegável que
Bill Gates, George Soros, o Papa João Paulo II, ou
mesmo Osama bin Laden, só para citar alguns nomes
mais conhecidos, mostraram-se mais influentes nas
relações internacionais, sejam políticas, econômicas
ou até culturais, que muitos países. Portanto, na

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Sociedade Internacional contemporânea, o indivíduo, entendido como Ator internacional,


também ocupa um estrato dessa hierarquia.

Assim, a estratificação hierárquica em cada um dos subsistemas internacionais pode realizar-se


atendendo às diferentes características de Atores (Estados, organizações internacionais,
organizações não-governamentais, empresas multinacionais/transnacionais, indivíduos, entre
outros) ou, ainda, considerando cada um dos grupos com capacidade de participação nos
diferentes subsistemas.

Anote sempre os principais pontos de cada tópico estudado. Você pode


utilizar o "Caderno" no menu de Apoio!

pág. 06

A polarização

Alguns Atores atraem para si outros em virtude da capacidade de influência no sistema e da


desigualdade entre os diferentes protagonistas do cenário internacional. Introduzimos, aqui, um
dos elementos essenciais para a compreensão da estrutura do sistema internacional: a idéia de
polarização.

Polarização pode ser definida como a capacidade efetiva de um ou vários Atores internacionais
para adotar decisões, comportamentos ou normas que sejam aceitos pelos demais Atores e, por
meio dos quais alcançam ou garantem uma posição hegemônica na hierarquia internacional.
Para os Atores que ocupam essa posição de destaque, a manutenção da estrutura imperante
mostra-se questão de sobrevivência, pois qualquer sinal de mudança pode significar que outro
pólo está a se estruturar, com a conseqüente – e, às vezes, fatal – alteração no equilíbrio de
poder no sistema. Enquanto a estratificação considera o conjunto dos Atores, a polarização – ou
polaridade – contempla somente aqueles que dominam as relações básicas de cada subsistema
internacional.

Portanto, ao tratarmos de polarização, consideramos os


membros da Sociedade Internacional nas posições
superiores da estratificação hierárquica.

Segundo Calduch, os Atores à frente de cada subsistema internacional se vêem obrigados a


intervir de modo crescente e constante nas relações internacionais, com o objetivo de perpetuar
sua hegemonia. A longo prazo, haverá uma drenagem tão grande de seus recursos e
capacidades para projetos e atuações exteriores que esses Atores terão seu poder debilitado,
tanto interna quanto externamente. Um bom exemplo disso é o que ocorreu com a URSS na
década de 1980, que culminou no desaparecimento daquele Estado em 1991.

O caso da URSS é, como dito, apenas um exemplo. A “ascensão e queda das grandes
potências”, para usar os termos de Paul Kennedy, é um fato que pode ser constatado em
diversos momentos da evolução histórica da Sociedade Internacional, sempre relacionado à
incapacidade de manutenção da hegemonia internacional nos diferentes subsistemas ao longo
do tempo. A evolução é fatal: um Ator hegemônico surge ainda quando o Sistema está
polarizando por outro ou outros atores; aos poucos, vai ocupando o vazio de poder fruto do
enfraquecimento desse ou desses, até adquirir capacidade suficiente para afetar o Sistema.
Entretanto, depois de determinado tempo – anos, décadas ou séculos –, a única certeza é que

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surgirá um novo Ator para ocupar seu espaço no Sistema Internacional. Assim como ocorre na
natureza, numa lógica darwiniana, ocorre também na Sociedade Internacional.

Entenda-se lógica darwiniana como a capacidade de um


ente se adaptar a determinado ambiente. É importante
observar que um ente muito adaptado a determinado
ambiente e, portanto, bem-sucedido, pode desaparecer
se as condições se modificam.
pág. 07

Há três formas de polarização internacional:

• unipolaridade;
• bipolaridade; e
• multipolaridade.

Entende-se por unipolaridade a situação em que um só Ator é capaz de dirigir, de modo


decisivo, a dinâmica de determinado subsistema internacional. No seu auge, o poder de
influência desse Ator é incontestável, devido à incapacidade de outro Ator fazer-lhe frente.

O exemplo clássico de unipolaridade político-militar está no Império Romano, entre a derrota de


Cartago (136 a.C.) e seu desmembramento (476 d.C.), no contexto da Sociedade Internacional
mediterrânea. Um exemplo atual poderia ser a condição dos EUA, ao menos sob a perspectiva
de poder militar, com o fim da Guerra Fria e o colapso da URSS. Alguns autores, entretanto,
discordam e vislumbram um sistema multipolar no contexto geral.

A bipolaridade ocorre quando dois Atores dividem a hegemonia de um subsistema. Os demais


componentes do Sistema acabam migrando para a esfera de influência de um dos dois Atores
principais. É possível, ainda, que os demais Atores optem por uma política pendular, tendendo a
uma ou outra esfera de influência conforme interesses específicos e, ao mesmo tempo,
“jogando” com a disputa entre os pólos. Como exemplos de sistemas bipolares no plano político
citamos: Esparta e Atenas, na Grécia clássica; Cartago e Roma, no mundo antigo; EUA e URSS,
nas quatro décadas seguintes ao término da II Guerra Mundial (1939-1945).

Finalmente, quando o domínio de um subsistema internacional é disputado por mais de dois


Atores, tem-se a multipolaridade. Como na bipolaridade, a hegemonia na multipolaridade não
tem uma direção única, o que obriga os distintos pólos a considerarem em suas condutas
internacionais os interesses e condutas de seus pares. Quanto maior o número de Atores
polarizando o Sistema, mais complexas e aleatórias são as relações internacionais.

Como exemplo de multipolaridade no subsistema político-militar tem-se o Concerto Europeu,


estabelecido em 1815, com a derrota de Napoleão, e que perdurou por cerca de 100 anos na
ordem européia. Já para exemplificar a multipolaridade econômica, apresentamos a Sociedade
Internacional de nossos dias, uma vez que, junto às Grandes Potências econômicas (EUA,
Japão, Alemanha, China), surgem também organizações intergovernamentais e blocos
econômicos (União Européia, NAFTA, APEC, Mercosul etc.) e ainda empresas multinacionais ou

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transnacionais (Exxon, General Motors, IBM, Citicorp), algumas das quais com capacidade para
influenciar o sistema de forma muito superior à da maior parte dos Estados soberanos do globo.

Registre-se, ademais, que, para perdurar, a relação hegemônica deve basear-se em dois
alicerces: coerção e consenso. Não se pode exercer a liderança em um sistema por muito
tempo apenas com base no uso da força, ao mesmo tempo em que hegemonia fundamentada
simplesmente no consentimento dos pares pode ser ameaçada por uma crise de legitimidade.

pág. 08

O grau de homogeneidade e heterogeneidade

A Sociedade Internacional encontra-se condicionada também pela presença ou ausência de


homogeneidade entre seus membros. Uma vez que existem Atores com diferentes naturezas,
composições, poder e objetivos, só é possível estudar o grau de
homogeneidade/heterogeneidade se forem comparados Atores pertencentes a uma mesma
categoria. Não se pode, portanto, comparar Estados soberanos com organizações internacionais
para se medir o grau de homogeneidade de determinado subsistema.

Existe homogeneidade internacional quando são observadas identidades ou similitudes internas


fundamentais entre os Atores que pertençam a uma mesma categoria e participem de um
mesmo subsistema internacional, principalmente entre os Atores estatais. Já a heterogeneidade
é constatada com a existência de divergências internas básicas entre os referidos Atores.

Uma análise das relações internacionais sob o enfoque do grau de


homogeneidade/heterogeneidade da Sociedade Internacional deve considerar: 1) a comparação
entre Atores da mesma categoria; e 2) a não-existência de categoria com grau de
homogeneidade absoluto. Sempre haverá diferenças entre os Atores, uma vez que a
diversidade é uma característica inata das sociedades que compõem a Sociedade Internacional.

Um terceiro aspecto que deve ser considerado é que um elevado índice de homogeneidade em
um subsistema internacional não se transfere automaticamente aos outros subsistemas. Assim,
há casos em que são vislumbradas relações políticas homogêneas em contraposição à
heterogeneidade econômica e sociocultural em um mesmo grupo de Atores.

Finalmente, vale observar que, para alguns autores, os sistemas homogêneos tendem a ser
mais estáveis (ARON, 1986). Afinal, a homogeneidade permite maior grau de previsibilidade na
conduta internacional dos Atores. Trata-se, entretanto, de uma tendência que não pode ser
considerada de maneira categórica, visto que ao próprio conceito de
estabilidade são atribuídas diferentes interpretações.

Muitas vezes, os Atores fazem uso dessa dicotomia


homogeneidade/heterogeneidade para conduzir seus interesses
internacionais e influenciar a conduta de outros Atores. Exemplos são os
grupos que se formam sob a égide de bandeiras como “nações
civilizadas”, “países desenvolvidos”, “em desenvolvimento” e
“subdesenvolvidos”, “capitalistas, socialistas e não-alinhados”. Enquanto
o caráter homogeneidade/heterogeneidade, em alguns casos, realmente
se faz presente, em outros nada mais se tem que uma forma de apresentação internacional
pouco condizente com a realidade.
pág. 09

O grau de institucionalização

O último elemento fundamental para o estudo das relações internacionais identificado por
Calduch é o grau de institucionalização, que, por sua vez, resumiria todos os anteriores. Para o
mestre espanhol, “o grau de institucionalização de uma Sociedade Internacional é formado pelo

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conjunto de órgãos, normas e valores que, independentemente de seu caráter expresso ou


tácito, são aceitos e respeitados pela generalidade dos Atores internacionais de um mesmo
subsistema, permitindo, dessa maneira, a configuração e a manutenção de determinada ordem
internacional.” (CALDUCH, 1991, p. 74).

Esse conceito traduz o entendimento e o consenso social que deve imperar entre componentes
de uma Sociedade Internacional ao estabelecerem ou modificarem suas relações mútuas.
Calduch defende que não se pode analisar o grau de institucionalização apenas com base nas
normas jurídicas: há normas que não estariam envolvidas pelo Direito Internacional, ainda que
este sintetize a maior parte das instituições fundamentais da Sociedade Internacional.

Ao estudar as instituições internacionais e suas transformações, o analista depara-se com a


estrutura da ordem internacional, os interesses dos Atores e as forças que influenciam as
condutas dos membros da Sociedade Internacional ao longo do tempo. As instituições estão
relacionadas aos valores, às normas e aos objetivos dos membros de uma sociedade e, mesmo,
à essência de seus subsistemas.

As mudanças nas instituições refletem, portanto, as transformações da própria sociedade em


que se encontram, suas formas de cooperação e seus antagonismos.

Finalmente, Calduch afirma que a diplomacia, o comércio e a


guerra são formas de relações internacionais presentes em
diversos tipos de instituições internacionais. Daí não ser cabível,
para a análise do grau de institucionalização de uma sociedade, a
exclusão de valores ou normas que emanem diretamente da
existência de conflitos bélicos.

Portanto, compreendendo as instituições de uma sociedade, pode-


se compreender seus membros, as forças que nela interferem e os
reflexos das relações entre os Atores.
pág. 10

Um exemplo recente de dificuldades geradas em modelos institucionais críticos é a guerra em


regiões menos desenvolvidas do globo. Enquanto o conflito entre as Potências busca seguir
determinadas
“leis” de conduta, um confronto em áreas menos desenvolvidas foge a qualquer padrão. Muitos
oficiais ocidentais ficaram perplexos ao combater em 2001 no Afeganistão porque as milícias
afegãs “desconheciam os usos e costumes do direito de guerra das nações civilizadas”. Não
havia nada parecido com as instituições da guerra clássica no cenário da Ásia Central, o que
levou à violência exacerbada de ambos os lados no combate.

Cite-se entre as principais as Convenções de


Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais, que
regulamentam as condutas dos combatentes.

Assim, as instituições refletirão os subsistemas e a maneira como estão ordenados. Pode-se,


portanto, analisar as relações internacionais sob a ótica das instituições que se manifestam no
Sistema Internacional. É essencial, portanto, ao internacionalista, conhecer as instituições que
regem as estruturas da sociedade objeto de seu estudo.

Assista à aula do Professor Joanisval Gonçalves, em duas partes, sobre Sociedade


Internacional, que engloba conceitos tratados neste primeiro módulo. Vamos lá!

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Parte 1-duração: 7min29

Parte 2 - duração: 7min08

Concluímos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos Módulos seguintes será
apresentada uma breve análise da evolução histórica da Sociedade Internacional a partir da
era moderna, com esses aspectos teóricos operando como pano de fundo.

Dois livros importantes para se compreender a idéia de sociedade internacional são


A Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson (Brasília: Ed. UnB, 2004)
e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull (Brasília: Ed. UnB, 2002). Bull e Watson são
dois ícones da chamada Escola Inglesa de Relações Internacionais, a qual tem uma

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perspectiva das relações internacionais muito fundamentada nas idéias de sociedade


internacional.

Você pode encontrar resenhas dos livros sugeridos na Internet:


# A Sociedade Anárquica e
# A Evolução da Sociedade Internacional

Fechando, então, o estudo introdutório dos aspectos teóricos da primeira fase do nosso curso,
realize as atividades propostas de autoavaliação e, em seguida, a avaliação da unidade. Lembre
-se de que seu Professor-Tutor está apto a dirimir suas dúvidas. Comunique-se com ele sempre
que sentir necessidade de esclarecimentos adicionais.

Atividades de autoavaliação -
No menu lateral em "Avaliações", acesse as questões objetivas referentes a esta
unidade.

Avaliação da Unidade - No Menu lateral em "Avaliações", escolha a


opção "Trabalhos / Redações" e responda a questão proposta para a Unidade 5.

Unidade 1 - As Relações Internacionais na Era Moderna

Nesta Unidade, apresentamos os fatos marcantes da evolução histórica da Sociedade


Internacional, do início da Idade Moderna (século XV) ao fim das Guerras Napoleônicas (século
XIX). São eles:

• A Sociedade Européia na Era Moderna:


o Renascimento
as Grandes Navegações,
o Advento do Estado Absolutista
e a Reforma;
• A Guerra dos Trinta Anos;
a Guerra,
a Paz de Westfália(1648)
o legado de Westfália,
a Nova Ordem Internacional a partir de Westfália

Objetivos da Unidade:

Ao término desta unidade o aluno deverá ser capaz de identificar os principais aspectos da

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evolução histórica da Sociedade Internacional, do início da Idade Moderna (século XV) ao fim
das Guerras Napoleônicas (século XIX). Deverá, portanto, estar apto a discorrer sobre:

# As grandes navegações;
# As lutas entre católicos e protestantes;
# A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648);
# A Paz de Westfália (1648) e
# A Europa no século XVIII e a ascensão da França como Potência hegemônica.

pág. 01

A SOCIEDADE EUROPÉIA DA ERA MODERNA

O período que vai do ano 1000 até 1800 corresponde à transição do feudalismo para o
capitalismo. Nesse período, a sociedade européia feudal – rural, fragmentada no nível nacional,
unida pela religião e marcada pelos vínculos de vassalagem – transformou-se em outra
completamente distinta, a sociedade capitalista. Nesta, o importante era a vida urbana,
influenciada pelas transações comerciais e fundada nas relações de trabalho assalariado.

Quatro acontecimentos são especialmente importantes nesse processo: o Renascimento, as


Grandes Navegações, o advento dos Estados nacionais absolutistas e a Reforma.

O Renascimento

Marvin Perry observa que “o termo Renascimento foi cunhado em referência à tentativa de
artistas e filósofos de recuperar e aplicar a antiga erudição e modelos da Grécia e de Roma”. O
movimento surgiu na Itália, aproximadamente em 1350 e se estendeu até meados do século
XVII. Não surgiu na Itália por acidente. No século XIV, ela era a região mais dinâmica da
Europa: inúmeros centros comerciais, como Gênova, Veneza, Florença e Milão se desenvolviam
com vigor. Essas cidades italianas dominavam o comércio com o Oriente e, com isso,
destacavam-se no contexto europeu como Potências comerciais e, algumas vezes, militares.

O período é um ponto de inflexão. Os contemporâneos tinham a percepção de que davam início


a um novo tempo. Tanto é assim que, para se diferenciarem, criaram o termo “Idade Média”
para se referirem aos seus predecessores.

O Renascimento é especialmente marcado pelas mudanças ocorridas nas artes –


destacadamente na pintura, escultura e arquitetura – e nas ciências. Na Idade Média, as artes
tinham o propósito fundamental de servir à religião cristã, vinculando-se, muitas vezes, às
determinações da Igreja. Na Renascença, o importante era a valorização do ser humano: tinha-
se o antropocentrismo renascentista se contrapondo ao teocentrismo da Igreja de Roma.

Essa percepção antropocêntrica de mundo não significa, todavia, que houvesse uma rejeição à
religião. Sem se afastarem da religião, os renascentistas admitiam considerar o homem, obra
máxima da Criação divina, o centro de suas atenções.

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pág. 02

E o Renascimento não ocorreu apenas nas Artes. A Ciência, da mesma forma, foi afetada pelas
investigações de Copérnico, Kepler e Galileu. Copérnico, por exemplo, foi o criador da teoria
heliocêntrica, que estabelecia o Sol como o centro do universo. Isso era uma revolução, porque
tirava da Terra a primazia sobre os demais corpos celestes.

O Mapa 1 ilustra o desenvolvimento do Humanismo na Europa e a expansão renascentista da


Itália para todo o continente.

Mapa 1: O Humanismo e a Renascença na Europa


(Séculos XV e XVII)

Fonte :http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm30.html

Interessante notar nos círculos vermelhos e verdes os principais pontos de florescimento do


Renascimento na Itália e em toda a Europa, respectivamente. O quadrado rosa marca o local do
surgimento da imprensa e os principais focos artísticos estão assinalados pelos pontos negros,
de fato, importantes cidades européias. Já as setas representam a difusão do renascimento
italiano.

Sugerimos pesquisa mais aprofundada a respeito da importância do Renascimento na


formação da sociedade européia. Uma fonte importante é A Evolução da Sociedade
Internacional, de Adam Watson (Brasília: Editora UnB, 2004).

pág. 03

As Grandes Navegações

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As Grandes Navegações, iniciadas no final do século XV, são um marco na evolução histórica da
Sociedade Internacional. Por meio delas, os europeus aventuram-se além dos limites
tradicionais de seu continente e, de maneira generalizada, lançam-se pelos oceanos e seguem
para os “quatro cantos do mundo”, entrando em contato com as sociedades asiática, africana e
americana como nunca ocorrera antes. Com as Grandes Navegações, tem início um processo
que culminaria na hegemonia européia no mundo e na supremacia da chamada “civilização
ocidental” sobre outros povos – muitas vezes, com resultados fatais para as civilizações não-
européias.

As Grandes Navegações podem ser consideradas o primeiro processo de globalização da era


moderna. Com elas, o comércio internacional se desenvolveu e foram estabelecidos vínculos
entre as diversas sociedades internacionais que existiam na época. Ademais, graças ao
estabelecimento dos vínculos mercantilistas com o Novo Mundo – as Américas –, com a África e
com o Extremo Oriente, a Europa se desenvolveu, o modelo capitalista se estruturou e os
Estados-nações europeus se tornaram Grandes Potências. Chegou-se ao ponto em que os
conflitos entre os Estados europeus repercutiam pelo planeta.

Três fatores levaram às Grandes Navegações do século XV e seguintes. O primeiro foi o


surgimento de um vívido interesse pelas vantagens que poderiam ser obtidas por meio do
comércio. Para alcançarem a Europa, os produtos do Oriente ou da África subsaariana
passavam por uma quantidade significativa de intermediários. Tal fato encarecia
substancialmente os produtos tão desejados pelos europeus, como cravo, canela, pimenta,
gengibre, noz-moscada, seda ou porcelana. A Economia, como força profunda, impulsionaria os
europeus para as Grandes Navegações.

Em segundo lugar, havia que se considerar a escassez de metais preciosos na Europa. Sem
eles, era muito mais difícil a compra de bens da Ásia ou da África. Isso também dificultava o
desenvolvimento das relações comerciais e, conseqüentemente, das relações sociais e políticas
entre as diversas regiões da Europa.

Em terceiro lugar, o século XV foi um momento de grandes melhorias na construção de navios,


nos conhecimentos geográficos e nas habilidades navais. Nesse sentido, a tecnologia passou a
ser outra força profunda a produzir mudanças na conduta dos Atores internacionais do período.
Vale lembrar que o conhecimento, tanto de construção de embarcações quanto de técnicas de
navegação, era considerado um bem de extremo valor e cuja proteção era questão de Estado,
fundamental para países como Portugal e Espanha.

pág. 04

Foram os portugueses que primeiro se lançaram em busca de novas rotas de comércio,


desafiando não só a realidade do desconhecido oceano, mas também as idéias e temores do
desconhecido gerados pelo imaginário medieval. Apesar dos custos e dos riscos altíssimos, as
viagens compensavam pelos também altíssimos lucros obtidos. As viagens geravam, muitas
vezes, lucros de até 6.000%.

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Os lucros serviam, pois, de motor que levava às incursões no litoral da África e à posterior
circunavegação desse continente, bem como às viagens até a Índia e à “descoberta”, pelos
europeus, da América. E não tardou para que os europeus – primeiro, os portugueses e
espanhóis e, depois, holandeses, franceses e ingleses – instalassem feitorias em locais da Ásia,
África e América que, posteriormente, se transformaram em colônias.

O Mapa 2 ilustra os impérios coloniais português (em vermelho) e espanhol (em verde) em seu
apogeu. Destaque-se a linha divisória do mundo estabelecida por Portugal e Espanha pelo
Tratado de Tordesilhas (1494), por meio do qual, com o assentimento do Papa, os dois Estados
católicos buscavam legitimar seus direitos sobre as terras “descobertas”. Claro que nem os
povos que viviam nessas terras e nem os demais monarcas europeus foram consultados, de
modo que rapidamente Inglaterra, França e Holanda questionariam essa hegemonia luso-
espanhola, inclusive com a irônica requisição do “testamento de Adão” que garantira aos
ibéricos a herança do mundo.

Mapa 2: Impérios Coloniais do Século XV (Portugal e Espanha)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm36.html

O fato é que logo as principais potências européias se lançariam em busca de novas terras e
novas rotas e uma nova era se iniciaria nas relações internacionais.

Como observa Perry (1999, p. 280), “num desenvolvimento sem precedentes, uma pequena
parte do globo, a Europa ocidental, tornara-se a senhora das vias marítimas, dona de muitas
terras em todo o mundo e o banqueiro e recebedor de lucros numa economia mundial que
começava a despontar”. O pequeno continente dava sinais de seu poder e da dominação que
exerceria nos séculos seguintes sobre povos e impérios de todo o globo.

Sugerimos a leitura da obra de Paul Kennedy, Ascensão e Queda das Grandes


Potências, em que o autor comenta, entre outras coisas, como os povos de um
continente fragmentado, com sociedades atrasadas em relação a outras
sociedades do planeta, conseguem se lançar nos oceanos e conquistar o
mundo e as sociedades mais prósperas e desenvolvidas.

pág. 05

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Os efeitos para as outras regiões do mundo foram profundos: populações inteiras –


especialmente nas Américas – foram dizimadas; outras tantas, particularmente na África, foram
reduzidas à condição de escravas; plantas, animais e doenças foram espalhadas pelos quatro
cantos do mundo e, principalmente, dava-se início a um tipo de economia global nunca antes
visto. São forças profundas que merecem atenção: a tecnologia, dado o aprimoramento das
capacidades bélicas dos europeus e a religião, uma vez que, junto com os conquistadores, iam
os catequizadores e a idéia de “obrigação” que tinham os europeus de “difundir o cristianismo
aos povos mais atrasados” (missões).

O Mapa 3 ilustra a época das grandes navegações e da expansão européia. A partir das terras
conhecidas pelos europeus na Idade Média (trecho em laranja), há a expansão por terra – com
as viagens de Marco Pólo que apresentaram a Europa ao Império Chinês – e por mar – graças a
intrépidos navegadores como Cristóvão Colombo (que descobriu a América), Vasco da Gama (o
qual, ao dobrar o

Mapa 3: As Grandes Navegações e as “Descobertas” Européias

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm34.html

“Cabo das Tormentas”, passando a chamá-lo de “Cabo da Boa Esperança”, estabeleceu a rota
marítima para as Índias, garantindo a Portugal a hegemonia no comércio com a Ásia) e
Fernando de Magalhães (primeira viagem ao redor do mundo – apesar de ele mesmo ter
morrido no caminho) –, e um Novo Mundo surge diante do europeu renascentista. Cite-se ainda
as viagens do inglês Jean Cabot, que em 1497 chega à Nova Inglaterra, e do francês Jacques
Cartier, que em 1534 chega à foz do rio São Lourenço e “toma as terras do Canadá para a
Coroa Francesa”. O mapa revela as terras conhecidas pelos europeus no fim do século XVI (em
amarelo).

Para melhor compreender o significado das grandes navegações e seu impacto nas
relações internacionais dos séculos XV e XVI, um filme interessante é 1492: A
Conquista do Paraíso, de Ridley Scott. Para saber mais sobre o filme, veja o resumo
e o contexto histórico na internet.

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Leia também o texto As Grandes Navegações, explore outro sítio interessante sobre
as GRANDES NAVEGAÇÕES E DESCOBRIMENTOS MARÍTIMOS.
pág. 06

O Advento do Estado Absolutista

A partir do século XIII, ocorreu na Europa o fenômeno do fortalecimento do rei e da monarquia.


Por intermédio de guerras, alianças e casamentos, os reis se fortaleceram e foram decisivos nos
processos de construção dos Estados nacionais europeus. Os Estados nacionais se formaram,
então, como uma cunha entre o poder local da nobreza e das cidades e o poder universal da
Igreja. Alguns, como Espanha, França e Inglaterra, foram bem sucedidos. Outros, como Itália e
Alemanha, não conseguiram constituir-se em unidades nacionais até a última metade do século
XIX.

O Mapa 4 revela a divisão da Europa no século XIII.


Mapa 4: A Europa no Século XIII

Fonte: http://perso.wanadoo.fr/alain.houot/index.html

No processo de fortalecimento da monarquia, foi importante a criação de algumas instituições.


A primeira delas foi a do imposto nacional, que se diferenciava da cobrança de tributos feita
pelos senhores feudais. Enquanto esta se fundava nas relações pessoais de vassalagem, o
imposto moderno baseava-se na idéia de que a contribuição era feita para a construção de um
bem comum.

A segunda importante instituição foi a de exércitos nacionais. Se, antes, os reis dependiam das
relações pessoais com a nobreza, pois precisavam dos senhores feudais e de seus exércitos
particulares, agora tinham uma força militar própria, mantida com os novos impostos
arrecadados.

pág. 07

O terceiro aspecto importante para o desenvolvimento do Estado absolutista foi a criação de


uma administração civil ligada ou ao rei ou ao Estado. Dessa forma, o soberano se desligava

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das relações particulares com a nobreza para poder governar. Ademais, tinha-se aí o embrião
do que seria a burocracia estatal, essencial para o governo dos Estados modernos.

Uma obra importante sobre o Absolutismo é “Linhagens do


Estado Absolutista”, de Perry Anderson.

Os Estados absolutistas eram, pois, Estados em que o poder se


encontrava concentrado, em razão das instituições como o sistema
tributário, o exército nacional e a administração pública, nas mãos do
rei. A figura do Estado se fundia com a do soberano. Daí as palavras
atribuídas a Luís XIV, soberano absolutista francês: “L’Etat c’est
moi!” (“o Estado sou eu!”).

Importante considerar, também, a preocupação dos Estados


absolutistas com a economia nacional, especialmente com o comércio.
Essa preocupação se dava porque visava à arrecadação de fundos,
especialmente sobre a forma de metais preciosos e impostos. Nesse
sentido, uma nova classe, cada vez mais próxima do soberano, se
estruturou: a burguesia. Era formada pelos comerciantes e outros
profissionais liberais das cidades que ganhavam força frente à nobreza ao contribuir para o
financiamento do Estado moderno.

Por fim, o aparecimento dos estados absolutistas provocou grande mudança no sistema
internacional. Hélio Jaguaribe (2001, p. 481) observa que “o século XVII se caracterizou na
Europa pela emergência de grandes potências, contrastando com o mundo do Renascimento,
quando as cidades-estado da Itália desempenhavam os principais papéis na arena internacional,
cercadas por países potencialmente poderosos, como a França, a Espanha e a Inglaterra, que,
no entanto, viviam em condições medievais. No princípio do século XVII, esses países tinham
conseguido em grande parte alcançar sua integração nacional, e começavam a ter um papel
internacional importante.”
pág. 08

A Reforma

No ano de 529, a Academia de Platão, em Atenas, fora fechada. Em um decreto desse ano, o
imperador romano Justiniano manifestou-se contra a filosofia, iniciando uma acomodação do
desenvolvimento cultural em direção à Igreja. No mesmo ano, é fundada a Ordem dos
Beneditinos, a primeira grande ordem religiosa. Dali em diante, os mosteiros passariam a deter
o monopólio da educação, da reflexão e da meditação. Na Idade Média, teve plena vigência o
clássico ensinamento de Agostinho: “é necessário compreender para crer e crer para
compreender”.

No século XVI iniciou-se um amplo movimento de reforma religiosa, que marcou o fim do
monopólio religioso da Igreja Católica Romana sobre a Europa Ocidental. Esse movimento
afetaria definitivamente a política, a economia, a cultura, a sociedade, enfim, as relações de
poder no cenário europeu e mundial.

Até a Reforma, além do monopólio sobre a fé da cristandade, a Igreja Católica tinha um


domínio cultural, político, econômico e espiritual único. Cada aspecto da vida era rigidamente
controlado. A força do Papa, o Bispo de Roma, tanto política quanto religiosa, sobre a Europa
Ocidental, era tamanha que, no século XIII, a Igreja podia proclamar que cada pessoa,
praticamente em toda a Europa Ocidental, tinha fé em Deus de acordo com sua doutrina e seus
sacramentos.

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Esse controle, no entanto, acabou por se voltar contra a própria instituição. Como observa Perry
(1999, p. 231), “obstruído pela riqueza, viciado no poder internacional e protegendo seus
próprios interesses, o clero, do papa abaixo, tornou-se alvo de um bombardeio de críticas.”. De
um lado, criticava-se a supremacia da igreja sobre os reis. De outro, a corrupção, o nepotismo,
a busca de riqueza pessoal por parte dos bispos e do papa, o relaxamento do cumprimento das
obrigações espirituais e a venda de indulgências. Inúmeros cristãos passaram a criticar
abertamente as práticas da Igreja e do clero. O mais famoso e mais importante crítico da Igreja
foi o monge Martim Lutero.

A Reforma se iniciou em 1517, com as críticas de Lutero à venda de indulgências. Indulgências


eram obras que os cristãos faziam, em vida, para reduzir o seu tempo, após a morte, no
purgatório. A maior parte dessas obras era constituída de doações à Igreja. Lutero questionava
a validade moral da venda de indulgência e a possibilidade de que elas poderiam redimir o
homem pecador. Lutero defendia que o homem, apesar de ser intrinsecamente condenado pelo
pecado original, poderia obter a redenção por meio da fé, do arrependimento pessoal, do
arrependimento pelos pecados e pela confiança na piedade de Deus.
pág. 09

Aspecto importante das teses de Lutero repousa no fato de que o monge propunha, em última
instância, a dispensa da necessidade da própria Igreja para que o homem tivesse sua
religiosidade e seu contato com o Criador. As conseqüências da doutrina luterana
ultrapassavam a esfera religiosa, pois ameaçavam a dominação político-ideológica que a Igreja
de Roma exercia sobre os reinos europeus e seus soberanos.

Lutero, ao contrário de outros que atacaram a Igreja, obteve


proteção da aristocracia européia. Mais especificamente, foi
protegido por Frederico, príncipe da Saxônia, na Alemanha.
Posteriormente, Lutero deixou claro que não desejava de forma
alguma ser uma ameaça à autoridade política dos príncipes alemães.
Além disso, declarou que o bom cristão era aquele que obedecia às
leis e à ordem.

De fato, Martim Lutero obteve a simpatia de príncipes e de cidades


em toda a Alemanha. As razões foram simples. Ao se desqualificar a
Igreja Católica, abria-se a possibilidade de confisco das terras desta
pelos príncipes e nobres e do fim dos pesados tributos que a ela
eram pagos. Além disso, os príncipes alemães sentiam-se livres para resistir ao Sacro Império
Romano, do católico Carlos V. Este, pressionado por ameaças externas – a França, a oeste, e os
turcos, a leste – acabou por assinar a Paz de Augsburgo, em 1555. Esse acordo basicamente
definiu que cada príncipe poderia determinar a religião de seus súditos.

Lutero

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, de Eric Till, conta a história do monge alemão que se rebelou contra o abuso de poder na
Igreja Católica há 500 anos. Trata-se de filme interessante para auxiliar na compreensão da
Reforma e da Contra-Reforma.

As 95 teses de Lutero que abalaram a Europa renascentista estão disponíveis em um


sitio interessante: a Revista Espaço Acadêmico. Veja, também, a biografia do
monge.

pág. 10

No Mapa 5 temos a Europa no século XVI, dividida entre os diferentes grupos de protestantes
(em verde) – calvinistas, luteranos e anglicanos –, católicos fiéis a Roma (em rosa) e ortodoxos
(em laranja). Cite-se ainda a constante pressão do Império Otomano, baluarte do mundo
islâmico e um Ator muito relevante no cenário europeu da época. Claro que as disputas da
cristandade centravam-se em católicos x protestantes, mas alianças com Constantinopla muitas
vezes eram consideradas.
Mapa 5: A Europa à Época da Reforma: a Divisão da Cristandade

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm32.html

É importante observar que o descontentamento com a Igreja era grande em boa parte da
Europa. O protestantismo, não só da linha luterana, espalhou-se com muita rapidez por todo o
norte do continente. A reação católica, a Contra-Reforma, deu-se sob diversas formas. A
primeira delas foi no campo da atuação religiosa. Como observa Perry (1999, p. 242), “a
princípio, a energia para a reforma veio do clero comum, bem como de leigos como Inácio de
Loyola”. Loyola foi o fundador da famosa Companhia de Jesus. Como fora treinado como
soldado, ele organizou os jesuítas de forma rígida e altamente disciplinada.

A Contra-Reforma também enfatizava a pregação, a reconversão dos que se afastaram da


Igreja, a construção de templos, a censura, a perseguição a protestantes e a outros hereges.
Também é importante ressaltar que a Igreja, por intermédio do Concílio de Trento, de 1545 a

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1563, modificou ou eliminou muito dos pontos criticados pelos protestantes, como, por
exemplo, a venda de indulgências. Por outro lado, o Concílio não fez quaisquer concessões ao
protestantismo.

A Reforma significou o enfraquecimento da Igreja e o conseqüente fortalecimento dos Estados.


Além disso, a Europa se viu dividida em duas, uma protestante, no norte, e outra católica, no
sul do continente. Essa tensão permaneceria e seria especialmente sentida no século seguinte.

Os conflitos entre católicos e protestantes marcaram a Europa por dois séculos e seus
efeitos alcançam nossos dias. Um filme muito interessante para se compreender o
período é A Rainha Margot, de Patrice Chéreau. Veja o resumo e o contexto
histórico do filme.

pág. 11

De fato, as disputas entre católicos e protestantes teriam um importante reflexo nas relações
internacionais européias durante mais de dois séculos, em especial porque estavam associadas
também às rivalidades entre as Potências européias. Do ponto de vista das relações
internacionais, os novos Estados protestantes aliavam-se para se contrapor à dominação
hegemônica da Igreja e de seu principal defensor político, a dinastia dos Habsburgos, o grande
hegemon europeu, que tinha um império que englobava a Espanha e a Áustria. Essas
rivalidades religiosas e políticas culminariam na Guerra dos Trinta Anos.

A GUERRA DOS TRINTA ANOS (1618-1648)

A Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, primeiro grande conflito armado dos tempos
modernos, envolveu grande parte da Europa. Essa grande confrontação do século XVII poria
termo ao período de um século de disputas entre católicos e protestantes e daria início a um
novo sistema europeu de relações internacionais cujos fundamentos alcançariam o século XXI.

O sistema internacional no século XVII foi marcado inicialmente pela preponderância da


Espanha. Seus concorrentes, porém, não tardaram a ocupar o seu lugar de destaque. A França
surgiu como um país importante enquanto a Inglaterra preparou o terreno, especialmente nas
últimas décadas do século, para se tornar hegemônica no século seguinte. A perda da
hegemonia espanhola esteve ligada a vários fatores. Jaguaribe (2001, p. 486) observa que a
decadência espanhola “resultou da combinação de quatro causas principais: certas debilidades
institucionais; estruturas sociais predatórias; compromissos ideológicos utópicos; e a adoção de
políticas equivocadas”.

Importante lembrar que a Espanha, católica, era a potência hegemônica no início do século
XVII. O domínio de Felipe III (1598-1621) abrangia toda a Península Ibérica, as colônias da
América, incluindo o Brasil, o sul da Itália, Milão, ilhas no Mediterrâneo, Filipinas e enclaves na
África.

Especialmente equivocada foi a decisão espanhola de ser defensora da fé católica. Isso não
apenas fez ressurgir, em grau muito maior, as guerras religiosas do século anterior, mas
também levou a Espanha a perder a sua condição de principal potência do continente europeu.

O século XVII, ressalta Jaguaribe (2001, p. 485), “foi marcado pelos conflitos religiosos mais
agudos já ocorridos no ocidente. Herdados do século precedente, eles culminaram na Guerra
dos Trinta Anos (1618-1648)”, que foi, pois, a tentativa militar dos católicos de conter o
protestantismo.

O Mapa 6 ilustra a Europa em 1600, dividida entre reinos católicos e protestantes.

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Mapa 6: A Europa em 1600

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr7.html

Antes de entrarmos diretamente na Guerra dos Trinta Anos, convém um rápido parêntese. Em
1556, o Imperador Carlos V, após ter assinado a Paz de Augsburgo, abdicou e dividiu em dois
os seus domínios: de um lado, a Espanha, Países Baixos, colônias americanas e Itália ficaram
para seu filho Felipe II (no mapa, em laranja); de outro, a Áustria, que ficou com seu irmão
Fernando (em amarelo). Com isso, a família Habsburgo ficou dividida em dois ramos, ambos
católicos e, freqüentemente, aliados.
pág. 12

A Guerra

A chamada Guerra dos Trinta Anos começou em 1618 como conflito


religioso entre católicos e protestantes na Boêmia e adquiriu caráter
político em torno das contradições entre Estados territoriais e
principados. Envolveu a Alemanha, Áustria, Hungria, Espanha,
Holanda, Dinamarca, França e Suécia.

Importante para o início da Guerra dos Trinta Anos foi a ascensão de


Fernando II ao trono austríaco, em 1619. Na época, Fernando II,
imperador do Sacro Império Romano-Germânico era também rei da Boêmia. Os rebeldes
negaram-lhe esse título e entronizaram o príncipe eleitor calvinista Frederico do Palatinado.
Segundo Perry (1999, p. 266):

A Guerra dos Trinta Anos começou quando os boêmios (...) tentaram colocar
no seu trono um rei protestante. Os Habsburgos austríacos e espanhóis
reagiram, mandando um exército ao reino da Boêmia; de súbito, todo o
império foi forçado a tomar partido dentro de linhas religiosas. A Boêmia
sofreu uma devastação quase inimaginável: três quartos de suas cidades
foram saqueadas e queimadas e sua aristocracia foi praticamente
exterminada.

O resultado foi o envolvimento de outros príncipes protestantes. O mais importante deles na


primeira fase da Guerra, que vai até 1632, foi o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, morto em

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batalha naquele ano. A possibilidade de paz entre Fernando II e os príncipes alemães leva à
cena um novo Ator, a França, preocupada com a excessiva força que poderia ter a Áustria.

Sob o comando do cardeal Richelieu, a França, apesar de católica como os austríacos,


posicionou-se contra estes. Primeiramente, de forma encoberta, depois de maneira ostensiva.
Richelieu estava convencido de que a continuidade da França como grande poder internacional
dependia da guerra contra os Habsburgos. Assim, a França financiava ou apoiava todos os que
se opusessem ao domínio austríaco ou espanhol, ou, quando necessário, guerreavam
diretamente contra eles. A França, aliás, derrotou o até então imbatível exército espanhol na
batalha de Rocroy, em 1643. Para a Espanha, o custo dessa derrota foi altíssimo, pois significou
o fim da invencibilidade de seu poderoso exército e a vida de 15 mil soldados.

A maneira como Richelieu se portou politicamente influenciaria o sistema internacional pelos


próximos séculos. Richelieu criou ou ajudou a criar conceitos como o de “razão de estado” e
“equilíbrio de poder”. Henry Kissinger (1999, p. 60) analisa que “de início, ele [Richelieu] queria
impedir a dominação dos Habsburgos sobre a Europa, mas ao final deixou um legado que por
dois séculos provocou seus sucessores a tentarem o primado francês na Europa. Do fracasso
destas tentativas, brotou o equilíbrio de poder, primeiro como um fato da vida, depois como
forma de organizar relações internacionais (...). Quando a guerra terminou, em 1648, a Europa
Central fora devastada e a Alemanha perdera quase um terço de sua população. No tumulto
desse conflito trágico, o cardeal Richelieu enxertou o princípio da raison d´état (razão de
estado) na política externa francesa, princípio que os outros estados europeus adotaram nos
cem anos seguintes”.

Convém reproduzir mais algumas das conclusões de Kissinger (1999, p. 63): “o objetivo de
Richelieu era romper o que ele considerava o cerco da França, exaurir os Habsburgos e impedir
a emergência de uma grande potência nas fronteiras da França – especialmente na fronteira
alemã. Seu único critério para alianças era que elas atendessem aos interesses da França,
aplicado primeiramente aos estados protestantes, mais tarde até ao Império Otomano
muçulmano”.

Assim, a conduta da França reflete a maneira racional e pragmática como as grandes Potências
atuam no cenário internacional. Apesar de católica, a França não hesitou em aliar-se aos
protestantes para se contrapor à hegemonia espanhola. Essa conduta garantiria o
fortalecimento da França nos anos seguintes, de modo que, com o fim da Guerra e o declínio do
poder espanhol, o Estado francês assumiria o papel de nova Potência hegemônica no
continente.

A Guerra dos Trinta Anos chegaria a termo por meio da Paz de Westfália (1648) e uma Nova
Ordem seria estabelecida no cenário europeu e, conseqüentemente, nas relações internacionais
da Era Moderna.

Leia mais sobre a Guerra dos Trinta Anos acessando o sítio “Vultos e episódios da
Época Moderna”.
pág. 13

A Paz de Westfália (1648)

A paz foi alcançada porque a guerra, após as suas várias fases, se mostrou impossível de ser
vencida de maneira efetiva. Segundo Jaguaribe (2001, p. 483), “se foi possível chegar
finalmente a um acordo negociado, depois de disputas ferozes, isso se deveu à incapacidade
dos Atores em conflito de impor pela força os seus respectivos dogmas”.

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O primeiro dos tratados, assinado em janeiro de 1648, pôs fim à guerra entre Espanha e
Holanda. Em outubro do mesmo ano, pressionada por seus aliados alemães, a Espanha também
selou a paz com os franceses.

Os tratados de Westfália significaram o fim das ambições dos Habsburgos austríacos e


espanhóis e a vitória da política externa francesa, iniciada com Richelieu. Os franceses, além de
acabarem com as pretensões dos seus adversários, ainda tiveram algumas importantes
conquistas territoriais. O fantasma de uma Alemanha unificada, ameaça à França pelo leste,
manteve-se afastado por duzentos anos.

Carpentier e Lebrun (1993, p. 229) anotam que a Europa era “politicamente muito diferente da
de 1560 ou 1600. A Casa da Áustria já não era um perigo para a paz européia.(...) A Espanha,
enfraquecida e amputada, já se não contava entre as potências de primeira plana. A Inglaterra,
saída do isolamento em que havia ficado a seguir à guerra civil(...), as Províncias Unidas
[Holanda], independentes e aumentadas, a Suécia, dominadora do Báltico, eram já grandes
potências (...). O facto essencial era, todavia, a situação de preponderância adquirida pela
França. O reino (...) não só era mais vasto e mais bem defendido como também dispunha de
uma clientela em que se contavam quase todos os países europeus. De resto, o prestígio
intelectual e artístico da França não cessava de crescer. Começara a era da preponderância
francesa na Europa”.

No Mapa 7 pode-se perceber a nova configuração de poder no continente europeu, com


destaque para as fronteiras nacionais e os limites assegurados pelo Tratado de Westfália. A
maior parte dessas fronteiras acabaria modificada nos séculos seguintes.
Mapa 7: A Europa em 1648

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr9.html

pág. 14

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O legado de Westfália

Importante sublinhar que o Tratado de Westfália marca o fim de cento e cinqüenta anos de
conflito entre os nascentes Estados europeus e o fim das ambições dos Habsburgos. Nasce,
então, um novo tipo de Sistema Internacional, cujos Atores eram, essencialmente, os Estados.
Além disso, a história posterior da Europa caracterizar-se-ia pelo princípio da anti-hegemonia,
isto é, os Estados agiriam no sentido de evitar que um se tornasse a potência hegemônica
(balanço de poder). O Tratado de Westfália, assim, foi responsável por grandes mudanças no
sistema internacional europeu. Ao contrário de boa parte dos acordos e pactos que eram
firmados anteriormente, ele não serviu apenas para pôr fim a um conflito, mas também para
tornar o Estado o principal Ator das relações internacionais. Além disso, os Estados,
independentemente do tamanho, se viram como iguais e participantes de um mesmo Sistema
Internacional.

Trata-se de um momento histórico fundamental para as Relações Internacionais. O Tratado de


Westfália, de 1648, inaugurou uma nova fase na história política daquele continente,
propiciando o triunfo da igualdade jurídica dos Estados, com o que ficaram estabelecidas sólidas
bases para uma regulamentação internacional mínima. Essa igualdade jurídica elevou os
Estados ao patamar de únicos Atores nas políticas internacionais, eliminando o poder da Igreja
nas relações entre os mesmos e conferindo aos mais diversos Estados o direito de escolher seu
próprio caminho econômico, político ou religioso. Ficou, então, consagrado o modelo da
soberania externa absoluta, tendo início uma ordem internacional protagonizada por Atores com
poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas. Mais tarde, os contratualistas
(Locke, Rousseau) e, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, trariam os
elementos caracterizadores da soberania que seriam adotados por várias Constituições:
unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.

Importante também sublinhar que o primeiro ponto em que os diplomatas em Westfália


acordaram foi que as três confissões religiosas dominantes no Sacro Império (o catolicismo, o
luteranismo e o calvinismo) seriam consideradas iguais. Revogava-se, assim, a disposição
anterior nesse assunto, firmada pela Paz de Augsburgo, em 1555, que dizia que o povo tinha
que seguir a religião do seu príncipe (cuius regios, eius religio). Isso não só abria uma brecha
no despotismo como abria caminho para a concepção de tolerância religiosa, que, no século
seguinte, tornar-se-ia bandeira dos iluministas, como John Locke e Voltaire. Além disso, a nova
doutrina da Razão de Estado, extraída das experiências provocadas pela Guerra dos Trinta
Anos, exposta e defendida pelo Cardeal Richelieu, defendia que um reino tem interesses
permanentes que o colocam acima das motivações religiosas. O antigo sistema medieval, que
depositava a autoridade suprema no Império e no Papado, dando-lhes direito de intervenção
nos assuntos internos dos reinos e principados, foi substituído pelo conceito de soberania de
Estado, inaugurando-se um novo sistema em que os Estados têm direitos iguais baseados numa
ordem constituída por tratados e pela sujeição à lei internacional.

Essa situação político-jurídica perdura até os nossos dias, apesar de haver hoje,
particularmente da parte dos EUA, um forte movimento supranacional intervencionista, com o
objetivo de suspender as garantias de privacidade de qualquer Estado frente a uma situação de
emergência ou de flagrante violação dos direitos humanos.
pág. 15

A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália

A história européia após o tratado de Westfália é a contínua busca, por parte da França, de
obtenção da hegemonia européia e a resistência, por parte dos demais Atores europeus, a esse
intento. Na busca desses objetivos, imperam as relações pragmáticas e as alianças de ocasião.
No século que se seguiu à Paz de Westfália, “a raison d’état [razão de estado] passou a ser o
princípio orientador da diplomacia européia”, registra Kissinger (1999, p. 66).

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O período pode ser dividido em três fases:

A primeira vai de 1648 a 1740 e é de preponderância francesa. A Áustria recuou de suas


pretensões na Alemanha e conquistou, gradativamente, vastas regiões ao longo do rio Danúbio.
A Espanha lentamente se retirava do papel de potência de primeira ordem. A Inglaterra, a
partir da Revolução Gloriosa, de 1688, tornou-se uma monarquia em que o Parlamento tinha
papel preponderante. A França, especialmente sob Luís XIV “esforçou-se (...) por reforçar o
absolutismo monárquico em França e por impor, mais ou menos diretamente, a sua lei à
Europa. Falhou, porém, nesta sua última pretensão perante a coligação dos Estados europeus –
enquanto, na Europa Central e Oriental, a Prússia começava a salientar-se e Pedro, o Grande,
procurava conseguir que a Rússia saísse do seu isolamento” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p.
233).
Essa Europa do início do século XVIII encontra-se no Mapa 8.

Mapa 8: A Europa no Início do Século XVIII

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr11.html

pág. 16

A segunda fase vai de 1740 a 1792 e se caracteriza pela preponderância marítima da Inglaterra
e pelo equilíbrio das potências continentais. “A luta, no mar e nas colônias, entre a Inglaterra –
onde, a despeito das tendências de poder pessoal de Jorge III, prosseguia a evolução para o
regime parlamentar – e a França – onde o absolutismo de Luís XV e Luís XVI enfrentava
dificuldades cada vez maiores – veio a dar a vantagem à Inglaterra, que se tornou a primeira
potência mundial graças à sua superioridade marítima e ao avanço resultante dos começos da
revolução industrial. Na Europa Central e Oriental, a Prússia de Frederico II, a Áustria de Maria
Teresa e José II e a Rússia de Isabel e de Catarina II eram concorrentes entre si, mas
equilibravam-se e chegaram a acordo para crescer à custa do Império Otomano e da Polônia,
que foi totalmente desmembrada” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 247).

O último período vai de 1792 a 1815 e se caracteriza por ser o momento do apogeu e do
fracasso do projeto de uma Europa francesa. “Entre 1789 e 1815, a Europa respirou ao ritmo
da França. A ‘Grande Nação’ impôs-se, primeiro, pela força das idéias e, depois, pela das
armas. De 1792 até 1815, a guerra opôs permanentemente a França às monarquias européias.
Napoleão Bonaparte, herdeiro dessa guerra, tentou construir uma Europa Continental francesa.
Mas a obstinação britânica, que inspirava e financiava as diversas coligações das coroas,
acabaria por vencer o Grande Império. A França foi, então, vítima não só dos reis como

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também dos povos, cujos sentimentos ajudara a despertar” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p.
277).

Sobre o prisma das Relações Internacionais, convém observar a


importância da Potência hegemônica em um sistema e o grau de
influência sobre os outros Atores. Na Nova Ordem estabelecida a
partir de Westfália, a França ascendeu à condição de Potência
hegemônica, que havia sido da Espanha sob os Habsburgos. O século
que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos foi um século francês, no
qual a sociedade internacional era influenciada pela sociedade
francesa. Daí a expansão do iluminismo pela Europa e Américas, os
costumes e até o idioma francês influenciando outros povos ou
gerando reações nacionalistas, como ocorre hoje com a língua
inglesa e o american way of life
.

Assim, o sistema passou a gravitar em torno da França. Essa ordem começou a ruir quando
modificou-se o equilíbrio de poder no continente, em virtude de transformações radicais no
interior do hegemon. A maior dessas transformações foi a Revolução Francesa, que abalou a
estrutura de poder no interior da Potência hegemônica e acabou repercutindo em todo o
continente – chegando inclusive ao Novo Mundo – com as guerras napoleônicas.

Mais um livro útil como referência sobre o período a partir de uma perspectiva de
Relações Internacionais, além do já sugerido anteriormente - “Ascensão e Queda das
Grandes Potências", de Paul Kennedy -, é "Diplomacia", de Henry Kissinger.

Para fixar o conteúdo desta Unidade, assista aos vídeos A Evolução do Homem e
Navegar é Preciso, da nossa série Conexão Mundo.

Caso não esteja seguro com relação ao domínio de tal conteúdo, reveja suas
anotações pessoais, releia a unidade. Você pode também consultar o seu
Tutor, em caso de dúvidas, por meio da "Mensagem" localizada no
menu Comunicação da Plataforma de Educação a Distância - Trilhas.

Atividades de autoavaliação
-
No menu lateral, acesse em "Avaliações" a opção referente à unidade/módulo
estudado (M2U1).

Avaliação da Unidade - Vamos lá! Busque no menu "Trabalhos / Redações" o


exercício elaborado para esta unidade.
ATENÇÃO! Sua resposta pode conter trechos de citação, desde que a fonte seja
informada.

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Unidade 2 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX

Objetivos da Unidade:

Ao concluir o estudo desta Unidade, o aluno deverá ser capaz de discorrer sobre os
principais aspectos das relações internacionais do século XIX, particularmente sobre:

#Os antecedentes da Nova Ordem do século XIX: a Revolução Francesa e as Guerras


Napoleônicas;
#o Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europe;
#as Revoluções do século XIX;
#os nacionalismos e as unificações da Itália e da Alemanha;
#a ascensão da Alemanha unificada como Grande Potência;
#o neocolonialismo;
#os novos Atores entre as Grandes Potências fora da Europa;
#o Estado-nação.

Bom estudo! Não se esqueça de fazer anotações, de abordar com


comprometimento as autoavaliações, os exercícios de fixação oferecidos e de,
sempre que possível, realizar atividades propostas para tornar o curso mais
dinâmico: filmes, livros, links na Internet.

pág. 01

A NOVA ORDEM INTERNACIONAL DO SÉCULO XIX - ANTECEDENTES

A Revolução Francesa

A Revolução Francesa (1789) foi um evento que marcou profundamente


a sociedade européia. Inspirada pelos ideais iluministas e liderada pela
burguesia com apoio popular, a Revolução tinha por lema "Liberdade,
Igualdade, Fraternidade" e ressonou em todo mundo, da Europa ao
continente americano, pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo
os valores burgueses. Foi marco e referência para grandes
transformações sociais e políticas que aconteceriam pelo mundo nos
séculos seguintes.

O Mapa 9 apresenta a configuração política da Europa à época da Revolução Francesa. Note-se


como a França Revolucionária estava cercada pelas potências absolutistas defensoras do Antigo

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Regime. Apesar disso, os ideais revolucionários se expandiriam para muito além das fronteiras
do Reino da França.
Mapa 9: A Europa à época da Revolução Francesa

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr13.html

Registre-se que essa ressonância da Revolução Francesa foi tanto prática quanto simbólica. A
Revolução foi marcante por ter atingido a principal monarquia européia e o maior e mais
populoso país europeu (se excluída a Rússia). De fato, as transformações que marcariam a
Europa e a civilização ocidental no século XIX seriam influenciadas diretamente por aquelas
mudanças ocorridas no âmbito doméstico da França, então a Potência hegemônica no
continente. Nesse sentido, podemos perceber como transformações nas Grandes Potências
acabam afetando todo o sistema internacional, proporcionalmente ao grau de poder dessa
Potência.

Exemplo recente disso


são as mudanças
ocorridas nos EUA após
o 11 de setembro de
2001 e seus efeitos em
todo o globo
pág. 02

Denominou-se Antigo
Assim, para os defensores da ordem, a Revolução era Regime à ordem
perigosa porque retirava os alicerces do Antigo Regime. A estabelecida na Idade
título de exemplo, foi apenas em 1789 que, pela primeira Moderna na qual a
vez na história da França, uma Assembléia Nacional foi monarquia absolutista
eleita e aboliu o feudalismo e seus privilégios. Além disso, conjugou-se com as
também naquele ano, a Bastilha, o símbolo do poder real, principais forças políticas da
foi tomada de assalto, palácios foram saqueados e sociedade: por meio do
revoltas ocorreram no campo, com os camponeses se Mercantilismo, a monarquia
sublevando e questionando, de maneira praticamente aliou-se à burguesia e ao
inédita no país, o modelo de servidão estabelecido pelo mesmo tempo manteve-se
sistema feudal. Como se não bastasse, uma Declaração unida à nobreza e ao alto
dos Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada como clero, concedendo privilégios
preparativo para uma Constituição, e a Igreja foi a esses dois últimos grupos,

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subordinada ao Estado. Eram mudanças que afetavam o muitas vezes em detrimento


cerne de uma ordem doméstica tradicional e que da burguesia e sempre às
acabariam afetando as estruturas da ordem internacional custas dos impostos
que tinha a França como principal protagonista. cobrados do povo.

Não tardou, pois, a reação. As Potências Européias promoveram


ataques contra o território francês na tentativa de restabelecer o
trono de Luís XVI e o Antigo Regime (vide Mapa 10 – em roxo, a
ofensiva dos países da coalizão). As cabeças coroadas da Europa
não poderiam arriscar que um de seus membros mais importantes
fosse derrubado por um levante popular.

Nesse contexto, Luís XVI tentou fugir para o exterior. Preso no


meio do caminho, foi levado de volta a Paris e guilhotinado. A
República foi proclamada e a França se viu, externamente, em um
estado quase permanente de guerra. Internamente, a Revolução
mergulhou no Terror – aproximadamente 40 mil pessoas morreram – e na luta entre as
diversas facções. Após um período de contra-revolução e de agravamento dos conflitos
internos, o poder passou para as mãos dos generais. Um deles, Napoleão Bonaparte, assumiu o
controle do governo em novembro de 1799.

Mapa 10: A Revolução Ameaçada (1792-1794)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/Rev_Emp/revemp3.html

pág. 03

Napoleão Bonaparte

Napoleão, “na verdade, pertencia à tradição do despotismo esclarecido do século XVIII. Da


mesma maneira que os déspotas reformadores, admirava a uniformidade e a eficiência

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administrativas, era avesso ao feudalismo,


à perseguição religiosa e à desigualdade
civil e defendia a regulamentação
governamental na indústria e no
comércio” (PERRY, 1999, p. 339).

Apesar de não se identificar com o


republicanismo e com a democracia das
fases mais radicais da Revolução,
Bonaparte era visto, pelos demais países
europeus como seu continuador. Isso se
deu, em grande parte, porque o general corso estendeu, “com diferentes graus de
determinação e sucesso, (...) as reformas da Revolução a outras terras. Seus funcionários
instituíram o Código Napoleão, organizaram um serviço civil efetivo, abriram carreiras de
talento e nivelaram os encargos tributários. Além de abolir a servidão, os pagamentos
senhoriais e as cortes da nobreza, eliminaram os tribunais clericais, fomentaram a liberdade
religiosa, autorizaram o casamento civil, exigiram que se concedessem direitos civis aos judeus
e combateram a interferência do clero na autoridade secular. (...) Napoleão dera início a uma
revolução social de amplitude européia, que atacou os privilégios da aristocracia e do clero –
que se referiam a ele como o ‘jacobino coroado’ – e beneficiou a burguesia” (PERRY, 1999, p.
344).

Vejamos como se deu a influência das idéias e das novas instituições, segundo Duroselle (1976,
p. 8):

- As zonas “assimiladas”, anexadas ao território do grande Império, ou


efetivamente vassalas (reino da Itália): aí, os direitos feudais foram
suprimidos, a igualdade estabelecida perante a lei, o código napoleônico
adotado e a administração calcada sobre a da França.

- As zonas de “influência”, onde a anexação foi indireta, mas o Antigo


Regime foi eliminado pelas autoridades francesas. É o caso da maior parte
da Alemanha entre o Reno e o Elba, do Grão-Ducado de Varsóvia, do
Reino da Sicília e do Reino de Nápoles.

- As zonas de “resistência positiva”, essencialmente a Prússia, onde os


dirigentes (...) calcularam que o melhor meio de encerrar a luta contra a
França era pôr em prática extensas reformas sociais (abolição da servidão
e dos direitos feudais).

- As zonas de “resistência passiva”, essencialmente a Áustria e a


Rússia, onde a luta contra a França não se fez acompanhar de nenhuma
reforma profunda: o sistema senhorial foi mantido na Áustria, a servidão e
o Tchin (nobreza ligada à função púbica) na Rússia.

Enfim, a Inglaterra, depois de 1800 chamada de “Reino Unido da Grã-Bretanha


e Irlanda”, que, por um lado, jamais havia sido conquistada e, por outro, já
possuía um regime suficientemente liberal para que tivesse a tentação ardente
de imitar a França.

pág. 04

Portanto, a Era Napoleônica foi marcada por uma série de conflitos armados ocorridos entre 1799
e 1815, quando a França enfrentou várias alianças de Potências européias. O principal motivo das
campanhas francesas, após 1789, era defender e difundir os ideais da Revolução Francesa, mas,
com a ascensão de Napoleão, o objetivo passou a ser a expansão da influência e do território
franceses. O império napoleônico chegou a dominar parte significativa da Europa. Napoleão
sonhava com uma Europa em que, sob a hegemonia francesa, não houvesse mais espaço para as

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estruturas absolutistas do Antigo Regime. Nessas regiões, as sementes dos ideais revolucionários
de 1789 foram plantadas e germinariam nas décadas seguintes. Para a contenção do
expansionismo francês, foram necessárias várias coalizões das Grandes Potências.
No Mapa 11 pode-se ter a idéia da dimensão do Império Napoleônico em seu apogeu (em verde).

Mapa 11: O Império Napoleônico em seu Apogeu (1810-1811)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/Rev_Emp/revemp4.html

pág. 05

Em 1812, Napoleão conduziu uma campanha vitoriosa contra os russos chegando até Moscou.
Entretanto, a vitória logo se converteu em grande derrota. Os russos simplesmente
abandonaram Moscou, depois de destruir os campos cultivados e de incendiar a cidade. Sem
abrigo ou provisões, o exército francês, enfrentando o rigoroso inverno, foi obrigado a deixar a
Rússia sob o intenso fogo do exército russo, perdendo aproximadamente 95% dos cerca de 600
mil homens que participaram da desastrosa campanha.

Aproveitando-se do enfraquecimento de Napoleão, Áustria, Prússia, Rússia, Inglaterra e Suécia


formaram a 6.ª Coalizão e declararam guerra à França. Napoleão derrotou os exércitos da
Rússia e da Prússia, enquanto os exércitos franceses estavam sendo derrotados na Península
Ibérica por forças espanholas e inglesas. Após a Batalha de Leipzig, a Batalha das Nações, em
1813, os exércitos de Napoleão abandonaram os principados alemães. A rebelião contra o
império se estendeu à Itália, Bélgica e Holanda.

Em 1814, um grande exército da 6.ª Coalizão invadiu a França e ocupou Paris. Napoleão,
obrigado a renunciar, foi exilado na Ilha de Elba (próxima da Córsega, sua terra natal), e a
monarquia francesa restaurada com Luís XVIII, irmão de Luís XVI. Os membros da Coalizão
reuniram-se, então, no Congresso de Viena para restaurar as monarquias na Europa.

No entanto, enquanto era traçado o novo mapa europeu, em março de 1815 Napoleão fugiu de
Elba, voltou à França, e iniciou a formação de um novo exército. O rei enviou uma guarnição de
soldados para prendê-lo, mas estes aderiram a Napoleão. Luís XVIII fugiu para a Bélgica.

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Contra Napoleão foi rapidamente


formada uma 7.a Coalizão, composta por
Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia.
Sem tempo para preparar um exército,
Bonaparte enfrentou novos combates,
mas foi derrotado definitivamente na
Batalha de Waterloo (18 de junho de
1815). Napoleão foi então mantido
prisioneiro na Ilha de Santa Helena, no
Atlântico Sul, onde morreu em 1821.
Luís XVIII reassumiu o trono francês com o apoio do Congresso de Viena. Chegaram ao fim as
Guerras Napoleônicas.

Apesar da derrota definitiva em 1815, as ações de Napoleão e os ideais revolucionários


atingiram, de forma irreversível, o Antigo Regime em boa parte da Europa e aceleraram o
processo de modernização do continente. Seus efeitos alcançaram o continente americano,
repercutindo nos processos de independência de toda a América Latina e nos princípios jurídicos
e políticos que regeriam os novos governos na região. O mundo passou, portanto, por grandes
transformações em virtude da Era Napoleônica. As relações internacionais nunca mais seriam
como antes.
pág. 06

O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu

O fim das guerras napoleônicas marcou o início de um sistema internacional baseado no


equilíbrio de poder entre as Potências européias que durou cem anos até a Primeira Guerra
Mundial. Foi o mais longo período de paz da história da Europa ou, pelo menos, o período em
que não houve nenhuma guerra que envolvesse, de forma generalizada, as Potências
européias. Durante 40 anos, isto é, entre o Congresso de Viena e a Guerra da Criméia (1854),
não houve uma guerra sequer entre as grandes Potências e, nos 60 anos seguintes, exceto pela
Guerra Franco-Prussiana de 1871, nenhum conflito importante ocorreu.

O Congresso de Viena foi marcado pelo medo e pelas lembranças trazidas pelos 25 anos
anteriores. Os homens que reconstruíram o mapa da Europa em 1815 o fizeram preocupados
em evitar que a ordem sofresse novos abalos. Apesar de todos os negociadores serem
adversários da Revolução, estavam perfeitamente conscientes de que a Europa de 1815 não
poderia voltar a ser aquela de 1792. Não obstante, estavam determinados a evitar novas
catástrofes. Para isso, seriam utilizados dois princípios: o da legitimidade e o do equilíbrio
europeu. Nas palavras de Duroselle (1976, p. 4):

Primeiro, restabelecer a ‘legitimidade’ – dos soberanos. Mas


‘na ordem das combinações legítimas, ligar-se de
preferência àquelas que podem com maior eficácia
concorrer para o estabelecimento e conservação de um
verdadeiro equilíbrio’. Serão, então, utilizados com
flexibilidade e em proveito dos grandes Estados os dois
princípios, um moral e jurídico, o da legitimidade, outro,
puramente prático, o do equilíbrio europeu.

Como resultado dos debates de Viena, o mapa da Europa sofreu alterações importantes que
refletiam a nova configuração de poder estabelecida pelas Grandes Potências. A Alemanha, por
exemplo, passou de 300 Estados para 38 (comparar o Mapa 12 com o Mapa 11).

Um fato, porém, não pode ser deixado de lado. Na conformação do novo sistema de equilíbrio
europeu, a França continuava a grande preocupação. Sua condição hegemônica tinha sido

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excessivamente danosa para as outras Potências


européias. O Congresso de Viena foi realizado sob o signo
de se evitar que ela ameaçasse novamente o resto do
continente.

Dois tratados pós-Congresso de Viena merecem destaque.


O primeiro é o Tratado da Santa Aliança, firmado entre o
Czar da Rússia, o Imperador da Áustria e o Rei da Prússia,
em 26 de setembro de 1815. O segundo é o tratado conhecido como o da Quádrupla Aliança,
entre os Quatro Grandes (Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia) em 20 de novembro de 1815.

pág. 07

O Tratado da Santa Aliança estabelecia a restauração na Europa da ordem religiosa e


monárquica, fundamento do Antigo Regime que a Revolução Francesa quis derrubar. Fundando-
se no mundo cristão, excluía o sultão otomano, apesar de o Czar desejar que o sistema
abarcasse a França e a Espanha. Segundo Duroselle (1976, p. 5), “a ‘Santa Aliança’, produto
dos sonhos do Czar tinha pouca consistência, e que a verdadeira realidade era a Quádrupla
Aliança, assinada secretamente a 20 de novembro de 1815 entre a Rússia, a Inglaterra, a
Áustria e a Prússia, contra a França.”

Mapa 12: O Congresso de Viena (1815)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix1.html

Até 1830, o equilíbrio europeu foi assegurado graças aos entendimentos entre Inglaterra,
Rússia, Áustria e Prússia – os “Quatro Grandes” – e à estabilização política da França. Como
resultado de habilidosa diplomacia, já em 1818 os franceses conseguiram associar-se à política
de garantia da ordem na Europa. Estava estruturado o Concerto Europeu, por meio do qual as
Grandes Potências européias conduziriam o continente por décadas. O equilíbrio de forças entre
Inglaterra, Rússia, Áustria, Prússia e França garantia a estabilidade, uma vez que nenhum
desses Estados ou qualquer outro país europeu era suficientemente poderoso para enfrentar
sozinho uma coalizão formada pelos demais. Assim, estabelecia-se um verdadeiro consórcio
entre as Grandes Potências européias, que lhes permitiu projetar seu poder sobre toda a

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Europa e pelo mundo. O século XIX seria o século da Paz na Europa e da hegemonia européia
sobre todo o planeta.

A partir de 1815, a ação dos países europeus intensificou-se em escala mundial. A Inglaterra,
por exemplo, divulgava mais e mais o liberalismo político e econômico, e a expansão desses
ideais liberais foi um dos objetivos da política externa inglesa no século XIX, pela qual os
britânicos atuaram, direta ou indiretamente, na independência das colônias espanholas e
portuguesas na América e na organização dessas novas nações americanas. Da mesma forma,
os russos cada vez mais se preocupavam com a decadência e o fatiamento territorial do
Império Otomano. Isso explica, em grande parte, a concorrência e a inimizade que iriam marcar
as relações entre Inglaterra e Rússia em boa parte do século XIX.

A Europa que emergiu do Congresso Viena


estava ansiosa pela eliminação dos traços da
Revolução Francesa. Era uma Europa
legitimista, clerical, desigual, aristocrática e,
principalmente, reacionária.

Importante registrar, no entanto, que o


fantasma de 1789 não desapareceu.
Intelectuais, trabalhadores, liberais,
democratas, burgueses estavam descontentes com o restabelecimento do Antigo Regime. Sob
diversos matizes ideológicos, o século XIX testemunhou um longo desenrolar de revoluções.
pág. 08

O Século das Revoluções

A Europa pós-Congresso de Viena foi marcada pelo equilíbrio de poder entre os Estados
europeus, o que permitia certa estabilidade no cenário internacional. Apesar desse quadro de
tranqüilidade, o século XIX foi tempo de revoluções tanto políticas quanto econômicas.

Politicamente, houve três grandes ondas revolucionárias: 1820, 1830 e 1848. O período entre
1817 e 1850 foi época de crise econômica e baixa de preços, ou seja, período de grande
tensão. As grandes ondas revolucionárias de 1830 e 1848, bem como as investidas contra-
revolucionárias, estão indicadas nos Mapas 13 a 15.

A onda revolucionária de 1830 marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês
na Europa Ocidental e o triunfo do liberalismo moderado. Propagou-se o sistema parlamentar
(com inspiração no modelo britânico) de qualificação por propriedade (voto censitário) sob
monarquias constitucionais.

No Mapa 13, as estrelas em amarelo apontam as insurreições, as setas pretas a propagação da


onda revolucionária, e as setas vermelhas os movimentos de repressão dessa onda.

Mapa 13: As revoluções de 1830

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Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix4.html

pág. 09

A França era o ponto de irradiação, dada a classe média liberal e radical que se formara com o
movimento jacobino na época da Revolução Francesa. Em 1830 também já era possível notar o
aparecimento de uma classe operária como uma força política autoconsciente e independente,
que começava a reunir os jacobinos mais extremados. Já em 1848 a agitação popular tornava-
se contrária à classe média liberal (o “perigo vermelho”).

No Mapa 14, as setas vermelhas indicam a difusão da nova onda revolucionária francesa e, as
setas verdes, a difusão da onda austríaca. As estrelas vermelhas e verdes apontam os centros
revolucionários.

Mapa 14: As Revoluções de 1848

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Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix5.html

Os radicais ficaram desapontados com o fracasso dos franceses em desempenhar o papel de


libertadores internacionais. Esse desapontamento, junto com o crescente nacionalismo da
década de 1830 e a nova consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país,
despedaçou o internacionalismo unificado (centrado na França) a que os revolucionários tinham
aspirado durante a Restauração (o pós-1815). Em 1848, as nações de fato se sublevaram
separadamente.
pág. 10

Os radicais, os republicanos e os novos movimentos proletários se retiraram da aliança com os


liberais, dado que o liberalismo moderado se tornara hostil em razão do seu maior medo, a
república social e democrática (em oposição à monarquia constitucional), a qual era, nesse
momento, o slogan da esquerda.

No Mapa 15, os quadrados indicam os centros de contra-revolução e as setas o movimento da


contra-revolução.

Mapa 15: A Contra-Revolução de 1848

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Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix6.html

De uma forma geral, as revoluções de 1848 foram revoluções sociais de trabalhadores pobres.
Quando se viram diante da revolução “vermelha” (ameaça à propriedade), os moderados
liberais e os conservadores se uniram. Os trabalhadores ficaram isolados diante da união de
forças conservadoras e ex-moderadas aliadas ao velho regime. Com essa aliança, os regimes
conservadores restaurados estavam preparados para fazer concessões ao liberalismo
econômico. A década de 1850 viria a ser, de fato, um período de liberalização sistemática: fim
da legislação de guildas e liberdade para se praticar qualquer forma de comércio; fim do severo
controle estatal sobre a mineração; realização de uma série de tratados de livre-comércio etc.).
Nesse momento, a burguesia deixava de ser uma força revolucionária.

Esses fatos abriram o caminho para a Revolução Industrial, a partir da segunda metade do
século XIX (vários autores se referem a ela como “Segunda Revolução Industrial”, para
distingui-la do avanço industrial no século XVIII). Com a retirada da nobreza e a diversificação
das formas de se fazer dinheiro (início da chamada haute finance – conjugação dos capitais
comercial e financeiro), as décadas de 1850 e 1860 foram prósperas e capazes de incorporar os
cidadãos instruídos ao mercado de trabalho.
pág. 11

De 1850 até pelo menos 1873, o tempo foi de prosperidade. Como observa Duroselle (1976, p.
21), a prosperidade, “interrompida por alguns recessos, rompe o ímpeto revolucionário. Este só
voltará a ressurgir na França em 1869, aproximadamente. Com um nível de vida
momentaneamente acrescido, as massas toleram mais facilmente o jugo, se tiverem a
impressão de que o poder favorece a expansão.”

Napoleão III (1808-1873) foi o criador do


Em termos gerais, em 1850, a ameaça Segundo Império francês na metade do
revolucionária estava encerrada. Os século XIX. Governou entre 1852 e 1870, até
partidários da ordem estabelecida saíram sua derrota na Guerra Franco-Prussiana.
vitoriosos. Em parte, o fracasso Carlos Luís Napoleão Bonaparte era sobrinho
revolucionário de 1848 se deveu ao “perigo de Napoleão I. Eleito presidente da nova

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vermelho”. Na França, Napoleão III ascendeu República Francesa, deu um golpe de estado
ao poder, criando o II Império. em 1851, que lhe permitiu assumir poderes
ditatoriais e transformar a Segunda República
A outra grande revolução européia foi de no Segundo Império. Entre as ações de
natureza econômica, como já referido, com a política externa de Napoleão III, estão a
intervenção na Guerra da Criméia, o apoio ao
Revolução Industrial. Após 1850, a economia
Piemonte nas guerras que enfrentou como
européia se expandiu com rapidez. Novas
conseqüência da unificação italiana e a
máquinas e novas tecnologias apareceram
promoção e instalação de um efêmero
por toda parte.
Império no México, na pessoa de seu
sobrinho, Maximiliano da Áustria. Em 1870,
por ocasião da Guerra Franco-Prussiana, a
derrota do Exército francês na batalha de
Sedan provocou o aprisionamento do
Imperador, cujo regime foi derrotado.

pág. 12

A Revolução Industrial modificou toda a sociedade européia.


Se na sociedade pré-industrial do século XVIII a agricultura
ainda era o centro das atividades humanas, no século XIX a
vida se deslocava progressivamente para as cidades e para
as indústrias. Simultaneamente, o poder, a influência e os
valores da aristocracia perderam força. Em seu lugar,
ganharam importância o dinheiro e a capacidade individual.
A modernização da sociedade colaborou, também, para a
progressiva universalização do voto e para a secularização
da sociedade. Por fim, a tecnologia ampliou a diferença entre
o Ocidente e as demais regiões do mundo.

O Mapa 16 ilustra a Europa do século XIX sob plena


efervescência da revolução industrial. O mapa destaca as minas de carvão (em marrom), em
torno das quais se desenvolveram centros siderúrgicos (em vermelho) e industriais (em roxo).
Também na base da revolução industrial estava a indústria têxtil, cujos centros são destacados
em azul. O mapa registra, ainda, as principais cidades industriais e os centros financeiros
(quadrados verdes).

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Mapa 16: A Europa Industrial no Século XIX

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix3.html

Procure se informar mais sobre a Revolução Industrial, processo que alterou


definitivamente os rumos da História e a partir do qual as relações internacionais
seriam redefinidas, com o poder se concentrando cada vez mais nas nações ditas
“industrializadas.

Um livro interessante sobre o século XIX e a Revolução Industrial é Germinal, de


Émile Zola. Amplamente considerada a obra máxima de Émile Zola, Germinal (1885)
elevou a estética e a descrição naturalistas a um novo patamar de realismo e crueza.
O romance é minucioso ao descrever as condições de vida subumanas de uma
comunidade de trabalhadores de uma mina de carvão na França. Após ter contato
com idéias socialistas que circulavam pela classe operária européia, os mineradores retratados
na obra revoltam-se contra a opressão e organizam uma greve geral, exigindo condições de
vida e trabalho mais favoráveis. A manifestação é reprimida e neutralizada, entretanto
permanece viva a esperança de luta e conquista.

pág 13

Divisão da Europa – Nacionalidade X Legitimidade

A Europa de 1815 foi construída sobre o princípio de que era essencial preservar o continente
de uma possível ameaça francesa. Assim, no redesenho do mapa continental, o princípio da
nacionalidade fora deixado em segundo plano. Nem por isso, no entanto, inexistia a afirmação
da nacionalidade.

O nacionalismo foi um dos filhos das ondas revolucionárias da primeira metade do século XIX. O
nacionalismo se propagou a partir da classe média e teve nas escolas e nas universidades seus
grandes defensores. Vários movimentos nacionalistas jovens começaram a se espalhar a partir

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das revoluções de 1830: a Jovem Itália, a Jovem Polônia, a Jovem Suíça, a Jovem Alemanha, a
Jovem França e a Jovem Irlanda.

Parte da onda nacionalista vinha dos O Império Otomano existiu


escombros do Império Otomano, o qual, nas aproximadamente de 1300 a 1922 e,
palavras do Czar, era o ancião enfermo da no período de maior extensão
Europa. territorial, abrangeu três continentes:
da Hungria, ao norte, até Aden, ao sul,
Progressivamente, o Império Otomano foi e da Argélia, a oeste, até a fronteira
perdendo terras para austríacos, russos e para iraniana, a leste, embora centrado na
nações que iam surgindo de suas fraquezas. A região da atual Turquia. Por meio do
primeira delas foi a Grécia, cuja independência Estado vassalo do janato da Criméia, o
foi tema de preocupação durante toda a década poder otomano também se expandiu
de 1820. Finalmente independente em 1830, na Ucrânia e no sul da Rússia. Seu
serviu como exemplo para muitos outros: a nome deriva de seu fundador, o
Sérvia, alguns anos depois, conquistava guerreiro muçulmano turco Osman (ou
autonomia, e, em 1856, Romênia e Bulgária se Utman I Gazi), que fundou a dinastia
tornaram independentes. que governou o império durante sua
história.

No restante da Europa, no entanto, apenas a Bélgica se tornou independente da Holanda, em


1830. Para isso, assumiu o caráter de nação neutra, com aval das Grandes Potências. A
neutralidade belga, garantida pela Grã-Bretanha, seria violada em 1914 pelo avanço alemão
contra a França, e contribuiria para que Londres declarasse guerra a Berlim.

Outras tentativas de independência no continente europeu fracassaram. A Polônia não


conseguiu a autonomia diante da Rússia (1830) e a Hungria alcançou uma semi-independência
em relação à Áustria (1867). Dos movimentos nacionais de afirmação, os mais importantes
foram os da Itália e da Alemanha, países que se unificaram a partir da segunda metade do
século. De fato, a unificação da Itália e, sobretudo, a da Alemanha, seriam acontecimentos
importantes para alterar o equilíbrio de poder na Europa estabelecido pelo Concerto Europeu, e
afetariam diretamente as relações internacionais do período, culminando nos processos que
levaram à I Guerra Mundial.

Os processos de unificação da Itália e da


Alemanha podem ser percebidos no Mapa
17 (a seguir).

pág. 14

A Unificação da Itália

A unificação da Itália foi resultado de uma habilidosa Camillo Benso, conde de Cavour
política externa e do aproveitamento das (1810-1861), político italiano, foi
oportunidades quando elas surgiram. O artífice desse Presidente do Conselho em 1852.
processo foi Cavour, primeiro-ministro do Estado do Aliou-se a Napoleão III contra a
Piemonte (norte da península itálica). Ele conseguiu, Áustria, porém este firmou a paz
graças às alianças com Napoleão III, um aliado em 1859 sem consultá-lo. Cavour
contra os austríacos que ocupavam o norte da Itália. demitiu-se quando Victor Emanuel
A sua primeira vitória se deu em 1858. Em troca da II, Rei da Sardenha, aceitou as
cessão da cidade de Nice e da região de Sabóia, condições do Imperador francês.
Cavour obteve a promessa de auxílio da França ao No início de 1860, ajudou
Piemonte em uma eventual guerra deste contra a Giuseppe Garibaldi na conquista
Áustria. Por ocasião do conflito, entretanto, a ajuda do Reino Das Duas Sicílias.
francesa seria menor do que o esperado, e Napoleão Conseguiu a proclamação do Reino
III, receoso das possíveis implicações que uma da Itália em 17 de março de 1861

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aliança contra a Áustria poderia ter, acabou retirando e de Vítor Emanuel II como seu
seu apoio antes do esperado. Mesmo assim, o primeiro soberano.
Piemonte se viu vencedor e aumentou seu território
com a conquista da Lombardia.

Mapa 17: Unificação da Itália e da Alemanha no Século XIX

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix7.html

Posteriormente, pequenos Estados italianos – Parma, Módena, Toscana e Romanha – votaram


pela união com o Piemonte. Com as conquistas do sul da península, foi proclamado o reino da
Itália, em 1861. Faltavam, porém, a cidade de Roma e o Vêneto. Só em 1866 La Vénétie foi
incorporada, como recompensa pelo apoio dos italianos aos prussianos durante a guerra contra
a Áustria. Roma, por fim, foi ocupada em 1870, quando os franceses retiraram os seus soldados
da cidade em razão da Guerra Franco-Prussiana. Com a anexação de Roma e dos Estados
Papais, estava consolidada a unificação da Península Itálica sob uma única autoridade: o Reino
da Itália.

pág. 15

A Unificação da Alemanha

Não seria temerário afirmar que a unificação da Alemanha, ocorrida em 1871, foi, após o
Congresso de Viena, o evento mais importante da política internacional do século XIX. A
unificação alemã provocou o desmoronamento dos fundamentos do equilíbrio internacional
surgidos em 1815 e levou a política internacional ao retorno às lutas irrestritas do século XVIII.
Ademais, seus efeitos estariam diretamente relacionados com eventos marcantes do século
seguinte, como a I e a II Guerras Mundiais, a Guerra Fria e a integração européia.

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O principal temor dos franceses do século XVII era a unificação alemã. Richelieu, por exemplo,
via na Alemanha unificada uma ameaça potencialmente mais perigosa para a França. A
unificação, entretanto, somente foi possível porque a Prússia conseguiu, ao longo de 150 anos,
construir um Estado forte o bastante para que pudesse, no fim do século XIX, almejar a
preponderância entre os Estados alemães.

Otto von Bismarck (1815-1898), o


Também não se pode esquecer a ação de “Chanceler de Ferro”, foi o grande
Bismarck, primeiro-ministro prussiano que soube, artífice e primeiro chanceler do
por meio de uma política interna autoritária e uma segundo império alemão. Seu pai era
política externa cuidadosa e pragmática, unificar a um latifundiário de origem nobre, e
Alemanha. A maneira racional, pragmática e sua mãe pertencia à burguesia. Em
sua personalidade, fundiam-se a
calculada como Bismarck conduziu a política alemã
sutileza intelectual e o provincianismo
ficou conhecida como Realpolitik.
da aristocracia conservadora. Entrou
na política em 1847. Como delegado
Assim, externamente, o Chanceler prussiano foi da primeira Dieta prussiana, destacou-
bem-sucedido em três guerras. Junto com a se como um dos mais férreos
Áustria, atacou e conquistou territórios da conservadores. Quando eclodiu a
Dinamarca, em 1864. Dois anos depois, a luta Revolução de 1848, foi para Berlim e
pelos espólios dessa conquista fez com que os pediu que o rei Frederico Guilherme IV
austríacos declarassem guerra à Prússia. reprimisse a sublevação. Seu conselho
Vencedores, os prussianos conseguiram afastar a não foi levado em consideração, mas
Áustria dos assuntos alemães. Continuando com a sua lealdade foi recompensada ao ser
sua Realpolitik e derrotada a Áustria, Bismarck nomeado representante prussiano na
conquistou territórios e forçou os Estados alemães Confederação Germânica, a liga dos 39
menores a se aliarem a ele. estados alemães, em 1851. Passou a
ser embaixador na Rússia em 1859 e
foi designado para a França em 1862.
Em 1871, sabedor de sua vantagem militar,
Designado Chanceler prussiano no
Bismarck provocou os franceses. Estes declararam
mesmo ano, procedeu com uma série
guerra e foram rapidamente derrotados. Como
de reformas internas e deu início à sua
vitória, Bismarck conseguiu o apoio suficiente de
Realpolitik, que garantiria a vitória
que necessitava para que os outros Estados sobre Grandes Potências européias,
alemães aceitassem integrar-se à Prússia, como a Áustria e a França, e
formando o Império Alemão, ou Segundo Reich. conduziria à unificação alemã. Em
1890, desentendeu-se com o Kaiser
em virtude do direcionamento da
Política Externa do Reich, sendo
demitido e deixando a vida pública.

Depois da unificação, a Alemanha desenvolveu-se de maneira significativa, sobretudo nas áreas


industrial e militar. Em três décadas, o país já se mostrava a principal Potência do continente
em desenvolvimento industrial e tecnológico, superando a França. Ademais, com uma intensa
política de construção naval, logo as marinhas mercante e de guerra alemãs ameaçavam a
hegemonia britânica no mundo.

Na virada do século, os alemães já deixavam claro que desejavam ocupar seu lugar de
destaque entre as Grandes Potências, sendo fundamental para isso o estabelecimento de um
império colonial e a conquista de novos mercados pelo planeta. Entretanto, as pretensões do
Reich acabariam chocando-se com os interesses das Grandes Potências tradicionais – em
especial, Grã-Bretanha e França –, o que levaria a Europa à Primeira Guerra Mundial, em
agosto de 1914.
pág. 16

Expansão colonial

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Outro aspecto importante da Sociedade Internacional do século XIX é a nova expansão colonial.
Durante todo o século, mas sobretudo em sua segunda metade, desenvolveu-se um processo
de conquistas européias sobre a África e Ásia, denominado Neocolonialismo. Na virada do
século, praticamente todo o continente africano, à exceção da Etiópia e da Libéria, estava sob
jugo das Potências européias como parte de seus impérios coloniais.

O Neocolonialismo foi a principal expressão do Nacionalismo e do Imperialismo, este último a


forma assumida pelo capitalismo a partir da Segunda Revolução Industrial, segundo os
globalistas.

Os defensores do Estado-nação entendiam o Estado como progressista (capaz de desenvolver


uma economia, tecnologia, organização burocrática e força militar viáveis), ou seja, precisava
ser pelo menos territorialmente grande. Para a sociedade burguesa moderna, liberal e
progressista, a unidade estatal natural deveria ser extensa, daí o decorrente expansionismo
colonial. O padrão de programa nacional do século XX seria diferente: Estado totalmente
independente, homogêneo territorial e lingüisticamente, laico e provavelmente
republicano/parlamentar.

O sionismo, que refundaria o Estado de Israel,


seguiria esse padrão: tomar o território,
inventar uma língua e laicizar as estruturas de
um povo cuja unidade histórica havia sido
apenas a prática de uma religião comum.

A concepção nacionalista de Estado do século XIX se casou perfeitamente com os objetivos


capitalistas. O domínio das Potências européias sobre povos dos outros continentes não foi
apenas econômico, mas também militar, político e social, impondo à força um novo modelo de
organização do trabalho que pudesse garantir, principalmente, a obtenção de matéria-prima
para as indústrias européias. À violência militar e à exploração do trabalho, somam-se as
imposições sociais, incluindo a disseminação do cristianismo entre os povos nativos, num
processo de aculturação, sob a justificativa de que se estaria
levando os valores ocidentais da “civilização” aos povos
primitivos. Era o “ideal civilizador do homem branco”.

Nesse processo mercantil-civilizador, a África foi conquistada e


dividida, o mesmo acontecendo com parte da Ásia. Impérios
tradicionais como a China sucumbiram à hegemonia européia. O
mundo nunca se mostrara tão eurocêntrico e as nações européias efetivamente eram as
protagonistas das relações internacionais. O planeta como um todo tornou-se o tabuleiro do
jogo de poder entre as Potências européias.
pág. 17

Paralelamente ao fornecimento de matéria-prima pelas colônias, os europeus buscavam


mercados consumidores para seus produtos em outras partes do mundo, por exemplo, no
continente americano. E esses mercados eram disputados pelas Grandes Potências.

A partir da segunda metade do século XIX, portanto, as preocupações européias se tornaram


mundiais. As rivalidades se projetavam nos outros continentes. “O século XIX é
extraordinariamente dinâmico: vai assistir-se à expansão da Europa pelo mundo, tanto pela
ação política dos seus Estados, pelos fluxos migratórios, pelo escoamento das suas economias,
como pela sua influência civilizadora.” (PELLISTRANDI, 2000, p. 115). As Grandes Potências
européias cuidavam de estabelecer seus impérios coloniais subjugando os povos dos outros
continentes, particularmente da Ásia e da África. O quadro de 1914, conforme ilustra o Mapa
18, seria de um mundo partilhado entre as Potências Européias, com a Grã-Bretanha e França
detentoras dos maiores impérios coloniais.

Mapa 18: Impérios Coloniais em 1914

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Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix8.html

Especialmente importante é o Congresso de Berlim, em 1885. As razões políticas do


imperialismo de final do século XIX eram tão importantes quanto as razões econômicas. Para as
nações recém-unificadas – Itália e Alemanha – a obtenção de territórios na África e na Ásia
significava prestígio e auto-reconhecimento. Para a França, profundamente traumatizada após a
derrota de 1871 (na Guerra Franco-Prussiana), as conquistas coloniais eram um meio de
readquirir respeito.

pág. 18

As novas Potências – Estados Unidos da América e Japão

A segunda metade do século XIX vê também o aparecimento de dois Atores importantes no


jogo político internacional: Estados Unidos da América (EUA) e Japão.

Os EUA começaram a se projetar como Potência após a violenta Guerra Civil, travada para
impedir a separação dos estados do sul do país. Pouco antes, os norte-americanos haviam
consolidado o seu processo de expansão colonial às expensas do México. Além disso, em 1867,
compraram da Rússia o Alasca e, após derrotarem a Espanha, em 1898, adquiriram Porto Rico,
Filipinas e um virtual controle sobre Cuba. Da mesma forma, o Oceano Pacífico tornava-se uma
área de projeção de poder dos EUA.

Internamente, os EUA iniciaram um vigoroso processo de industrialização graças a um mercado


interno crescente, a uma estrutura tarifária protecionista para afastar a concorrência
estrangeira, a uma estrutura estável de comércio e ao grande número de inovações
tecnológicas. Em 1914, às vésperas da I Guerra Mundial, o país já era, de longe, a principal
Potência industrial do planeta.

Sobre a situação dos EUA frente a outras potências na virada


do século, vide Paul Kennedy, op.cit.

O Japão é outro exemplo de rápido crescimento econômico. Até 1854, mantivera-se fechado ao
exterior. Nesse ano, uma esquadra norte-americana forçou o país a abrir-se e aceitar o
comércio com o exterior. “Decidido a preservar a independência do país, um grupo de samurais
(...) tomou o governo. A Restauração Meiji de 1867, como ficou conhecido esse episódio,
devolveu o poder ao imperador” (PERRY, 1999, p. 473).

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Inspirado por uma forte ideologia nacionalista, o governo Meiji iniciou um importante conjunto
de reformas: os privilégios sociais foram eliminados, o serviço militar obrigatório foi implantado,
uma Constituição foi elaborada e passou a existir parlamento. Além disso, a economia foi
rapidamente modernizada. Fábricas foram instaladas, tecnologia européia foi comprada,
ferrovias, portos, estradas e telégrafos instalados. Em menos de 20 anos, o novo poder japonês
dava sinais de existência: em 1894, derrotava a China, e, em 1905, a Rússia.

Na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), pela


primeira vez na era moderna uma Potência do
Oriente derrotava um poderoso Estado europeu.
pág. 19

O Estado-nação

O Estado-nação é o resultado moderno da experiência de formação e construção do Estado


desde Westfália e pressupõe a formação propriamente dita de uma burocracia (no sentido de
separação dos meios administrativos dos patrimônios particulares dos agentes da
administração). Testemunhou-se um processo de racionalização da atividade estatal. A relação
entre poder político e território sofreu uma revolução, com uma completa transformação das
relações do poder político central com as múltiplas tradições locais – o estabelecimento de uma
única lei, uma única língua, uma única política fiscal e preceitos políticos uniformes para todo
um território.

Havia razões políticas e econômicas por trás desse processo. De um lado, a necessidade de um
contrato social voltado para a “coisa pública”, em que os “objetivos públicos” deixariam de ter
nos corpos estamentais de privilégios os intermediários da ação político-administrativa estatal;
e, de outro, a necessidade de facilitar a circulação dos bens num território, através da redução,
simplificação e uniformização do sistema tributário (com a superação da fragmentação
legislativa e do patrimonialismo fiscal), e de estimular o equilíbrio entre as regiões de um
Estado e o aumento das trocas inter-regionais.

Uma das conseqüências desse processo foi a anulação sistemática das tradições locais de vários
povos; ou seja, a partir das várias identidades dever-se-ia inventar uma identidade nacional
que integrasse a população em novos referenciais de pertencimento, de associação. Assim, os
vários Estados buscaram constituir internamente suas nações. A mesma demanda conjuntural
ocorria nas grandes massas territoriais e étnicas do centro-leste europeu (Império Prussiano,
Império Austro-Húngaro e Império Russo). Todos passaram a buscar pelo caráter de sua nação
e a igualmente se perguntar se de várias nações era possível formar um espírito comum. Enfim,
construir um Estado-nação significou, do século XIX ao XX, não apenas desenvolver uma
economia e uma organização econômico-político-militar viável, mas também agrupar vários
grupos sociais localmente circunscritos com suas línguas, tradições, costumes e leis próprias
num grande agrupamento social politicamente representado e juridicamente nivelado por um
Estado laico regido por um conjunto geral de leis soberanas – a Constituição.

Estados constitucionais e não-constitucionais aprenderam a avaliar a força política que era a


capacidade de apelar para seus súditos na base da nacionalidade (o Czar da Rússia não apenas
baseava seu governo nos princípios da autocracia e da ortodoxia como passou a apelar aos
russos como russos na década de 1880). A escola primária passou a ser o meio de se ensinar
às crianças a serem bons súditos e cidadãos. Os Estados criaram nações, ou seja, o patriotismo
nacional, e cidadãos lingüística e administrativamente homogeneizados (a Itália usou a escola e
o serviço militar para fazer italianos, os EUA tornaram o conhecimento da língua inglesa
condição para a cidadania americana, a Rússia tentou dar à língua russa o monopólio da
educação, com o fim de “russificar” as nacionalidades menores). Esse processo auxiliava a
definir as nacionalidades excluídas da nacionalidade oficial, que, caso contrário, poderiam vir a
oferecer resistência e a se refugiar em algum partido socialista.

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Esse era o pano de fundo para um século “de extremos”, o século XX, em que os principais
Atores internacionais se confrontariam numa intensidade nunca antes vista na história da
Sociedade Internacional.
pág. 20

Conclusões

O período de 1815 a 1914, quando comparado aos séculos anteriores e ao século XX,
foi de relativa paz para a Europa. Excetuando-se a Guerra da Criméia (1854), não existiram
grandes conflitos entre as principais potências. O sistema de equilíbrio de poder estabelecido no
Congresso de Viena mostrou-se bastante bem-sucedido e só foi desarticulado a partir do
momento em que Bismarck conseguiu unificar a Alemanha.

Após 1871 e especialmente após 1890, a Europa viveu tempos de incerteza. A guerra voltou a
ser considerada alternativa cada vez mais provável. França e Alemanha não poderiam se
reconciliar por causa da Alsácia-Lorena, território que a primeira perdera para a segunda na
Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. França e Inglaterra estavam envolvidas em um grande
processo de divisão colonial na África. A Inglaterra e a Rússia, por causa da Índia e da Ásia
Central, encontravam-se em permanente estado de tensão. Na Ásia, uma nova Potência surgia:
o Japão.

Além disso, a mais complexa das áreas de conflito não pode ser esquecida: os Bálcãs. Ali, os
interesses contraditórios de Áustria-Hungria, Rússia, Sérvia e Império Otomano fomentavam
uma rivalidade crescente. Uma disputa de poder daria início à I Guerra Mundial (1914-1918),
que, por sua vez, poria fim à “Era dos Impérios”.

A Era dos Impérios


, de Eric Hobsbawm (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988), é obra fundamental para a
compreensão do período que antecede a I Guerra Mundial e no qual se consolida a
hegemonia européia no mundo.

Atividades de autoavaliação
-
Acesso pelo menu lateral "Avaliações".

Avaliação da Unidade - Com a rotina você já deve estar familiarizado! "Trabalhos /


Redações", Módulo 2 Unidade 2. Seu Professor-Tutor irá corrigir seu exercício. Fique
atento!

Unidade 3 - A I Guerra Mundial e os Entre-Guerras

Aqui, na terceira unidade do Módulo II, além da Primeira Guerra Mundial, tema principal, serão
abordados o período Entre-Guerras, o aparecimento de uma Nova Ordem Internacional e a crise
de 29.

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Trilhas - ILB - Educação a distância Página 101 de 164

Objetivos da Unidade:

Ao final da Unidade, o aluno deverá ser capaz de:

• identificar os principais fatos que levaram à deflagração da I Guerra Mundial;


• descrever a dinâmica de desenvolvimento da I Guerra Mundial;
• explicar a relação entre o Congresso de Versalles e o estabelecimento de uma
nova ordem internacional;
• delimitar o estabelecimento da Crise de 1929.

Esperamos que você tenha excelente aproveitamento em seus


estudos!

Pág. 01

A I GUERRA MUNDIAL

Para muitos estudiosos das relações internacionais, o século XX não se inicia em 1901, mas em
1914, com a deflagração do maior de todos os conflitos que o mundo presenciara até então: a I
Guerra Mundial. Durante muito tempo chamado de a Grande Guerra, esse conflito, que durou
de 1914 a 1918, iniciou-se na Europa e acabou envolvendo outras nações do globo, inclusive
novas Potências emergentes que não pertenciam ao continente europeu, com destaque para os
EUA e o Japão.

Nunca se havia tido um conflito tão destrutivo e


arrasador como a I Guerra Mundial. Trata-se do
primeiro grande confronto internacional da era
industrial. Foi maciço o uso das ferrovias, e “os
caminhões se tornaram tão importantes quanto os
cavalos no abastecimento de soldados no
campo” (ROBERTS, 2002, p. 681). Pela primeira vez,
foram empregados de maneira efetiva novos
equipamentos de combate, como o avião e o tanque de
guerra. Também foram utilizados, por ambos os lados
em luta, gases letais, responsáveis por milhares de
baixas.
http://www.brasilesc

Ao final do conflito, o sistema internacional mudaria definitivamente. A Europa sofreria intensa


destruição, os impérios coloniais começariam a ruir e a hegemonia européia no mundo daria
seus últimos suspiros. A Sociedade Internacional se apresentaria ainda mais complexa e com
novos Atores não-europeus a ditar suas regras. A Belle Époque seria apenas nostalgia.

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Pág. 02

Causas da Grande Guerra

Crise e incerteza. Esses eram os sentimentos que dominavam a


Europa após 1890. Essa data não é aleatória. É o ano em que Convém lembrar que a
França havia sido
Bismarck deixa de ser o Chanceler alemão. Bismarck sabia muito
derrotada na Guerra
bem o que queria: manter a França permanentemente enfraquecida Franco-Prussiana, duas
e sem chances de revanche, além de afastada das preocupações décadas antes.
territoriais. Seus sucessores, especialmente o Kaiser Guilherme II, Entre outras
não tinham planos nesse sentido, ou, se os tinham, eram confusos, conseqüências, havia
perdido o território da
erráticos e provocativos. A isso se somava o fato de que cada país
Alsácia-Lorena para os
europeu tinha a sua lista de reivindicações. alemães. As décadas que
se seguiram à derrota
A França não esquecia a perda da Alsácia-Lorena para a francesa foram marcadas
Alemanha. Tal fato era o motor do nacionalismo francês. Além por um profundo
disso, preocupada em recuperar prestígio, a França lançou-se, sentimento revanchista,
com todas as suas forças, na corrida colonial. pela baixa-estima
francesa e pelo desejo de
A Rússia buscava expandir-se na Ásia Central, no Extremo Oriente ver a Alemanha
e nos Bálcãs. Como resultado dessa política, atritou-se com os subjugada a qualquer
ingleses na disputa pelo Afeganistão, com o Japão (guerra em custo.
1905) e permanecia em constante estado de tensão com os
austríacos e com os otomanos pela hegemonia da península
balcânica.

pág. 03

Os britânicos, por sua vez, temiam as ambições russas na Ásia Central e as pretensões coloniais
francesas na África. Passaram, também, a temer cada vez mais os alemães, principalmente
depois que estes ensejaram uma política de construção naval em 1897. Além disso, a Alemanha
unificada revelou-se formidável concorrente econômica, superando os ingleses em áreas como
química, siderurgia e energia, mostrando-se, por fim, a partir da queda de Bismarck, mais e
mais interessada em estabelecer um império colonial e disputar espaço com outros países
europeus na África e Ásia.

A Áustria-Hungria era percebida, assim como a Rússia e o Império Otomano, como a Potência
decadente da Sociedade Européia. Cercados por todos os lados, os austríacos tinham interesses
conflitantes com os russos e com os eslavos da península balcânica. Além disso, sendo um país
multiétnico, o Império Austro-Húngaro defrontava-se com crescentes pressões domésticas das
minorias internas que desejavam maior autonomia. Cada vez mais, a Áustria-Hungria
sustentava sua segurança no apoio da Alemanha. Tratados de não-agressão e assistência
recíproca foram celebrados entre os dois Estados germânicos nos anos anteriores à I Guerra
Mundial.

O temor de Bismarck de ver a Alemanha ameaçada nos fronts oriental e ocidental tornou-se
realidade, em grande parte, em virtude da política externa de Guilherme II. Preocupado em
mostrar-se forte e influente, mas sem a habilidade política de Bismarck, o Kaiser acabou
atraindo para si muitos inimigos. Grã-Bretanha, França e Rússia se aliaram, principalmente,
para fazer frente ao poderio alemão.

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Para agravar a situação, as políticas governamentais nas Potências européias eram ditadas por
ânimos nacionalistas e não havia nenhuma instituição internacional que pudesse mediar
conflitos. O Congresso de Viena há muito deixara de ter importância e nada de significativo
surgira em seu lugar. É verdade que existia, desde 1899, a Corte Internacional de Justiça de
Haia. Infelizmente, no entanto, ela se mostrou ineficaz. A paz anterior a 1914 era obtida pelas
ameaças mútuas, e não pelas decisões da Corte de Haia. A guerra, por sua vez, era articulada
por meio de alianças secretas entre as Potências: era a diplomacia secreta que marcava as
relações internacionais da Europa até a I Guerra Mundial.

Acrescente-se a isso o recrudescimento dos discursos nacionalistas, como o pan-germanismo e


o pan-eslavismo, que pregavam a reunião dos povos de etnia germânica e eslava,
respectivamente, em uma só nação, ou a coalizão dos Estados de uma mesma etnia contra
ameaças de Estados de outras. Esses movimentos também questionavam a existência de
impérios multiétnicos como o Otomano, o Austro-Húngaro e mesmo o Russo, e defendiam a
independência dos povos sob o jugo de Viena, Constantinopla e São Petersburgo. Outra forma
de nacionalismo era o francês, com forte viés revanchista contra a Alemanha e desejoso de
recuperar a “grandeza da França”. As minorias nacionais como se encontravam na Europa de
1914 podem ser vistas no Mapa 19.

Mapa 19: A Europa de 1914 – Minorias Étnicas

Ainda sobre a Grande Guerra, indica-se Coronel Redl, de István Szabó, que mostra o
funcionamento do exército austro-húngaro às vésperas da Primeira Guerra. Preste
atenção no modo como a organização militar se fundava em valores como tradição e
separação em classes.
pág. 04

Assim, as relações internacionais às vésperas da I Guerra Mundial eram marcadas pela disputa
entre as Grandes Potências por mercados e pelo interesse das novas Potências, em especial a
Alemanha e a Itália, de possuírem impérios coloniais e de se equipararem às principais
Potências coloniais européias. Também caracterizava as relações internacionais anteriores à
Grande Guerra uma significativa corrida armamentista entre os principais Atores europeus, com
rivalidades que afloravam entre eles e refletiam-se em um sistema de alianças estabelecidas,
na maior parte das vezes, por meio da diplomacia secreta.

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Trilhas - ILB - Educação a distância Página 104 de 164

As diferenças entre as Potências eram, ademais, significativas. Na arena européia havia novas
Potências, como a Alemanha e a Itália, que desejavam ampliar seu poder e tinham interesses
conflitantes com as Grandes Potências tradicionais e ainda poderosas Grã-Bretanha e França,
que buscavam manter-se na liderança da Sociedade Internacional a qualquer custo. Havia,
ainda, os grandes impérios em decadência – o Império Russo, o Império Austro-Húngaro e o
Império Otomano – que, em virtude das dificuldades domésticas, em especial dos movimentos
nacionalistas separatistas em seu interior, viam-se enfraquecidos demais para permanecerem,
ainda durante muito tempo, em condição de igualdade com a Grã-Bretanha, a França e a
Alemanha.

No início do século XX, a estrutura do Concerto Europeu fora definitivamente substituída pela
política de alianças. De um lado, ainda sob a articulação de Bismarck, as chamadas Potências
Centrais – Alemanha e Áustria – assinaram com a Itália, em 1882, o Tratado da Tríplice Aliança,
que dava a cada parte garantia de assistência das demais em caso de ataque por uma Potência
externa. Como resposta à Tríplice Aliança, franceses, britânicos e russos constituíram a Tríplice
Entente, a qual reuniria as Potências aliadas na Grande Guerra.

A Europa, antes de 1914, viu-se, pois, em uma série de crises. Após sobreviver a duas ou três
realmente graves, o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-
húngaro, foi o estopim que deu início ao conflito.

A Áustria considerou o assassinato a oportunidade ideal para resolver, de forma definitiva, os


problemas com a Sérvia. Sob a alegação de que o governo sérvio era responsável pelo
assassinato, fez uma série de exigências. Em suas exigências, os austríacos contavam com o
apoio irrestrito do Kaiser alemão.

Sobre o conflito... Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando e sua


esposa foram assassinados por um nacionalista sérvio quando visitavam a cidade de
Sarajevo, que se encontrava em uma região conturbada do Império Austro-Húngaro

pág. 05

A Sérvia, por sua vez, como país eslavo, acreditava que contaria com o apoio da Rússia. Como
em um dominó, o sistema de alianças fez com que a guerra entre austríacos e sérvios atingisse,
também, alemães e russos. Estes últimos, graças a outra aliança, atraíram para o conflito os
franceses. Os ingleses entraram na guerra para defender a Bélgica, país que fora invadido pelos
alemães. Assim, um sistema de alianças rígido e um sistema de mobilização militar conduziram
os europeus para a
Guerra. De um lado, estavam Inglaterra, França, Rússia e Sérvia. De outro, Alemanha e Áustria
-Hungria. Durante o desenrolar do conflito, muitos outros países se envolveriam. O Mapa 20
retrata essas alianças às vésperas da I Guerra Mundial.

Mapa 20

: A Europa de 1914 – As Alianças

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Fonte: http://www.geografiaparatodos.com.br/index.php?pag=mapastematicos

Sobre a Guerra... As hostilidades se iniciaram quando, diante da ineficácia das gestões diplomáticas, a Áustria declarou
guerra à Sérvia, em 28 de julho de 1914. A Rússia, aliada dos sérvios, mobilizou-se contra a Áustria, e a Alemanha, aliada
do Império Austro-Húngaro, declarou guerra à Rússia em 1.º de agosto. As tropas alemãs cruzaram a fronteira de
Luxemburgo, em 2 de agosto, e, no dia seguinte, 3 de agosto, a Alemanha declarou guerra à França, a qual era aliada da
Rússia. O governo britânico declarou guerra à Alemanha no dia 4 de agosto, em virtude de os alemães terem violado a
neutralidade belga, da qual os ingleses eram garantes. A Itália permaneceria neutra até 23 de maio de 1915, quando, então,
declarou guerra à Áustria-Hungria. O Japão declarou guerra à Alemanha em 23 de agosto de 1914 e, em 6 de abril de 1917,
os Estados Unidos fizeram o mesmo.

pág. 06

A Guerra

Inicialmente, os que iam para o front acreditavam que a guerra terminaria em poucas semanas.
Não é falso dizer que os soldados, de ambos os lados, iam para a guerra entusiasmados pelo
fervor nacionalista, acreditando que alcançariam vitória fácil e rápida. Infelizmente, no entanto,
o conflito acabou por ser longo e penoso.

As operações militares na Europa se desenvolveram em três frentes: a ocidental ou franco-


belga, a oriental ou russa e a meridional ou sérvia. Posteriormente, surgiriam novas zonas de
combate, com a intervenção do Império Otomano, da Itália e da Bulgária.

Durante décadas, cada um dos países fez planos detalhados. Os alemães, por exemplo, tinham
o famoso Plano Schlieffen. Elaborado pelo general Schlieffen, previa o pior cenário possível:
uma guerra em dois fronts – um contra a França, outro contra a Rússia. Para o sucesso do
plano, era necessária uma rápida vitória contra os franceses, para, depois, vencer a Rússia.
Temerário, arriscado e de difícil execução, o plano acabou por fracassar. A almejada rápida
vitória contra os franceses acabou transformando-se na estática guerra de trincheiras, que
durou a maior parte dos quatro anos de conflito.

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Os russos assumiram a ofensiva, na frente oriental, no início da guerra, mas foram detidos
pelos exércitos austríacos e alemães. Em 1915, as Potências Centrais haviam conseguido
expulsar os russos da Polônia e da Lituânia e tinham tomado todas as fortalezas limítrofes da
Rússia, que ficou sem condições de empreender ações importantes por falta de homens e de
suprimentos. O fracasso na guerra contribuiria para o aumento da crise político-institucional
interna da Rússia, que culminaria na deposição do czar, no estabelecimento de um governo
republicano e na revolução bolchevique de outubro de 1917.

O Império Otomano entrou na guerra em 29 de outubro de 1914, ao lado dos alemães e


austríacos. Os turcos iniciaram a invasão da zona russa da cordilheira do Cáucaso em
dezembro. O governo russo pediu auxílio aos britânicos, que tentaram tomar o Estreito de
Dardanelos. Porém, a Campanha de Gallípoli, como ficou conhecida a ação, resultou em
fracasso total para as tropas aliadas, que foram tenazmente derrotadas pelos turcos.
pág. 07

Nos Bálcãs, em 1915, os austríacos, com apoio dos búlgaros, conseguiram derrotar e ocupar a
Sérvia. Eclodiram duas lutas na região em 1916: o ataque conjunto de sérvios e italianos às
forças búlgaras e alemãs e uma ofensiva aliada sobre a Macedônia.

O triunfo obtido pelos alemães contra os russos e sérvios, em 1915, deu-lhes condições de
concentrarem suas operações na frente ocidental. Desencadearam a batalha de Verdun em 21
de fevereiro, mas não conseguiram conquistar esta cidade devido à contra-ofensiva do general
francês Henri Philippe Pétain. Os aliados contra-atacaram, por sua vez, na batalha do Somme,
iniciada em 1º de julho e na qual os britânicos usaram pela primeira vez carros de combate
modernos. Os franceses empreenderam nova ofensiva em outubro, restabelecendo a situação
que existia antes de fevereiro. Todos esses movimentos podem ser vistos no Mapa 21.

Mapa 21: A Guerra em Agosto de 1914

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun7.html

Essas batalhas de 1916 já revelavam quão assustadoramente mortífera seria a Grande Guerra:
nos cinco meses da batalha de Verdun, “os exércitos franceses e alemães sofreram mais de
seiscentas mil baixas (mortos, feridos e desaparecidos) e, no primeiro dia da batalha do Somme
(...), o exército britânico (...) teve vinte mil mortos e quase quarenta mil feridos. No
monumento em Thiepval, dedicado aos soldados britânicos mortos em pouco mais de um ano
em Somme, há mais de setenta mil nomes, exclusivamente daqueles cujos corpos nunca foram
encontrados” (ROBERTS, 2002, p. 682).

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pág. 08

A guerra continuaria estática. Os exércitos dos dois lados acabaram fincando posições que se
manteriam por meses. A guerra de trincheiras, com homens com lama até o pescoço, enfiados
em valas imundas e sujeitos a doenças, como cólera e tifo, e a ataques da artilharia inimiga,
alguns empregando gases letais, seria uma traumática realidade quotidiana pela qual a Grande
Guerra seria lembrada. Nesse sentido, a I Guerra Mundial seria distinta de todas as que a
precederam e, de fato, também dos conflitos seguintes, nos quais a guerra dinâmica, de
velocidade, seria a regra. Em resumo, nos primeiros três anos que se seguiram a 1914, poucas
conquistas houve por parte de ambos os lados além daquelas obtidas nos primeiros meses da
guerra.

1917: Grandes Mudanças

Em 1917, os aliados tiveram um revés: a Rússia saiu da guerra. Em março daquele ano, uma
revolução culminou na implantação de um governo provisório e na abdicação do Czar Nicolau II.
Em novembro (outubro no calendário russo), uma nova revolução, liderada pelos bolcheviques,
derrubou o governo provisório e tomou o poder. As autoridades russas propuseram à Alemanha
a cessação das hostilidades. Representantes da Rússia, Áustria e Alemanha assinaram o
armistício em 15 de dezembro, cessando, assim, a luta na frente oriental. Os alemães puderam
redirecionar suas forças para o front ocidental.

Se saíra vitoriosa contra a Rússia, a Alemanha fracassara em seu intento de provocar a


rendição da Grã-Bretanha por meio da destruição da frota aliada. Em janeiro de 1917, a
Alemanha declarava guerra submarina generalizada e anunciava que afundaria qualquer
embarcação que encontrasse em uma vasta área do Atlântico Norte, considerada zona de
guerra, não importando se fosse navio de guerra, mercante ou de passageiros. Com isso,
muitas embarcações foram torpedeadas, causando milhares de baixas, inclusive entre civis de
países neutros, como os EUA e o Brasil.

A política de neutralidade norte-americana mudou com a guerra submarina promovida pelos


alemães. Em 3 de fevereiro de 1917, os EUA romperam relações diplomáticas com a Alemanha,
declarando-lhe guerra em 6 de abril. Uma força expedicionária foi enviada para a Europa. A
sorte mudara novamente na direção dos aliados.

Outro filme muito interessante é O Batalhão Perdido, de Russell Mulcahy (EUA, 2001,
92 min), que conta a história real de um batalhão norte-americano que se perde no
meio das linhas alemãs durante a I Guerra Mundial.

Várias nações latino-americanas, entre elas o Peru, o Brasil e a Bolívia, apoiariam a ação dos
EUA. O afundamento de alguns navios levou o Brasil, em 26 de outubro de 1917, a participar
da guerra, enviando uma divisão naval em apoio aos aliados. Aviadores brasileiros participaram
do patrulhamento do Atlântico, navios do Lóide Brasileiro transportaram tropas norte-
americanas para a Europa e uma missão médica foi enviada para a França.

pág. 09

1918: o fim da carnificina

Apesar da entrada dos EUA no conflito, os primeiros meses de 1918 não foram favoráveis às
Potências aliadas. O Mapa 22 ilustra a disposição das forças no início de 1918 (comparar com o
Mapa 21). Em 3 de março, a Rússia assinou o Tratado de Brest-Litovsk, com o qual punha
oficialmente um fim à guerra com os Impérios Centrais. Em 7 de maio, a Romênia, derrotada,

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assinou o Tratado de Bucareste com a Áustria-Hungria e a Alemanha, às quais cedia diversos


territórios.

Mapa 21

: A Guerra em Agosto de 1914 Mapa 22 - A Grande Guerra em 1918

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun8.html

pág. 10

Em 1918, no entanto, a luta nos Bálcãs foi catastrófica para os Impérios Centrais. Uma força de
cerca de 700.000 soldados aliados iniciou uma grande ofensiva contra as tropas alemãs,
austríacas e búlgaras na Sérvia. Os búlgaros, derrotados, assinaram um armistício. Além disso,

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os aliados obteriam a vitória definitiva na frente italiana entre outubro e novembro. A comoção
da derrota provocou rebeliões revolucionárias no Império Austro-Húngaro, que se viu obrigado
a assinar um armistício em 3 de novembro. O Imperador Carlos I abdicou oito dias depois, e,
em 12 de novembro, foi proclamada a República da Áustria.

A frente turca também caiu. As forças britânicas tomaram o Líbano e a Síria, ocupando
Damasco e outros pontos estratégicos. A Marinha francesa, por sua vez, ocupou Beirute, e o
governo otomano solicitou um armistício.

Depois da paz em separado com a Rússia, a Alemanha tentou uma ofensiva final contra a
França. Nesse momento derradeiro, porém, os alemães tiveram que enfrentar as recém-
chegadas tropas americanas. Cansados e com parcos recursos materiais, os germânicos
fracassaram em seus ataques finais. Depois de quatro anos, a exaustão atingiu todos os países
combatentes, enquanto os EUA acabavam de entrar no conflito. Em fins de 1918, os principais
aliados da Alemanha – Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária – pararam definitivamente de lutar.
Áustria-Hungria e Turquia simplesmente se desmancharam depois de quatro anos de combate.

A Alemanha, sob pressões internas e externas, pediu a paz. O Kaiser Guilherme II abdicou e o
país se transformou em república. A Alemanha, ao contrário de seus aliados, não se
desintegrou, e o armistício foi feito antes que o seu território fosse invadido. Isso teria grandes
implicações simbólicas posteriormente.

pág. 11

O saldo da Grande Guerra

O saldo da guerra foi a morte de mais de 8 milhões de pessoas. Outras 10 milhões de pessoas
ficaram inválidas. Economicamente, o trauma foi profundo. A França gastou 30% da riqueza
nacional e a Inglaterra, 22%. A produção industrial caiu entre 30 e 40%. Além disso, enormes
dívidas foram contraídas para pagar a guerra. Nunca o mundo assistira a uma hecatombe de
tamanhas proporções, com tantas baixas, tantos mutilados e tanta destruição.

Sob a ótica das relações internacionais, a Grande Guerra provocou mudanças profundas no
equilíbrio de poder no mundo. Os velhos impérios, que foram protagonistas da política entre as
nações nos quatro séculos anteriores, desaparecem. O II Reich chega a termo e uma frágil
democracia é estabelecida na Alemanha, que continuava como Ator de destaque no cenário
europeu e cuja recuperação influenciaria definitivamente os destinos da Europa e o sistema
internacional. Grã-Bretanha e França, apesar de vencedoras da Grande Guerra, foram
obrigadas a admitir que uma nova configuração de poder seria estabelecida, com dois Atores
não-europeus tremendamente importantes, o Japão e a nova Potência que se afirmava, os EUA.

Terminado o conflito, que deveria ter sido rápido e fácil, a Europa estava em situação
lamentável e não mais teria forças para estar à frente da Sociedade Internacional. Os EUA já
deveriam ser consultados sobre os destinos do sistema internacional e, no Oriente, o Japão
avocava sua parcela de influência. E essas transformações estavam apenas começando... O
mundo já dava sinais de deixar de ser eurocêntrico. A Primeira Guerra Mundial foi a grande
tragédia européia.

A Grande Guerra foi um evento marcante na história da humanidade e deu início ao século XX.
Há muitas obras a respeito. Sugere-se, para leitura inicial, o livro de John Keegan, História

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Ilustrada da I Guerra Mundial (Ediouro). Os livros de John Keegan são indicados para
os que se interessam por história militar.

Também sobre a realidade da Grande Guerra, sugere-se a leitura de Nada de Novo no


Front, de Erich Maria Remarque (Porto Alegre, L&PM, 2004). Trata-se de um romance histórico,
contado por alguém que viveu a dura realidade da guerra e foi considerado, no pós-guerra,
uma obra-prima da literatura pacifista mundial. Baseado no livro, foi feito o filme de mesmo
nome (All Quiet on the Western Front, Lewis Milestone, 1930), também um clássico do gênero.

Alguns sítios interessantes sobre a Grande Guerra e também sobre o Brasil no pós-I
Guerra, veja os sítios indicados no Menu de Apoio, escolha a opção Links relacionados
e consulte-os.

pág. 12

O ENTRE-GUERRAS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

A Conferência de Paris, O Tratado de Versalhes e o Advento de uma


Nova Ordem Internacional

http://blog1.educacional.com.br/default_imprimir.asp?idpost=96161&idBLOG=8662&idusuario=0

Em janeiro de 1919, 25 países se reuniram em Paris para as conversações de paz. Os


derrotados e a Rússia, entretanto, não participaram dos debates.

Os norte-americanos, guiados pelo idealismo do Presidente Wodroow Wilson, desejavam a


criação da Sociedade de Nações, entidade que pudesse resolver amigavelmente as questões
internacionais. Também conhecida como Liga das Nações, essa organização internacional
deveria servir de foro onde os Estados poderiam resolver suas animosidades sem recorrer à
guerra, que deveria ser definitivamente banida das relações internacionais. A paz seria
assegurada por meio de um mecanismo de segurança coletiva, e o direito internacional, a
autodeterminação e a democracia deveriam prevalecer nas relações entre os povos. Esses
valores, que constituiriam o norte moral para a conduta dos Estados, seriam fomentados pelas
instituições então criadas, como a Liga das Nações e a Corte Internacional de Justiça
(denominada à época Corte Permanente de Justiça Internacional).

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Grã-Bretanha e França, todavia, buscavam defender seus interesses de forma mais incisiva e
pragmática. Os franceses desejavam a reintegração da Alsácia-Lorena a seu território, o
desarmamento alemão e o pagamento de indenizações de guerra. Os ingleses, por sua vez,
queriam o controle sobre a frota e sobre as colônias alemãs. Eram posições antagônicas aos
anseios estadunidenses e refletiam o realismo da política internacional européia do século XIX.

O Tratado de Versalhes, principal convenção de paz da Grande Guerra, continha termos


bastante duros para os vencidos. A Alemanha perdeu vários territórios e todas as suas
possessões coloniais. Além da Alsácia-Lorena, devolvida para a França, perdeu territórios para a
Lituânia e, principalmente, para a Polônia. Como resultado das perdas territoriais para esta
última, a Alemanha foi fisicamente dividida, com a Polônia separando a Prússia Oriental do
restante do país. Tinha-se aí um dos motivos que fomentaram o nacionalismo e o revanchismo
alemães no Entre-Guerras (1919-1939).
pág. 13

Militarmente, a Alemanha foi desarmada. O exército foi reduzido para 100 mil homens e 4 mil
oficiais. Não mais teria marinha, aviação, tanques ou artilharia pesada. Também não poderia
fabricar material bélico. Por fim, o país se viu obrigado a pagar uma grande indenização
financeira para os
vencedores. Para se ter idéia da indenização que a Alemanha se viu obrigada a pagar, o valor
acordado era tão expressivo que seria pago em parcelas que só acabariam no início da década
de 1980. Claro que esse pagamento não se daria como previsto...

Outros tratados de paz foram firmados entre 1919 e 1923. Como resultado, inúmeros países
surgiram da desintegração do Império Austro-Húngaro, do Império Otomano e do Império
Russo: Finlândia, Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e Iugoslávia. Um
novo mapa político da Europa era desenhado, com novas nações constituídas do esfacelamento
das colchas de retalho étnicas, que eram os citados velhos impérios.

O Mapa 23 ilustra a nova configuração política européia do pós-I Guerra (em amarelo, os
novos Estados).

Mapa 23

: A Europa em 1924

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Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun12.html

pág. 14

Uma Nova Ordem Internacional

A Europa que saía da guerra era bastante diferente daquela que a iniciara. De certo modo, o
impacto da I Guerra para algumas nações européias foi ainda maior do que o da II Guerra
Mundial. Sangrada e traumatizada, a Europa não conseguiu se recuperar por meio dos Tratados
de Paz. Ao contrário de uma paz duradoura, conseguiu-se, apenas, por intermédio de tratados
impiedosos, deixar os alemães desejosos de uma revanche. Diferentemente do Congresso de
Viena (1815), que fora um exemplo de como se obter a paz, Versalhes foi a expressão de raiva
dos vencedores. O resultado é que, vinte anos depois, eclodiria outra guerra mundial.

Novas Potências não-européias: EUA e Japão

Quais foram os verdadeiros vencedores da I Guerra Mundial? França e Grã-Bretanha saíram em


frangalhos do conflito. Perderam milhões de vidas e tiveram uma geração inteira traumatizada.
Perderam recursos industriais, econômicos e financeiros. Para ganhar a guerra, tiveram que se
aliar e se endividar junto aos EUA. Estes, se já eram um país importante antes de 1914,
tornaram-se, após o fim da guerra, a principal Potência mundial. Inegável que a vitória das
Potências ocidentais só foi possível porque os norte-americanos enviaram um contingente
significativo para a França a partir de 1917. Os EUA foram o fiel da balança na Grande Guerra:
não apenas impediram que as ofensivas alemãs fossem bem-sucedidas como também
mostraram para os alemães que a continuidade da guerra era inútil.

O Japão, mesmo com papel secundário na I Guerra Mundial, soube tirar proveito do
enfraquecimento das Potências européias. Conseguiu ocupar as possessões alemãs na China e
na Oceania. Além disso, como se envolvera apenas marginalmente no conflito, encontrava-se
pronto para as suas aventuras militares nas décadas de 1920 e 1930 e, posteriormente, na II
Guerra Mundial.
pág. 15

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Idealismo na política internacional e a Liga das Nações

A Grande Guerra havia sido demasiadamente traumática. Nunca o mundo presenciara tanta
carnificina e destruição em um conflito entre “nações civilizadas”. Os europeus, que haviam
comemorado o início do ansiado conflito, concluíram-no exaustos e dispostos a fazer daquela a
derradeira guerra.

O sentimento mundial e, sobretudo, europeu, ao fim da Grande Guerra, era de que não se
poderia mais tolerar que os povos se dizimassem em um conflito armado, e que a Sociedade
Internacional deveria empreender todos os esforços no intento de garantir um mundo pacífico e
regido pelo Direito, e não pela força.

O presidente estadunidense Woodrow Wilson foi o idealizador do programa de construção de


uma nova ordem internacional chamado Quatorze Pontos. Esse programa, apresentado para a
Conferência de Paris, previa um acordo de paz sem anexações territoriais ou indenizações de
guerra e baseava-se no princípio da autodeterminação dos povos, isto é, cada nacionalidade
teria direito de ter a própria independência, caso, por exemplo, da Hungria, Polônia e Sérvia.
Além disso, o programa wilsoniano previa a criação de uma Sociedade das Nações, para
assegurar que o mundo não entrasse novamente em guerra.

A Sociedade das Nações, ou Liga das Nações, foi fundada em 28 de abril de 1919. Apesar das
pretensões de Wilson, ela acabou sendo bastante limitada. Um Conselho Permanente, formado
por Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Japão e Itália, serviria como árbitro nas questões
internacionais. Caso não fosse bem sucedido, a Assembléia Geral, composta por todos os
membros, poderia votar sanções morais, econômicas ou militares.

Para fins práticos, os efeitos trazidos pelo advento da Sociedade das Nações foram desprezíveis.
Como exercia, na realidade, pouco poder, quando votava algum tipo de sanção ou de agravo, o
país atingido simplesmente se retirava da Liga. Ademais, a organização já começara
enfraquecida, pois a principal Potência mundial e pátria do seu idealizador, os EUA, acabaram
não aderindo à Liga, por decisão do Congresso norte-americano.

pág. 16

A Revolução Russa

A Revolução Russa foi um dos eventos mais importantes do século XX, tal como fora a
Revolução Francesa no século XVIII. Surgiu da derrota para o Japão em 1905 (em que disputou
o território da Manchúria), dos escombros da I Guerra Mundial, da disseminação das idéias
socialistas e revolucionárias geradas no século XIX e da incapacidade do governo czarista de
ouvir os anseios populares.

A entrada russa na Grande Guerra, tal como ocorrera em outros países, fora celebrada pelo
povo. O governo de São Petersburgo imaginava que a superioridade numérica da Rússia em
homens seria suficiente para derrotar os alemães. Isso não se mostrou verdadeiro. Apesar de
estar em inferioridade numérica, a Alemanha soube lidar com a incompetência militar e com os
problemas logísticos russos. As derrotas militares não tardaram a surgir e, rapidamente,
transformaram-se em desastres. Além disso, a guerra pressionou, de modo exagerado, a
economia russa: os camponeses foram retirados de suas terras para lutar no fronte, empresas
e indústrias faliram, a inflação corroía o poder de compra e não havia comida suficiente para
abastecer as principais cidades. Em fins de 1916, a Rússia czarista estava à beira do colapso.

Lênin conseguiu retornar do


Apesar disso, o Czar Nicolau II, preso aos compromissos de guerra exílio e chegar à Rússia para
com a França e com a Grã-Bretanha, não dava sinais de que promover a Revolução
desistiria do conflito. Pressionado, abdicou em março de 1917. O graças ao auxílio dos

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governo passou às mãos de um governo moderado sob o alemães, particularmente


comando de Alexander Kerenski. Entretanto, o novo governo não dos serviços de inteligência
eliminou o principal problema do país: a guerra. Em outubro do do Kaiser, com os quais o
mesmo ano, Lênin, líder bolchevista que retornara do exílio, líder bolchevista
preparou a tomada do poder. Kerenski, abandonado pelo exército, comprometeu-se a pôr fim à
fugiu. Lênin assumiu então o governo. participação de seu país na
guerra assim que tomasse o
poder.

A Revolução Russa e o Stalinismo são o pano de fundo dos filmes Dr. Jivago e Reds de
Warren Beatty. Confira!

pág. 17

Os bolchevistas eram guiados pelas idéias de Karl Marx e Friedrich Engels, pensadores
comunistas do século XIX. Assim, tinham o objetivo de, uma vez tomado o poder, realizar
profundas mudanças na sociedade. De acordo com Marx, a história se funda na luta de classes
e essa seria superada pela classe mais revolucionária e vanguardista, o proletariado. A
contribuição de Lênin para a política do século XX foi a seguinte: a revolução seria feita através
da condução e organização do disciplinado partido de vanguarda de revolucionários
profissionais. A revolução de 1905 mostrara uma burguesia russa politicamente fraca; a
Constituição liberal-burguesa formulada era muito restrita e o czarismo tornara a se implantar.
Para uma revolução sem burguesia, o partido conduziria a classe operária com o apoio do
campesinato, ansioso por terras.

As repercussões de uma revolução russa seriam mais amplas que as de 1789. A simples
extensão física e a plurinacionalidade de um império que ia do Pacífico à fronteira alemã
significava que sua queda afetaria um número muito maior de países, em dois continentes, que
a de um Estado marginal ou isolado na Europa ou na Ásia.

Uma das primeiras medidas de Lênin foi a retirada da Rússia da guerra. Por meio do armistício
de Brest-Litovsk, entregou parte importante do território e dos recursos industriais e
econômicos russos na Europa para os alemães em troca da paz. Mesmo arriscado, foi um lance
bem-sucedido. Junto com isso, implantou um regime de partido único apoiado em uma
poderosa polícia política, a Tcheka, e no Exército. Depois de três anos de sangrenta guerra civil,
inclusive com a invasão do território russo por forças estrangeiras, a vitória e o controle do país
foram definitivamente alcançados.

Dos escombros do império dos czares surgiu um novo país, a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), primeira nação do mundo sob um regime marxista e que se tornaria a única
Potência do planeta capaz de rivalizar com os EUA. O governo revolucionário enfrentaria ainda
grandes crises políticas e econômicas, mas conseguiria superar esses obstáculos e retomar o
processo de industrialização e de crescimento iniciado pela Rússia czarista. Entretanto, essas
transformações acarretariam a morte de milhões de pessoas, não só em virtude da insuficiência
de alimentos, mas também por causa de decisões desastrosas da política econômica – tomadas
por burocratas do Partido Comunista – e, ainda, como resultado de perseguições e expurgos
contra toda e qualquer pessoa suspeita de ser contrária ao regime. Nesse contexto, a figura de
Josef Stalin, que assumiu o poder após a morte de Lênin, em 1924, e governou ditatorialmente
a URSS até a sua própria morte, em 1953, teve um papel central.

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pág. 18

A Crise de 1929

Crise de 29 - fila de desempregados

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os EUA se tornaram a


principal Potência econômica do mundo. A década de 1920 foi
um tempo de grande crescimento econômico. Empolgados com a
possibilidade de lucro rápido, milhares de pessoas se puseram a
investir na Bolsa de Valores, inclusive comprando ações a
crédito. Esse movimento de especulação fez com que os preços das ações fossem muito
maiores do que elas realmente valiam.

Em outubro de 1929, a “bolha” da Bolsa explodiu. Em poucas semanas, bilhões de dólares


evaporaram. Empresas reduziram a produção, milhões de trabalhadores ficaram
desempregados, agricultores tiveram que entregar as suas terras para os bancos, e centenas de
bancos fecharam as portas. O índice de produção estadunidense, que era de 100 em 1929,
caiu, em pouco tempo, para 60.

Externamente, os efeitos da crise também foram devastadores. Como sempre ocorre,


problemas na principal Potência repercutem rapidamente no restante do sistema internacional.
Desemprego, inflação e quebra de empresas atingiram praticamente todos os outros países do
mundo, à exceção da União Soviética, que não dependia do sistema econômico internacional
por ter sido isolada pelas Potências, em virtude da Revolução de 1917 e do estabelecimento do
regime comunista.

Saiba mais sobre a crise de 1929.


pág. 19

Fascismo e Nazismo

Após a I Guerra Mundial, a Europa foi tomada por uma onda de radicalização política. Regimes
totalitários, à esquerda e à direita, apareceram por todo o continente. Os antigos regimes
liberais foram, pouco a pouco, substituídos por regimes onde imperava a força. E isso ocorreu
com o apoio popular, que, em diversos países, manifestou descrédito na democracia.

Após 1916, o constitucionalismo liberal e a democracia representativa batem em retirada,


embora restaurados após 1945. Em 1939, os únicos dentre os 27 Estados europeus que podiam
ser descritos como democracias parlamentares eram: Reino Unido, Estado Livre da Irlanda,
França, Bélgica, Suíça, Holanda e os quatro escandinavos. Todos eles, salvo o Reino Unido, a
Irlanda, a Suécia e a Suíça, logo desapareceriam temporariamente em virtude de ocupação ou
de aliança com a Alemanha nazista.

O Tratado de Versalhes comprometeu as chances de recuperar a estabilidade capitalista da


Alemanha e, portanto, da Europa, em bases liberais.

O comunismo, que já havia alcançado o poder na Rússia por ocasião da Revolução de 1917,
apresentava-se, para muitos europeus, como a saída da esquerda. À direita, foi o fascismo que
surgiu como o grande adversário dos regimes democráticos.

A Itália é o primeiro país em que um regime fascista estabeleceu-se e adquiriu importância.


Benito Mussolini, antigo militante socialista, catalisou em torno de si toda a insatisfação do povo
italiano com o resultado da I Guerra Mundial. Os italianos pouco poderiam comemorar dos

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resultados da Grande Guerra. Apesar de oficialmente vitoriosos, as baixas em vidas foram


altíssimas. Além disso, a Itália não conseguiu obter o prestígio que há tanto tempo desejava.
Para as outras potências européias, a Itália ainda era uma nação de segunda categoria.

Também não se pode esquecer que a Itália chegou à década de 1920 em grave crise
econômica: o desemprego grassava, empresas quebravam, a inflação era alta e os
trabalhadores perdiam renda. Tratava-se de cenário bastante promissor para soluções
autoritárias. Mussolini aproveitou-se da oportunidade. Em 1921, fundou o Partido Fascista e,
em 1922, realizou a Marcha sobre Roma, dizendo-se defensor da ordem contra o caos e a
anarquia. Inicialmente, o discurso fascista manteve um aspecto de normalidade, mas, em 1925,
os fascistas tomaram, definitivamente, o poder.

Sobre as questões relacionadas ao totalitarismo e ao autoritarismo da Europa, vide


Mark Mazower, O continente sombrio: a Europa do século XX (São Paulo: Companhia
das Letras, 2001). Obra teórica fundamental a respeito é Origens do Totalitarismo, de
Hannah Arendt (São Paulo: Companhia das Letras, 1989).
pág. 20

O Fascismo italiano, copiado depois por muitos outros países,


tinha entre seus princípios:

-a existência do Estado autoritário, baseado na figura do


chefe (ou líder) e no partido único;
-a preponderância do coletivo – ou das massas – sobre o
indivíduo;
-o Estado como o árbitro nas relações entre patrões e
empregados;
-a exaltação da guerra e da grandeza nacional.

Muitos outros países adotaram regimes similares ao italiano ou inspirados nele: Espanha,
Portugal, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Grécia, Bulgária, Lituânia, Estônia, Letônia e Áustria,
para citar os Estados europeus. Até no Brasil, em 1937, com o Estado Novo de Getúlio Vargas,
foi estabelecido um regime fortemente influenciado pelas idéias fascistas.

Não obstante, o fascismo não seria a opção mais autoritária de direita no Entre-Guerras. Em
1933, chegava ao poder na Alemanha o principal discípulo das idéias de Mussolini: Adolf Hitler.
O novo líder alemão conseguiu não apenas superá-lo como radicalizar mais ainda a ideologia
fascista: estabelecia-se o nacional-socialismo na Alemanha.

pág. 21

As origens do nazismo

O nacional-socialismo, ou nazismo, como é também chamado, surgiu em meio à crise da


década de 1920, e encontrou nos problemas da Alemanha e do mundo no pós-I Guerra Mundial
as razões de seu fortalecimento. A primeira dessas razões é o perene revanchismo alemão
oriundo da derrota e das imposições dos vencedores da I Guerra Mundial.

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Simbolicamente, os alemães não se sentiam derrotados porque o território alemão não fora
invadido em 1918. Ademais, quando os combates foram suspensos por meio de um armistício –
e não de uma capitulação –, parecia haver um equilíbrio entre os lados combatentes, pois
ambos estavam exauridos. A culpa para o armistício era jogada sobre as costas do poder civil,
os “entreguistas”, particularmente os socialistas que negociaram o armistício, supostos
responsáveis pelo fracasso.

Em segundo lugar, as condições do Tratado de Versalhes para a Alemanha foram muito mais
duras do que o Presidente Wilson sugerira. Os alemães foram declarados culpados pela guerra,
obrigados a pagar uma reparação gigantesca e impedidos de ter um exército de tamanho
compatível com a realidade de uma Potência.

Por fim, as crises econômicas da década de 20 – primeiro, em 1923, quando o país passou pela
hiperinflação, depois, em 1929, resultado da quebra da bolsa de Nova York – se mostraram
fundamentais para criar um caldo simbólico de ódio e rancor. Razões econômicas que
repercutiram em movimentos sociais questionaram a frágil democracia da República de
Weimar, como foi denominado o regime alemão em sua breve experiência democrática (1919-
1933).
pág. 22

Aos ingredientes do fascismo, os nazistas juntaram o racismo – especialmente contra judeus,


eslavos e ciganos. Também aprofundaram o autoritarismo fascista, ao resumirem o Estado a
um chefe único, o Führer: alicerçava-se um Estado totalitário, que só encontraria congênere na
URSS stalinista.

Os nazistas eram, simultaneamente, antimarxistas e anticapitalistas: o marxismo, para os


nazistas, seria obra dos judeus, e o capitalismo, por sua vez, era desigual e individualista.
Ademais, defendiam um sistema de partido único, hierarquizado e presente em todas as etapas
da vida do indivíduo – o indivíduo não existia fora do partido –, e pregavam um nacionalismo
levado às últimas conseqüências.

No pós-I Guerra Mundial, o nacionalismo foi definitivamente incorporado pela direita política.
Desde o final do século XIX que as organizações de massa do nacionalismo alemão desviaram-
se do liberalismo herdado de 1848 para uma postura militarista, agressiva e anti-semita. No
Entre-Guerras, ganhava ainda mais força um novo movimento político baseado no chauvinismo,
na xenofobia e na idealização da expansão nacional, na conquista e no próprio ato da guerra.
Tal nacionalismo passou a atrair as classes médias frustradas, os anti-liberais e os anti-
socialistas.

Uma vez no poder, alcançado por meio de eleições democráticas, os nazistas iniciaram
profundas reformas: instituíram um modelo de partido único, dominaram o Judiciário,
estabeleceram a censura, promoveram expurgos no serviço público e nas universidades e
criaram os campos de concentração, para onde eram enviados os elementos indesejados.
Também conseguiram o rápido rearmamento do Exército. Ao lado dessas ações práticas, os
nazistas agiram com muita força no campo simbólico. Uma palavra resume esse processo:
propaganda.
pág. 23

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)

Episódio marcante do Entre-Guerras foi a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O conflito foi
caracterizado pelo confronto entre as grandes correntes ideológicas da época e nele lutaram
voluntários de diversas partes do mundo, inclusive do Brasil.

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Após a queda da ditadura de Primo de Rivera, em 1930,


o rei da Espanha Afonso XII tentou restabelecer um
governo constitucional. Entretanto, as eleições de 1931
acabaram com as pretensões monarquistas: o rei foi
exilado e a República proclamada. Apesar das
resistências, a República espanhola mostrou-se
democrática e, em 1936, ganhou as eleições a Frente
Popular, composta por anarquistas, comunistas,
socialistas e radicais. O novo governo apoiou as
reivindicações dos movimentos operários e camponeses
e os trabalhadores começaram a ocupar as fábricas e a
invadir terras.

O assassinato do líder monarquista Calvo Sotelo por


forças anarquistas, em 13 de julho de 1936, serviu de justificativa para o levante militar
liderado pelo general Francisco Franco, a partir do Marrocos espanhol. Para fazer frente à
revolta do Exército, o governo republicano recorreu a milícias, armando os populares. Em dois
meses, as tropas de Franco já dominavam metade do território espanhol. Entretanto, a guerra
se prolongaria por três anos, constituindo-se em um confronto sangrento e generalizado.

Enquanto os nacionalistas, liderados por Franco, tinham apoio de setores conservadores, como
o Exército e parte do clero católico, e das províncias ocidentais do país, os republicanos
contavam com a Força Aérea e a Marinha, com os trabalhadores, a pequena burguesia radical e
parte do campesinato. Contavam os republicanos também com as regiões industriais que
ocupavam o triângulo Madri-Valência-Barcelona. Bascos e catalães apoiavam a República.

Em 1938, os franquistas conseguiram isolar a Catalunha de Madri. Barcelona capitulou em


janeiro de 1939 e Madri em março do mesmo ano. Em 1º de abril de 1939, acabou a sangrenta
guerra que dividira a Espanha, deixara cerca de 500.000 mortos e 450.000 exilados.
Estabeleceu-se um governo de índole fascista, liderado por Franco, e que perduraria por quase
quatro décadas.
pág. 24

Economicamente, a guerra civil deixou a


Espanha em uma situação catastrófica. A
renda per capita só recuperaria os níveis de
1936 em meados da década de 1950. A
malha industrial espanhola foi destruída e o
país voltou à condição de economia
eminentemente agrária. A infra-estrutura foi
muito danificada, a Espanha gastou todas as
suas reservas e a dívida externa cresceu.

Com o fim da guerra, o governo de Franco instaurou uma ditadura de direita, simpática aos
países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Esse regime se manteria até a morte de Franco em
1975, quando então a monarquia seria restabelecida e o país iniciaria um processo de
redemocratização.

No que concerne às relações internacionais, a Guerra Civil Espanhola foi um conflito que
repercutiu muito além da Península Ibérica: com a participação das Potências – Alemanha e
Itália apoiando Franco e URSS auxiliando os republicanos – e dos grupos de voluntários de
diversas nacionalidades, o conflito adquiriu um caráter internacional e extremamente
ideológico.

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O livro fundamental para se entender o “Entre-Guerras” sob a perspectiva das


relações internacionais é Vinte Anos de Crise: 1919-1939, de Edward H. Carr
(Brasília: EDUNB, IPRI; São Paulo: IOESP, 2001).

Também sobre o Entre-Guerras, assista ao filme Tempos Modernos, de Charles


Chaplin, um clássico que ilustra o impacto da Segunda Revolução Industrial sobre a
vida humana. Trata-se do último filme mudo de Chaplin, que focaliza a vida urbana
nos Estados Unidos nos anos 30, imediatamente após a crise de 1929, quando a
depressão econômica atingiu toda a sociedade norte-americana, levando grande parte da
população ao desemprego e à fome. Leia a sinopse do filme!
pág. 25

A guerra na Espanha foi o prelúdio da nuvem negra que se abateria sobre a Europa e o mundo
a partir de 1939. Nela as ideologias se confrontaram, os regimes autoritários puderam mostrar
seu poder e testar sua máquina de guerra e as democracias deixaram claro o misto de
desinteresse e impotência para lidar com temas que envolviam o risco de abalo da “segurança
coletiva”.

Toda a extensão da tragédia causada pela Guerra Civil Espanhola pode ser constatada pela
reportagem do The Times, de 28 de abril de 1937, da qual extraímos o seguinte trecho:

“Guernica, a mais antiga cidade dos bascos, centro de suas tradições culturais, foi
completamente destruída ontem à tarde por um reide aéreo dos revoltosos. O
bombardeio dessa cidade aberta, muito atrás das linhas de combate, durou três
horas e quinze minutos, durante as quais uma poderosa esquadra aérea alemã,
composta de bombardeiros Junker e Heinkel, e caças Heinkel, não parava de
despejar sobre a cidade bombas de 1000 libras e, calcula-se, mais de 3000
projéteis incendiários de 2 libras, de lumínio. Ao mesmo tempo, os caças
mergulhavam sobre a cidade para metralhar a parte da população civil refugiada
nos campos(...).”

Quadro-manifesto retratado por Pablo Picasso - Guernica

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A Guerra Civil Espanhola é o pano de fundo do filme Por Quem os Sinos Dobram, de Sam Wood
(EUA, 1943, 159 min), estrelado por Ingrid Bergman e Gary Cooper.
pág. 26

O III Reich e os antecedentes da II Guerra Mundial

Nos três anos que se seguiram à nomeação de Adolf Hitler Chanceler da Alemanha, em 30 de
janeiro de 1933, o governo nacional-socialista promoveu transformações que rapidamente
reconduziram o país ao seleto clube das Grandes Potências. Em 1936, o III Reich, como ficou
conhecida a Alemanha nazista, já era uma das maiores economias do mundo: havia reduzido o
desemprego em 40% já em 1934; inúmeras obras públicas estavam sendo feitas e a indústria
retomara sua força, de modo que o país já se mostrava internacionalmente competitivo. Como
aconteceu na União Soviética, é inegável que a opção totalitária reergueu o país.

Recuperada do ponto de vista doméstico, a Alemanha se lançaria em uma nova empreitada de


política externa. Como sempre prometera, Hitler desejava conduzir os alemães à retomada do
orgulho nacional, por meio do repúdio às imposições estabelecidas pelo Tratado de Versalhes e
da busca do “espaço vital” a leste, indispensável para a sobrevivência do III Reich. Com ações
calculadas que jogavam com a capacidade de reação das Grandes Potências, a Alemanha foi,
aos poucos, derrubando cada imposição do acordo de paz de 1919 e anexando novos territórios
ao Reich.

Grã-Bretanha e França, ainda traumatizadas pelos efeitos da Primeira Guerra, evitaram agir
para impedir o avanço da política externa nazista. Era a política do apaziguamento, da paz a
qualquer preço, que se fez ao custo da entrega da Áustria e da Tchecoslováquia para a
Alemanha. Havia também a expectativa, por parte das democracias européias, de que, em seu
avanço para o leste, logo o III Reich se chocaria com a URSS. Assim, Grã-Bretanha e França
contavam com o conflito entre os dois grandes Estados totalitários, o que seria para elas
demasiadamente interessante.

Vide “A Política Exterior do III Reich: Algumas Reflexões”, de Joanisval Brito Gonçalves.
In: Albene Menezes e Mercedes Kothe (orgs.). Brasil e Alemanha, 1827-1997,
Perspectivas Históricas, 170 anos da assinatura do 1º Tratado de Comércio e
Navegação. Brasília: Thesaurus, 1997.

Entretanto, Londres e Paris não consideraram o improvável: em agosto de 1939, Alemanha e


URSS assinaram um tratado de não-agressão. Para desespero das democracias ocidentais, os
dois inimigos figadais aliavam-se. Estava pronto o quadro que levaria à Segunda Guerra
Mundial.

Atividades de autoavaliação -
Realize as atividades propostas para a Unidade/Módulo. Acesso pelo menu lateral
"Avaliações".

Avaliação da Unidade - Para refletir melhor sobre o conteúdo apresentado na


unidade, responda a questão proposta. Localize-a no menu lateral: "Trabalhos /

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Redações" Unidade 3 Módulo II. Espera-se que demonstre capacidade de análise e domínio dos
temas. Lembre-se de informar a fonte caso cite texto de terceiros. Sucesso!

Unidade 1 - A Segunda Guerra Mundial

Objetivos da Unidade:

Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:

# discorrer sobre os principais antecedentes da II Guerra Mundial;


# indicar os principais fatos que marcaram cada uma das fases do conflito.

Esta Unidade é dedicada ao estudo da II Guerra Mundial, seus antecedentes e


fases. A abordagem desse conteúdo, lhe apresentará as causas que levaram à
Segunda Guerra Mundial e os relatos de como se desenrolou a guerra em seus
momentos principais. Siga em frente!

pág. 01

A II GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

A II Guerra Mundial estendeu-se de 1939 a 1945, alcançou todos os continentes habitados e


envolveu as Grandes Potências e seus aliados em um confronto sem precedentes, com um
saldo de mais de 80 milhões de mortos e prejuízos econômicos incalculáveis. Seu legado
produziria uma nova configuração de poder mundial nas décadas que se seguiriam, em um
significativo conjunto de transformações no equilíbrio de poder mundial, que alcançaria o século
XXI.

Ao contrário da Grande Guerra, a II Guerra Mundial foi, de fato, travada entre praticamente
todos os povos e culturas do planeta, ampliando expressivamente o raio de ação das relações
internacionais contemporâneas. Qualitativamente, a guerra colocaria um fim à supremacia
européia e ao eurocentrismo no sistema internacional, retiraria da França e da Grã-Bretanha a
condição de Potências hegemônicas e deixaria a Alemanha, o Japão e a Itália sem os espaços
internacionais conquistados à força no Entre-Guerras. Ademais, o processo de expansão e
construção do mundo liberal seria substituído por uma nova ordem internacional, bipolarizada,
com a emergência dos EUA e da URSS.

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A II Guerra Mundial pode ser dividida em duas fases. Na primeira, de 1939 a 1941, os países
europeus ainda tentam manter a condução dos destinos das relações internacionais e a guerra
é eminentemente européia, como o fora a I Guerra Mundial. Entranto, com a segunda fase, que
vai de 1941 até 1945, o conflito torna-se mundializado, com a participação de novos Atores,
particularmente os EUA, URSS e o Japão, e se prenuncia uma nova ordem internacional.

Antecedentes:

A Chegada de Hitler ao Poder na Alemanha

A ascensão de Adolf Hitler ao governo alemão, em 1933,


significou uma nova concepção de relações internacionais,
marcada pelo nacionalismo ardente que rejeitava tanto a
igualdade dos povos como a dos indivíduos, desprezava os
tratados e buscava o expansionismo por meio do
rearmamento, anexação de territórios onde houvesse
alemães e aquisição do espaço vital para a construção da
Grande Alemanha – Gross Deutschland.

Em 1934, as ditaduras fascistas dominavam a Europa


Central e Oriental e, em 1939, a democracia era exceção
minoritária no continente. Hitler movia-se para dominar o
Leste, e Mussolini, o Adriático e o Mediterrâneo, em ações
que tinham a indiferença ou mesmo o consentimento das
Potências ocidentais, particularmente Grã-Bretanha e França.

À medida que avançava a década de 1930, aumentava a descrença na Sociedade das Nações. A
França passou a buscar alianças a Leste, mirando a Polônia e a Tchecoslováquia. A Itália e a
Alemanha, os dois grandes Estados fascistas da Europa, aproximaram-se. A Grã-Bretanha
buscava fugir de engajamentos militares na Europa, considerando justa a reivindicação alemã
por mudanças ao mesmo tempo em que investia no reforço da coesão no âmbito do
Commonwealth e da zona esterlina. A opinião inglesa endossou o pensamento de Keynes de
reduzir as reparações alemãs porque prejudicavam as exportações britânicas.
pág. 02

EUA e URSS

A estratégia hitleriana de dominação do Leste forçou a URSS a aproximar-se do Ocidente, fazer


alianças e aderir à Sociedade das Nações em 1934. Todavia, os objetivos soviéticos de política
exterior apresentavam uma dualidade: formar uma frente antinacional-socialista ou atuar como
o fiel da balança entre os “dois campos burgueses do capitalismo”. O fato foi que os ocidentais
se recusaram a fechar um pacto, para a decepção dos soviéticos, e acabaram deixando soltos
Hitler na Europa, Mussolini na Etiópia e o Japão na China. A partir daí, a URSS reforçou seu
isolacionismo político, comercial e financeiro, renunciando ao ideal do internacionalismo
proletário. E, surpreendentemente, aproximou-se da Alemanha, que, durante certo tempo,
também fora isolada pelas Potências européias. Essa associação entre as duas Grandes
Potências totalitárias da Europa, Alemanha e URSS, que culminaria no pacto de não-agressão
entre os dois países, em 23 de agosto de 1939, gerou preocupação nos países do continente.

Apesar de ampliarem sua presença na economia mundial, sob a ótica política, os EUA adotaram
o isolacionismo, buscando não interferir nas relações internacionais do Velho Mundo,
particularmente na política européia. Ademais, o projeto político-comercial pan-americano dos
EUA os mantinha longe da Europa. De fato, mesmo após o início da II Guerra Mundial, a opinião
pública estadunidense permaneceu disposta a não se envolver no conflito, pois encontrava-se

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divida sobre que lado apoiar. Registre-se que o Presidente Franklin Delano Roosevelt se
reelegeu com um discurso de que os EUA não participariam da guerra na Europa.

As relações entre as Potências Européias

1934 foi o ano do rearmamento alemão: após se retirar da Sociedade das Nações no ano
anterior, Hitler rompeu unilateralmente com os acordos de Versalhes e Locarno, assinou um
pacto de não-agressão com a Polônia (aliada tradicional da França) e encontrou-se com
Mussolini para evitar choques de interesses na área do Rio Danúbio. A França, em reação,
aproximou-se da URSS e propôs, em vão, um pacto geral sobre o Leste europeu. A Itália, em
resposta, propôs um Pacto dos Quatro Grandes (Grã-Bretanha, França, Alemanha e a própria
Itália), que havia sido tentado no âmbito da Sociedade das Nações, com o fim de rever tratados
e liderar a Europa, o que não foi aceito pelos países menores.

Na Conferência de Stresa, em abril de 1935, Itália, França e Grã-Bretanha recusaram a


denúncia unilateral alemã dos tratados. A Grã-Bretanha, todavia, celebrou um acordo naval em
junho do mesmo ano com Berlim, considerado uma traição política pelos franceses, italianos e
até pelos soviéticos. Em outubro, a Itália invadiu a Etiópia, membro da Sociedade das Nações, e
não recebeu qualquer condenação ou sanção. A segurança coletiva européia desmoronava.

O clima esquentou em 1936, com a Guerra Civil Espanhola. Era o primeiro experimento de uma
guerra civil verdadeiramente européia, uma vez que nela se confrontaram militarmente as
correntes ideológicas de direita e esquerda, com fornecimento de armas de ambos os lados (da
URSS para os republicanos e da Itália e da Alemanha para os franquistas). Fenômeno
semelhante só voltaria a ser visto na época da Guerra Fria.

pág. 03

A Política Exterior do III Reich

Após a consolidação do regime nacional-socialista no campo doméstico e a recuperação


econômica da Alemanha, Hitler prosseguiu com seu projeto de hegemonia alemã sobre a
Europa centro-oriental. Em 1938, com base no princípio de que todos os povos alemães
deveriam estar unidos sob um único governo, o III Reich anexou a Áustria e parte da
Tchecoslováquia – esta última com o consentimento formal da Grã-Bretanha, França e Itália, na
Conferência de Munique. Hungria e Romênia aliaram-se à Alemanha, que já havia estabelecido
o Eixo Roma-Berlim (ao qual Tóquio aderiria pouco depois). Finalmente, em 1939, a Alemanha
se aproximou da URSS, com Berlim e Moscou negociando a partilha da Polônia.

Os regimes democráticos só buscaram unidade de ação contra Hitler após a aliança com os
soviéticos e a invasão da Polônia, em 1º de setembro de 1939. De fato, franceses e britânicos
foram surpreendidos pelo pacto germano-soviético e, percebendo que não seria mais possível –
pelo menos naquele momento – o tão esperado confronto entre os dois Estados totalitários,
tiveram que deixar de lado a política do apaziguamento. Logo depois de divulgado o acordo
germano-soviético, Grã-Bretanha e França ofereceram garantias para a Polônia, e os EUA
solicitaram a Hitler que, por dez anos, não atacasse 29 nações, cuja lista lhe fizeram chegar.

Às vésperas da guerra, pareciam evidentes os objetivos da política externa alemã:

• reduzir a influência da França no continente;


• buscar a neutralidade da Grã-Bretanha;
• instaurar um império alemão a Leste, incluindo o território soviético.

A partir da improvável e surpreendente aliança com os soviéticos, a Alemanha pôde


desencadear a invasão da Polônia. A reação de britânicos e franceses foi tardia. Os soviéticos

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logo atacariam os poloneses pelo leste, incorporariam os Estados Bálticos a seu território e, em
novembro de 1945, a Finlândia seria atacada. Começava a II Guerra Mundial.

Inúmeros filmes retratam o nazismo e a Segunda Guerra Mundial. Vejamos alguns:

O Grande Ditador, de Charles Chaplin. Em seu primeiro filme falado, Chaplin interpreta dois
papéis opostos, o de um barbeiro judeu que enfrenta tropas de choque e perseguição religiosa e
o do Grande Ditador Hynkel (sátira a Adolf Hitler). O clímax desse clássico é o célebre discurso
final, um libelo ao triunfo da razão sobre o militarismo.
A Lista de Schindler. Esse filme do diretor Steven Spielberg conta a história real de Oskar
Schindler (Liam Neeson), empresário alemão que salvou centenas de judeus dos campos da
morte nazistas.
Pearl Harbor. Filme que tem como fio condutor os eventos que fizeram com que os Estados
Unidos entrassem na 2.ª Guerra Mundial, logo após o ataque japonês a Pearl Harbor.
O Pianista. Essa bela obra do diretor Roman Polanski mostra o surgimento do Gueto de
Varsóvia, quando os alemães construíram muros para encerrar os judeus em algumas áreas.
Sobre a guerra no Pacífico, vale a pena assistir aos clássicos Tora, Tora, Tora e Midway.
pág. 04

A GUERRA

A Primeira Fase: 1939-1941

Após a invasão da Polônia, em 01/09/1939, e a declaração de guerra à Alemanha por Grã-


Bretanha e França, o confronto ateve-se ao fronte oriental, com a queda da Polônia em algumas
semanas e os avanços soviéticos sobre os países bálticos e a Finlândia, e à investida alemã
contra a Noruega, em busca das reservas de ferro e carvão, momento em que houve o
enfrentamento entre alemães e uma Força Expedicionária Britânica, com a derrota desta última
em Narvik. Fora isso, a guerra no fronte ocidental ainda não começara.

Assim, os primeiros passos da guerra foram lentos. Cerca de


dez milhões de soldados esperavam, na estratégia da guerra
estática, os primeiros movimentos do inimigo. Os líderes
políticos franceses e britânicos decidiram retardar ao máximo as
ofensivas. Até maio de 1940, quando os alemães iniciaram a
grande ofensiva militar sobre a França, não tinha havido
praticamente embates entre as Grandes Potências no fronte
ocidental.

As forças mobilizadas pareciam favoráveis aos alemães. Apesar


da manifesta superioridade, no mar, de franceses e britânicos, os alemães possuíam, em
setembro de 1939, 3.228 aviões de guerra contra os 1.377 da Grã-Bretanha e os 1.254 da
França. Em terra, os canhões e tanques alemães também eram numericamente superiores.
Construída, ainda entre 1930 e 1935, a linha Maginot, no nordeste do país, era o símbolo da
insegurança francesa (SARAIVA, 1997). Entretanto, em termos econômicos, franceses e
britânicos viam-se superiores, particularmente graças a seus vastos impérios coloniais.

Nos primeiros meses da guerra, Grã-Bretanha e França planejavam vencer a Alemanha pelos
bloqueios em terra e pelo cerceamento dos mares. Acreditavam que o isolamento levaria à
ruína econômica do III Reich, uma vez que toda a economia alemã voltava-se para a guerra e
já estava ameaçada pela insuficiência de matérias-primas.

Reforçava a percepção de supremacia da Grã-Bretanha e da França o fato de também contarem


com forças extra-Europa, como a venda de armas norte-americanas no sistema cash-and-carry

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(pagamento à vista) no Atlântico, a partir de novembro de 1939, ao passo que Hitler estava
reduzido aos seus próprios recursos e, no máximo, aos recursos continentais.

Hitler propôs a paz em 6 de outubro de 1939. Grã-Bretanha e França não aceitaram, pois só
lhes interessava a paz se a influência franco-britânica fosse retomada sobre todo o continente
europeu. Por outro lado, para os franceses, a guerra era a oportunidade para arruinar
definitivamente a Alemanha. Assim, diante da reação estática de Londres e Paris e da hesitação
da França, que testemunhava amplos debates internos entre a anglofilia e a anglofobia, Berlim
preparou-se para a invasão da França em 10 de maio de 1940.
pág. 05

A Queda da França

Em pouco mais de trinta dias, após o início das operações contra a França, Paris já era dos
alemães. O êxodo de 8 milhões de franceses enterrava o moral francês. Em manobra de pinça,
e por meio da Blitzkrieg, a guerra-relâmpago, as forças alemãs dividiram ao meio as tropas
francesas e as empurraram, juntamente com a Força Expedicionária Britânica, para a costa do
Mar do Norte, no que culminou na maior operação de retirada da história, quando centenas de
embarcações foram envolvidas no resgate de soldados britânicos e franceses em Dunquerque,
numa fuga desesperada para deixar o continente e escapar dos alemães. Dunquerque foi a
maior humilhação por que passaram britânicos e franceses na guerra.

De fato, o divórcio intelectual e estratégico franco-


britânico concretizou-se com a evacuação das tropas
aliadas, em especial da Força Expedicionária Britânica, em
Dunquerque, no nordeste francês. Dois dias antes de se
iniciar a evacuação de Dunquerque, em 24 de maio 1940,
Hitler ordenou a contenção do avanço das vanguardas em
direção à cidade. Boulogne, Calais, Dunquerque e Ostende
eram os quatro portos no lado oposto da parte estreita da
Mancha (cabeças-de-ponte para os ingleses no continente
europeu) que, em 23 de maio, ainda não haviam sido
capturados pelos alemães. Acreditava-se, nesse
momento, que a grande tarefa da Luftwaffe, a Força
Aérea Alemã, estava começando: o aniquilamento dos ingleses no norte da França pelo ar.
Todavia, a concretização da evacuação provou para os ingleses a falta de eficácia da Luftwaffe
ou, como acreditam alguns historiadores, que Hitler não estava disposto a aniquilar os ingleses,
pois esperava que se tornassem aliados do Reich.

Winston Churchill, que se tornara primeiro-ministro após o início da guerra, quis evitar a
qualquer custo que os navios franceses se rendessem aos alemães nos portos e acabou por
afundar alguns deles, o que agravou a anglofobia francesa. Ao final, a libertação de 340 mil
soldados britânicos e franceses seria fundamental para os andamentos posteriores da guerra,
tendo particular importância política para o duelo entre Churchill e Hitler.
pág. 06

Em 22 de junho de 1940, a França capitulou e passou a ser o único país vencido a concluir um
armistício. Bélgica e Holanda optaram pela rendição militar, e seus governos foram transferidos
para Londres. Um governo francês pró-alemão se estabeleceu na cidade de Vichy, para onde
fugira o parlamento. O herói da I Guerra Munidal, Marechal Pétain, tornou-se o governante da
França ocupada.

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Essas primeiras vitórias do Eixo e


dos soviéticos no início da II Guerra
Mundial podem ser vistas no Mapa
24 (em verde, as conquistas
alemães nos anos de 1939 a 1941;
em amarelo, o que restou da França
– a França de Vichy).

Mapa 24: A Primeira Fase da II Guerra


Mundial
As Vitórias Alemãs e Soviéticas na
Europa

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux11.html

A batalha da Grã-Bretanha (Operação Leão-do-Mar) iniciou-se em 13 de outubro de 1940. A


Luftwaffe iniciou os bombardeiros sobre Londres. Todavia, foi testemunhada, naquelas
semanas, uma das maiores ondas patrióticas da história britânica, que, somada ao “espírito de
Dunquerque”, fez com que Hitler, ao final do mês, encerrasse a batalha para poupar aeronaves
para o seu principal objetivo: a destruição da URSS. É importante observar que o general
Charles De Gaulle e parte da elite moderada francesa migraram para Londres, onde
estabeleceram o governo francês no exílio, ou “França Livre”.
pág. 07

A derrota francesa significou uma ruptura da velha ordem internacional do século XIX. O
equilíbrio de poder que havia moldado a sociedade européia, com valores e regras de conduta
comuns, ruiu definitivamente.

No Ocidente, a Itália e a Alemanha julgavam-se capazes de formular uma nova ordem


internacional. Ademais, a instabilidade européia ocasionada pela guerra criou o ambiente para
as independências afro-asiáticas nas décadas seguintes e para que Stalin começasse a dar a
sua contribuição para a modificação do mapa político europeu: agiu sobre os países bálticos,

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sobre a Grécia e comandou várias anexações na Romênia e na Bessarábia (transformada em


Moldávia).

No Oriente, a política japonesa de substituição das potências ocidentais na Ásia – “Ásia aos
asiáticos” – levou aos privilégios econômicos sobre portos aéreos e marítimos. A ocupação
alemã da França deixara o Japão livre no sudeste asiático. O Japão acreditava no nascimento de
um novo império, não mais contra a URSS ou a China, mas a favor de prosperidade econômica,
que, não obstante a derrota ao final da guerra, pode ser sentida até os dias de hoje.

Veja a interessante animação sobre a Segunda Guerra Mundial dando dois cliques
na imagem ao lado. Clique em qualquer lugar do mapa e acompanhem a
movimentação das tropas alemãs e, depois, a dos aliados. ATENÇÃO: após
assistir à animação clique a tecla ESC para retornar ao curso!
pág. 08

A Segunda Fase: 1941-1945

Em 1941, desapareceu o mundo que o século XIX construiu e o período de transição iniciado na
I Guerra Mundial (1914-1918). Havia um vazio de poder no mundo com a França invadida e a
Grã-Bretanha falida. A crise do mercado financeiro comandado por Londres e, portanto, o fim
da zona esterlina fizeram ruir a ordem liberal criada pelos ingleses, que até precisaram começar
a usar reservas monetárias para pagar pelos produtos norte-americanos (cash-and-carry), o
que começou a preocupar os EUA.

As práticas comerciais começaram a mudar e a ter um novo articulador quando, a partir de


março de 1940, os EUA iniciaram o sistema do lend-lease (empréstimo e arrendamento) com os
países que apresentassem interesse à defesa vital dos EUA (SARAIVA, 1997). Plantavam-se as
sementes do que viria a ser o Plano Marshall e de um Sistema Internacional sob a égide de uma
Superpotência, novo conceito em relações internacionais.

Também em 1941, dois eventos importantes provocariam nova mudança no equilíbrio de forças
da guerra e da própria ordem internacional: a invasão da URSS conduzida pelos alemães e o
ataque japonês à base estadunidense de Pearl Harbor, que provocaria a entrada dos EUA no
conflito. E o ano seguinte começaria com uma fase em que a guerra se tornara global (vide o
Mapa 25 – em vermelho, a zona de dominação alemã; em azul, a zona de dominação japonesa;
e em verde os aliados em guerra contra a Alemanha e o Japão).
Mapa 25: A II Guerra Mundial – O Mundo em 1942

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Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux15.html

Em 22 de junho de 1941, tropas alemãs deram início à Operação Barbarossa, avançando sobre
o território da URSS: a necessidade alemã de espaço vital chocava-se com a necessidade
soviética de espaço vital. A operação desencadeava-se em três grandes frentes, em direção a
Leningrado, Moscou e às reservas de petróleo da Ucrânia. A máquina de guerra alemã
encontrou pouca resistência. De fato, em muitas partes da URSS, os alemães que chegavam
eram vistos como liberdadores daqueles povos do jugo de Moscou e do totalitarismo stalinista.
Logo essa percepção mudaria, graças à violência dos alemães nos territórios ocupados,
motivada sobretudo pelo discurso ideológico nazista de destruição ou escravização daqueles
considerados “inferiores” aos arianos.

Stalin foi pego de surpresa com a invasão da URSS. O líder georgiano não acreditava que seu
país seria atacado pelos alemães, apesar dos relatórios da inteligência soviética que afirmavam
ser o ataque iminente. O Exército Vermelho, por sua vez, estava em situação de extrema
fragilidade, particularmente em virtude dos expurgos stalinistas da década de 1930, que
desarticularam o Estado-Maior e aniquilaram o melhor que havia da oficialidade. Demoraria
algum tempo para as forças soviéticas se recomporem.
pág. 09

Com a invasão, os EUA apoiaram a resistência soviética, e a URSS foi incluída na aliança
ocidental já em outubro de 1941. Logo grande quantidade de recursos, de alimentos a
armamentos, seriam enviados em socorro aos soviéticos. Os aliados sabiam que se a URSS
caísse, a hegemonia alemã no velho mundo seria incontestável.

A ajuda ocidental funcionou. Esta, associada ao ímpeto e à determinação do povo soviético e ao


sacrifício de mais de 20 milhões de vidas, contribuiriam para a resistência e a contra-ofensiva
da URSS. Em território russo Hitler perdeu, pela primeira vez, uma Blitzkrieg, mais devido ao
despreparo das forças alemãs diante das péssimas condições das estradas soviéticas e do
terrível inverno russo do que em virtude da capacidade de reação de Stalin.

Outro significativo ponto de inflexão na II Guerra Mundial deu-se com o ataque japonês à base
norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941. Dentro dos planos
japoneses de projeção de poder no continente asiático e no Pacífico, o projeto da Grande Ásia,
o choque com os interesses estadunidenses era apenas uma questão de tempo. A operação
contra Pearl Harbour tinha por objetivo neutralizar os EUA no Pacífico, passo importante para a
ulterior anexação das Filipinas, da Malásia e de Hong Kong.

Pearl Harbor, considerado um ataque pérfido


do Japão contra um país que até então dizia-
se neutro na II Guerra Mundial, chocou e
comoveu a opinião pública dos EUA, conduziu
o país para a II Guerra Mundial, por meio da
declaração formal de guerra anunciada pelo
Presidente Roosevelt a 8 de dezembro de
1941, e acarretou a união das duas guerras
paralelas, a da Ásia e a da Europa, numa só. O
gigante estadunidense fora despertado e agora
envidaria todos os esforços para por fim às
pretensões das ditaduras fascistas de dominar
o mundo. A nova política da Grande Potência
do continente americano, rompido o
isolacionismo, tinha uma característica peculiar: raio planetário. Os EUA estavam novamente
em guerra.

No período de maio de 1942 a meados de 1943, a guerra caracterizou-se por movimentos


marcantes. A contenção do avanço japonês pelos aliados, o desembarque das tropas anglo-

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americanas na Argélia e no Marrocos, neutralizando a expansão do Reich no norte da África, e a


capitulação das tropas alemãs em Stalingrado anunciaram a reação aliada e a mudança do
curso da guerra a seu favor.

Em 1944, o rolo compressor dos soviéticos forçou o recuo gradual das tropas alemãs na
Ucrânia, na Bielo-Rússia e na Polônia. Enquanto Tóquio perdia seus satélites, Moscou
aumentava os seus, por um erro estratégico das forças aliadas: desde janeiro de 1943, Stalin
denunciava o abandono do flanco oriental, o que, no final das contas, tornou a luta contra o
Eixo uma forma de sobrevivência do modelo planificado e socialista de Estado. Isso lhe custou a
vida de vinte milhões de soviéticos, quase dois quintos do total da guerra.

No Menu lateral, em Links relacionados, sugerimos alguns sítios sobre a II Guerra


Mundial. Não deixe de conferir!

pág. 10

O dia D

Se os soviéticos avançavam no front oriental, a abertura de um front ocidental era uma


exigência de Stalin e uma necessidade na estratégia aliada. O desembarque no continente já
começara no sul da Itália, mas se esperava realmente por uma invasão no norte da França que
perfuraria a inexpugnável “fortaleza do Atlântico” e estabeleceria as cabeças-de-ponte para a
reconquista da Europa Ocidental e o avanço de estadunidenses, britânicos e seus aliados rumo
à Alemanha.

No Mapa 26, é possível ver as linhas dos fronts de 1942 a 1945.

Mapa 26: A Guerra na Europa de 1942 a 1945

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux23.html
pág. 11

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O “Dia D” finalmente ocorreu em 6 de junho de 1944. Na maior operação militar aeronaval da


História, os aliados começaram a invasão do continente a partir da Normandia, região da França
atlântica. Naquela data, 155 mil homens dos exércitos dos EUA, Grã-Bretanha, França e
Canadá, muitos dos quais haviam sido evacuados de Dunquerque três anos antes, lançaram-se
nas praias da Normandia, ocupando 80km da costa ao norte do país. A invasão deu início à
libertação européia do domínio nacional-socialista. Transportados por uma frota de 14.200
barcos, protegida por 600 navios e milhares de aviões, as tropas aliadas asseguraram uma
sólida cabeça-de-praia no litoral francês (vide Mapa 27) e dali partiram para expulsar os
alemães de Paris e, em seguida, marchar em direção à fronteira da Alemanha. Era o primórdio
do colapso final do III Reich, o império que, segundo a propaganda nazista, deveria durar mil
anos.

Mapa 27: O “Dia D” – 6 de junho de 1944


O Desembarque Aliado na Normandia

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux25.html

Simultaneamente ao desembarque do lado ocidental, a URSS, no Leste da Europa, lançou uma


poderosa ofensiva contra os alemães. Onze meses depois, a 8 de maio de 1945, a Alemanha de
Hitler rendia-se. Hitler suicidara-se em 30 de abril de 1945 e com ele as idéias megalômanas de
dominação da Europa e da prevalência da raça ariana. Acabava a guerra na Europa.

O Japão capitulou quatro meses depois. Ao final de agosto de 1945, após as bombas atômicas
norte-americanas terem arrasado Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto, respectivamente,
todas as ações militares foram suspensas. A URSS declarou guerra ao Império Japonês em
08/08/1945. Mas não havia mais contra quem lutar. O país já se dispusera a negociar a
rendição com os norte-americanos. Pela primeira vez na história da milenar monarquia
japonesa, o Imperador falou para o povo, conclamando-o à rendição incondicional. Terminava a
maior e pior guerra que a humanidade jamais travara.

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Há, ainda, alguns clássicos imperdíveis, como O mais longo dos dias, de Benhard
Wicki, que trata do Dia “D”, o desembarque aliado de 6 de junho de 1944 e Uma
Ponte Longe Demais, do diretor Richard Attenborough, sobre a Operação Market
Garden, um plano ousado para obter um rápido final para a II Guerra por meio da
invasão da Alemanha e destruição das indústrias de guerra do III Reich – esse
ambicioso plano mostrou-se um dos grandes erros da guerra e causou mais baixas aos Aliados
do que toda a invasão da Normandia.

pág. 12

O imediato pós-guerra: 1945-1947

A destruição atômica de Hiroshima e


Nagasaki, em 1945, simboliza o ocaso da
velha ordem internacional do século XIX, o
surgimento de um vácuo de poder na
Europa, o fim dos sonhos de uma terceira
Grande Potência (Alemanha) para substituir
o antigo equilíbrio anglo-francês, o fim da
condução européia das relações
internacionais e o surgimento de duas
Superpotências com raios políticos de
alcance planetário, EUA e URSS (SARAIVA,
1997).

Antes da definição da polaridade EUA-URSS,


que só fica clara a partir de 1947, houve
uma tentativa de concerto anglo-americano,
em março de 1943, momento em que já se procurava por uma nova era das relações
internacionais e em que foi discutido, em Washington, o futuro da Alemanha e as reivindicações
territoriais dos soviéticos. Na ocasião, Roosevelt propôs um diretório de quatro: EUA, Grã-
Bretanha, URSS e China, idéia que lembrava o Concerto Europeu do século XIX e as idéias do
Congresso de Viena de 1815. Surgiu também a idéia de um projeto federativo para a Europa,
proposto pela Polônia, que Moscou prontamente recusou, temendo a reconstrução do “cordão
sanitário” do período pós-1918 e já vislumbrando as possibilidades de projeção da URSS na
região. De Gaulle reclamou da ausência da França no diretório.

As conferências internacionais de Moscou, Cairo e Teerã, no segundo semestre de 1943,


mostraram a fragilidade da aliança entre as Potências ocidentais e a URSS: os EUA
reapresentaram as teses idealistas wilsonianas de estabelecimento de um organismo
internacional de segurança coletiva para resolver problemas territoriais; a Grã-Bretanha
preocupava-se com a expansão soviética; e a França, com governo exilado em Londres, já não
tinha voz.

A Declaração de Moscou não incluiu nada a respeito de renúncias a zonas de influência e se


resumiu a três pontos: a capitulação total da Alemanha, a ocupação de seu território pelos três
aliados e o desarmamento completo. A Declaração do Cairo adicionou o Japão, exigindo a
devolução de todas as conquistas japonesas do projeto da Grande Ásia, especialmente dos
territórios tirados da China, como a Manchúria e Taiwan.

Por fim, em Teerã, a Grã-Bretanha propôs a criação de três organizações regionalizadas (na
América, na Europa e na Ásia), mas os EUA recusaram, pois insistiam numa instituição de raio
mundial, que, por meio de um diretório composto entre os Quatro Grandes, atuaria como a
“polícia do mundo”. Os EUA também recusaram a tese do federalismo europeu. Como se
observa, EUA e URSS já ensaiavam, nessas discussões políticas, tornarem-se Superpotência.

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pág. 13

A Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, apenas consagrou todo esse quadro: o


multilateralismo das negociações cedeu diante do unilateralismo do poder soviético na Europa
Oriental. O Exército Vermelho já ocupava a maior parte da região e sua chegada a Berlim era
questão de dias. O tempo das relações internacionais já era outro: a política das áreas de
influência na Europa se tornaria o modelo da política mundial nas décadas seguintes. Esse foi o
primeiro grande legado da II Guerra Mundial. O segundo foi a materialização bipolarizada desse
modelo, que será melhor explorada na Unidade seguinte.

Os aliados, nas reuniões de São Francisco, entre abril e junho de 1945, e em Potsdam, entre
julho e outubro de 1945, tinham como projeto a criação de instrumentos para o gerenciamento
da paz no pós-guerra. A lógica das alianças e da diplomacia secreta cederia lugar ao esforço de
reconstrução das relações internacionais com base no compromisso e no diálogo.

As reuniões de São Francisco criaram a Organização das Nações Unidas (ONU), materializando
o sonho wilsoniano, e deixaram evidente a perda de importância da Europa no sistema
internacional que então se delineava, apesar de ter sido garantida a participação da Grã-
Bretanha e da França no Conselho de Segurança da Organização.

Interessante observar que, apesar de sua concepção idealista, o que se evidenciava na


Assembléia Geral, onde cada membro tinha um voto, dentro do princípio da igualdade soberana
entre os Estados, a ONU moldou-se em uma estrutura de poder realista, uma vez que tinha um
Conselho de Segurança, o órgão legítimo para deliberar sobre o uso da força, no qual o poder
concentrava-se na mão dos cinco grandes vitoriosos da II Guerra Mundial: EUA, Grã-Bretanha,
URSS, França e China. Esses países tinham assento permanente no Conselho e poder de veto,
mostrando a clara diferença entre eles e os demais Estados-membros da Organização e a
desigual configuração de poder no Sistema Internacional.

Portanto, a Carta de São Francisco, assinada em 25 de junho de


1945, criou a ONU e tornou-se um dos grandes instrumentos de
regulação da nova era das relações internacionais: firmava-se o
primado do Realismo sobre o Idealismo que marcara a Sociedade das
Nações. O sistema do veto do Conselho de Segurança, que substituía
o sistema da unanimidade anterior, construía um diretório dos cinco
grandes vencedores de 1945 (EUA, URSS, China, Grã-Bretanha e
França), para garantir o congelamento do poder e um compromisso
de controle da segurança mundial.

pág. 14

Em fevereiro de 1947, o Tratado de Paz de Paris encerrou simbolicamente os turbulentos anos


nas relações internacionais iniciados em 1939. Desaparecia definitivamente o mundo
eurocêntrico e as relações internacionais teriam a paz garantida por um equilíbrio de poder
baseado no duopólio EUA-URSS. O mundo seria divido entre as esferas de influência de Moscou
e Washington e começaria um novo período no sistema internacional, que ficaria conhecido
como “Guerra Fria”.

Sobre o Brasil na II Guerra Mundial, não deixe de ver


.

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A Revista Veja criou um sítio interessante sobre a II Guerra Mundial. Vale a pena conferir
.

A gama de livros sobre a II Guerra é significativa. Nesse sentido, sugerimos o sítio da


Biblioteca do Exército, com o catálogo de publicações da Editora, particularmente da Coleção
General Benício.

Atividades de autoavaliação -
Para efeito de sua própria autoavaliação, realize as atividades localizadas no menu
lateral: "Avaliações".

Avaliação da Unidade
- Reflita sobre o conteúdo apresentado e responda a questão proposta na Plataforma:
menu Avaliação, opção "Trabalhos / Redações". Lembre-se que sua atividade será
corrigida e, se necessário, comentado pelo Professor-Tutor. Volte sempre nas
atividades após a correção! Acompanhe pelo Painel de desempenho.

Na próxima Unidade, concentraremos nossa atenção no estudo do Sistema


Internacional pós-II Guerra Mundial. Vamos lá!

Unidade 2 - O Sistema Internacional Pós-1945

Objetivos da Unidade:

Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:

• assinalar as características principais do Sistema Internacional pós-Segunda Guerra Mundial;


• discorrer sobre os fatores da gestação da Guerra Fria;
• identificar os principais fatos e fases desse período.

Esses objetivos devem nortear seus estudos nessa Unidade e esperamos que você
possa, efetivamente, demonstrar os conhecimentos que eles propõem!
Recorra ao material de estudo e busque solucionar suas dúvidas! Seu Professor-Tutor
poderá auxiliá-lo nessa tarefa!

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pág. 01

A GUERRA FRIA

Muitos autores defendem que, após o fim da II Guerra Mundial, não havia mais a idéia de uma
Sociedade Internacional européia, criada a partir de 1815. A instabilidade internacional no
período de 1919 a 1939, que culminou na II Guerra, corroeu um estado de equilíbrio de quase
100 anos. A Europa entrou em uma profunda crise de valores e testemunhou o retorno dos
egoísmos nacionais, como ocorrera no período pós-Westfália.

Um novo sistema jurídico-político-econômico internacional foi erigido ao final da II Guerra


Mundial. Nascia a ONU, que procurava corrigir os erros de Versalhes e com a qual renascia o
ideal da segurança coletiva. Nascia também o sistema de Bretton Woods, que criou o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD) para reconstruir o mundo destruído
pela guerra e fazer com que a ordem liberal-capitalista anterior retomasse seus passos.

O chamado “Sistema de Bretton Woods”


foi um modelo de Ordem Econômica
Internacional que vigorou entre 1944 e
1973. Baseava-se em um esquema de
paridades cambiais fixas (mas ajustáveis),
fundamentadas no ouro-dólar – o dólar
tornara-se a moeda forte da economia
mundial em virtude da posição dos EUA
como hegemon no sistema. O sistema também incluía as políticas econômicas aplicadas pelo
FMI e pelo BIRD (e que, na década de 1980, ficariam conhecidas como “consenso de
Washington”), instituições que contribuiriam para auxiliar e orientar as políticas econômicas
domésticas.
pág. 02

No âmbito político, o mundo pós-1945 foi marcado pela hegemonia dos EUA e da URSS e um
novo modelo de política internacional: o sistema de zonas de influência de raio planetário,
característico do novo tipo de Ator – a Superpotência. O mundo seria, portanto, dividido em
zonas de influência soviética e estadunidense. O continente americano e o Ocidente Europeu
constituíram-se em zona de influência dos EUA, e o Leste Europeu, da URSS. No Mapa 28, é
possível identificar com clareza essa zona sob a hegemonia soviética.

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Mapa 28: A Europa em 1946

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel1.html

Um dos legados mais relevantes da II Guerra Mundial foi o fato do conflito ter trazido algumas
soluções para o caos em que as relações internacionais se encontravam desde a I Guerra,
época que não se havia logrado criar um mundo pacífico e democrático. A partir de 1945 não
houve mais guerra entre as Grandes Potências, apesar do estado de tensão constante entre as
alianças militares ocidental e do bloco soviético, e o conflito armado foi transferido para o
chamado Terceiro Mundo. O eurocentrismo chegou a termo e os velhos impérios coloniais
desapareceriam entre 1945 e a década de 1970.

As organizações internacionais criadas após a II Guerra Mundial são Atores


importantes da segunda metade do século XX. Veja os sítios da ONU e da OEA, a
partir dos quais é possível ter acesso aos sistemas de organizações vinculadas a esses
organismos mundial e regional.
pág. 03

A Gestação da Guerra Fria

"A Guerra Fria foi um período em que a guerra era


improvável, e a paz, impossível."

Com essa frase, o pensador Raymond Aron definiu o período em que a opinião pública mundial
acompanhou o conturbado relacionamento entre os EUA e a URSS. O termo “Guerra Fria” deve-
se ao fato de nunca ter ocorrido um enfrentamento bélico direto entre as duas Superpotências,

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o qual poderia acabar culminando na utilização dos arsenais nucleares e na conseqüente


destruição massiva do planeta.

A Guerra Fria substituiu o jogo da hegemonia coletiva da Europa sobre as relações


internacionais. Há muitas teorias sobre em que momento a ordem internacional da Guerra Fria
foi gestada. Alguns defendem ter sido na Revolução Bolchevique e no cerceamento
internacional da Rússia nos primeiros anos da Revolução, outros no “cordão sanitário” do Entre-
Guerras, e há os que defendem ter sido gerada nos anos finais da II Guerra Mundial. O fato é
que, após a liberação recente dos documentos, arquivos e memórias antes proibidos para
pesquisas, os fatos que cercam a Guerra Fria passaram a ganhar novas interpretações,
reforçando a tese da sua gestação ao final da II Guerra Mundial e como obra do erro estratégico
dos aliados com relação ao flanco oriental a partir de 1943 e da rejeição da URSS à ajuda do
Plano Marshall, promovido pelos EUA.

O Realismo nas relações internacionais parece ter tido mais influência na


política soviética do que a ideologia propriamente dita. Stalin, com seus
mais de 20 milhões de mortos na guerra, ensaiava a
reconstrução do país com base nas reparações de
guerra e na política de zona de ocupação. As ações do
líder soviético acabaram por confundir os formuladores
da política externa dos EUA, que associaram os
movimentos de Moscou à ótica de um projeto
expansionista. A assistência norte-americana para a reconstrução soviética,
acertada na conferência de Teerã de 1943, nunca aconteceu. O bloqueio de
Berlim, em 1948, que marcou o início da tensão, foi feito por Stalin ao
perceber o desenvolvimento da doutrina anti-soviética por parte dos EUA, a
Doutrina Truman, que pregava a necessidade de contenção da URSS e do expansionismo dos
regimes comunistas a qualquer custo. Em resposta à Doutrina Truman, os soviéticos
desenvolveram a Doutrina Idanov, que percebia a URSS como um baluarte do Estado proletário
sob constante ameaça das Potências imperialistas e que não deveria poupar esforços para
defender-se, sendo o maior deles a expansão do comunismo pelo mundo.

pág. 04

Para os EUA, o conceito de Superpotência correspondia à conjugação da capacidade econômica


hegemônica com a vontade de construção de uma grande área sob a influência dos valores do
capitalismo, ou seja, a fusão dos interesses da indústria e do comércio norte-americanos com a
busca da hegemonia mundial. Para a URSS, correspondia à conjugação da necessidade de
sobrevivência do modelo político-econômico planificado e centralista com a necessidade de
compensar sua fraqueza diante do Ocidente com a criação de uma área sob a influência dos
valores do socialismo.

Ao final da II Guerra Mundial, os países beligerantes haviam-se tornado um campo de ruínas


habitado por povos muito propensos à radicalização e à revolução contrária ao sistema da livre
empresa, do livre comércio e investimento. O Primeiro-Ministro da França foi a Washington
advertir que, sem apoio econômico, era provável que se inclinasse para os comunistas.
Assustados com o aumento dos votos para os comunistas nas eleições européias no imediato
pós-guerra, os estadunidenses desenvolveram a versão econômica da Doutrina Truman: o
Plano Marshall, que visava orientar a presença dos EUA na reconstrução econômica da Europa
Ocidental, o que seria uma maneira de reverter o quadro de debilidade das democracias
ocidentais e do capitalismo diante da penetração soviética.

A ajuda do Plano Marshall foi oferecida aos países da Europa envolvidos na II Guerra Mundial,
inclusive à URSS. Stalin rejeitou o dinheiro americano e denunciou o Plano Marshall como uma

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declaração de guerra econômica à URSS. Ademais, impediu os países


ocupados pela URSS (Polônia, Países Bálticos, Tchecoslováquia,
Romênia, Hungria, Bulgária e Alemanha Oriental) de aceitá-lo. E,
como resposta ao Plano Marshall, a URSS criou o Conselho de
Assistência Econômica Mútua (COMECOM), com o objetivo de
organizar economicamente o bloco socialista.

Em
valores, a
ajuda era
de US$ 13
bilhões na
época, o
que seria
equivalente
a cerca de
US$ 100
bilhões em
2002.

Costuma-se dividir a Guerra Fria em três fases:

• fase “quente”, que vai de 1945 a 1955;


• fase da “coexistência pacífica”, de 1955 a
1979;
• fase da “nova Guerra Fria”, de 1979 a
1991.

Todavia, há os que separam a segunda fase em duas, com uma fase conhecida como détente
(distensão), entre 1969 a 1979, que marca a fundação de um concerto americano-soviético e o
início da decomposição ideológica do conflito Leste-Oeste.
pág. 05

A Fase “Quente”: 1945-1955

O período inicial da Guerra Fria é marcado pelo início da rivalidade entre EUA e URSS e pela
divisão do mundo em um modelo bipolar. Nos EUA, que entre 1945 e 1949 eram os únicos
detentores da arma atômica, George Kennan denunciou as pretensões soviéticas de expandir o
modelo socialista pelo mundo e formulou a “doutrina da contenção”.

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Em termos militares, houve reformas na organização militar interna dos EUA, em 1947, e na
estrutura militar da aliança atlântica. No campo doméstico, a Lei de Segurança Nacional (1947)
criava o Departamento de Defesa, a Agência Central de Inteligência (CIA) e o Conselho de
Segurança Nacional. Também foi criada a Força Aérea estadunidense.

No plano internacional, o bloco liderado pelos EUA constituiria um sistema mundial unificado de
defesa, e foi criada, em 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), composta
por EUA, França, Grã-Bretanha Bélgica, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países
Baixos, Noruega e Portugal. Tratava-se de um sistema de defesa que deveria fazer frente a
uma eventual agressão soviética contra seus membros.

A contenção do avanço comunista deveria ocorrer nos campos político e militar, mas também
nas áreas ideológica e econômica. Daí o advento do Plano Marshall, cujo objetivo era, por meio
da ajuda econômica, garantir a presença norte-americana na Europa Ocidental e a sua
reconstrução segundo os valores democráticos e capitalistas. Acompanhava o Plano Marshall o
estabelecimento da Organização Européia de Cooperação Econômica (OCDE), instituição que se
encarregaria de aplicar a ajuda estadunidense e servir de foro para novas iniciativas de
cooperação européia. O Plano Marshall estabeleceria os alicerces da reconstrução européia e do
processo de integração, que teve como marco os Tratados de Roma de 1957, embrião da atual
União Européia.
pág. 06

Segundo Giovanni Arrighi (1996), a expansão econômica mundial e a integração européia


exigiam uma reciclagem muito maior da liquidez mundial do que estava implícito no Plano
Marshall. O rearmamento foi uma forma de superar as limitações do Plano. A idéia era fazer
com que uma economia nacional não mais ficasse dependente da manutenção de um superávit
de exportações (em uma época de câmbio fixo, sob pena de depreciação de sua moeda). O
rearmamento nacional era um meio de sustentar a demanda, por meio do seguinte processo:

rearmamento
(produção - tecnologias - sustentação e - fortalecimento
industrial e > colocadas no > excitação da > do mercado
desenvolvimento mercado demanda doméstico
tecnológico) doméstica

A assistência militar dos EUA à Europa foi um meio de continuar a prestar assistência ao velho
continente após o fim do Plano Marshall. Os gastos militares no exterior (que saltaram entre
1950 e 1958 e entre 1964 e 1973) forneceram à economia mundial a liquidez necessária para
se expandir, num processo de “keynesianismo militar” global.

Havia, ainda, a preocupação particular com a Alemanha. Foram feitos investimentos em


grandes quantidades na Alemanha Ocidental ao final da década de 1940, com o objetivo de
fazer do país reconstruído e de Berlim Ocidental a vitrine do capitalismo, solidificando a idéia da
área como fronteira das democracias capitalistas. Também se buscava evitar qualquer
sentimento revanchista alemão por meio da incorporação plena do país à Aliança Atlântica. Os
EUA percebiam uma Alemanha Ocidental forte, econômica e militarmente, como a primeira
linha de defesa contra uma eventual expansão soviética rumo à Europa Ocidental.

Diante das ações estadunidenses, a URSS reagiu. Intensificou o processo de militarização das
fronteiras, o recrudescimento da política de espaços na Europa Oriental e a aceleração do
projeto de desenvolvimento da bomba atômica: essa seria a resposta de Moscou à política anti-
soviética adotada pelos EUA.

Passo importante na fundação do sistema bipolar seria a detonação da primeira bomba atômica
soviética, em 1949. Os soviéticos haviam obtido tecnologia nuclear dos EUA e da Grã-Bretanha
por meio de uma eficiente operação de espionagem. Isso desencadearia uma perseguição aos
comunistas – ou aqueles suspeitos de simpatia à URSS – que provocaria um período de terror
nos EUA conhecido como Macartismo. De toda maneira, com a bomba, a URSS mostrava ao

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mundo que havia, a partir de então, uma


outra Potência nuclear. Começava a
corrida armamentista entre as duas
Superpotências.

pág. 07

Além da força nuclear, Moscou buscou


garantir também um sistema de defesa
convencional baseado em uma aliança
militar para contrapor-se à OTAN (que, em 1952, incorporava a Grécia e a Turquia) e, em 1955,
foi criado o Pacto de Varsóvia, integrado por URSS, Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia,
Hungria, Polônia e Romênia: estabelecia-se o guarda-chuva militar de Moscou sobre a Europa
Oriental.

Ainda no que concerne à Europa Oriental, ocupada pelo Exército Vermelho, esta foi rapidamente
“sovietizada”. Moscou não aceitaria democracias populares multipartidárias em sua área de
influência. Em 1947, foi criado o Kominform, em substituição à Internacional Comunista. O
Kominform tinha por objetivo propagar a revolução comunista no mundo e garantir o controle
ideológico dos partidos comunistas no Leste por Stalin, momento em que ficou clara a liderança
soviética sobre os movimentos de organização dos comunistas franceses, italianos, iugoslavos,
tchecos, poloneses, húngaros, romenos e búlgaros.

Mas Moscou também mostrava-se disposta a patrocinar a revolução socialista em qualquer


parte do mundo. Daí seu apoio à Revolução Chinesa de 1949, talvez o evento mais importante
da história da Ásia no século XX. Com a vitória comunista sobre os nacionalistas, a China foi
reorganizada nos moldes comunistas, com a coletivização das terras e o controle estatal sobre a
economia. Do dia para a noite, um quinto da população do planeta passava a viver sob regime
comunista. Ademais, nascia uma nova Potência, que logo ocuparia seu espaço no cenário
mundial e rivalizaria com a URSS a liderança do bloco socialista.

No campo econômico, foi criado o Conselho Econômico de Ajuda Mútua (COMECOM) para
estruturar as relações econômicas entre os membros do bloco socialista e para se contrapor ao
Plano Marshall. O COMECOM simbolizava o internacionalismo soviético na Economia. Composto
inicialmente por seis países (Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e a própria
URSS), o COMECOM teria a adesão da Alemanha Oriental em 1950. Em 1962, o ingresso da
Mongólia representou um primeiro passo para uma estruturação do COMECOM para além da
Europa. Entre 1956 e 1968, Coréia e República Democrática do Vietnã obtiveram o status de
observadores junto ao COMECOM. Em 1964, foi assinado acordo com a República Federativa
Socialista da Iugoslávia e, em 1972, Cuba ingressou na Organização.
pág. 08

A hegemonia soviética na Europa Oriental criou uma área de influência a que Churchill chamou
de “cortina de ferro”. O bloco socialista na Europa e a cortina de ferro estão registrados no
Mapa 29, com as respectivas datas de ingresso de cada país no bloco socialista.

Mapa 29: A Expansão Da URSS No Leste Europeu


no Pós-II Guerra e a Cortina de Ferro

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Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel3.html

Para conhecer o clima de tensão da Guerra Fria, assista Treze dias que abalaram o
mundo (Thirteen days, 2000), dirigido por Roger Donaldson, com Kevin Costner e
Bruce Greenwood. O filme conta a história da Crise dos Mísseis de Cuba (1962), com
ênfase na maneira como se conduziu o processo decisório no Governo Kennedy e as
negociações com os soviéticos, que culminariam na reestruturação das relações entre
as Superpotências.

Outro filme fundamental para a compreensão do período e da maneira como eram tomadas as
decisões é Sob a Névoa da Guerra, dirigido por Errol Morris. Vencedor do Oscar de melhor
documentário de 2004, o filme se molda a partir de uma longa entrevista do cineasta com
Robert Strange McNamara, Secretário de Defesa estadunidense dos governos de John F.
Kennedy e Lyndon Johnson (entre 1961 e 1967). McNamara apresenta, de forma realista, como
se conduziram a política externa e as relações com a URSS e outros atores em uma das épocas
mais conturbadas da Guerra Fria.
pág. 09

A Guerra da Coréia e a disputa bipolar na Ásia

Estavam, portanto, definidos os dois “condomínios”


internacionais de influência. Entre 1950 e 1953, as duas
Superpotências jogaram todos os seus esforços na
demonstração de poder mundial na Guerra da Coréia. Com a
proclamação da República Popular Democrática da Coréia
pelos revolucionários comunistas, os EUA desembarcam
tropas no sul do país e estabeleceram um governo anti-
revolucionário de notáveis. A ONU reconheceu a divisão do
país em dois pelo Paralelo 38 e uma guerra se iniciou em
1950, quando os norte-coreanos invadiram o território ao sul
do paralelo em resposta ao envio norte-americano de esquadras para Taiwan e para a Coréia do
Sul. Foi o maior conflito armado desde a II Guerra Mundial.

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A ONU enviou tropas multinacionais sob o comando dos EUA e os norte-coreanos recuaram de
volta ao Paralelo 38. Migs soviéticos sobrevoaram e bombardearam a Coréia do Sul e, com o
apoio de tropas chinesas, impuseram vitória sobre as tropas norte-americanas, as quais, por
sua vez, por meio da Operação Killer, jogaram bombas de napalm e ameaçaram a China com o
uso de armas atômicas. Só se chegou a um equilíbrio militar ao final de 1951, quando as tropas
dos EUA se retiraram e teve início uma política de acomodação.

Em 1953, foi assinado o armistício de Panmunjom, por meio do qual se criou uma zona de
segurança separando as duas Coréias, compreendendo uma área de quatro quilômetros ao
longo do Paralelo 38, sob a vigilância da ONU. Convém lembrar que o armistício apenas
suspendeu os embates bélicos, de modo que, tecnicamente, a guerra continua até nossos dias.
As duas Coréias se tornaram um monumento dos anos quentes da Guerra Fria (SARAIVA,
1997).

Outro país a se dividir foi o Vietnã, em 1954: Vietnã do Norte, comunista, e o do Sul,
capitalista. A posição dos EUA na Ásia estava fragilizada, e os norte-americanos mais que nunca
temiam o risco do “efeito dominó”, ou seja, de que o que acontecera na China, na Coréia e no
Vietnã acabasse repercutindo por toda a Ásia, com o estabelecimento de regimes comunistas de
influência soviética pelo continente e a conseqüente perda de poder estadunidense na região.
Em virtude dessa ameaça, os tomadores de decisão nos EUA concluíram que o país deveria
envidar todos os esforços possíveis para conter o avanço do comunismo pelo mundo. Essa
decisão teria grandes repercussões pelas décadas da Guerra Fria, entre as quais a entrada dos
EUA na guerra do Vietnã e o apoio estadunidense a regimes capitalistas do extremo oriente –
Japão, Coréia do Sul e Taiwan, por exemplo.

No que concerne à Guerra do Vietnã, dois filmes são sugeridos: Apocalipse Now, de
Francis Ford Copolla, estrelado por Marlon Brando, e Platoon, de Oliver Stone. Ambos foram
produções marcantes que revelaram muitos dos horrores da Guerra do Vietnã, a grande chaga
na política externa dos EUA na segunda metade do século XX.
pág. 10

Mais disputa bipolar

Desembarque na Baía
dos Porcos - trata-se
A fragilidade dos EUA em relação à hegemonia global também de uma fracassada
começava a acontecer em outras regiões do planeta. A tentativa de cubanos
Comunidade Econômica Européia foi instituída, em 1957, pelo contrários à Revolução
Tratado de Roma, tendo como núcleo a unidade franco- de desembarcarem na
germânica, e se apresentou como alternativa ao plano norte- ilha e porem fim ao
americano de integração do continente. Na incontestável zona de regime de Fidel Castro.
influência norte-americana, a América Latina, o estabelecimento Os anticastristas
de um regime comunista pró-soviético em Cuba, após a encontravam-se nos
Revolução de 1959 (que, inicialmente, nem tendências EUA e tiveram apoio da
comunistas tinha), com o fracassado desembarque na Baía dos CIA e do governo norte
Porcos, revelou que as estruturas da Guerra Fria não eram tão -americano para
absolutas quanto se desejava, e que era claro o risco da perda realizar a ação armada
da influência norte-americana em quaisquer regiões do planeta. contra o regime de
Castro.
Os EUA começaram a perceber que grandes volumes de bombas
e maciços investimentos na segurança internacional não eram
suficientes para construir a legitimidade internacional. A URSS,

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por sua vez, tornava-se mais forte, mas pouco disposta a bater
de frente com os EUA.

Com a morte de Stalin e a chegada ao poder de Nikita Krushev, acabariam os anos quentes e
começaria a fase da coexistência pacífica.

pág. 11

A Fase da Coexistência Pacífica: 1955-1968

Alguns autores conjugam as fases da coexistência pacífica com a da détente. Outros, porém,
consideram que essa segunda fase marca o início da flexibilização da ordem bipolar, e a
terceira, mais tardia, marca um momento de deliberada atitude das duas Superpotências de pôr
fim à era de diferenças. Por motivos didáticos, adotamos essa posição.

A coexistência pacífica foi a fase da flexibilização da política externa dos EUA e da URSS em
que, respectivamente, Eisenhower substituiu Truman e Krushev substituiu Stalin.

Também caracterizaram essa segunda fase os seguintes acontecimentos:

Recuperação econômica e política da Europa Ocidental: tentava-se o retorno da


√ Europa ao centro das relações internacionais, após a reconstrução proporcionada
pelo êxito dos investimentos e doações norte-americanas por intermédio do Plano
Marshall. A Europa deixava gradativamente de ser um centro de poder alinhado
automaticamente aos EUA.

Início da desintegração do bloco comunista: a ruptura chinesa (com a disputa sino-


√ soviética no início dos anos de 1960) e o casamento de crenças divergentes de
alguns partidos comunistas com o nacionalismo (Albânia, Bulgária, Romênia e
Tchecoslováquia) começavam a descaracterizar a unidade comunista na Europa
Oriental. O condomínio comunista não deu sinais de expansão significativa entre a
Revolução Chinesa e a década de 1970.

Descolonização das nações afro-asiáticas: a multiplicação repentina de Estados


√ soberanos e o discurso de igualdade jurídica modificaram o quadro dos organismos
internacionais, como a ONU. Traziam-se aos foros internacionais novas
reivindicações por parte do chamado “Terceiro Mundo”.

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O não-alinhamento dos novos Estados pós-coloniais: a maior parte dos novos


√ Estados não era comunista em sua política interna e considerava-se “não alinhada”
em sua política externa (Movimento dos Países Não-Alinhados, que conjugou seu
discurso com o discurso do Grupo dos 77, criado pelos países do Terceiro Mundo,
por uma nova ordem econômica internacional na década de 1970).

Articulação independente e própria dos países mais industrializados da América


√ Latina: Brasil e Argentina começaram a construir seus próprios interesses na
inserção internacional do período. A noção de “quintal” dos EUA foi substituída pela
noção moderna de alinhamento negociado.

A crise dos mísseis em Cuba (1962): tentativa de Krushev, por meio da alocação de
√ mísseis na ilha de Cuba, de alterar o equilíbrio de poder mundial em prol da URSS,
tendo em vista o avanço do projeto de Mísseis Antibalísticos (ABMs) dos EUA e a
nova doutrina militar da OTAN na Europa (nuclearização).

O declínio gradual das armas nucleares no equilíbrio de poder entre as


√ Superpotências: após a crise de Cuba, criou-se um acordo tácito entre a Casa
Branca e o Kremlin e iniciaram-se os processos de negociações de acordos para
controle e limitação das armas nucleares, como os SALT I e II e o acordo sobre
ABMs;

Surgimento de um novo Ator importante: a China de Mao Tsé-Tung. Ao explodir sua


√ primeira bomba atômica, em outubro de 1964, a China mudava a correlação de
forças no cenário internacional.

O Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968: as Grandes


√ Potências conclamavam os países não-nucleares a não fazerem experimentos e os
países nucleares a congelarem os seus arsenais.

pág. 12

Assim, o mundo continuava dividido entre as esferas de poder das duas Superpotências.
Entretanto, sobretudo após a crise dos mísseis de Cuba, quando EUA e URSS quase entraram
em um confronto direto, a decisão de Washington e Moscou foi de estabelecer mecanismos que
permitissem a convivência entre os dois blocos e evitassem uma hecatombe nuclear.

O Mapa 30 ilustra o mundo dividido entre as esferas de influência de Washington e Moscou.

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Mapa 30: Os Dois Blocos em 1955

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel8.html

Por mais estranho que possa parecer, há dois filmes que simbolizam bem a percepção
norte-americana dos valores do capitalismo na Guerra Fria na década de 1980: Rambo III e
Rocky IV. Em Rambo III, um veterano da Guerra do Vietnã (Sylvester Stallone) é enviado ao
Afeganistão para libertar seu mentor, que caiu nas mãos dos soviéticos, durante a ocupação
daquele país, e conta com o apoio dos Talibãs. Interessante, sobretudo, se relacionarmos o
filme à realidade de duas décadas depois: a película retrata os vínculos dos EUA com os
guerrilheiros afegãos no combate aos soviéticos. Stallone passa a ser o símbolo do herói
estadunidense dos anos 1980 e a causa Talibã um dos focos da política externa dos EUA. Atente
para a dedicatória ao final do filme.

Já em Rocky IV, o personagem de Stallone encontra um adversário diferente para lutar nos
ringues de boxe: Drago (Dolf Lundgren), um lutador de 1,90 m de altura e 130 kg que
representa a URSS. O programa de treinamento de Rocky o leva à fria Sibéria, onde ele se
prepara para o combate em Moscou. O filme é marcado pela exaltação ao patriotismo norte-
americano.
pág. 13

A Fase da “Distensão”: 1969-1979

Muitos autores defendem que só se pode falar em Guerra Fria até o final dos anos de 1960,
uma vez que a fase que se segue é apenas um concerto entre as duas Superpotências. Outros
preferem chamar essa fase de “Segunda Guerra Fria”, pois é o momento em que as duas
Superpotências transferem sua competição para o chamado Terceiro Mundo (Vietnã, Angola,
Afeganistão, Líbia, entre outros).

Se a década de 1960 fez transparecer uma perda de poder dos soviéticos, a década de 1970
assinalava uma perda do domínio norte-americano e seu relativo isolamento: na Guerra do
Vietnã (1959-1975) e na Guerra do Yom Kippur (1973), os EUA não receberam ajuda européia.
A crise do petróleo parecia sugerir enfraquecimento no domínio internacional dos EUA,
enquanto fez os preços das jazidas de petróleo e gás natural da URSS quadruplicarem. Entre

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Trilhas - ILB - Educação a distância Página 145 de 164

1974 e 1979, regimes na África, na Ásia e na América Latina começaram a ser atraídos para o
lado soviético. Além disso, o escândalo envolvendo a administração Richard Nixon (Watergate)
causou uma certa desordem na presidência dos EUA.

Quatro fatos são relevantes nessa fase:

O concerto americano-soviético, que anunciava a flexibilização deliberada no


relacionamento das duas Superpotências:

• os planos SALT (Strategic Arms Limitation Talks) congelaram por cinco anos o
1) desenvolvimento e a produção de armas
estratégicas e o controle sobre mísseis intercontinentais e lançadores
balísticos submarinos;

• os encontros pessoais, entre 1972 e 1974, dos dois chefes de Estado


reativaram fluxos comerciais e financeiros estagnados, como aqueles entre a
URSS e os países capitalistas ocidentais (de 1970 a 1975, as exportações
ocidentais para a URSS quadruplicaram).

Consciência da diversidade de interesses no Sistema Internacional:


• a confirmação da vocação integracionista da Europa: a Europa dos Seis de 1957
(França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) passa a ser
a Europa dos Nove em 1973 (com a adesão da Grã-Bretanha, Dinamarca e
Irlanda), matriz do que viria a ser, duas décadas depois, o núcleo de poder
da União Européia: criava-se uma alternativa ao sistema bipolar, mas não da
2) forma harmônica e autônoma que qualificara a hegemonia coletiva européia
do século XIX;
• a América Latina aproveita o clima da détente para a sua reinserção
internacional: com a crise da liderança norte-americana na região, as
relações internacionais são desideologizadas em seus países mais
importantes, como Brasil, México e Argentina, que passam a adotar linhas de
condutas próprias nos negócios internacionais;

• quatro grandes Atores na Ásia desenvolvem capacidades de defesa de


interesses próprios na agenda internacional: Vietnã, Índia, China e Japão.
Destaque para a República Popular da China, a China comunista, que rompe
com o seu isolacionismo e retorna ao sistema internacional na década de
1970 (inclusive passando a assumir a cadeira chinesa no Conselho de
Segurança da ONU em 1971), recusando a hegemonia soviética e ensaiando
uma aproximação com os EUA, e para o Japão, que iniciava sua caminhada
para se tornar a segunda economia do planeta.

Esforço de construção de uma nova ordem econômica internacional pelos países do


Terceiro Mundo para a redução da dependência com relação aos centros
hegemônicos de poder:
• reforço das ilusões igualitaristas dos países afro-asiáticos: irrompem tentativas
dos países do Sul de estabelecerem um diálogo sólido com o Norte;
3)
• a África como um todo e parte da América Latina e da Ásia buscam afirmar o
conceito de Terceiro Mundo nas relações internacionais;

• as dificuldades de diálogo encontradas na década de 1960, no âmbito das


sessões da Conferência da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento

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(Unctad), levaram o Terceiro Mundo a propor a Declaração e o Programa de


Ação sobre o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional
(NOEI), convertida em Resolução da ONU em 1979.

Crise energética e financeira, que testou o grau de adaptabilidade do capitalismo:


• os choques do petróleo em 1973 e 1979 tornam o Sistema Internacional da
détente vulnerável e abalam os componentes da produção, do comércio e
das finanças internacionais;

• a crise de conversibilidade do dólar, pondo fim ao sistema monetário de


Bretton Woods: diminuição da importância da economia dos EUA e elevação
das taxas de juros internacionais, anunciando o desastre para as economias
4)
que haviam orientado a sua inserção nas relações econômicas internacionais
pela via do endividamento externo, como o Brasil, o México e a Argentina;

• os países árabes, detentores do petróleo, tornam-se Atores de relevo no


sistema internacional, passando a reivindicar posições chaves no
planejamento das atividades econômicas em escala global;

• aceleração do processo de globalização dos mercados: as empresas, em


reação à estagnação da produção de bens, à inflação dos preços e ao custo
energético, desenvolvem novos processos de produção de bens e de
organização do mundo do trabalho e do consumo, o que acabará por
provocar uma revisão dos próprios papéis dos Estados nacionais na política
internacional; o surgimento de uma nova economia sustentada na
concentração de inteligência e na robótica, criando um novo paradigma
tecnológico-industrial (momento também conhecido como “Terceira
Revolução Industrial”).

pág. 14

O Fim da Guerra Fria: 1980-1991

A década de 1980 marcou o que muitos autores chamam de “Nova Guerra Fria”. No período,
mereceu destaque a exacerbação anticomunista do novo presidente norte-americano, Ronald
Reagan, estabelecendo-se um retorno ao Realismo nas relações internacionais (em substituição
ao Idealismo de Jimmy Carter). As concessões unilaterais efetuadas pelo governo Carter foram
substituídas por uma política de confrontação diplomática e de endurecimento econômico, com
bloqueio econômico e tecnológico aos países do sistema soviético.

O aumento das despesas militares resultou em acúmulo de déficits orçamentários para ambos
os lados. No entanto, os EUA possuíam uma clara vantagem nesse processo: os estadunidenses
podiam financiar sua dívida pública por meio de emissão de uma moeda que era o principal
meio de reserva internacional ou pela colocação de títulos do Tesouro dos EUA no mercado –
mecanismos impossíveis de serem utilizados pela URSS, dada a sua tradicional separação da
economia mundial. Assim, segundo Paulo Roberto de Almeida, o ocaso final do modo de
produção socialista teve início quando os EUA adotaram o programa armamentista conhecido
como Guerra nas Estrelas, forçando a URSS a tentar reproduzir o “keynesianismo militar” do
governo Reagan, que se revelava oneroso demais.

No final da década de 1980, o mundo veria o bloco socialista desmoronar, em um processo


intensificado a partir das reformas do novo líder soviético, Mikhail Gorbatchev, que chegou ao
poder em 1985. Em alguns meses o sistema socialista desapareceria da Europa Oriental,

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escapando das mãos soviéticas sem que Moscou tivesse como impedir o processo. O assunto
será tratado na Undiade seguinte.

O Mapa 31 mostra o colapso do bloco socialista, com as novas fronteiras européias ao final do
século XX.

Mapa 31: O Colapso do Bloco Socialista (1987-1990)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel20.html

Do ponto de vista econômico, a década de 1980 testemunhou amplo processo de conversão das
economias planejadas em economias de mercado: reformas econômicas introduzidas na
República Popular da China pela equipe de Deng Xiao-Ping; liberalização do regime soviético a
partir de 1985, com a adoção da Perestroika por Gorbatchev, que alcançou o Vietnã a partir de
1986, espalhou-se pela Europa Oriental a partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, e
culminou na conversão para a economia de mercado de praticamente todas as ex-repúblicas
socialistas que apareceram após a desintegração da URSS, concluída em 1991. Do período que
vai de 1917 a 1991, algo ficou claro para o mundo: o capitalismo mostrava-se muito mais
adaptável ao Sistema Internacional do que o socialismo.

Há muitos sítios interessantes sobre a Guerra Fria. Veja, por exemplo o da TV


Cultura que reserva um espaço interessante com textos sobre a Guerra Fria. Confira
também o da Educaterra, que traz no História por Voltaire Schilling, o texto: Os
Estados Unidos e o início da Guerra Fria (1945-49).

O cinema procurou explorar a temática da Guerra Fria em vários filmes interessantes.


Destacamos um filme-catástrofe de 1983, O Dia Seguinte, de Nicholas Meyer. Trata
da vida de estadunidenses após o desencadeamento da guerra nuclear contra a URSS
e a destruição causada pelas Superpotências. As cenas são fortes, sobretudo as que

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mostram os efeitos da radiação sobre as pessoas, e marcou uma posição de parte da opinião
pública dos EUA contrária à corrida nuclear.

Recentemente foi produzido mais um filme retratando esse período conturbado da relação entre
as Superpotências nos anos 60, K-19: The Widowmaker, dirigido por Kathryn Bigelow, com
elenco principal formado Harrison Ford e Liam Neeson. A história é um thriller de conspiração
de guerra baseada em fatos reais, envolvendo um acidente com o submarino nuclear russo “K-
19”, em 1961, que poderia ter causado um conflito internacional de grandes proporções,
culminando até numa guerra atômica. Esse acontecimento real foi ocultado por vinte e oito
anos pelos russos. Os marinheiros envolvidos na operação foram afastados de suas funções e
proibidos de revelar a história, até que finalmente os fatos vieram à tona após o fim da União
Soviética.

Uma sugestão de leitura é Construtores da Estratégia Moderna, de Peter Paret,


editado pela Biblioteca do Exército. Outras obras interessantes podem ser encontradas
no sítio dessa editora.

Atividades de autoavaliação -
Acesso pelo menu lateral: Avaliações.

Avaliação da Unidade -
Trabalhe no exercício proposto para finalizar esta Unidade. Vamos lá: menu lateral -
Trabalhos / Redações.
Unidade 3 - O Fim da Guerra Fria e a Nova Ordem da Década de 1990

Objetivos da Unidade:

Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:

• discorrer sobre o surgimento de um mundo multipolar após o fim da Guerra Fria;


• apresentar as principais características da nova ordem internacional pós-Guerra
Fria.

Estamos na reta final do nosso estudo introdutório! Seja perseverante, estude com
afinco!

pág. 01

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Antecedentes: as transformações da década de 1980

A década de 1980 foi, para muitos, uma década de ruptura. Começaram a aparecer, na
doutrina internacional, expressões como: “queda dos impérios”, “fim do Estado-nação”, “fim do
Estado-territorial” e ascensão do “Estado-comercial”, “fim do Terceiro Mundo”, “fim das
ideologias”. A década marcou o fim do dualismo econômico entre socialismo e capitalismo e o
aprofundamento da diferenciação entre países pobres e países ricos, com as crises da dívida
externa nos países em desenvolvimento.

Do ponto de vista das relações internacionais, o período foi de superação do conflito Leste-
Oeste e de fragmentação do Terceiro Mundo. Surgia um sistema pós-hegemônico, no qual
vários grandes Atores mundiais passavam a reger coletivamente os negócios internacionais
(multipolaridade estratégica). Um desses novos Atores, que funcionava em uma espécie de
consórcio informal, foi o Grupo dos Sete (G7), composto por EUA, Japão, Alemanha, França,
Itália, Grã-Bretanha e Canadá, as nações mais ricas do planeta. A partir de 1992, a Rússia,
apesar de não ser a oitava economia do globo, incorporou-se ao Grupo, que passou a ser
conhecido como G8.

A Perestroika, ou “reestruturação
A tentativa de Gorbatchev de reforma do regime econômica”, é iniciada em 1986, logo após
soviético, com a Perestroika e a Glasnost, e o rápido a instalação do governo Gorbatchev.
abandono do comunismo nos países da Europa Constituía-se em um projeto ambicioso de
Central e Oriental, seguido pelo desaparecimento da reintrodução dos mecanismos de mercado,
renovação do direito à propriedade privada
própria URSS, em 1991, provocaram a mais
em diferentes setores e retomada do
expressiva transformação no sistema internacional
crescimento, tendo, entre seus objetivos,
desde o final da II Guerra Mundial. Após a perda de
de liquidar os monopólios estatais,
controle do bloco socialista, em virtude das rápidas
descentralizar as decisões empresariais e
transformações nos antigos regimes do Leste criar setores industriais, comerciais e de
Europeu, a URSS viu sua influência declinar no serviços em mãos da iniciativa privada
cenário internacional. No início da década de 1990, nacional e estrangeira. O Estado
começou o que seria praticamente inconcebível dez continuava como principal detentor dos
anos antes: a sua desintegração. As primeiras principais meios de produção, mas foi
Repúblicas a se separarem foram os Estados bálticos autorizada a propriedade privada em
– Letônia, Estônia e Lituânia –, que haviam sido setores secundários de bens de consumo,
incorporados à URSS no início da II Guerra Mundial. comércio varejista e serviços não
Após uma grave crise institucional em agosto de essenciais. Na agricultura, foi permitido o
1991, marcada pela vitória popular liderada por Boris arrendamento de terras estatais e
Yeltsin sobre uma tentativa de golpe da linha dura cooperativas por grupos familiares e
soviética, o governo de Gorbatchev perdeu a indivíduos. A retomada do crescimento
seria projetada por meio da conversão de
legitimidade e, em 25 de dezembro de 1991, o último
indústrias militares em civis, voltadas para
líder soviético anunciava formalmente o fim da URSS.
a produção de bens de consumo, e pelo
ingresso de investimentos estrangeiros.

pág. 02

Acabava definitivamente a Guerra Fria e uma Nova Ordem Internacional


começava a se estruturar.

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O Mapa 32 ilustra a nova configuração da antiga área de influência soviética com a


desintegração do bloco socialista.

Mapa 32: A Desintegração da URSS e do Bloco Socialista (1991)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel19.html

Um dos eventos mais marcantes do fim da Guerra Fria foi o acidente nuclear de
Chernobyl. Para buscar mais informações sobre essa tragédia, considerada uma das
maiores tragédias do século XX, confira o sítio.

pág. 03

Um novo paradigma para as relações internacionais

Após o fim da Guerra Fria, o mundo viu-se diante do desafio de produzir um novo paradigma
para as relações internacionais. A doutrina internacional não entrava em consenso a respeito da
natureza das relações internacionais ao final do século XX. Alguns teóricos voltaram a falar em
Sociedade Internacional, conforme concebido pela Escola Inglesa, apesar do convívio entre
regras velhas e regras novas; outros preferiram falar em Sistema Internacional, defendendo
que a ordem bipolar de poder foi substituída por uma ordem multipolar; outros, ainda,
preconizaram que sequer se pode continuar a falar em equilíbrio de poder; por fim, há os que
defendiam ser a década de 1990 apenas um período de transição nas relações internacionais.

Todavia, pode-se dizer, numa perspectiva realista, que o sistema internacional dos anos de
1990 ainda trazia consigo a natureza anárquica, a hierarquia das Potências, a prevalência de
relações hegemônicas, a estrutura capitalista e liberal de conformação e os conflitos de
interesses. Não obstante, o mundo passava a buscar novos princípios e regras de conduta,
mudanças na estrutura do sistema internacional, o que ficou claro a partir de meados da
década de 1980.

A década de 1980 testemunhou uma expansão generalizada da democracia, movimento que se


estendeu ao Leste europeu após a queda do muro de Berlim, em 1989, e aos novos Estados

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independentes oriundos da ex-URSS,


fenômeno que elevou dois fatores à
condição de papel fundamental nas
relações internacionais
contemporâneas: o Direito
Internacional e a proteção aos
direitos humanos. Houve significativa
redução nos gastos com Defesa no
mundo inteiro. Meio Ambiente
também mostrou-se um tema central
na agenda internacional.

Os processos de integração foram a marca do mundo Pós-Guerra Fria. Obtenha


maiores informações sobre a União Européia e o Mercosul nos sítios desses bloco.
Veja, também, o sítio da ALADI.

pág. 04

Incertezas e complexidades na Nova Ordem Internacional

Contudo, o novo mundo tornava-se mais incerto, mais complexo e mais imprevisível:

surgiram zonas de conflito em áreas de dissolução da URSS, nos Bálcãs, no Oriente


√ Próximo e em alguns países africanos (Somália, Chade, Congo, Angola, Libéria);

√ o Terceiro Mundo desintegrou-se com as crises da dívida externa, pondo-se fim à


unidade do discurso da década de 1970;

√ novas levas de imigrantes rumaram das zonas pobres para os países desenvolvidos;

fim do diálogo Norte-Sul, que se iniciara na década de 1960: as Grandes Potências


√ desviaram o interesse no desenvolvimento dos países mais pobres em prol de políticas
ambientais e de combate a migrações indesejadas;

a quantidade de armas que havia no mundo, fruto da lógica da Guerra Fria, somada à
√ formação de vazios de poder e de leis em muitos países, estimulou o aparecimento de
redes internacionais de crime e de organizações político-terroristas;

ocorreu um refluxo nas políticas de segurança em alguns Estados, como foi o caso da
√ França, que passou a realizar uma série de testes nucleares nos anos de 1995 e 1996;

houve redução da coesão entre as Grandes Potências devido à ausência de um inimigo


√ comum: os pólos ocidentais (EUA, Europa e Japão) passam a ser guiados por
percepções de interesses especificamente nacionais;

desenvolveram-se tendências introspectivas na Europa, com a institucionalização da


√ União Européia (UE), a nacionalização da segurança e o protecionismo;

os EUA viram-se como única Superpotência global, mas sem condições de estruturar
√ por si uma nova ordem internacional. Assim, sua política externa passou a orientar-se
para (1) a criação de um duopólio com a Rússia (ao alargar o G7 para G8), com o
intuito de não ter que arcarem sozinhos com a ordem a construir; (2) o papel de
“Estado catalisador” de uma ordem que seria também construída com aliados, como na
Guerra do Golfo e na Guerra da Iugoslávia; (3) o papel de garante de uma ordem

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inspirada na sua própria estrutura de Estado – liberalismo econômico, democracia


política e direitos humanos;

a Rússia, após o fim da URSS e o estabelecimento da Comunidade dos Estados


√ Independentes (CEI), emergiu com sua antiga autonomia sem perder de vista os
desígnios de influência a exercer sobre a Europa Oriental, sendo que, dessa vez, com
apoio dos EUA, interessados em mantê-la como potência singular no Oriente;

teve-se a contestação dos valores do Ocidente pela dinâmica região formada no Leste
√ Asiático, como liberalismo, democracia e direitos humanos, com a negativa de sua
universalidade;

√ dualidade entre modelo de desenvolvimento asiático e modelo de desenvolvimento do


“consenso de Washington” (FMI e BIRD);

√ a América Latina reaproximou-se da Europa e dos EUA;

a dificuldade para regular a nova ordem anárquico-multilateral conduziu à crise de


√ credibilidade da ONU, do Conselho de Segurança, do FMI, do BIRD, da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e do G7;

blocos regionais foram criados: União Européia (UE); Cooperação Econômica da Ásia-
√ Pacífico (APEC); Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA); Associação
Latino-Americana de Integração (ALADI); Associação das Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN); Mercado Comum do Sul (Mercosul);

vislumbravam-se conflitos de transição entre Grandes Potências, como China e Rússia,


√ que ainda mantinham riscos de confronto com a Superpotência EUA, e também
conflitos de equilíbrio regional de poder entre Estados que buscavam uma hegemonia
regional, como Coréia do Norte, Iraque e Irã, considerados inimigos pelos EUA pelo
fato de sua ascensão perturbar a ordem vigente;

conflitos entre comunidades e identidades nacionais (islamismo, identidades nacionais


√ na Rússia, identidades étnicas, religiosas ou lingüísticas nos Bálcãs, na África e na
Ásia).

O fracasso da recente rodada comercial de Doha (2001-2008) é um corolário disso.

Um filme que retrata de maneira bem-humorada essa nova ordem internacional sob a
ótica de quem “perdeu a Guerra Fria” é Adeus, Lênin (Alemanha, 2003), dirigido por
Wolfgang Becker, sobre as transformações na Alemanha a partir da reunificação, em
1989.

pág. 05

Globalização e regionalização

Há um consenso, na doutrina internacional, de que o mundo que surgiu na década de 1990


caracteriza-se pelos seguintes aspectos: globalização; regionalização; mudança de papel do
Estado-nação e inexistência de uma administração racional para os principais interesses

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coletivos da humanidade. São aspectos que não


vieram de forma abrupta, mas já se delineavam nas
relações internacionais desde, pelo menos, a década
de 1970.

Na década de 1990, o fenômeno da globalização já


se mostrava irreversível. O mundo se integrava cada
vez mais em virtude da abertura democrática em
diversas regiões, da queda de barreiras comerciais e
políticas, das novas estruturas de mercados
financeiros transnacionais e do desenvolvimento
tecnológico, sobretudo o de telecomunicações. Nesse
sentido, o fenômeno da Internet não encontra
precedentes e, definitivamente, passou a unir
pessoas por todo o planeta e a transmitir
informações em tempo real.

Entretanto, à medida que se globalizava, o mundo presenciava o recrudescimento de


nacionalismos em várias regiões do planeta, que repercutia tanto em conquistas políticas e
sociais de alguns grupos dentro de nações quanto em processos de independência – uns
pacíficos, a maioria nem tanto. Também associado a alguns movimentos nacionalistas, ganhou
força o terrorismo, processo facilitado pelo vazio de poder do fim da Guerra Fria e pela oferta
de mão-de-obra especializada e de equipamentos oriundos do esfacelamento do sistema
socialista.

Paralelamente também ao processo de globalização, percebeu-se um incremento da


regionalização. Por todo o planeta, países se aproximaram e estabeleceram acordos de
comércio, cooperação e aproximação política. Na Europa, povos que até cinqüenta anos eram
inimigos figadais, tornaram-se parceiros e aquilo que fora tentado pelas armas, diversas vezes,
ocorreu, finalmente, por via pacífica: a formação de uma União Européia.

Apesar de mais notório, o caso europeu não ocorreu isoladamente. Em todos os continentes
testemunharam-se processos de integração, fortalecendo organizações e uniões regionais. Na
América do Sul, a criação e o desenvolvimento do Mercosul é um bom exemplo. Quem poderia
supor, há algumas décadas, que Brasil e Argentina teriam um no outro seu principal parceiro e
que as rivalidades militares entre os dois desapareceriam?

Há o livro de Anthony Giddens, O Mundo na Era da Globalização (Presença, 2000).


Novamente, as obras de Manuel Castells também são essenciais para entender essa
nova realidade internacional:
A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder da Identidade (Paz e Terra, 2000), Fim de
Milênio (Paz e Terra, 2002).
pág. 06

Novos temas na Agenda Internacional

Três grandes conferências pareciam anunciar uma era de responsabilidades e consensos


transnacionais com os grandes temas que marcariam a agenda internacional na década:

a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992): difundiu as noções de
desenvolvimento sustentável, de incompatibilidade entre crescimento
demográfico ilimitado e planeta finito, de subordinação da tecnologia à

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ecologia, de poluição e pobreza provocadas pelo consumo incontido, de necessidade de


medidas locais e globais para a proteção do meio ambiente
;

a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993):
difundiu a implementação de medidas nacionais, a interação e a ação conjunta dos
órgãos e agências da ONU e de órgãos globais e regionais para o fomento de uma cultura
comum e universal sobre direitos humanos;

a Rodada Uruguai do GATT – Acordo Geral de Comércio e Tarifas (1994), que instituiu a
Organização Mundial do Comércio (OMC): regulamentação dos fluxos de bens, serviços e
propriedade intelectual entre os países e a solução de controvérsias a respeito.

Direitos humanos, meio ambiente e comércio internacional são, portanto, questões-chave desde
os anos 1990. São temas que afetam não a um Estado isoladamente ou a um grupo específico
de pessoas, mas que dizem respeito à humanidade como um todo.

pág. 07

A Questão da Segurança

Houve aumento considerável na demanda por serviços de garantia e manutenção de paz junto
à ONU, expresso no número crescente de resoluções do Conselho de Segurança, apesar de esse
fato não ter sido acompanhado de vontade política para a sua implementação.

Pequenas e grandes operações de paz, com baixos ou nulos índices de sucesso, como no
Camboja, na Somália, em Ruanda e na ex-Iugoslávia, começaram a lançar dúvidas sobre a real
capacidade operacional da ONU. O custo relativamente reduzido dessas operações em
comparação com os orçamentos nacionais de segurança demonstrava que não se tratava de um
óbice financeiro, mas, de um impasse político nas relações internacionais.

A Guerra do Golfo, de 1991, pareceu anunciar um


retorno do velho imperialismo ocidental sob cobertura
da ONU, o que contribuiu para tornar mais difícil um
consenso internacional de aprovação às novas
operações de paz. O que parecia para o mundo na
década de 1990 era que a ONU estava falhando em sua
missão de prevenção (e os países ocidentais não
estavam incrementando seus intuitos de fiscalizar os
resultados dos conflitos regionais, a não ser quando
afetassem seus interesses essenciais ou de segurança
imediata). Aumentava a descrença em resultados
duradouros de intervenções maciças e multilaterais,
como ocorreu no Oriente Médio durante a Guerra do
Golfo e na ex-Iugoslávia, e, já no início do século XXI,
com o Iraque. O fato é que restrições políticas,
econômicas e, muitas vezes, eleitorais conjugavam-se para impedir a construção de um
sistema de segurança global, o que reforça a tendência das relações internacionais
contemporâneas para a adversidade de sistemas de segurança e para a regionalização.

A Europa da década de 1990 buscou a fórmula do concerto do século XIX mais do que a
construção de um novo equilíbrio de poder. A Rússia, por sua vez, após extinguir o Pacto de

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Varsóvia e opor-se à extensão da OTAN ao Leste, reivindicou papel especial nesse concerto, ao
mesmo tempo em que a Grã-Bretanha reforçou sua inclinação para a OTAN e para os EUA, e a
França buscou caminhos independentes, como a retomada do desenvolvimento de uma força
nuclear própria.
pág. 08

O Oriente Médio tornou-se um barril de pólvora após o fim da Guerra Fria ter “descongelado” o
ambiente litigioso que se formara desde 1948, com a criação do Estado de Israel, na Palestina,
pela ONU. A questão palestina tornou-se um dos principais motivos de instabilidade na região,
contribuindo para o desenvolvimento de núcleos terroristas – alguns efetivamente apoiados por
países islâmicos –, que viam não só em Israel e nos EUA, mas também nos valores ocidentais,
um inimigo contra o qual se justificaria uma “guerra santa”. A Guerra do Golfo evidenciou a
divisão dos mundos árabe e muçulmano, e uma comunidade de segurança ao estilo europeu
ainda está longe do horizonte regional.

O Nordeste Asiático tornou-se um complexo regional em que se confrontam os interesses de


três Grandes Potências (Japão, China e Rússia) e da Superpotência (EUA), os quais têm raízes
na questão das duas Coréias, na questão de Taiwan e na rivalidade entre EUA e Japão relativa
às políticas de comércio exterior e a outras questões econômicas, além da rivalidade econômica
já sinalizada para o século XXI: EUA e China. A Associação das Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN) e a América Latina compõem o que se denomina de “comunidade pluralista de
segurança”, para usar expressão de Karl Deutsch: as duas regiões permaneceram à margem
dos confrontos Leste-Oeste mais importantes e criaram instituições de controle da segurança, o
que tornou o grau de tensão e de conflitos potenciais em seus territórios muito baixo. Já o
Caribe e a América Central continuaram a ser, depois da Guerra Fria, zonas de intervenções
unilaterais dos EUA, como demonstraram as operações no Panamá e no Haiti e a política de
embargo ao regime de Cuba.

A ASEAN foi estabelecida em 1967, atualmente é composta por 10 países (Brunei,


Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Miamar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã).
Entre seus objetivos, incluem-se acelerar o crescimento econômico e social na região,
e garantir a paz e a estabilidade entre seus membros por meio da cooperação entre
eles.

A Pax Americana, por seus métodos e imposições unilaterais, vem sendo cada vez mais
contestada pelo Ocidente, principalmente pelos países da Organização dos Estados Americanos
(OEA) e da União Européia. O papel dos EUA como principal agente do policiamento mundial,
segundo muitos autores, tem pouca chance de vingar como novo paradigma geopolítico
mundial, em virtude da sua visão unilateral e introspectiva da ordem internacional, da baixa
capacidade de diálogo, do peso do xenofobismo (principalmente em períodos eleitorais) e da
dificuldade em tolerar os interesses de outros povos e comunidades em jogo nas relações
internacionais. Isso ficou ainda mais claro com o Governo Bush (2001-2008) e a sua política de
“guerra preventiva” após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em território
estadunidense.

Muitos livros buscam tratar das transformações das relações internacionais após a Guerra Fria.

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Veja, por exemplo, O Lexus e a Oliveira, de Thomas Friedmann (Quetzal, 2000).

Atividades de autoavaliação - Acesso pelo menu lateral: "Avaliações".

Avaliação da Unidade - Para auxiliá-lo a entender e refletir melhor sobre o conteúdo


apresentado na unidade, responda a questão proposta na Plataforma. Menu lateral -
"Trabalhos / Redações".
Unidade 4 - O Sistema Internacional no Século XXI: Perspectivas

Objetivos da Unidade:

Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:

• identificar, em linhas gerais, os aspectos principais da agenda internacional para o


século XXI;
• indicar os novos Atores Internacionais que se destacam no sistema internacional
do novo século;
• situar o Brasil no contexto das Relações Internacionais.

Estamos na reta final do nosso estudo introdutório! Seja perseverante, estude com
afinco!

pág. 01

Recapitulando...

Com a presente Unidade, chegamos ao término deste curso introdutório de Relações


Internacionais: Teoria e História. Nos Módulos anteriores, foi possível ter um contato inicial com
aspectos importantes do estudo das Relações Internacionais os quais fornecem a base para se
entender e discutir pontos importantes da Agenda internacional.

Assim, neste Curso, apresentamos conceitos importantes como Sociedade Internacional,


Sistema Internacional, Ator internacional, Forças Profundas, Hegemonia, Potências, entre
outros, os quais foram explorados quando da análise histórica feita nos Módulos seguintes.

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Também passamos pelas principais correntes teóricas que buscam entender e explicar as
relações internacionais. Foi possível perceber que há diferentes maneiras de se conceber o
complicado mecanismo das relações entre os povos, inclusive com explicações antagônicas e
conflitantes, mas fundamentadas.

O Realismo continua sendo a corrente teórica mais importante das Relações Internacionais. A
visão de mundo realista tem se mostrado imperante no processo decisório das Grandes
Potências, principalmente após o 11 de setembro de 2001, que fez o mundo levar a sério uma
nova ameaça: o terrorismo. Ademais, ainda que não estejamos de acordo com a maneira
pragmática – para alguns até inescrupulosa – como os realistas tentam explicar e conduzir as
relações internacionais, é importante conhecê-la bem, pois aqueles que forem de alguma
maneira atuar no cenário internacional irão deparar-se constantemente com condutas realistas,
sobretudo com relação aos temas mais sensíveis.

Outro importante tema objeto deste curso foi a Sociedade Internacional e sua evolução ao
longo dos séculos, particularmente do século XVI ao século XX. Foram exploradas informações
gerais sobre alguns aspectos relevantes da História da Civilização Ocidental, que são
necessários à compreensão do Sistema Internacional de nossos dias.

Importante recapitular, por exemplo, a estruturação do Sistema Internacional em unipolar,


bipolar ou multipolar em diferentes épocas e subsistemas. Vale ter em mente eventos
importantes que marcaram as Relações Internacionais da era moderna, entre os quais, convém
destacar:

• a Conferência de Westfália (1648);


• a Revolução Francesa (1789);
• o Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu;
• a Revolução Industrial e o Neocolonialismo, a partir do século XIX;
• a Primeira Guerra Mundial;
• a Revolução Russa e o surgimento da União Soviética;
• o período Entre-Guerras (1919-1939);
• a Segunda Guerra Mundial;
• a Guerra Fria;
• o colapso do bloco soviético e a Nova Ordem Internacional da década de 1990.

Assista aos demais vídeos de nossa série Conexão Mundo.

O ILB oferece o curso de Relações Internacionais: Temas Contemporâneos que aborda


aspectos complementares para uma compreensão global do estudo das Relações
Internacionais. Não perca!
pág. 02

A AGENDA INTERNACIONAL DO SÉCULO XXI

Nunca vivemos em um período tão complexo quanto o dos últimos cem anos e, em especial, no
novo século que se inicia. Com a Sociedade Internacional globalizada, cada vez mais questões
nacionais e regionais acabam influenciando todo o sistema internacional. O século XXI se inicia
com uma agenda internacional complexa, conflitante e diversificada.

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Quando tratamos de agenda internacional, nos referimos aos grandes temas objeto
da atenção da comunidade das nações.

Assim, temos que buscar analisar e entender o sistema internacional por meio de seus
subsistemas – político, econômico, social, jurídico, cultural, militar-estratégico –, dos Atores
envolvidos no processo – há muito deixaram de ser apenas os Estados nacionais e hoje
englobam organizações internacionais, organizações não-governamentais, a opinião pública,
partidos políticos, empresas multinacionais e, claro, os indivíduos –, das Forças Profundas que
afetam as condutas dos Atores – aspectos econômicos, ideológicos, culturais, tecnológicos e
estratégicos – e, finalmente, da maneira como se dão as interações nesses subsistemas e entre
eles.

Como bem já observou Amado Cervo (1994), Todos os anos, centenas de


as políticas exteriores dos países do Sul, como homens de negócios, banqueiros,
é o caso do Brasil, centralizam suas funcionários de governos,
preocupações em torno dos problemas do intelectuais e jornalistas, de
desenvolvimento. O mesmo não ocorre com os dezenas de países, se encontram
países mais avançados do Norte. Assim, é no Fórum Econômico Mundial em
possível perceber duas grandes óticas das Davos, na Suíça. Quase todos,
relações internacionais contemporâneas: a) como já observou Samuel
para os países avançados, as prioridades não
Huntington, com diplomas
são relações igualitárias, mas o zelo pela paz
universitários em ciências exatas,
ou a preparação para a guerra, a composição e
em ciências sociais, em
o desfazimento de alianças, a construção da
potência e do prestígio, a difusão de ideologias administração ou em ciências
e valores; e b) para os países atrasados, as jurídicas. São empregados por
relações internacionais assumem um caráter governos, empresas e instituições
existencial, pois eles dependem dos ritmos de acadêmicas com extenso
desenvolvimento, das oportunidades de envolvimento internacional. De
melhoria das condições sociais, do cotidiano. forma geral, partilham de crenças
no individualismo, na economia
O Realismo, por exemplo, dominou o estudo de mercado e na democracia
das Relações Internacionais sobretudo no política. As pessoas de Davos
mundo anglo-saxônico, e inclinou-se para a controlam virtualmente todas as
Guerra Fria e nada disse sobre o Terceiro instituições internacionais, muitos
Mundo e as relações Norte-Sul. Os conceitos do dos governos do mundo e o
imperialismo e do desenvolvimento que grosso da capacidade econômica
cuidavam dessas questões não penetraram na e militar do planeta. Samuel P.
Teoria das Relações Internacionais, a não ser Huntington. O Choque de
pelo Sul, com o pensamento da CEPAL Civilizações. Rio de Janeiro:
(Comissão Econômica das Nações Unidas para Objetiva, 1997, p. 67. A cultura
a América Latina) e com as teorias globalistas
de Davos é de extrema
da dependência latino-americanas. Como
importância no mundo
observou Cervo, os nortistas continuam
contemporâneo. Em oposição a
admitindo que as teorias do desenvolvimento,
ela, nasceu o Fórum Social
desde Keynes, integram a Ciência Econômica, e
não a Ciência Política, como se a pobreza, a Mundial, criado em 2001 por
dominação e a dependência, a cooperação e a intelectuais dos países periféricos,
exploração não fizessem parte do mundo real e tem anualmente suas reuniões
das relações internacionais. ocorrendo paralelamente às
reuniões de Davos. O evento, que
As edições do Fórum Social Mundial, aconteceu três vezes no Brasil e a
movimento nascido em 2001, em Porto Alegre, partir de 2004 passou a ser
que se coloca contra a cultura de Davos, hoje sediado em outros países do
procuram os caminhos para uma nova visão Terceiro Mundo, já entrou para a
das relações internacionais. agenda das grandes
manifestações mundiais, com o

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Trilhas - ILB - Educação a distância Página 159 de 164

seu slogan de que “um outro


mundo é possível”.

pág. 03

A Questão Da Segurança

Há muito que a ordem internacional não parecia tão insegura. Com o colapso da URSS e o fim
da Guerra Fria, acreditava-se que, finalmente, o planeta chegaria a um estado em que a paz
seria norteadora e as relações internacionais não teriam mais na guerra um de seus aspectos
centrais. A década de 1990 provou que essas aspirações continuavam uma utopia. Conflitos
regionais, guerras civis, crises institucionais em diversas partes do globo revelavam o que os
realistas sempre afirmaram: não pode existir vazio de poder – onde as forças da Guerra Fria e
do sistema bipolar não mais operavam, sem que nada as substituísse, a anomia imperou. O
século XX acabou muito mais conturbado e complexo do que começara.

O século XXI se inicia com a questão da segurança internacional como uma das temáticas
centrais. Isso se deve, sobretudo, à nova política externa dos EUA após os atentados de 11 de
setembro de 2001. A prioridade da Potência hegemônica seria a defesa de seus interesses e a
segurança de seus cidadãos, onde quer que estivessem ameaçados. E o Governo de George W.
Bush deixou claro que, na cruzada internacional que os EUA empreenderiam, quem não
estivesse com eles estaria contra eles.

As Novas Ameaças passaram a ser uns dos aspectos mais importantes da agenda internacional.
Os problemas do crime organizado transnacional e do terrorismo internacional foram
catalisados pelos novos recursos da Sociedade
Internacional globalizada pós-Guerra Fria. Para
muitos, são novas forças que interferem na conduta
dos Atores.

Ao lado da guerra contra essas Novas Ameaças,


persiste o conflito interestatal em algumas partes do
planeta. A diferença reside na assimetria entre os
combatentes e nas novas tecnologias empregadas na
guerra. As ações armadas contra os talibãs do
Afeganistão e a Segunda Guerra do Golfo refletem
esse novo modelo de conflito. Apesar das vitórias
rápidas, as forças de ocupação ainda terão que
enfrentar, durante muito tempo, as mais tradicionais formas de resistência nos territórios
ocupados.

Sem dúvida, a problemática da segurança marcará a Agenda internacional ainda durante muito
tempo. E esse é o aspecto do qual não podemos descuidar ao estudarmos Relações
Internacionais, mesmo que o Brasil aparente ser um país muito distante desses temas.

pág. 04

A Segurança e o Realismo no Século XXI

O governo de Bill Clinton nos EUA (1993-2000) apontara para uma crise do paradigma realista
e uma ascensão do pluralista. Eleito em 1992, Clinton prometeu uma liderança global de “baixo

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custo” e uma dedicação maior à economia doméstica. Diante disso, vários acadêmicos norte-
americanos, como W. Kristol e R. Kagan, passaram a defender uma política externa neo-
reaganista para os EUA, que se traduziria em uma reafirmação do “excepcionalismo” do país no
cenário internacional, argumentando que fora o legado militarista da política de Ronald Reagan
que permitira a vitória contra o Iraque no início da década, que era a presença de soldados
norte-americanos no Golfo Pérsico que continha a agressividade de Saddam Hussein e do
fundamentalismo islâmico do Irã, que essa presença era o principal fator que impedia a
escalada de conflitos, como quase aconteceu entre a Grécia e a Turquia, que foi o papel dos
EUA como líder global que manteve o regime político no Haiti e no Paraguai etc.

A década de 2000 trouxe elementos novos a esse cenário acadêmico: o alargamento do


conceito de segurança e a revalorização do Realismo. É interessante perceber as semelhanças
entre os discursos políticos da atual única Superpotência em 1992 e em 2001. A primeira
evidência da influência do paradigma realista no pós-Guerra Fria veio na primavera de 1992,
durante a polêmica sobre a revisão feita pelo Pentágono de seu “Guia de Planejamento de
Defesa para os Anos Fiscais de 1994-1999”, o qual, originalmente, demandava políticas cujo
objetivo era impedir que, não somente as nações renegadas do Sul, mas também outras nações
industrializadas, “procurassem subverter a ordem econômica e política estabelecida”,
ameaçando, assim, a hegemonia norte-americana.

No outono de 2001, o presidente dos EUA, depois de o país ter sido atacado, pela primeira vez
na História, em seu próprio território, por um ato terrorista que usou aviões como mísseis, fez
pronunciamento – lançando mão de qualificativos religiosos e maniqueístas–, asseverando que,
na luta contra o terror, os países do mundo que não estivessem com os EUA, estariam,
automaticamente, contra os EUA, e, portanto, que não se aceitaria qualquer ameaça à
hegemonia norte-americana. A semelhança entre ambos os discursos é óbvia.

Iniciou-se uma nova doutrina militar no início do século XXI: a da guerra preventiva. Os EUA
voltaram a fazer intervenções unilaterais
como fizeram na década de 1980 na
América Central. O neo-reaganismo cantado
por Kristol e Kagan anos antes ganhou
forma.

O conceito de segurança nacional foi


alargado após os atentados terroristas de
11 de setembro de 2001, que atingiu cerca
de três mil indivíduos indiscriminados, em
ação perpetrada por poucos indivíduos,
comandados por outros poucos indivíduos,
sem nação, sem Estado. Diplomatas e
turistas norte-americanos passaram a ser
alvos no exterior. A política de visto e de
migração precisou ser alterada. Cidadãos e estrangeiros em solo norte-americano tiveram
direitos constitucionais suspensos para averiguação. O fato é que a segurança nacional desceu
do nível analítico do Sistema Internacional para o nível analítico do Indivíduo, dando um novo
renovo para o Realismo, sob nova forma.

pág. 05

Processos de Integração

Os processos de integração – econômica, sobretudo, mas também política – são outro


fenômeno marcante dessa virada de milênio. Em diversas regiões do globo, blocos se
estruturam para garantir a competitividade de seus membros no mercado internacional.
Barreiras caem, a cooperação é estabelecida e muitos Atores passam a unir-se com antigos
adversários para melhor defender seus interesses.

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Nesse fantástico fenômeno da economia global, os processos de integração econômica


conduzem a outras formas de integração e aumentam a tolerância e compreensão “do outro” na
Sociedade Internacional – ao menos dentro de alguns blocos.

Novos foros internacionais são estruturados para discutir as questões econômicas entre os
países. A Organização Mundial do Comércio ganha força. Ao lado desses foros para se debater a
economia global, seria impossível que não se estruturassem outros, para tratarem de questões
sociais e até políticas.

Superpopulação e Subdesenvolvimento

Apesar das grandes conquistas tecnológicas e do bom padrão de vida em algumas partes do
globo, uma porção significativa da humanidade ainda vive em nações subdesenvolvidas ou em
desenvolvimento. O problema do subdesenvolvimento, em alguns setores da Sociedade
Internacional, torna-se, cada vez mais, relevante para os países desenvolvidos, sobretudo com
relação aos problemas causados pelas migrações e pelo crescimento populacional nos países
mais pobres.

A escassez de recursos e a distribuição das riquezas continuam sendo temas relevantes no


século XXI. Esses problemas são agravados com os riscos de esgotamento dos recursos em
virtude do crescimento demográfico mundial e dos efeitos do modelo produtivo e de consumo
da Sociedade Internacional globalizada no meio ambiente. De fato, caso a população mundial
continue crescendo no ritmo atual, calcula-se que, por volta de 2050, já serão doze bilhões de
seres humanos sobre a face da terra, de modo que atender a demandas básicas de todas essas
pessoas – concentradas nos países menos desenvolvidos – será um dos grandes dilemas da
Sociedade Internacional. Isso sem falar na degradação do planeta, que caminha a passos
largos.
pág. 06

Questões ambientais

Meio ambiente é outro tema importante que merecerá atenção dos membros da Sociedade
Internacional do século XXI. Afinal, o planeta inteiro tem sofrido os efeitos da atividade humana
moderna. Questões como o desmatamento, a poluição, a extinção de diversas espécies de
plantas e animais, o processo acelerado de desertificação em diversas fases do globo e a
escassez de água potável, as mudanças climáticas – com catástrofes a elas associadas – e o
efeito estufa marcarão a agenda internacional desse
primeiro século do terceiro milênio.

Ao interferir, modificar e destruir ecossistemas inteiros,


será que o homem prepara sua própria sepultura?
Especialistas divergem. O debate apenas se iniciou. A
questão ambiental deve merecer a atenção de toda a
comunidade internacional, pois os efeitos da degradação
do meio ambiente não reconhecem fronteiras. Ademais, a
preservação do planeta para as futuras gerações envolve
ações concertadas dos países ricos e pobres, uma vez
que dificilmente nações com dificuldades de
desenvolvimento econômico e social poderão atentar
sozinhas para a utilização sustentável dos recursos
naturais.

Novos regimes internacionais vêm sendo criados e operando no sentido de regularizar o uso de
bens de patrimônio da humanidade, como a água, o ar e o espaço. Em 1997, líderes de 160

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países firmaram o Protocolo de Kyoto, estabelecendo que entre 2008 e 2012 sejam cortados ao
menos 5% nas emissões de gases causadores do efeito estufa na atmosfera em relação aos
níveis de 1990. O regime, que sofreu forte resistência no início, hoje vem sendo
gradativamente reconhecido como importante para a sobrevivência do planeta. A
biodiversidade, sendo considerada também um patrimônio da humanidade, portanto, é objeto
de articulação entre os Estados, para a regularização da exploração de seus recursos.

pág. 07

Democracia e Direitos Humanos

A Sociedade Internacional do início do século XXI é marcada pela defesa da democracia e dos
direitos humanos em todo o planeta. Apesar de ainda existirem governos autoritários e
ditatoriais em diversas partes do globo, acredita-se que esses regimes caminhem rumo à
extinção. A democracia tem-se apresentado como a opção definitiva de regime político. Por
meio da guerra no Oriente Médio, por exemplo, os EUA buscam exportá-la aos países árabes e
persas não-democráticos; por meio das exigências para o ingresso na União Européia, a Europa
tenta fortalecê-la no Leste Europeu. Esse é um fenômeno que muito tem influenciado as
relações internacionais.

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E

Desde a Carta da ONU, em seus artigos 55 e 56, busca-se pela Com o fim de criar condições de estabilidade e b
formação de uma nova ética mundial em torno dos direitos pacíficas e amistosas entre as Nações, basea
humanos. Os direitos humanos têm sido apontados como o igualdade de direitos e da autodeterminação

mínimo valorativo possível para um consenso internacional.


a) níveis mais altos de vida, trabalho efetiv
Autores como Delmas-Marty defendem que a lei e os regimes
desenvolvimento
internacionais devem se desenvolver a partir desse mínimo
b) a solução dos problemas internacionais ec
comum. Para outros autores, como Jürgen Habermas, a melhor
conexos; a cooperação internacional, de ca
via seria o reforço da democracia. As questões estão muito c) o respeito universal e efetivo raça,
ligadas.
Para a realização dos propósitos enumerados n
Organização se comprometem a agir em coope
separadamente

Importante lembrar que o


Tribunal de Nuremberg
atribuiu ao indivíduo a
qualidade de sujeito de direito
(ou seja, um Ator das Relações
Internacionais) e relativizou a
questão das imunidades
funcionais (funcionários de alto
escalão foram
responsabilizados
penalmente), o que é uma
tendência no atual Direito
Internacional (os Estatutos dos
Tribunais para a ex-Iugoslávia, Ruanda e do Tribunal Penal Internacional trazem previsões
nesse sentido). Além do indivíduo, também a idéia de “humanidade” ganha cada vez mais
importância na sociedade global dos dias de hoje. A humanidade está até mesmo se tornando

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sujeito de direito no Direito Internacional, conforme se pôde ver em uma decisão do Tribunal
Internacional para a ex-Iugoslávia em 1996 e, mais recentemente, com o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional, de 1998, o qual prevê, expressamente, os crimes contra a humanidade.

Um sítio de análises interessantes sobre a Nova Ordem Internacional é o de Paulo


Roberto de Almeida. Confira!

Os novos Atores Internacionais – e outros não tão novos

Outro ponto importante diz respeito aos Atores de destaque no sistema internacional no século
XXI, aí incluídos os Atores não-estatais – organizações não-governamentais e empresas
multinacionais, entre outros – e aqueles Estados, ou blocos, que se destacarão como alternativa
ao pólo hegemônico dos EUA – por exemplo, a União Européia e a China.

O Tribunal Penal Internacional e o seu Estatuo, ao imporem novos limites às ações de guerra,
inclusive às guerras civis, apresenta-se como um novo Ator que pode ter papel importante nas
relações internacionais do século XXI.

pág. 08

Brasil e as Relações Internacionais

Convém relembrar que, como um dos maiores e mais populosos países do globo, com uma das
maiores economias do planeta e com pretensões de liderança internacional, é fundamental que
o País não se descuide de temas de relações internacionais.

Entre os temas da Agenda internacional importantes para o Brasil, encontram-se a consolidação


do Mercosul, a aproximação com outros países na América Latina, na África e na Ásia, a
manutenção das boas relações com os EUA e com a Europa. Ademais, não se pode esquecer a
relevância da participação brasileira nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas
(Alca), nas negociações comerciais com a União Européia, e a atuação do País em diversos
foros e organismos internacionais, como a ONU, a OMC e a OEA.

O Congresso Nacional tem papel importante nas relações internacionais do Brasil. Nesse
sentido, dispõe de Comissões, tanto na Câmara como no Senado, encarregadas de garantir a
participação do Poder Legislativo em temas como a escolha de embaixadores e a aprovação de
qualquer tratado internacional assinado pelo País. Daí a importância de se ter quadros no Poder
Legislativo capacitados a entender os complexos mecanismos do Sistema Internacional.

A manutenção de quadros com conhecimentos de relações internacionais também é importante


no âmbito dos Governos e das Assembléias estaduais, sobretudo porque os Estados-membros
da Federação também têm interesses que ultrapassam as fronteiras do Brasil.

Leia O Choque de civilizações, de Samuel Huntington, obra indicada na bibliografia.

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Nosso curso permitiu a você familiarizar-se com aspectos relevantes do estudo de


Relações Internacionais. Esperamos que tenha aproveitado este estudo introdutório.
Nossa sugestão é que explore as indicações bibliográficas, em especial as acessíveis
por meio da Internet, ferramenta que é um dos maiores trunfos da globalização e
da integração entre os povos do mundo.

Atividades de autoavaliação -Acesso pelo menu lateral: Avaliações.

Avaliação da Unidade - Para auxiliá-lo a entender e refletir melhor sobre o conteúdo


apresentado na unidade, responda a questão proposta na Plataforma. Menu lateral -
"Trabalhos / Redações".

Avaliação Final do Curso -


Chegamos na reta final do nosso curso! Para avaliarmos sua compreensão do
conteúdo apresentado ao longo do Curso, responda as 3 questões propostas na
Plataforma. Conforme os anteriores, acesse o menu lateral: Trabalhos / Redações e
busque a avaliação final do cuso! Sucesso!

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