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Cena Lusófona

n.º 7 Setembro 2009 ISSN 1645-9873

Rua António José de Almeida n.º 2, 3000 - 040 COIMBRA Portugal telf. e fax (+351) 239 836 679 | teatro@cenalusofona.pt | www.cenalusofona.pt distribuição gratuita

nova vida e
nova casa para a
Cena Lusófona

A Cena no Café À conversa com Um encontro


Newton Moreno em Coimbra Rui Madeira n'As Bacantes
Colecção Cena Lusófona
As Virgens Loucas
de ANTÓNIO AURÉLIO GONÇALVES
Cabo Verde

Teatro do Imaginário Angolar


de FERNANDO DE MACEDO editorial
São Tomé e Príncipe
Em Maio de 1897, o New York Journal publicou o obituário de Mark Twain,
Supernova
de ABEL NEVES confundindo a morte de um primo seu, residente em Londres, com a morte do
Portugal próprio escritor norte-americano. A resposta de Twain, reproduzida pelo jor-
nal em 2 de Junho, ficou célebre: “o relato da minha morte é desmedidamente
As Mortes de Lucas Mateus exagerado”.
de LEITE DE VASCONCELOS
Moçambique Nos contactos que temos feito ao longo dos últimos meses com muitos dos
companheiros de percurso da Cena Lusófona, houve frequentes oportunidades
Teatro I e II
obra dramatúrgica para citar o autor de Tom Sawyer e Huckleberry Finn. Os dois anos em que fo-
de JOSÉ MENA ABRANTES mos forçados a suspender a nossa actividade tornaram a instituição praticamente
em dois volumes, invisível aos olhos da comunidade teatral lusófona e até, aparentemente, junto de
Angola entidades que antes nos haviam apoiado (algumas das quais directamente respon-
sáveis pelas dificuldades que atravessámos).
Mar me quer
de MIA COUTO e NATÁLIA LUIZA Resistimos, contudo, a carpir mágoas. O novo contrato assinado com o Minis-
Portugal / Moçambique
tério da Cultura português permite-nos retomar o projecto em que continuamos
Teatro a acreditar. Perdeu-se tempo, é certo, e não é ainda seguro que não tenham sido
obra completa do dramaturgo brasileiro desbaratados muitos dos esforços anteriormente realizados. Apesar do minima-
NAUM ALVES DE SOUZA lismo dos recursos, mantemos intactas as ambições e o essencial dos objectivos
Brasil a que nos propusemos em 1995.

Revista Setepalcos Assim entramos nesta nova fase. Reconstruindo a equipa e voltando a reunir a

rede de parceiros construída em todo o espaço lusófono. Move-nos a consciência,
(esgotados números 0, 1 e 2) partilhada com muitos daqueles com quem continuámos sempre em contacto,
N.º 3 – Setepalcos especial sobre TEATRO BRASILEIRO de que o intercâmbio cultural entre os países de língua portuguesa permanece
N.º 4 – Setepalcos especial sobre TEATRO GALEGO demasiado refém de retóricas vazias e abafado por sucessivos fogachos de oca-
N.º 5 – Setepalcos especial sobre RUY DUARTE DE CARVALHO sião. Mais do que um qualquer e deslocado sentido de “missão”, inspira-nos um
sentido de responsabilidade perante expectativas que criámos e alimentámos e
Floripes Negra que nos custa defraudar.
Floripes na Ilha do Príncipe, em Portugal e no mundo
de AUGUSTO BAPTISTA As expectativas não nascem do vazio. Nascem das dificuldades concretas, do
Álbum Fotográfico/Reportagem/Ensaio quase nada que encontrámos em tantos sítios e que ajudámos a transformar num
quase alguma coisa; nascem da vontade de partilha e do interesse pela descoberta
que encontrámos noutros locais e que ajudámos a concretizar.

Desde 1995, o mundo lusófono mudou muito. Cada um dos (agora) oito palcos
em que nos movemos enfrenta novos e decisivos desafios para o seu futuro. Mas
a ausência de discurso político sobre esta comunidade e sobre a forma como nos

edições.cena
podemos e devemos relacionar parece ter sido preenchida apenas pela retórica
do negócio.

Velhos tiques, a que só a cultura pode fazer frente. Para que nos possamos
À venda na sede da Cena Lusófona e no Tea-
conhecer melhor, uns aos outros e a nós próprios.
tro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra,
ou via encomenda postal, após solicitação É por isso que cá estamos, afinal e ainda.
por telefone, fax, ou e-mail.

Cena Lusófona

A Cena Lusófona é uma estrutura financiada por: cenaberta ficha técnica


Director António Augusto Barros | Coordenação e Fotografia Augusto Baptista | Redacção Augusto Baptista,
Pedro Rodrigues | Concepção gráfica Ana Rosa Assunção | Revisão Sofia Lobo | ISSN 1645-9873 | N.º 7 distri-
buição gratuita | Tiragem 2000 exemplares | Impressão Tipografia Ediliber | Propriedade Cena Lusófona, Associa-
ção Portuguesa para o Intercâmbio Teatral, Rua António José de Almeida, n.º 2, 3000 - 040 COIMBRA,
PORTUGAL | Tel. e Fax (+351) 239 836 679 | teatro@cenalusofona.pt | www.cenalusofona.pt

cenaberta 2
cenaberta Setembro 2009

A Cena no Café
Newton Moreno em Coimbra

© Pedro Rodrigues

O que vem aí
"A Cena no Café", assim chamada por corres-
ponder, num primeiro momento, a encontros
Newton Moreno apresentado por António Augusto Barros informais no Café Santa Cruz, café histórico no
centro de Coimbra, entrou numa nova fase.
Newton Moreno veio a Coimbra e abriu a 3 de Julho um A ideia é agora, mantendo os mesmos objectivos,
novo ciclo de “A Cena no Café”. A conversa com o conheci- passar a promover estes encontros entre artistas
e agentes institucionais dos países de Língua por-
do e reconhecido dramaturgo, actor e encenador brasileiro tuguesa, essas novas Cenas no Café, em espaços

fluiu amena no Teatro da Cerca de São Bernardo. alternativos, quer dentro da cidade de Coimbra,
quer noutras cidades do país e, mais tarde, do
Um dia, lá em Pernambuco, ao ver actuar um como Márcio Aurélio (num notável “Agreste”) e, mais estrangeiro. E aí prosseguir a apresentação de
contador de histórias, decidiu que ia ser artista. Foi recentemente (ainda em temporada), Aderbal Freire livros, a projecção de filmes, o desempenho de
com esse propósito que “desceu” à grande metró- Filho, com “As Centenárias”. pequenas performances e espectáculos, a aborda-
pole: primeiro cursou teatro em Campinas e, depois, Durante “A Cena no Café”, Newton fez um per- gem de projectos aos quais a Cena esteja ligada.
a especialização em dramaturgia no Curso de Artes curso informal pelas suas peças, dialogou com a as- Em 2009, nesta nova fase, houve já a "A Cena no
Cénicas da Universidade de São Paulo. Desde esses sistência e comentou excertos videográficos feitos a Café" com Newton Moreno, no Bar da Cerca de
tempos de faculdade que sentiu “o chamado dos dra- partir de “Agreste” e “A Refeição”. São Bernardo.
maturgos para dentro dos grupos”. Por isso, precisa Dominante durante a conversa foi a sua forma Estão agendadas mais três tertúlias: para Outu-
da “proximidade da sala de ensaios” e considera que de abordar a tradição, a fortíssima herança cultural bro, Novembro e Dezembro.
“o trabalho de grupo foi sempre essencial para ter a nordestina, através da sua sensibilidade urbana e con- "A Cena no Café" de Outubro está programada
coragem de escrever”. temporânea, um trânsito teatral que Newton reinventa para Coimbra, em ligação com a Reitoria da Uni-
Disse estas coisas (e outras) Newton Moreno em em múltiplas formas. versidade de Coimbra, no âmbito dos Encontros
Coimbra, no arranque de uma nova série da iniciativa da Toda a obra de Newton, pouco publicada ain- de Outono, organizados pela Universidade e
Cena Lusófona,“A Cena no Café”, desta vez no Teatro da, está disponível no Centro de Documentação e subordinados ao tema: “As ligações entre a An-
da Cerca de São Bernardo (3 de Julho). Informação da Cena Lusófona (CDI). Para além das tropologia e a Arquitectura”.
Newton Moreno (1968) é actor, encenador, dra- já referidas, podem ser consultadas no CDI as peças Em Novembro, teremos a primeira Cena no Café
maturgo e um dos criadores do colectivo “Os fofos “Dentro”, “A Cicatriz é a flor”, “Assombrações do a realizar-se fora da cidade de Coimbra. Ocorre-
encenam”, que se tem distinguido na cena paulistana Recife Velho”,“Ferro em brasa”,“Ópera”,“Vem, vai – o rá em Braga, num dos cafés históricos da cidade.
mais recente. Os últimos anos têm trazido a Newton caminho dos mortos” e ainda textos originais como Aí se pensa abordar o projecto da Cena Lusófo-
Moreno um reconhecimento invulgar enquanto dra- “The Célio Cruz show”, “Jacinta”, “Berço de pedra”, na e as actividades em curso da Associação.
maturgo, traduzido na atribuição de alguns dos mais “O livro”, entre outros. A última Cena no Café prevista para 2009, de
prestigiados prémios (Prémios Shell 2004 e 2008 e A razão principal da estadia de Newton Moreno novo em Coimbra, irá centrar-se no “Encontro
da Associação Paulista de Críticos de Artes, em 2004, em Coimbra foi o convite do Centro de Estudos So- Internacional sobre Políticas de Intercâmbio
todos para melhor autor), e na montagem de textos ciais (CES) para participar no seminário “Espectáculo / Cultural” e no lançamento da revista Setepalcos
seus por encenadores brasileiros de primeiro plano Teatro / Cidade”, que decorreu entre 1 e 3 de Julho. sobre Cabo Verde.

cenaberta 3
cenaberta

Uma nova vida para a


A Cena Lusófona assinou em Julho um contrato bi-anual com a Direcção-Geral das Artes
de 2010, permite relançar a actividade da associação. Centro de Documentação, edições

O apoio do Ministério da Cultura à Do contrato agora assinado com o Ministério da tugueses no domínio do teatro, da música e da dança
Cultura português constam objectivos específicos, pelo espaço lusófono;
Cena Lusófona foi atribuído na se-
que dão conta da ambição e da abrangência da inter-
quência de uma candidatura apresen- venção a que a Cena Lusófona se propõe. Entre eles, Contribuir para o enriquecimento da oferta editorial
e para a criação de novos textos no domínio da dra-
tada ao Programa de Apoios Directos além dos que se inscrevem nas actividades a desen- maturgia de Língua portuguesa;
da DGArtes, na área dos cruzamen- volver muito proximamente, destaca-se a conclusão e
a disponibilização ao público do inventário de espaços Dar visibilidade à proximidade entre a Língua portu-
tos disciplinares. O júri avaliou positi- guesa e o Galego, promovendo o contacto com artis-
cénicos nos países africanos – um trabalho iniciado
vamente o plano de actividades apre- há vários anos e que é essencial para a definição de tas e instituições desta região espanhola;
sentado pela Cena, particularmente uma rede qualificada de circulação e intercâmbio de
Colaborar com outros projectos e instituições cujos
nas vertentes do “diálogo efectivo espectáculos de teatro, música e dança pelo espaço objectivos se encontrem na defesa comum da Língua
lusófono, bem como para a inventariação de obras e portuguesa e no estímulo à criação artística e à inves-
com o universo de países onde se fala outras intervenções técnicas necessárias. tigação intercultural;
o Português”, “da preocupação clara Depois, e retomando uma pista lançada na última Es-
Promover regularmente o contacto do público com
com a ressonância cultural” e do tação da Cena (Festival de Teatro que atingiu em 2003
o trabalho desenvolvido pela associação, através de
a sua VI edição), aposta-se no incremento das relações
manifesto “equilíbrio entre a apresen- encontros, festivais e de “A Cena no Café”;
culturais com a Galiza e na valorização da proximi-
tação de espectáculos e a reflexão”. dade entre o Galego e a Língua portuguesa, prevendo Organizar acções que valorizem a formação artística
O montante financeiro atribuído (120 actividades de intercâmbio e no plano editorial. miscigenada numa estreita ligação entre aprendiza-
gem e processos de criação artística.
mil euros/ano) ficou aquém do ne-
cessário para o relançamento pleno Treze objectivos para o biénio 2009/2010

© Augusto Baptista
da actividade da instituição, repre-
Aprofundar a pesquisa e a divulgação das manifesta-
sentando cerca de 50% da verba so- ções artísticas tradicionais africanas;
licitada na candidatura. Ainda assim,
Apoiar a investigação especializada nas áreas artística
permite que a Cena Lusófona man- e antropológica com vista à edição de monografias e
tenha o principal propósito com que documentários;
foi criada, em 1995: promover o inter Promover o encontro, o interconhecimento e o inter-
conhecimento e dinamizar a comuni- câmbio entre criadores, investigadores, educadores,
promotores culturais e responsáveis institucionais
cação e a circulação de artistas e es- dos oito países lusófonos;
pectáculos de teatro, música e dança
Dar visibilidade à riqueza e à diversidade das manifes-
no espaço lusófono. No concreto, tações artísticas contemporâneas de cada país lusó-
este novo contrato com o Ministé- fono, em particular no que diz respeito às artes per-
formativas;
rio da Cultura português possibilita
que a associação retome alguns dos Concluir, disponibilizar ao público e construir um
sistema de actualização regular do inventário de es-
principais projectos, entretanto sus- paços cénicos nos países africanos;
pensos, especialmente nos campos
Concluir e disponibilizar ao público uma base de da-
da documentação, da edição e do dos especializada de artes performativas do espaço
intercâmbio teatral entre os países de lusófono (espaços cénicos, festivais, grupos e escolas
de teatro e dança, performances, publicações periódi-
Língua portuguesa. cas, centros de documentação, actores e dramatur-
gos);

Ampliar o catálogo já existente e incrementar a dis-


ponibilização ao público de documentação de artes
performativas dos países lusófonos, a partir do CDI
instalado em Coimbra e das suas extensões já exis-
tentes na Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe;

Contribuir para a internacionalização de artistas por- Actuais instalações da Cena Lusófona em Coimbra

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Setembro 2009

Cena Lusófona
do Ministério da Cultura. Este contrato, válido até ao final
e intercâmbio teatral são as prioridades.

Próximas actividades
A reabertura ao público do Centro de Documenta- titucionais e agentes culturais dos países de Língua
ção, desde 8 de Setembro deste ano, é o primeiro portuguesa participarão, em Dezembro, no Encon-
sinal desta nova fase. O Centro pode ser visitado nas tro Internacional sobre Políticas de Intercâmbio.
instalações da Cena em Coimbra (Rua António José "A Cena no Café”, nas variadas formas que assumiu
de Almeida, número 2), de segunda a sexta-feira, entre até 2006 (concertos, apresentação de livros, leitu-
as 10h00 e as 13h00 e as 14h30 e as 18h00. Os utiliza- ras, pequenas representações, tertúlias) volta igual-
dores podem, ainda, consultar e fazer pedidos on-line,
mente à ribalta com regularidade e com um novo
dispor de atendimento especializado por parte da equi-
figurino: sessões em diferentes espaços e em dife-
pa de documentalistas da associação.
rentes cidades do país, correspondendo à dimensão
O programa editorial foi retomado. Para além do
nacional e internacional do projecto da Cena Lusó-
"Cenaberta" (versão papel), com periodicidade tri-
fona e à abrangência e à diversidade dos públicos.
mestral, e do "Cenaberta on-line", estão já a ser
preparadas as próximas revistas "Setepalcos" (cujo Já em 2010, a Cena Lusófona espera abrir um novo
número seis, dedicado ao Teatro de Cabo Verde, capítulo na área das publicações, editando os primei-
sairá em Dezembro) e o próximo volume da co- ros DVD do projecto “Narradores Orais”, sobre as
lecção "Teatro", a publicar em 2010. formas que a narração oral assume em São Tomé e
Ainda em 2009, em Coimbra, vários responsáveis ins- Príncipe e na Guiné-Bissau.

Um projecto multidisciplinar
Depois de dois anos em que foi forçada a suspender exploração, por exemplo, das ligações entre a litera-
quase toda a sua a actividade, devido à interrupção tura de cordel (tradicional da Bahia e do nordeste
do financiamento público, a Cena Lusófona – agora brasileiro) e a história dos jograis na Europa Medie-
que o cenário se alterou – prepara-se para dar con- val, das raizes da Comedia dell'Arte ou dos diferen-
tinuidade ao trabalho desenvolvido desde 1995. tes caminhos que a tradição dos narradores orais foi
O nosso percurso permitiu adquirir largo reconhe- seguindo dentro do universo da Língua portuguesa.
cimento junto dos governos e de outros parceiros Definida inicialmente como associação de intercâm-
dos países de Língua portuguesa e, sobretudo, um bio teatral, a Cena Lusófona rapidamente se deu
conhecimento pormenorizado das características e conta da multidisciplinaridade da sua intervenção
das realidades concretas de cada um dos oito países. – entre as várias artes performativas e entre estas e
E de todos. as ciências sociais, como a Antropologia, a História e
O trabalho no terreno veio confirmar, por exemplo, a Sociologia. Hoje em dia, a associação assume sem
várias das intuições iniciais quanto às origens comuns reservas a relevância destes cruzamentos discipli-
de diversas manifestações artísticas contemporâneas nares e da sua complementaridade para a compreen-
portuguesas e brasileiras e aos seus pontos de con- são de vários fenómenos artísticos contemporâneos,
tacto com as artes performativas africanas. Permitiu tanto em Portugal e no Brasil como nos países afri-
abordar o Tchiloli, o Djambi, estudar as Cavalhadas canos e em Timor, tanto nas grandes cidades, como
em Portugal, no Brasil, em Cabo Verde, acompa- Luanda e São Paulo, como no interior mais remoto
nhar a viagem da princesa Floripes e dos Doze Pares de qualquer um dos países lusófonos. Da mesma
de França por Portugal e Espanha, primeiro, e pelo forma, este conhecimento abrangente da multiplici-
imenso mundo lusófono e ibero-americano depois, dade de manifestações artísticas intimamente ligadas
perceber a força que ainda hoje o teatro popular na origem, e que continuam a interpenetrar-se e a
tem entre nós, no Brasil, em São Tomé e Príncipe… influenciar-se reciprocamente, reveste-se de um in-
Permitiu documentar, filmar os narradores orais em teresse prático para o próprio artista contemporâ-
São Tomé e Príncipe, fotografar extensamente. Mas neo, esteja ele na Europa, em África, no Brasil ou em
permitiu também encontros menos frequentes na Timor.
cenaberta 5
cenaberta

Cena Lu
novas
As novas instalações da
Cena Lusófona, no Pátio
da Inquisição, deverão
estar concluídas em 2011,
prevê o Gabinete para o
Centro Histórico da
Câmara Municipal de
Coimbra. Em vias de ser
vencido, enfim, um im-
passe que dura há mais
de uma década.

© Augusto Baptista

Pátio da Inquisição: futuras instalações ao fundo

LEGENDA:
A Pátio da Inquisição
B CAV Centro de Artes Visuais
C Teatro da Cerca de São Bernardo
Futuras Instalações da Cena Lusófona

Desenhos da autoria dos Arquitectos Eduardo Mota e José Martins, do Gabinete


para o Centro Histórico da Câmara Municipal de Coimbra

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Setembro 2009

sófona
instalações em 2011
As obras de recuperação da Ala Central Para além da sede e dos escritórios, o pro- de que estas obras vão finalmente ter início
do Colégio das Artes, edifício do Centro jecto inclui instalações para o Centro de (após um longo período de indefinição) é
Histórico de Coimbra em que se vai ins- Documentação e Informação, a abrir mais encarada com natural satisfação. Merece es-
talar a Cena Lusófona, têm início previsto espaço para livros e actividades e a melho- pecial destaque o espaço reservado ao Cen-
ainda em 2009, após vencida a fase de con- rar as condições de trabalho dos utiliza- tro de Documentação e Informação (CDI),
curso preparado pelos serviços técnicos dores. No último piso, uma sala polivalente que inclui uma ampla sala de leitura e áreas
da autarquia, e devem estar concluídas em servirá para acções de formação e para um para o tratamento técnico e para a ade-
2011. A obra será financiada pelo programa programa regular de actividades da Cena quada conservação do espólio, bem como
“+ Centro”, no âmbito do QREN (Quadro Lusófona. melhores condições de trabalho para os
de Referência Estratégico Nacional), na se- A entrada da Cena nas suas novas instala- investigadores e para os utilizadores em
quência da candidatura apresentada pela ções marcará, espera-se, o arranque de uma geral. O CDI da Cena Lusófona é um dos
Câmara Municipal de Coimbra e aprovada etapa decisiva do seu percurso. A partir mais completos centros de documentação
no passado mês de Maio. delas, e caso se consiga reunir os meios ne- especializados na dramaturgia de Língua
O projecto de recuperação do edifício, que cessários, poderá desenvolver-se o Centro portuguesa. A sua colecção é constituída
fica paredes-meias com o Centro de Artes de Intercâmbio Teatral (CIT) de Coimbra, por publicações periódicas, livros, fotogra-
Visuais e junto ao Teatro da Cerca de São há muito ambicionado pela associação. fias, cassetes vídeo e outros materiais, que
Bernardo, tem a assinatura dos arquitectos Numa altura em que a Cena Lusófona re- podem ser consultados no local ou através
Eduardo Mota e José Martins. toma as suas actividades regulares, a notícia da internet.

PROJECTO DE ARQUITECTURA:
Piso1

PROJECTO DE ARQUITECTURA:
Corte e Alçado Sul

cenaberta 7
cenaberta

À conversa
com Rui Madeira
cenaberta conversou com Rui Madeira, membro da direcção da Cena Lusófo-
na e director da Companhia de Teatro de Braga. A entrevista agora publica-
da é uma lúcida abordagem ao papel das pessoas e das estruturas no seio da
Cena; ao que somos, para onde e com quem queremos ir. Caminhando entre
redes “de afectos e de imaterialidades”. E de algum oportunismo.

A Cena Lusófona viveu tempos Cena potencia e pode ajudar, numa pers- jectivo encontrar dois ou três jovens acto- Cena Lusófona. Não faria sentido ser
difíceis, anos sem qualquer apoio pectiva mais alargada, na persecução de res estagiários, numa base de acordo en- de outra maneira. Custa-me admitir
oficial. Como compreender este objectivos estratégicos que ultrapassam tre a Secretaria de Estado da Cultura da que pessoas, ao longo dos anos recor-
quase-milagre da sobrevivên- em muito a questão cultural. Bahia e a Perfeitura de Camaçari. rentemente chamadas pela Cena para
cia? Feita a selecção, eles vieram, nós fizemos fazerem acções de formação, ali e acolá,
Mais do que sobreviver, nestes últimos Como articulas o trabalho da em Portugal uma outra oficina para o possam ir agora a esses mesmos sítios,
três anos conseguimos a proeza de con- Companhia de Teatro de Braga Coro de "As Bacantes", juntámo-los, ignorando a Cena Lusófona.
cretizar iniciativas, naturalmente condi- com o da Cena Lusófona? fizemos o espectáculo cá e voltámos a Custa-me também compreender que
cionados. Mentiria se dissesse que a Todo o trabalho da Companhia tem sido São Paulo. Em São Paulo fizemos uma pessoas que foram convidadas pela
situação não nos afectou. Mas fizemos. enquadrado e tem sido assumido como outra oficina durante dez dias, seis horas Cena, que estiveram e participaram em
Agora estamos num momento em que um trabalho inserido no projecto Cena por dia, para criar um coro para o espec- acções da Cena, que conheceram este
a Cena faz um esforço para retomar um Lusófona. Com esta filosofia, nos últi- táculo, com actrizes brasileiras. projecto, que sabiam quais eram os seus
percurso conforme as expectativas que mos anos desenvolvemos uma série de objectivos, quando catapultadas de re-
foram criadas desde a sua formação, na iniciativas no Brasil, em vários Estados: Em São Paulo, o espectáculo foi pente para lugares de responsabilidade,
esperança de que voltemos rapidamente "workshops", oficinas sobre escrita com apresentado onde? se esqueçam de tudo, tentem apagar a
a ter a relevância que esse trabalho e a Regina Guimarães, oficinas sobre a Fizemos ensaios no espaço do TAPA, Cena Lusófona e vão ao ponto de de-
esse histórico merecem no panorama prática teatral. Temos levado espectácu- que é um parceiro da Cena Lusófona senvolver projectos que sabem ter pa-
das artes cénicas da lusofonia. los a São Paulo, à Bahia e a várias cidades há muitos anos. O Eduardo Tolentino, o ternidade, autoria.
do Estado; temos participado em alguns director do TAPA, tem participado em
Que sentido dar hoje ao traba- Festivais. Fomos a São Paulo, ao 1.º Fes- muitas actividades da Cena Lusófona. Ele E quem são essas pessoas?
lho da Cena? tival Ibero-Americano, com um texto do integra uma rede amiga, que eu entendo Acho que não interessa fulanizar. Sou
Acho que devemos trabalhar no sentido Nelson Rodrigues, "Doroteia", e temos a Cena também como uma rede de afec- crítico relativamente a quem andou ou
de que a Cena seja não apenas um juntar, feito imensos espectáculos, imensas tos. Fizemos esses ensaios no espaço do anda pelo projecto Cena só quando há
um agregar de pessoas, mas também um acções. Em Agosto [a entrevista foi rea- TAPA e depois apresentámos o espectá- recursos. Estou a ser completamente
aglutinar de estruturas, para podermos lizada no final de Julho de 2009] irei a culo "As Bacantes" no Teatro Oficina do sério, porque é exactamente isto que
responder melhor a eventuais maus mo- São Paulo, mais propriamente à cidade José Celso, outro exemplo de relações eu penso. Acho que um projecto desta
mentos futuros. As dificuldades vividas de São Vicente, na baía de Santos, fazer afectivas. natureza é também um projecto de ima-
nos últimos anos não têm a ver com uma oficina sobre "A Castro", de An- Portanto, este mexer, numa base de terialidades, de sonhos, que só se con-
problemas nossos, de projecto ou de tónio Ferreira, destinada a actores que projecto Cena, nós temo-lo mantido, cretiza quando as pessoas entenderem
pessoas, derivam da falta de perspectiva querem experimentar este trabalho.Tem naquilo que eu acho que cada uma das que podem juntar as responsabilidades
estratégica e política dos sucessivos go- sido desenvolvida uma importante acção pessoas, cada um dos responsáveis do estratégicas das suas estruturas com
vernos; por comodidade podemos dizer: no Brasil; ao mesmo tempo, nós temos projecto devia manter. aquilo que é mais vasto. Talvez o tra-
dos sucessivos governos portugueses. recebido aqui companhias brasileiras. balho da Companhia de Teatro de Braga
Do que atrás disseste extrai-se no Brasil nunca se concretizasse se não
De facto, a importância da Cena No domínio da acção articula- que encaras como muito estrei- houvesse Cena Lusófona.
extravasa os limites geográficos da da Companhia de Teatro de ta, indissociável, a relação da
de Portugal. Braga com a Cena Lusófona, há Companhia de Teatro de Braga O trabalho de intercâmbio da
Embora seja um projecto que se iniciou ainda o actual estágio de três com a Cena Lusófona. Companhia de Teatro de Braga
aqui, os seus objectivos ultrapassam as actores brasileiros no seio da Nós pensamos que todo o trabalho com a lusofonia esgota-se no
fronteiras europeias, co-responsabilizam Companhia. desenvolvido pela Companhia com o Brasil?
outros países e governos de Língua por- Nós temos três elementos a trabalhar Brasil ou com Moçambique, quer nas Hoje a companhia tem uma rede de
tuguesa. Neste aspecto eu acho que tem connosco, jovens actores brasileiros acções de formação, quer na apresen- contactos e de conhecimentos que nos
havido uma fraca análise dos governos oriundos da Bahia. O trabalho de "As tação dos espectáculos, deve e tem de levam infelizmente a não poder assumir
da lusofonia em relação àquilo que a Bacantes" começou lá e teve como ob- ser enquadrado numa perspectiva de muitas das propostas que nos chegam.

cenaberta 8
Setembro 2009

Rui Madeira (Santarém, 1955)

© Augusto Baptista
é encenador e actor (teatro,
cinema, televisão). Director da
Companhia de Teatro de Braga
e administrador executivo do
Theatro Circo de Braga, é mem-
bro da direcção da Cena Lusófo-
na e Docente, nas áreas do Corpo
e da Expressão.

De qualquer modo, vamos receber momento em que a Cena Lusófona, junto da Perfeitura que têm muito a ver Um movimento em espiral, que,
aqui, em Setembro, o Isaías Machava, de por razões que a ultrapassam, viveu com o nosso trabalho. a dada altura, pode arrastar ou-
Moçambique, do Maputo, que vai dirigir o uma crise, de repente nós percebemos tros protagonistas?
Teatro África, onde está sedeada a Com- que afinal não éramos tantos assim. Muita gente, muito interlocu- De facto, Portugal e Espanha, nós somos
panhia Nacional de Canto e Dança. Vem E se a Cena hoje se mantém deve-o à tor… países da periferia da Europa.Talvez a Es-
fazer um estágio de seis meses, fruto de influência que essas pessoas tinham Há uma rede de conhecimentos que panha não seja entendida assim, mas, se
uma relação que nós estimulamos com a e têm em estruturas. Podia mais uma passa por dentro quer do Governo de pensarmos na Galiza, percebemos me-
Companhia Nacional de Canto e Dança, vez falar de nomes, mas basta refe- São Paulo, quer da Perfeitura, extrema- lhor do que estamos a falar. Ao mesmo
e que levou a que o Frederico Bustorff rir isto: se não fossem algumas dessas mente importante. O Márcio Meirelles, tempo, este canto ibérico tem relações
esteja em Moçambique, desde Abril até estruturas talvez hoje não existíssemos. naquilo que nós na Bahia temos desen- profundíssimas com um vasto mundo
Fevereiro do ano que vem, a fazer um De facto, a Cena apoiou-se nos últimos volvido, tem enquadrado o intercâmbio americano, africano… o problema aqui
documentário sobre os trinta anos de anos em estruturas, através de pessoas dentro dos parâmetros pré-estabeleci- é que nós não temos sustentação, uma
actividade da Companhia, ao mesmo ligadas à Universidade de Coimbra, a dos da política cultural do Estado. Há política de apoio.
tempo que desenvolve uma acção de Companhias, empresas… uma diferença entre o Márcio Meirelles
formação para que essa estrutura tenha Secretário da Cultura e o Márcio Mei- Ao contrário do que acontece
um departamento de imagem. Usando um ditado popular, qua- relles director do Teatro Vila Velha. E com outros.
se parece que há males que vêm ainda bem que é assim. Tudo quanto se Não temos a noção da força e da im-
Essa vertente lusófona, africa- por bem. faça apoiado pela Secretaria de Estado portância que o Instituto Cervantes
na, brasileira, essa valência que Não direi isso. De qualquer modo, vou da Cultura da Bahia tem de ser determi- tem hoje no Brasil. Nos últimos dois,
consideras estruturante para a considerar este período difícil da Cena nado em concurso claro. três anos, mais de oitenta delegações
Companhia de Teatro de Braga, Lusófona, estes últimos três anos, como do Instituto Cervantes foram criadas no
“aprendeste-a” na Cena? algo revelador e importante e profícuo. Brasil. Não avaliamos a força que as es-
O que disseste pressupõe uma
A experiência da Cena abriu-me clara- Para mim, para a estrutura que eu dirijo, truturas culturais francesas têm hoje em
relação continuada, ligação, re-
mente perspectivas no âmbito da luso- toda a gente na Companhia sabe o que Moçambique, em Cabo Verde.
de. Pergunto, há a ideia de ex-
fonia. Por isso eu falo da necessidade de é a Cena Lusófona. Na Companhia to- Nós não fazemos ideia, não fazemos
pandir essa malha?
abrir a Cena Lusófona não somente a dos sabem que o trabalho que nós de- ideia quando falamos de País, porque
Nós temos a ideia de fazer coisas com
pessoas mas também a estruturas, no senvolvemos no Brasil tem a ver com a nós, elementos da Cena Lusófona, te-
Angola e inserir isso obviamente dentro
sentido de responsabilizar mais os de- Cena Lusófona. mos esse conhecimento do terreno, dos
do espaço da Cena Lusófona. Estamos
sempenhos. Nós sabemos que a Cena factos, sabemos como as coisas fun-
a trabalhar com algumas empresas que
Lusófona, nos primeiros anos, foi enten- O teu trabalho no Brasil tem se- cionam, sabemos a importância do
estão em Braga, e que têm relações de
dida como mais uma instituição, vista de muito em São Paulo e Bahia. "Goethe-Institut" na Bahia. Nós, País,
de fora. Alguém que pretendia acolher trabalho e comerciais com Angola, no
Quais são aí os principais par- não conseguimos imprimir uma dinâmica
projectos e distribuir apoios. E foi pouco sentido de vermos o que podemos fazer.
ceiros? cultural estruturada. Fala-se da Galp que
entendida como verdadeiramente uma A questão de Moçambique…
São vários. O meu amigo Sartini, que tem umas plataformas na Baía de San-
associação de pessoas que veiculam um Brevemente, eu e o António Augusto
hoje dirige o Museu da Língua em São tos, dos negócios com a Venezuela, mas
objectivo, um sonho, um espaço de con- Barros iremos fazer uma reunião com
Paulo, a Creusa Borges, produtora e di- o governo português não integra isso
fronto… membros do novo Governo saído das
rectora do Grupo Dragão Sete, as pes- numa política cultural consentânea.
últimas eleições da Galiza. A Companhia
soas da Cooperativa Paulista de Teatro,
... de confronto e de confluência. o Eduardo Tolentino, do TAPA, o Fernan- de Teatro de Braga desenvolve um traba-
Exacto, de confronto e de confluência do Calvozo, que dirige o Festival Ibero- lho de características regulares com a
de pessoas da área da criação artística -Americano, muitos dos responsáveis Galiza, envolvendo directores de Com-
teatral… culturais de cidades do Estado de São panhias, actores galegos. A Galiza pode
Paulo… Há uma geração de pessoas que ser um valor acrescentado, pode desen-
… de pessoas e de estruturas. trabalham junto da Secretaria de Estado volver sinergias que envolvam a Cena
Essa questão ficou muito de fora. No da Cultura do Governo de São Paulo ou Lusófona como parceiro.

cenaberta 9
cenaberta

São três: um rapaz, duas raparigas. Oriundos todos do Estado da Bahia, encontraram-se na oficina da Cena Lusófona
organizada em 2008 no Brasil pela Companhia de Teatro de Braga, CTB. Encontraram-se eles e outros: quarenta, ao
todo. O objectivo último desta acção de formação era seleccionar três actores para integrarem o elenco de "As Ba-
cantes", do grego Eurípides. Entre os muitos participantes, foram eles os escolhidos.

Um encontro n'As Bacantes

© Augusto Baptista
Allex Miranda, Thamara Thaís e Mabelle Os três jovens estagiários brasileiros
Magalhães encontraram-se na oficina trabalham com actores da Compa-
que o encenador Rui Madeira, director nhia de Teatro de Braga, profissionais
da Companhia de Teatro de Braga, CTB, experientes embarcados na mesma
e membro da direcção da Cena Lusófo- viagem formativa. cenaberta colheu as
na, promoveu no final de Julho de 2008 opiniões de Carlos Feio, Jaime Soares
em Salvador da Bahia, Brasil. E foram e Rogerio Boane sobre esta acção de
eles os escolhidos, entre os quarenta formação, questionou-os: quem ensina
participantes na oficina, para em Braga quem?
integrarem depois outros patamares de
formação.
Pós-oficina da Bahia, em Outubro de
Carlos Feio: Para eles e para
2008 e como o previsto, os três vieram nós este estágio é importante.
para Portugal a fim de trabalharem Nós aprendemos coisas novas,
o espectáculo "As Bacantes". A ideia linguajares diferentes. Apren-
demos o mais básico e o mais
inicial, dizem, era permanecerem em fecundo, ao nível das relações
Braga durante seis meses e, apresen- Mabelle Magalhães, Alex Miranda e Thamara Thaís entre as pessoas. Partilhamos
tado esse espectáculo aqui, rumarem mundos, segredos, histórias. Eles chegam com
Thamara Thaís que o teatro para nós é uma coisa mais corporal”. a sua experiência, o que pode significar uma
além-Atlântico para apresentação da
20 anos, fazia teatro em Camaçari, vivia em Arem- Acha-se agora com mais bagagem, com mais capaci- grande dose de inexperiência, e conseguem
peça, com o elenco reformulado por integrar bem os desafios do palco. Surpreende
pebe, estudava jornalismo em Salvador da Bahia. O dade para “vir a trabalhar lá no Brasil de uma forma
um coro de bacantes brasileiras. “Só seu dia-a-dia era um triângulo complicado: “Pegar melhor”. E aí informar “o trabalho construído aqui como não se inquietam, espanta onde vão
que, neste interim, o Rui trabalhou com o onibus em Arempebe, ir para Salvador, depois em Braga”, ser “um vínculo de ramificação deste buscar a confiança. Talvez os encenadores, os
voltar, depois ir para Camaçari para o teatro. Era projecto da Cena Lusófona, que, juntando diferen- companheiros de palco, nós, enfim, lhes criemos
a gente "As Bacantes" e adorou fazer
muito difícil”. ças, cria afinidades”. uma almofada que os defende quando partem
um outro espectáculo para trabalhar a Quando soube da acção de formação da Cena pre- para o trabalho, para os textos.
nossa formação”. Por via disso, junta- vista para Salvador, interessou-se, foi escolhida no Mabelle Magalhães
mente com dois actores portugueses, seu Grupo de Teatro Resistência. “E aí eu abando- 25 anos, nasceu em Salvador da Bahia, cresceu com
nei a Universidade para vir para cá”. opções claras: “Eu não me lembro de querer outra
entraram na peça "Preconceito Vencido",
“Eu aqui tenho aprendido muito”. Aprendeu, por profissão que não fosse ser actriz”. Fez oficinas
de Marivaux, com estreia em Fevereiro exemplo, que em Moçambique se fala Português. de teatro no "Viver com Arte", acções gratuitas Jaime Soares: Eles vêm com
de 2009. “Eu não sabia. Eu nunca imaginei. Quando o Rui es- de formação promovidas pelo governo do Estado outros métodos de trabalho,
teve lá no Brasil e disse que tinha um actor moçam- da Bahia. Fez outras oficinas. Muitas. Ingressou no outros ritmos, outros modos
Concretizada uma digressão dos dois
bicano eu me espantei: mas será que ele sabe falar curso de teatro da Universidade Federal da Bahia, de exprimir o Português, com
espectáculos por palcos portugueses outra musicalidade. Isso ajuda-
Português?” mas a luta pela sobrevivência tolheu-lhe o sonho:
(Braga, Forjães, Évora e Coimbra) viajam A mudança de ares fez bem a Thaís! “Tanto na vida “Tive de ir trabalhar numa empresa de call center”. -nos a explorar um bocado
para o Brasil e, em Abril de 2009, ani- profissional como na vida pessoal a gente vai ama- O projecto "As Bacantes" da Cena Lusófona fê-la mais a Língua e a palavra, até
durecendo. Aqui, sem família, conhecemos novas reencontrar-se com o destino, sina antiga: o Teatro. através da diferença. E eles aprendem a ter al-
mam outros palcos em S. Paulo (Teatro
pessoas, fazemos amigos, estou crescendo muito Estes tempos de formação na CTB, além do gumas noções mais europeias de trabalhar no
Oficina do Zé Celso e Espaço Mazaro- com esta experiência”. Enquanto assinala a im- traquejo de palco, para Mabelle representam “um teatro, isto a nível dos métodos, da organiza-
pi) e em Americana. portância deste estágio da Cena “para reunir todas despertar da consciência”. Pensa em voz alta: “A ção, da abordagem da palavra. Ouvi-los a ler um
Em Maio estão de volta a Portugal para estas pessoas que falam a mesma língua” vive o fas- consciência é muito importante para o trabalho do texto, por causa da diferença cultural, isso tam-
cínio do palco, destaca o mérito de “actuar com actor. Quando você está com o pensamento ador- bém nos estimula. Eles têm uma relação com o
responderem a novos reptos teatrais e teatro mais física. A nós isso dá-nos um apren-
actores profissionais”. mecido, não é capaz de fazer uma leitura clara do
prosseguirem o estágio na Companhia que o rodeia”. dizado do corpo, leva-nos a explorar mais a
de Teatro de Braga, onde cenaberta os Allex Miranda O estágio, propiciador de trabalho intenso com musicalidade, o ritmo físico.
encontrou. 26 anos, companheiro de Thaís no Grupo de Teatro actores mais experientes, tem-lhe permitido ver
Resistência, nasceu em Nazaré das Farinhas, a cerca com mais clareza o que para ela significa Teatro,
de 60 quilómetros de Salvador da Bahia, instalou-se “libertar-me de clichés”, ter um olhar esclarecido
com a família em Ilha da Taparica, cidade vizinha de no palco e na vida: “Eu vejo o actor como uma
Salvador. parabólica do mundo, conectado com tudo em re- Rogerio Boane: Esta expe-
Na Ilha de Taparica, Allex estudou, fez a sua difícil dor. O que está acontecendo na China, no sertão, riência desperta outras técni-
iniciação teatral: “Eu era muito tímido, ficava a tudo é importante”. cas, eles têm um registo de re-
tremer, mas…”. Havia um mas redentor: “…mas Quanto ao mundo da lusofonia, Mabelle está-lhe presentação diferente do meu.
tinha muita capacidade de memorização, gravava surpreendendo o gingar dialéctico, o “somos, não Que eu agora estou a tentar
aqueles textos todos e conseguia dizê-los diante sendo”: “Nós estamos num país bem mais sóbrio, ligar o registo português com o
do público”. menos colorido do que o Brasil. Por mais que a meu, que é africano, e agora de-
Em Salvador participou depois em "workshops" do gente tenha a mesma Língua, hábitos parecidos, nós para-se-me um outro registo, que é brasileiro,
projecto "Viver com Arte" da Secretaria da Cultura não somos iguais. Ao mesmo tempo que somos, e que eu desconhecia. Eles têm outros tempos,
do Estado da Bahia e, enfim, integrou a oficina da não somos”. outra respiração, outra vivência. Têm uma re-
Cena Lusófona: "As Bacantes, uma Orgia de Poder". Numa visão introspectiva sobre a realidade bra- presentação com alma, com sentimento, não é
Vir para Portugal tem correspondido a uma ex- sileira, lamenta: “A gente não se conecta com os muito sobre a palavra, como o teatro portu-
periência boa para Allex Miranda: “Nós aqui pode- países que falam Português. A gente não tem a guês; não é muito sobre a terra, sobre o dia-
mos ganhar o pão de cada dia com a coisa que nós noção da África. Não sabe que Angola fala Portu- -a-dia, como o teatro africano. Esta experiência
amamos, o teatro”. Depois, realça a importância de guês, que Moçambique fala Português. Somos pou- de palco com os brasileiros está a ser muito
conhecer actores, “com seu jeito novo de actuar”. cos os que falam Português, precisamos mesmo de importante para mim. Eles sentem mais o que
De ter descoberto “o poder da palavra, o texto, integração”. dizem do que escutam o que estão a dizer.

cenaberta 10
Setembro 2009

cenas
breves
Luanda de textos inéditos, entrevistas com autores, tistas de seis países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Um dia, na eternidade, o Demónio aposta com
Espaço do Elinga não ensaios e outros materiais relativos ao teatro Verde, Guiné Bissau, Moçambique e Portugal. A Deus que, se tirasse do homem algumas quali-
que actualmente se escreve no Brasil. diversificada programação incluiu espectáculos dades, ele cairia em perdição. Deus, aceitando o
será demolido teatrais, oficinas, palestras, espectáculos musicais desafio, resolve trazer ao mundo a alma de Till.Vi-
Entre os autores com peças disponíveis no sítio e ainda uma mostra culinária. De acordo com in- vendo numa Alemanha miserável, povoada de per-
O edifício que acolhe o Elinga Teatro, clas- formações avanças pela organização, assistiram à sonagens grotescas e de espertalhões, o protago-
estão nomes como Marcos Barbosa, Mário Bor-
sificado como Património Histórico e Cultural, iniciativa cerca de dezassete mil pessoas. nista é abandonado ao frio e à fome e descobre
tolotto, Paula Chagas, Claudia Vasconcellos.
não será demolido, como chegou a temer-se. Os Artistas Unidos, com o espectáculo “Uma que a única maneira de sobreviver naquele lugar é
Para além de textos originais, são disponibilizadas
A garantia foi dada pelo vice-ministro da Cul- solidão demasiado ruidosa” (que venceu o pré- tornar-se ainda mais esperto e enganador.
entrevistas com dramaturgos brasileiros contem-
tura, Cornélio Caley. O grupo mantém assim a mio revelação) e Miguel Seabra, do Teatro Me- Assim começa a saga de Till, um típico anti-herói,
porâneos, entre os quais Newton Moreno (que
sua sede histórica, em pleno coração da capital ridional (que dirigiu um workshop para actores) cheio de artimanhas e dotado de um irresistível
em Julho participou em Coimbra na tertúlia "A
angolana. foram alguns dos participantes portugueses no charme, criado pela cultura popular alemã da
Cena no Café"), Samir Yazbek e José Paes de Lira.
Na secção teses e ensaios, estão neste momento Festival. O escritor moçambicano Mia Couto foi Idade Média. Uma personagem que, segundo a
Conforme declarações de Cornélio Caley veicula- acessíveis os textos de André Luis Gomes (“Dra- homenageado pelo conjunto da sua obra, tendo nota de apresentação do Galpão, tem parentesco
das pelo jornal angolano "O País", edição de 17 de maturgia contemporânea: do palco ao livro”) e de recebido o Troféu FESTLIP 2009. com outros tipos de várias culturas, assemelhan-
Julho, o espaço que aloja o Elinga será preservado, Cássio Pires (“Do drama ao fragmento”). do-se, por exemplo, ao brasileiro Macunaíma ou
continuando a ser um “verdadeiro testemunho Disponível em www.dramaturgiacontemporanea. ao ibérico Pedro Malasartes.
histórico do passado colonial e parte integrante com.br, o sítio inclui ainda um fórum em que to- Com encenação de Júlio Maciel, cenário e fig-
do património cultural do Povo Angolano”. Sobre dos os leitores podem participar e uma agenda Bahia urinos de Márcio Medina e direcção musical de
a intervenção a empreender para requalificação diária com os espectáculos em cena nas principais Novos livros de Ernani Maletta, “Till, a saga de um herói torto” re-
do imóvel, o governante defendeu: “precisamos cidades do Brasil. Armindo Bião presenta o regresso do Grupo Galpão ao teatro
de rua e às suas formas de representação popular.
A.B.

Para o Grupo, a rua é um espaço importante para


Armindo Bião, investigador brasileiro na área a democratização da arte e do teatro. “Ela nos
das artes cénicas, apresentou em Julho em Sal- traz desafios de como apresentar o espectáculo
vador da Bahia dois novos livros, que reúnem para um público amplo e sem restrições de idade,
alguns dos seus textos dispersos: “Teatro de classe social ou formação intelectual. Isso tem re-
cordel e formação para a cena” e “Etnocenolo- flexos em todos os elementos de criação, como a
gia e a cena baiana”. dramaturgia, a cenografia, os figurinos e a música”,
afirma Eduardo Moreira, membro do Galpão.
Para além da sua actividade académica - foi o Estreado em Belo Horizonte no dia 3 de Julho,
primeiro Coordenador do Programa de Pós- o espectáculo fez já um circuito por cinco festi-
Graduação em Artes Cênicas PPGAC/ UFBA vais de Inverno - Congonhas, Ouro Preto, Itabira,
(1997/ 2003) e o primeiro Presidente da Associa- Diamantina e Ouro Branco – e cumpriu a “Turnê
ção Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Minaus 2009”, por quatro cidades do interior do
Artes Cênicas ABRACE (1998/ 2002), da qual é Estado: Uberaba, Patos de Minas, Divinópolis e
o Coordenador do Grupo de Trabalho de Etno- Sete Lagoas. No final de Setembro é apresentado
cenologia, desde 2007 – Armindo Bião é também no Rio de Janeiro, em dois locais distintos: Lagoa
actor e encenador, tendo participado em cerca de – Parque dos Patins (17 a 20) e Arcos da Lapa
50 obras teatrais e audiovisuais. (24 e 25).

A.B.
Elinga Teatro, em Luanda

saber o que é que se pode preservar: se as partes Rio de Janeiro


frontais, se as partes internas (…). O que se vai
fazer é requalificar no sentido de fazer com que FESTLIP planeia
a parte essencial que memoriza o passado esteja itinerância lusófona
presente”.
Ainda de acordo com "O País", a decisão de não
No balanço muito positivo que faz da segunda
demolir o espaço do Elinga terá resultado de
edição do FESTLIP - Festival de Teatro da
protestos protagonizados por artistas, agentes
Língua Portuguesa, a produtora Tânia Pires, res-
culturais e pessoas anónimas, na sequência de um
ponsável pela organização, afirma que o festival
conjunto de debates à volta da preservação do
“está perto de se tornar um projeto itinerante.
Centro Histórico de Luanda.
Não só pelo Brasil como pelos países que
Em Maio do ano passado, nas vésperas da realiza-
integram o evento.”
ção do primeiro Festival Internacional de Cultura
e Artes de Luanda, organizado pelo Elinga Teatro,
o director do grupo, José Mena Abrantes, anun- Entusiasmada, Tânia Pires considerou o FESTLIP
ciou o propósito das autoridades demolirem o “um marco na agenda cultural do Rio de Janeiro,
referido edifício para aí instalarem um parque de superando as expectativas de crítica e público. A
estacionamento. Em Dezembro, o Elinga chegou repercussão foi de âmbito internacional, o que
"Till, a saga de um herói torto", pelo Galpão
mesmo a receber ordem de despejo por parte mostra a importância cultural do Festival, re-
da Direcção Provincial da Habitação, o que de- flectida na cobertura dada pelos países partici-
sencadeou uma onda de indignação e de veemen- pantes e por toda Europa”. Neste contexto, a Talu Minas Gerais O Grupo Galpão esteve em Portugal em 2001,
a convite da Cena Lusófona e do FITEI, com o
tes protestos públicos. Produções, sob a direcção de Tânia Pires, planeia Galpão bate recorde espectáculo “Romeu e Julieta”, apresentado em
ampliar o formato do festival já a partir de 2010, de espectadores Coimbra, em Braga e no Porto.
tornando-o itinerante pelos vários países de lín-
gua portuguesa.
Em menos de dois meses, o mais recente
Brasil O festival tem o activo apoio do Governo bra-
espectáculo do Grupo Galpão, “Till, a saga
Dramaturgia contem- sileiro: “Promover a Língua portuguesa, em sua
diversidade e dinamismo é tarefa indispensável ao de um herói torto” foi visto por cerca de 40
porânea na net fortalecimento de nossa cultura e à afirmação de mil pessoas, um novo recorde na história do
grupo. Depois da estreia em Belo Horizonte
nossa visão de mundo”, sustenta Marcelo Dantas,
Abriu recentemente um novo sítio na Internet e da digressão pelo estado de Minas Gerais, o
Director de Relações Internacionais do Ministé-
dedicado à dramaturgia brasileira contem- espectáculo chega ao Rio de Janeiro em final
rio da Cultura.
porânea. Editado por Paula Chagas Autran e de Setembro.
O Festlip 2009 decorreu entre 2 e 12 de Julho
Thereza Dantas, reúne já importante acervo em vários palcos cariocas e envolveu oitenta ar-

cenaberta 11
cenaberta setembro 2009

ROSTOS DA CENA
Jorge Biague
Na primeira pessoa, Jorge Biague O filme “Nha Fala” foi decisivo para a formação do todos os participantes saem mesmo satisfeitos. Com
nosso grupo, ”Os Fidalgos”. Durante os ensaios houve o que aprendemos nesta formação e com os meios
— em vésperas de participar em contactos entre o Flora e o António Augusto Barros oferecidos organizamos nós depois outras oficinas e
Portugal num estágio de formação e o Flora aconselhou-nos a formar o grupo, com os fundou-se o CIT Bissau (Centro de Intercâmbio Teatral
actores e técnicos que já vinham desde o primeiro de Bissau), com mais de uma centena de livros sobre
teatral promovido pela Cena Lusó-
filme, “Mortu Nega”. E assim criámos “Os Fidalgos”, Teatro: uma biblioteca especializada que até agora está a
fona — confia ao cenaberta o que é sob a forma de cooperativa cultural, grupo legal, com ser dirigida por mim e pela Amélia da Silva, companheira
ser actor hoje na Guiné-Bissau, divi- estatutos aprovados em Assembleia Geral de 2 de da Cena e d’ “Os Fidalgos”.
Fevereiro de 2002. Desde aí, o CIT nunca mais parou. Quando a Cena
dido entre o Cinema de Flora Gomes deixou de nos poder apoiar financeiramente, o CIT
Depois disso, tivemos a primeira oficina dada pel'A
e o Teatro. Evoca os primeiros passos, Cena Lusófona. Montámos o primeiro espectáculo d’ funcionou com apoio da ONG Acção para o Desen-
o percurso, o seu aprender fazendo. “Os Fidalgos”, criação colectiva dirigida pelo Andrejz volvimento, AD. Isso foi possível com a intervenção do
Kowalski. Com este espectáculo,“O Lutador”, participá- Flora Gomes, que falou com o director executivo da
Os companheiros d’ “Os Fidalgos”. O mos na 5.ª Estação da Cena em São Tomé e Príncipe. AD, Engº Carlos Silva (Pipito). E este nem pensou duas
teimoso trabalho do Centro de Inter- Criámos “Makbunhe”, a partir de “Macbeth” de Wil- vezes, aceitou o pedido. Foi com esta grande ajuda
liam Shakespeare, co-produção da Cena Lusófona que que conseguimos sobreviver nesta tempestade. É bom
câmbio Teatral de Bissau. E a cora-
representámos na 6.ª Estação, em Coimbra. Depois dizer que AD é um dos parceiros da Cena na Guiné-
gem, o saber continuar, o ir além da fizemos “Mistida”, adaptação do romance de Abdulai Sila. -Bissau e é das poucas ONG que aqui apoia ou aposta
Cena, quando o chão ferve e os tem- E nunca mais paramos de trabalhar. Mas trabalhamos na Cultura.
num mercado de produtos sem valor: na Guiné não se O CIT Bissau tem um blogspot www.citbissau.
pos são de tempestade. pode viver de Teatro. blogspot.com e fica situado nas instalações da AD, no
Há coisas importantes que quero lembrar quando Bairro Quelélé, onde funciona um ciber, uma biblioteca
Nasci no Sul da Guiné-Bissau, em Empada, região visito o passado, como as relações entre a Cena e “Os pública e, neste mesmo espaço, uma biblioteca especial-
de Quinara, em 12 de Março de 1973. Fiz os estudos Fidalgos”, sempre boas desde o início, queira Deus que izada, frequentada sobretudo pela camada jovem, a que
primários em Bolama e o Liceu em Bissau. A minha isso continue assim. Foi graças às oficinas aqui orga- mais se interessa por Teatro. Em 2006 tínhamos 210
formação académica não prosseguiu, por motivos que nizadas pela Cena que hoje — actores, encenadores leitores e, no ano seguinte, 226. O horário de funciona-
não vale a pena estar a dizer. Chamo-me Jorge Quintino e técnicos — somos o que somos. Em cada oficina mento é das oito da manhã às treze, mas quando temos
Biague e sou actor. Mas ser actor na Guiné é como ser beneficiámos dos materiais que a Cena nos enviava, um trabalho na biblioteca voltamos à tarde.
desempregado. livros, peças de teatro de diversos escritores, luzes, o A Cena contribuiu muito para que eu ficasse ligado
Comecei as minhas andanças de representação em que nos permitiu formar uma biblioteca especializada, ao Teatro, porque dantes era só o Cinema. Agora sinto
1992, com o bem conhecido realizador guineense Flora ter materiais de iluminação. que tenho obrigação de ajudar a que o Teatro ganhe o
Gomes. Desde aí participei em todos os outros filmes Para além dos trabalhos com Andrezj Kowalski, a espaço que merece. Quando digo eu, quero dizer nós,
do Flora, um homem muito especial na minha vida e na Cena organizou seis oficinas na Guiné-Bissau. Duas de “Os Fidalgos”, e os nossos parceiros, e a AD.
minha carreira artística. Com ele aprendi muita coisa. biblioteca e documentação, dirigidas por Jorge Pais de Fazer teatro na Guiné é para quem tem muita cora-
Trabalhar com o Flora é como andar numa biblioteca Sousa: a primeira em 2003, a segunda em 2005.Também gem. E não desista de aprender. Importante para a minha
a vasculhar livros. de iluminação houve duas oficinas: a primeira em 2003, formação é a possibilidade de participar agora no estágio
Nos filmes do Flora, como por exemplo no “Po dirigida por Elias Macovela, moçambicano; a segunda, em da Cena Lusófona em Portugal. Tenho muita expectativa
di Sangui”, fiz um dos papéis principais: o Mudo. No 2005, por José Manuel Marques. Filipe Crawford dirigiu neste estágio, já que deixei de ir a Moçambique para a
“Nha Fala” fiz o papel de Mito, o Doido. Entrei num duas oficinas de actuação, em 1995 e em 2005. rodagem do novo filme com o Flora Gomes e os meus
filme de Sana Na Hada, outro realizador guineense. No Graças a estas oficinas somos hoje actores de palco companheiros da carreira de Cinema. No primeiro
filme “Djito tem ku tem”, de Suleimane Biai, fui o actor e técnicos, ao mesmo tempo. Também é bom dizer estágio organizado pela Cena participou a Amélia da
principal. Sem contar com pequenas participações em que sempre nestas oficinas convidámos ou enviámos Silva, em 2003, e já está a dar muitos frutos: agora é ela
vários documentários. convites aos outros grupos para as integrarem, em que a encenadora d’ “Os Fidalgos”.

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