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CARLOS HEITOR CONY

Os bondes e a internet
Parece extravagância comparar os velhos bondes, aquelas carroças puxadas por burro e mais
tarde pelos cavalos-de-força da Light, com a internet, que é uma das pontas mais sofisticadas
da técnica, o veiculo mais rápido da comunicação, do trânsito de ideias e sugestões que
podem tornar a vida melhor.
Acho que os bondes foram os primeiros espaços coletivos da publicidade: mensagens do
governo, conselhos de saúde, beleza e poupança, ofertas de melhores produtos e preços.
Naquele tempo, a preocupação com a sífilis (que era syphilis) e com as doenças pulmonares
predominava nos anúncios. Num deles o sujeito ia se matar, apontava a pistola para a cabeça,
nisso entrava um amigo e gritava: "Não faça isso! Tome o Elixir 914!"
Famoso entre os famosos, os versinhos recomendavam o Rum Creosotado (que era Rhum)
para curar bronquites: "Veja ilustre passageiro o belo tipo faceiro etc."
Durante anos eu fiquei sem saber para que servia o Regulador Xavier e muito menos o que
seriam "aqueles dias" para os quais era recomendado um remédio chamado "Saúde da
Mulher". Por que não a Saúde do Homem?
E o que tem tudo isso a ver com a internet? Assim como os bondes, que além de nos levar de
um lugar para outro, nos ensinava a cuidar da saúde e do bolso, a internet, além de sua
importância na comunicação humana, virou um penduricalho de mensagens comerciais.
Mudaram apenas os produtos: em tempos de TPM, a saúde da mulher dispensa reguladores,
sejam os do Xavier ou não.
A oferta maior é dirigida sobretudo aos homens, embora as mulheres sejam as beneficiárias:
Viagra e aumento de pênis chegam às nossas telinhas, prometendo paraísos a todos nós, que
de alguma forma já nos livramos da sífilis e da bronquite.

Fonte: Folha de São Paulo, 03.04.21011, p.A2

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