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Faculdade de Pato Branco – Fadep

Jornalismo V
Reportagens Especiais
Professora: Leoni Serpa
Acadêmica: Gabrieli do Nascimento
26/07/07

Maioridade penal volta a ser pauta de discussão no Brasil


Para preservar suas identidades, os personagens desta reportagem serão chamados de
Lucas e Marcos. Lucas tem agora 20 anos. Há quatro meses está em liberdade. Quinze
dias antes de completar 18 anos foi culpado de homicídio em sua cidade, Laranjeiras do
Sul. O Artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que
adolescentes que cometerem atos infracionais de violência ou grave ameaça, como é o
caso de Lucas, recebem, de acordo com o julgamento, a medida de internação, que
“deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes”, diz o Artigo 123. Mas
Lucas ficou durante sete meses dividindo uma cela com maiores de idade.
Depois disso, quando conseguiu uma vaga em um Centro de Socioeducação (Cense) –
como são chamadas todas as unidades de internação provisória e internação para
adolescentes em conflito com a lei do Paraná – no caso o de Pato Branco, Lucas chegou
revoltado. “Meu único pensamento era sair de lá logo. Só pensava em voltar para
Laranjeiras e matar minha namorada”, conta. Nos próximos seis meses, ele
desobedeceu, bateu grades, desacatou ordens, foi violento, dificultando o trabalho da
equipe. “Eu era um terror, só parei quando vi que tinha gente querendo o meu bem. A
equipe conversou tanto comigo que eu resolvi mudar, dar uma oportunidade para mim
mesmo”, explica.
Nos últimos meses de sua internação, que durou um ano e sete meses, através de seu
comportamento, Lucas conquistou saídas externas, fazendo curso de Auxiliar de
Administração, estudando em escola pública, fora do Cense, e, também, começou a
trabalhar. Ao ser desinternado, resolveu ficar morando em Pato Branco. Hoje ele
trabalha durante o dia todo, vai à aula pela noite e mora em uma pensão. Todas suas
despesas são pagas com o seu salário. “Se eu tivesse ido para a cadeia, teria saído pior.
Na verdade ainda não teria saído, pois o julgamento para maiores é mais severo. Só me
recuperei porque aqui as pessoas se preocuparam comigo”, explana Lucas.
Marcos tem 16 anos. Há pouco mais de um ano está internado em unidades que abrigam
adolescentes em conflito com a lei. Com apenas 15 anos, já era acusado e culpado por
quatro assassinatos a queima roupa. Em um deles, Marcos estava em um baile quando
discutiu com o porteiro, por motivo de ingresso. Uma terceira pessoa resolveu defender
o porteiro, simplesmente por ajuda, não por amizade. Marcos, então, seguiu este ao final
do baile, dando-lhe quatro tiros, um deles, o último, na cabeça, para garantir a morte.
Marcos nunca demonstrou desejo de mudança. Não quis ajudar-se, tampouco badernou
nos meses em que esteve internado em Pato Branco. O único traço de personalidade que
a equipe percebeu nele foi sua inteligência, usada para manipular os outros
adolescentes, sem nunca ser provada sua culpa pelo o que planejava.
Os dois personagens eram considerados menores de idade quando foram apreendidos
pelos seus crimes. A Constituição Brasileira, mais especificamente o artigo 228,
considera-os incapazes de responder inteiramente por seus atos e, portanto, não podem
ser julgados pelo Código Penal, mas sim pelo ECA. Os adolescentes em conflito com a
lei são julgados através da Vara da Infância e do Adolescente de sua cidade. As
penalidades são chamadas de medidas socioeducativas e podem ser advertência,
obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional.
Enquanto aguardam a decisão do juiz da vara, permanecem em unidades de
socioeducação no máximo por 45 dias. Se receberem a medida de internação,
permanecem na unidade e seus casos são reavaliados em tempos determinados pelos
juízes, geralmente de seis em seis meses.
O ECA determina, ainda, que o prazo máximo de internação – independente do ato
infracional e se o adolescente está ou não “ressocializado” – deve ser no máximo três
anos. Em outros paises, como o Estados Unidos e a Inglaterra, não há maioridade penal,
os adolescentes, e até crianças (menos de 12 anos), recebem pena devido a sua índole e
sua consciência a respeito da gravidade do ato que cometeu. De acordo com a psicóloga
do Cense de Pato Branco, Elizabeth Moreschi, a análise da idade psicológica deveria ser
prioridade na lei, e não uma idade biológica, como 18 anos. “Isso deixaria os processos
mais lentos, pois haveria uma psicóloga que traçaria o perfil do adolescente e, então,
seria encaminhado ao juiz”, explica.
Como isso não acontece, e todos os adolescentes de até 18 anos são julgados através do
ECA, depois que começou-se a divulgar os crimes hediondos cometidos por eles, a
população começou a exigir dos governantes que a maioridade penal fosse diminuída.
No estado de São Paulo, por exemplo, os crimes cometidos por adolescentes
aumentaram de 6,1 por 100 mil habitantes em 1950 para 112,5 em 2002. “Isso acontece
porque além do mundo estar mudando, muitos maiores comentem o ato e é o
adolescente que assume, pois eles acham que não há punição. Mas há”, acredita o
diretor do Cense de Pato Branco, Rivelino Queirós. Para ele, ficar internado em uma
unidade destinada a internação de adolescentes em conflito com a lei, não só possibilita
que o infrator repense seus atos, assim como em presídios, mas que ele tenha uma nova
oportunidade de vida.

A diminuição da maioridade penal


A maioria das questões levantadas sobre a diminuição da maioridade penal no Brasil,
acredita que deveria ser diminuída para 16 anos, porém há também quem espere que
seja para 12 anos. De acordo com o acadêmico de direito, Juliano Pádua, há propostas
que indicam punições mais severas aos infratores, que só deixassem as unidades quando
estivessem realmente “ressocializados”, em até dez anos. “Mas como isso aconteceria?
Quem definiria se está ou não ressocializado? Hoje também é assim. A pena é de no
máximo três anos, mas a maioria nem chega a dois, pois apresentam resultados
satisfatórios e é liberado”, explica Juliano. Outra lei proposta é de reduzir a maioridade
penal somente em casos de crimes hediondos.
Para que alguma das leis seja aplicada, depois de discutida pelo Senado, a proposta deve
ir a plenário para votação em dois turnos. Depois disso, é preciso que a Câmara dos
Deputados vote e, então, transforma-se em lei. “Das seis propostas, quatro reduzem a
maioridade para 16 anos e uma para 13 anos, em caso de crime hediondo. Mas nunca se
sabe quando isso vai acontecer, pois essas leis de maioridade penal então no Congresso
desde 1999. Está em alta só agora, porque a mídia está divulgando”, explana Juliano.
Além de estudante de direito, Juliano trabalha no Cense de Pato Branco e afirma que
conhecendo os casos mais a fundo, passa a ter uma visão diferente dos demais. “Se eu
fosse olhar como um acadêmico de direito, analisasse a história da criminologia, com
certeza falaria que a diminuição não surtiria efeito algum. Porém, conhecendo os
adolescentes e trabalhando com isso, vejo que alguns deles cometem crimes graves por
saberem que são praticamente impunes. Aqui, eles possuem muitas coisas que não
tinham na rua, e ainda a lei protege-os em todos os casos”, explica Juliano.
Uma funcionária do Cense, que não quis se identificar, acredita que a lei deveria
realmente avaliar através da psicologia. “Como há casos em que basta uns dias aqui
para que o adolescente veja o quanto está errado, em outros o adolescente utiliza a lei
para fazer o que quer. Um dia um deles me ameaçou de morte e ainda me lembrou que
ele ficaria aqui por no máximo três anos, mas que eu não voltaria para casa”, diz. Já o
diretor Rivelino, afirma que se a lei avaliasse cada caso, a diminuição seria possível.
“Mas há muitos adolescentes que só precisam de uma oportunidade. Muitos deles não
sabem que o que fizeram não é aceitável socialmente, ou fizeram porque estavam
drogados. Estando aqui aprendem a moral e fazem tratamento de drogadição. Indo para
a cadeia, ao invés de aprenderam, ficariam ainda mais revoltados, pois lá não há
atividades como nos Censes. Eles são adolescentes e precisam de distração, de
ensinamentos”, expõe.

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