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Obsolescéncia técnica de pesquisadores: um marco de referéncia para futuros estudos Zani Andrade Brel A evolucdo do conhecimento e a inovacdo tecnolbgica podem afetar © trabalho em muitos sentidos: tornam conhecimentos, habilidades, pro- cess08 de trabalho, de organizacao e gestio obsoletos, requerendo agoes de desenvolvimento. Evitar e superar a obsolescéncia é a maneira pela ual se pode estimular 0 alto nivel de desempenho e a criatividade, asse~ gurando protegao de talentos dentro de qualquer organizaco, mas prin- Cipalmente naquelas voltadas para a pesquisa e o desenvolvimento (P&D). A necessidade de esforco para evitar a obsclescéncia nesse tipo de orga- nizago & explicada em razo de a chave do sucesso nos campos da ciéncia da tecnologia repousar, basicamente, na exceléncia do trabalho técnico. Em decorréncia, um dos aspectos mais crticos na administrago de tais instituigbes passa a ser o de desenvolver e manter sua forca de trabalho atualizada, motivada e produtiva, distante portanto da obsolescéncia, Onde se situam, porém, as causas do problema? Estarao nos tragos ‘ou nas caracteristicas psicolégicas e atitudinais dos individuos, ou mais no contexto social e organizacional em que atuam? (O conhecimento disponivel a respeito 6 exiquo e a compreensto da uestéo limitada. A obsolescéncia 6 um processo cujas causas e dinamica total ndo s2o, ainda, bem compreendidas, sobretudo em insttuigdes de P&D. Em conseqiléncia, os meios para sua prevencéo e seu combate tém sido identificados mais de forma intuitiva do que com base em co- nnhecimentos solidamente definidos. Neste trabalho pretende-se subsidiar reflexes sistematicas a respeito do tema. Os principais objetivos séo: * identficar conceituagées de obsolescéncia técnica, situando suas ori- gens ¢ seus efeitos; + discutira responsabilidade pela obsolescencia, por meio da andlise de aspectos diretamente vinculados aos individuos e &s organizagbes; + resumir abordagens te6rico-metodolbgicas jé existentes para estudar 0 problema constituindo subsidios referenciais para estudos futuros. MARCO CONCEITUAL [Nao séo muita, na literatura, as abordagens conceituais & questo da ‘obsolescéncia técnica. Alves (1984) situa 0 problema em termos econd- Revista de Adminstracdo, Sio Paulo v.33, n.2, p.29-39, briunho 1988 Recebido em junho!7 2 verstio am setombra'97 Zani Andrade Breié especaisia em Educagéo, este em Psicologia Social, Orgarizaconale de “Trabalho, stuando na Secretaria de Adminstapéo Esvatgica da Empresa Brasiava de Pesquisa Agropecuaa (Embrapa). Fax (61) 947-4480, E-matt brei@sede.embrapa br Ey ZaniAndtade Bre) micos ou no sentido da depreciagdo do capital humano, especificando a obsolescéncia em duas dimensées: uma absoluta, representada pela perda do conhecimento como resultante do passar do tempo, do esquecimento ou da falta de uso; a outra relativa,traduzida pela estagnacao ou pelo pouco progresso com relacdo a0 mundo cientifico, que evolui em taxas cada vez mais aceleradas: & 0 desequiliorio entre o que se sabe e o que se deveria saber. Entre os autores que formularam e aprofundaram con- cellos sobre os quais estudos posteriores vem sendo reali- zados encontram-se Ferdinand (1966), Shearer & Steger (1975), Fossum et al. (1986) ¢ Kaufman (1989). Do ponto de vista individual, Ferdinand (1966) define ‘a natureza essencial da obsolescéncia afirmando que ela ‘existe quando profissionais usam pontos de vista, teorias, cconceitos ou técnicas menos efetivos na solucao de pro- blemas do que outros atualmente disponivets em seu camn- po de especializacio. O engenheiro obsoleto ¢ aquele que ‘no esté familirizado com o melhor caminho tecnico para desempenhar suas responsabilidades: ele & inconsciente pelo menos de algumas informacées e técnicas relevantes para sua érea de responsebilidade. esse sentido, algum grau de obsolescéncia profissio- nal sempre atinge grande parte das pessoas na maioria dos campos. Existe, porém, considerével variacéo entre membros de uma mesma disciplina e & esta, pois, avaria- ‘cao de interesse e no a presenca ou a auséncia do fend ‘Aqueles que s8o conscientes das melhores solucdes téenicas para um dado problema, mas no conseguem resolvé-lo, no deveriam ser considerados obsoletos. As: sim, nem toda inefetividade pode ser considerada como obsolescéncia, Ja Shearer & Steger (1975) colocam a identificagao da obsolescencia técnica de profissionals na dependéncia de uma avaliagdo permanente e comparativa entre as capa cidades de membros de uma mesma disciplina: uma pes- soa @ obsoleta no grau em que, relativamente a outros membros de sua profisséo, é incapaz de aplicar conheci- ‘mentos, métodos ¢ técnicas geralmente considerados como importantes por esses membros. (Os autores partiram do ponto de vista de que a metodologia para se lidar com a obsolescéncia técnica deve ser a mesma utilzada para analisar a obsolescéncia de mquinas e equipamentos. A obsolescencia de méquinas @ equipamentos 6 determinada em termos de custos ¢ va lores de seus outputs relativamente a outras méquinas existentes no mercado que realizar trabalhos similares. Uma méquina é considerada obsoleta com relagéo aos padrées atuais, sem que se considere seu desempenho passado. Sua obsolescéncia é real & medida que exista, no mercado, uma maquina alternativa ou um sistema mais econdmico. Segundo tal concepeéo, uma pessoa pode tornarse obsoleta mesmo que s2U trabalho n8o mude ou seu de- sempenho nao se deteriore. Se seus pares desenvolvem habilidades que Ihe faltam ou se uma pessoa melhor tre nada ou mais barata entra em seu campo de atuagéo, ela torna:se relativamente obsolescente. Obsolescéncia e incompeténcia néo se diferenciam por essa definigao. Duas méquinas 80 consideradas obsoles- centes se produzem 0 mesmo volume de trabalho, ao ‘mesmo custo, mesmo se uma é velha e usada e a outra é nova mas deficientemente utlizada. De maneira similar, dduas pessoas — uma desatuializada e outra incompetente — ‘80 igualmente obsolescentes com relacao a outras de seu ‘campo se seu beneficio para a organizacao é o mesmo. utra linha de definicao é a de Fossum et al. (1986) que identificam a obsolescéncia técnica ocorrendo quan- do 0s requisitos demandados por tarefas, deveres ¢ res- ponsabilidades de um trabalho tornam-se incongruentes ‘com 0 estoque de conhecimentos, habilidades e destrezas presentemente possuidos pelo individuo. Kaufman (1989) também conceitua obsolescéncia téc- nica como o grau de deficiéncias profissionais em conhe- cimentos ou habilidades atualizados e necessarios para manter 0 desempenho efetivo de papéis ocupacionais pre~ sentes ou futuros, Ela surge como uma desigualdade entre ‘a rapidez das mudangas requeridas no trabalho e as taxas, de aquisigBo de conhecimentos e habilidades. Uma anélise dos conceitos descritos leva & conclusdo de que eles convergem para duas posturas diferenciadas. ‘A importancia da explicitacio desses posturas reside nas ‘consegiléncias que a adogao de uma ou de outra conceituaso pode trazer para a definicao de criterios e metodologias para ‘a caracterizacio da obsolescéncia técnica. ‘A primeira postura é representada pelas conceituagses de Ferdinand e de Shearer & Steger, que privilegiam um criterio externo para a identificagao da obsolescéncia téc- nica. E a avaliagdo comparativa entre as capacidades de membros de uma mesma disciplina que define a existen- ia ou no da obsolescéncia, independentemente dos re- querimentos do trabalho. O referencial é externo a organi- zaga0, Esta, para nao se tornar obsoleta, deverd estar atenta a dispontbilidade externa de capacidades, procurando ade- ‘uar-se permanentemente a taisdisponibilidades. A segunda postura ¢ explicitada pelas conceituagées de Fossum et al. e Kaufman. Enfatizam critérios internos para caracterizar a obsolescéncia. Ela pode ser detectada pela relacdo entre trabalho e pessoa: a natureza e 0 grat cde mudancas no primeiro e a taxa de declinio do nivel de atualizacao no segundo para atender a essas mudancas. Em outros termos, mudangas nos objetivos, estratégias, tecnologias, materiais ou estruturas no ambito da organi zag80 e sua relaco com a capacidade de cada individuo em tomar decisdes que garantam a ndo-deterioragao de evista de Adminisvagio, So Paulo v3.2, 29-99, abrijunho 1998 (OASOLESCENCIA TECNICA DE PESQUISADORES: UM MARCO DE REFERENCIA PARA FUTUROS ESTUDOS seus conhecimentos, habilidades e destrezas em face das necessidades do trabalho. Pelo critério adotado, a primeira postura remete & estruturacio de metodologias para a caracterizacéo da obsolescéncia que partam da identificacio dos mais altos niveis de capacidades disponiveis no mercado para, a par- tirdeles, avaliar comparativamente as necessidades do tra- balho e a condigdo interna dos recursos humanos da or- ganizagao. ‘A segunda abordagem ja traz como conseqtiencia a utilizago de metodologias que busquem, primeiramente, avaliar as necessidades do trabalho refletidas em tarefas, deveres e responsabilidades das pessoas, para dai verificar as necessidades de atualizaco dos recursos humanos ou identifcar quais capacidades disponiveis no mercado de- verso ser adquiridas. E uma postura que associa obsoles- céncia e desempenho. Dependendo do tipo de insttuigo, torna-se inteira- ‘mente inadequada a adogio exclusiva de uma s6 postura, como 0 caso, por exemplo, das insttuig6es que tém por rmissio 0 desenvolvimento cientifico e tecnolégico. Estas precisam tomar como referencia tanto a situagéo interna quanto as capacidades externas. Suas misses estendem: se do desenvolimento de tecnologias, utilizando 0 conhe- cimento disponivel para o atendimento de necessidades existentes, ao avango do conhecimento cientifico, a partir do patamar em que ele se encontra. Para esse tipo de instituigdes, os conceitos de obsoles- céncia de Ferdinand e de Shearer & Steger nao podem deixar de ser considerados. A avaliacdo cientifica no pode prescindir da andlise pelos pares: apesar das limitacSes, intrinsecas a esse procedimento, em razao da dificuldade de definicdo de indicadores de desempenho cienifico tem sido, por enquanto, a propria comunidade cientifica a prin- cipal fonte definidora do que é bon e de quem é bom em ciencia Outro aspecto importante para teflexdo pode ser ex- traido do conceito de Ferdinand: a vinculacéo que ele es- tabelece entre consciénciae falta de consciéncia do pro- fissional quanto a disponibilidade de teorias, conceitos e ‘técnicas relevantes para sua érea de responsabilidede. Tal ‘enfase traz também reflexos para a escolha de metodologias na caracterizacio da obsolescéncia, A existéncia de consciéncia remete & possibilidade de utlizagéo de métodos como a auto-avaliacao e a avaliagdo interna da situagao de trabalho para a caracterizacéo dos niveis de obsolescéncia técnica. A inexistencia de conscién-

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