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SUPRIMENTOS NA INDÚSTRIA DE
COMPUTADORES
Paulo H. Parra
Sílvio R. I. Pires
Programa de Pós-graduação em
Engenharia de Produção – UNIMEP,
Via Santa Bárbara–Iracemápolis, km 1,
Santa Bárbara do Oeste, SP, CEP 13450-000,
e-mail: sripires@unimep.br
Resumo
Nos últimos anos a competição tem crescido significativamente no mundo industrial, provocando o
surgimento de novos desafios e oportunidades na forma de organizar e gerenciar a produção. Nesse
contexto, a gestão da cadeia de suprimentos (Supply Chain Management – SCM) tem emergido como
uma nova e promissora maneira de obter vantagens competitivas no mercado. Por sua vez, a indústria
de computadores apresenta um conjunto de fatores que dificultam uma gestão mais efetiva da cadeia de
suprimentos, em razão, principalmente, da velocidade das inovações tecnológicas no setor. Este trabalho
tem por objetivo básico apresentar uma análise geral da gestão da cadeia de suprimentos na indústria
de computadores, com foco na cadeia de abastecimento. O estudo teve o suporte de uma pesquisa
conduzida em um grande e representativo produtor mundial de computadores que opera no Brasil.
Palavras-chave: gestão da cadeia de suprimentos, indústria de computadores, gestão da cadeia de
abastecimento.
2 Parra & Pires – Análise da Gestão da Cadeia de Suprimentos na Indústria de Computadores
Cadeia de suprimentos
Unidades de negócio
Tipos de competição
Assim, nesse processo serão decididos quais l Eficiência: aparece quando há necessidade
relacionamentos entre consumidores, fornecedores interna de a empresa melhorar a relação
e provedores de serviço são mais ou menos custo/benefício de algum processo. Sendo
importantes na otimização da SCM (Collins et assim, ela transferirá para uma outra orga-
al., 1997). Segundo Pires (1998), esse processo nização um processo ineficiente.
pode ser dividido em duas etapas básicas de l Estabilidade: reflete a tentativa de adaptar
transformação e melhoria da SCM: a reestru- ou reduzir as incertezas de algum negócio,
turação e a consolidação. ou seja, as empresas que utilizam essa
Por reestruturação entende-se a simplificação razão buscam parcerias que lhes garantam
da cadeia de suprimentos, com o objetivo de um futuro mais confiável.
melhorar principalmente sua eficiência. A ques- l Legitimidade: a legitimidade reflete como
tão básica dessa etapa é com quem a empresa os resultados e as atividades de uma em-
pretende construir parcerias e simplificar os presa são justificados. Por exemplo, um
processos de comunicação. Na maioria das vezes, negócio com uma grande montadora de
a reestruturação acaba incorrendo na redução automóveis pode ajudar a estabelecer a
do número de fornecedores e, eventualmente, do legitimidade de um pequeno fabricante de
número de clientes. Um exemplo dessa situação, autopeças.
menos comum, é a solicitação de algumas em-
presas para que pequenos clientes comprem por
meio de distribuidores e não diretamente, redu- 2.2 Globalização da cadeia de
zindo o número de clientes diretos e os custos suprimentos
decorrentes de tal prática. Conforme relatado na introdução deste traba-
Já a consolidação consiste no aprofundamento lho, as marcas e as companhias globais dominam
e no estreitamento das relações de parceria e muitos mercados. Ao longo das últimas décadas
canais de comunicação com a base de forne- houve forte tendência para o marketing mundial
cedores e clientes após a reestruturação. Contudo, de produtos sob a administração de grandes
o sucesso dessa etapa requer postura de confian- marcas, como Coca-Cola, IBM, Toyota, Microsoft,
ça, cooperação e relação ganha–ganha entre os dentre outras. Além de as marcas serem comuns
componentes da cadeia produtiva. nos mercados de cada país individualmente, os
No que tange à formação de parcerias entre as produtos também sofreram uma padronização
organizações, Cooper & Gardner (1993) indicam geral. Ao mesmo tempo, as companhias globais
cinco pontos importantes no estabelecimento e na revisaram seu antigo enfoque (mais regional) e
consolidação do relacionamento, os quais vão além atualmente procuram recursos em base global
da reciprocidade. São eles: (Christopher, 1997). Essas companhias procuram
ampliar seus negócios pela lógica da expansão
l Assimetria: reflete a habilidade de uma
dos mercados e da redução dos custos por eco-
organização em exercer poder, influência
nomias de escala na compra de insumos e na
ou controle sobre outra.
produção, sendo cada vez mais comum o uso de
l Reciprocidade: é baseada na mutualidade operações concentradas de manufatura.
benéfica em atingir objetivos comuns. Contudo, apesar dessa lógica, deve-se reco-
Contrária à assimetria, a reciprocidade nhecer que há certos desafios à empresa global.
estabelece relação positiva entre as partes, Primeiro, os mercados mundiais não são homo-
pois implica cooperação, colaboração e gêneos e ainda requerem customizações locais
coordenação entre as partes. em muitas categorias de produtos. Segundo, há
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.10, n.1, p.1-15, abr. 2003 5
Essas características foram divididas em três de computadores usualmente divide sua atuação
grandes grupos, apresentados na Figura 2, que em três unidades de negócio distintas:
ilustra os principais desafios encontrados pela SCM l unidade de consumidores;
na indústria de computadores. Pela relevância na l unidade corporativa;
SCM e, em especial, na gestão da cadeia de abaste-
l unidade de servidores.
cimento, algumas características próprias da
indústria de computadores serão destacadas a seguir. Em seguida, essas unidades de negócio serão
analisadas sob a perspectiva de três dimensões que
3.1.1 Unidades de negócios consideramos básicas no setor: o mercado, o
Em razão de sua complexidade, a indústria produto e a fabricação.
de computadores não costuma ser tratada como
elemento único, visto que há mercados e produtos Unidade de consumidores
diferenciados que forçam a segmentação do setor. A unidade de consumidores envolve todos
Para ilustrar, pode-se citar o caso de um pro- os produtos e acessórios voltados à utilização
fissional liberal que deseja melhorar seus serviços pessoal de um computador. A característica desse
adquirindo um computador, o que difere em mercado é a atuação no varejo, ou seja, o cliente
muito de uma empresa que busca um novo final normalmente é uma pessoa física que busca
servidor para expandir seus negócios. Tendo em um equipamento para sua casa, escritório ou
vista essa diferenciação no mercado, a indústria pequena empresa.
DEMANDA
PRODUTOS
• baixa previsibilidade
• curtos ciclos • grande variabilidade
• grande número de mercado
de produtos • grande customização
de atendimento
FORNECIMENTO
• muitos canais
de abastecimento
Unidade de Dimensão
negócio Mercado Produto Fabricação
Enfoque no custo Curto ciclo de vida Altos volumes para
Consumidores
Cliente no varejo Baixa variedade estoque
Enfoque na diferenciação Médio ciclo de vida Customização contra
Corporativos
Clientes corporativos Alta variedade ordens
Baixos volumes
Enfoque na diferenciação Médio ciclo de vida
Servidores Customização contra
Clientes corporativos Alta variedade
ordens
A análise desses fatores serve como instru- dessa questão sob a perspectiva de três ele-
mento condutor de informações da atividade de mentos principais: o produto, a demanda e o
planejamento de materiais, que apresenta três abastecimento.
momentos distintos na indústria de computadores:
l O primeiro trata da introdução de novos Produtos
produtos, em que se destacam as etapas Conforme relatado, a indústria de computa-
de desenvolvimento de produtos/materiais dores requer constante redução dos ciclos de vida
e também a introdução de novas tecno- e aumento da variedade de produtos. Para supor-
logias. Nesse momento, todos os esforços tar essa característica, adota-se a estratégia de
são canalizados para que a introdução introduzir o maior número possível de novos
ocorra no prazo previsto. produtos, diferenciando-os cada vez mais.
l O segundo envolve a sustentação do produto A primeira implicação negativa da adoção dessa
ao longo de sua vida, em que o foco passa estratégia consiste no aumento da complexidade
a ser atender a pedidos de clientes, mas com da gestão do ciclo de vida dos produtos, uma vez
valores mínimos de estoque, bem como altos que novos produtos são lançados a todo o momento
giros de inventário. e para cada produto há necessidade de perfeita
l Já o terceiro abrange o fim de vida de um administração de suas quatro fases de vida: a
produto, em que o objetivo principal é fazer introdução, o crescimento, a maturidade e o de-
com que o produto tenha o menor índice de clínio. A segunda implicação negativa associa-se
obsolescência possível, ou seja, busca-se um ao aumento da gama de materiais, pois na maioria
fim de vida com sobra zero de materiais. das vezes esses materiais não são intercambiáveis
entre os produtos.
A Tabela 3 ilustra esses momentos e suas Sendo assim, há muitos materiais específicos
respectivas prioridades. para cada produto, ou até mesmo para cada variação
de produto.
3.2 Modelo predominante de gestão da Essas implicações negativas geram uma série
cadeia de suprimentos (SCM) de efeitos na cadeia de suprimentos, reduzindo
sobremaneira seu desempenho.
O modelo predominante de SCM na indústria Esses efeitos variam desde um considerável
de computadores se adequa as suas caracte- aumento na entropia da gestão do ciclo de vida
rísticas intrínsecas. Contudo, a adoção de dos produtos até o aumento dos índices de
determinadas estratégias na SCM incorre em obsolescência de produtos e materiais em geral.
algumas implicações negativas, as quais afetam Cabe lembrar que o fator obsolescência se poten-
diretamente o desempenho da cadeia de abas- cializa nessa indústria em função de sua constante
tecimento. A seguir, apresenta-se uma análise renovação tecnológica.
Outro efeito marcante é o aumento dos índices longos lead-times das commodities adquiridas,
de inventário e a baixa flexibilidade dos mate- muitas vezes, de fornecedores da Ásia e com
riais, que tendem a cobrir uma enorme gama em grandes tempos de trânsito e/ou desenvolvimento.
termos de abrangência, mas geralmente têm Como os materiais são posicionados com base
baixo nível de intercambiabilidade de partes. nas previsões de vendas, tem-se que sua não
Esses fatores tornam incompatíveis os obje- acuracidade incorre em ineficiência de suporte
tivos de maior flexibilidade e baixo inventário, ao atendimento de clientes (flexibilidade) ou em
pois grandes variedades de materiais requerem redução dos giros de inventários. Esses dois efeitos
altos níveis de estoque para proporcionar fle- são danosos ao retorno do capital investido pela
xibilidade satisfatória. empresa, pois com o não atendimento de clientes
perdem-se vendas e diminui-se o lucro líquido.
Demanda Já na redução dos giros de inventário tem-se
As características da indústria de compu- aumento do capital investido.
tadores no tocante à demanda apontam grande O segundo efeito da falta de acuracidade
variabilidade de mercado, baixa previsibilidade associa-se ao alto índice de obsolescência,
e grande customização de atendimento. Para originado na enorme diversidade de produtos
suportar essas características, adotam-se, muitas e materiais. Essa diversidade prejudica o de-
vezes, modelos centralizados de gestão da sempenho da atividade de gestão do ciclo de vida
demanda, agrupando, dessa forma, todas as dos produtos.
unidades de negócio.
A primeira implicação negativa dessa estratégia Abastecimento
consiste na enorme dificuldade em implementar A atual indústria de computadores envolve
a gestão da demanda. Essa dificuldade é de- uma base relativamente grande, e em expansão,
corrente da adoção de um modelo único de gestão de canais de abastecimento. Geralmente, para
da demanda, que não permite formas diferenciadas suportar essa característica adota-se a estratégia
de interação da demanda para cada unidade de da integração eletrônica com todos os forne-
negócio. As unidades de negócio atuam em cedores de primeiro nível (first tier suppliers).
segmentos de mercado distintos e, portanto, A implicação negativa dessa estratégia deve-
possuem objetivos diferenciados. Sendo assim, se ao fato de haver interligação eletrônica
esses objetivos também requerem modelos de somente entre fornecedores de primeiro nível.
gestão diferenciados. Conforme dito anteriormente, uma gestão efetiva
A segunda implicação negativa consiste na total da cadeia de suprimentos requer interligação de
falta de acuracidade das previsões, muitas vezes todos os níveis produtivos, ou seja, de sua virtual
em função da centralização da gestão da demanda. unidade de negócio. O efeito dessa implicação
Essa centralização induz a erros, pois deturpa a negativa relaciona-se à falta de visibilidade de
visibilidade de condições específicas de mercados toda a cadeia de suprimento. A visibilidade
regionais e atrapalha o relacionamento entre fa- somente do primeiro nível incorre em muitos
bricação e marketing. De maneira geral, essas duas erros de alocação de recursos, pois nem sempre
implicações negativas incorrem na falta de os fornecedores desse primeiro nível repassam
acuracidade das previsões da empresa. Por sua vez, a seus subfornecedores a mesma informação de
essa falta de acuracidade gera uma série de efeitos demanda. Por sua vez, essa quebra do canal de
negativos na cadeia de abastecimento. informação gera distorções na alocação de
O primeiro efeito negativo associa-se ao falho recursos de toda a cadeia, acarretando perdas
posicionamento de materiais, em função dos de flexibilidade de atendimento a clientes.
12 Parra & Pires – Análise da Gestão da Cadeia de Suprimentos na Indústria de Computadores
DESENVOLVIMENTO
DE PRODUTOS GESTÃO DA
DEMANDA
• redução da gama
de produtos • modelos específicos
• implementação de de interação entre
estrutura modular demanda e manufatura
• intercambiabilidade
de partes
FORNECIMENTO
INTEGRADO
• interligação da
cadeia de abastecimento
Finalmente, cabe observar que, embora baseada industrial e não apenas de uma grande empresa.
em um estudo de caso em uma grande e repre- Nesse caso, as limitações intrínsecas às pesquisas
sentativa empresa multinacional produtora de exploratórias e o cuidado com a não identificação
computadores, a pesquisa indica que muitas das da empresa estudada não permitem avançar mais
questões aqui tratadas são representativas do setor no relato da análise.
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Abstract
During the last years, competition has increased significantly in the industrial world and has created
a set of new challenges and opportunities in the way of organizing and managing the production. In this
context, supply chain management has emerged as a new and promising frontier for reaching competitive
advantages within the marketplace. On the other hand, the computer industry shows a series of
characteristics that make difficult to achieve effectiveness in the supply chain management, due mainly
to the speed of the technological innovations in the sector. This article has the basic purpose of showing
a general analysis of the supply chain management within the computer industry and with focus on its
inbound chain. The research was supported by a research conducted in a large and representative
worldwide computer manufacturer operating in Brazil.
Key words: supply chain management, computer industry, inbound chain management.