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HUMBERTO R. MATURANA FRANCISCO J. VARELA A ARVORE DO CONHECIMENTO as bases bioldgicas da compreensao humana PALAS ATHENA 10 2 conhecer 0 conhecer 1 experiéncia coti na -— fenémeno do conhecer explicagéo Clentifi observador | 9 agso ———_ 1] inguagem consciéncia reflexiva 8 fenémenos culturais —! unidade -—organizagao —_estrutura autopoiese fenomenologia biolégica 3 fenomenos historicos conservagao — variaco reprodugao 4 perturbacées | acoplamento ontogenia fenémenos sociais unidades de terceira ordem estrutural LL unidades de segunda ordem 7 atos cognitivos correlacées internas. 6 ampliagao do comportamento — sistema dominio de interacées| nervoso | plasticidade_ contabilidade logica —} estrutural I representacao / solipsismo I clausura operacional 5 filogenia deriva istoria de natural interagoes | conservagao__selecao da adaptagaoestrutural determinagao estrutural A grande tentacao Fig. 1. Cristo coroado de espt- nhos, de Hieronimus Bosch, Museu do Prado, Madri CONHECER O CONHECER Na Fig. 1 admiramos 0 Cristo Coroado com Espi- conhec nhos, do mestre Hertogen-bosch, mai: do como Bosch. onal da e em Essa representacao tio pouco tradic coroacdo com espinhos pinta a cena quas plano tinico, com grandes cabegas e, mais do que retratar um incidente da Paixdo, aponta para um sentido universal do demoniaco em contraste com © reino dos céus. No centro, Cristo expressa uma do. Entretanto, seus torturadores nao foram pintados aqui como em tantas outras composigdes da época e do préprio Bosch, com figuras extraterrenas que o agridem imensa paciéncia e aceita diretamente, puxando seus cabelos, ferindo a sua carne. Os verdugos do Cristo aparecem com qua- tro tipos humanos que, na mente medieval, re- presentavam uma visio total da humanidade. Cada um desses tipos é como que uma grande tenta- cdo para a amplitude e a paciéncia da expre ilos de alienagao e perda 10 de Cristo. Sa0 quatro es da equanimidade interior. Ha muito 0 que contemplar e refletir sobre s quatro tentagdes. Para nés, porém, no inicio ess do longo itinerario que sera este livro, o persona- gem do canto inferior direito é particularmente importante. Segura Jesus pelo manto. Firma-o 22 A ArvorRE DO CONHECIMENTO contra o solo. Segura-o e restringe sua liberdade fixando sua perspectiva. Parece estar dizendo: ‘Mas eu sei, ja o sei”. Eis a tentagdo da certeza. Tendemos a viver num mundo de certezas, de solidez perceptiva nao contestada, em que nos sas conviccdes provam que as coisas sao somen- te como as vemos € nao existe alternativa para sa € nossa situa- aquilo que nos parece certo. Es condigdo cultural, nosso cao cotidiana, no: modo habitual de ser humanos. Pois bem, todo este livro pode ser visto como © habito de cair um convite 2 suspensao de nos na tentacao da certeza. Isso é duplamente neces- sario. Por um lado, porque se 0 leitor nao sus- pender suas certezas, nado poderemos comunicar aqui nada que fique incorporado a s 1a expe cia como uma compreensio efetiva do fendme- no do conhecimento. Por outra parte, porque aquilo que este livro precisamente ira mostrar, ao S udar de perto o fendmeno do conhecimento e nossas acées dele surgidas, é que toda experién- cia cognitiva inclui aquele que conhece de um modo pessoal, enraizado em sua estrutura biol6- gica, motivo pelo qual toda experiéncia de certe- za im fendmeno individual cego em relacio ao ato cognitivo do outro, numa solidao que (como veremos) s6 € transcendida no mundo que cria- mos junto com ele. Nada do que vamos dizer sera compreendido de maneira verdadeiramente eficaz, a menos que o leitor se sinta pessoalmente envolvido, a menos que tenha uma experiéncia direta que ultrapasse a simples descri¢ao. As surpresas do olho (CONHECER O CONHECER Fig. 2. Experiéncia do Ponto cego. 24 A Arvorr po ConHECIMENTO Portanto, em vez de falar sobre como a apa- rente solidez de nosso mundo experiencial se torna rapidamente suspeita quando o observa- mos de perto, iremos demonstrar esse fato por meio de duas situacdes simples. Ambas corres- pondem ao Ambito de nossa experiéncia visual cotidiana: Primeira situacao: cubra seu olho esquerdo € olhe fixamente para a cruz desenhada na pagina 23, mantendo-a a uma distancia de cerca de qua- renta centimetros. Vocé observaraé entao que o ponto negro da figura, de tamanho nada despre- zivel, desaparece de repente! Experimente girar um pouco a pagina ou abrir o outro olho. E tam- bém intere smo desenho em ante copiar 0 m outra folha de papel e aumentar gradualmente o ponto negro, até ver qual é 0 tamanho ma ximo necess: guida, gire a pagina, de modo que o ponto B ocupe o lugar que antes ocupava A, € repita a iO para o seu des aparecimento. Em se- observacao. O que aconteceu com a linha que cruza 0 ponto? Com efeito, ¢: sa mesma situac¢do pode ser ob- servada s em nenhum desenho em papel: basta substituir a cruz e 0 ponto pelos polegares. O dedo aparece como que sem sua tiltima falange (experimente!). Por falar nisso, foi assim que essa observacao se tornou popular: Marriot, um cien- tista da corte de um dos Luises, mostrou ao rei, mediante esse procedimento, como ficariam seus stiditos sem cabeca antes de decapité-los. A explicacao normalmente aceita para esse fe- némeno € que, ne sa posic’io especifica, a ima- gem do ponto (ou do dedo, ou do stidito) cai na 3. Os dois circulos desta pagina foram impressos com a mesma tints, No entanto, de baixo parece rosado, por causa de seu entorno verde. Moral da historia: a cor nao é uma propriedade das coisas; ela é insepardvel de como es- tamos estruturados para vé-la CoNHECER © CONHECER =_— Fig. 4. Sombras coloridas. wv zona da retina de onde sai 0 nervo Optico, que portanto nao tem sensibilidade & luz. E 0 chama- do ponto cego. Entretanto, o que muito raramen- te se destaca quando se da essa explicacao é: por que nao andamos pelo mundo com um buraco desses © tempo todo? Nossa experiéncia visual corresponde a um espago continuo e, a menos que facamos essas engenhosas manipulagoes, nao percebemos que de fato ha uma descontinuidade que deveria aparecer. Nesse experimento do pon- to cego, 0 fascinante é que no vemos que nao vemos Segunda situacio: tome dois focos de luz € disponha-os como na Fig. 4 (isso pode ser feito simplesmente com um cilindro de cartolina, do tamanho de uma pequena lampada potente, € usando um papel celofane vermelho como filtro). A seguir, interponha um objeto — su: s mao, por exemplo - e olhe para as sombr projetadas sobre a parede. Uma delas parecer azul-esverdeada! O leitor pode experimentar di- ferentes papéis transparentes de cores diversas diante das Kimpadas, bem como diferentes inten- sidades de luz. Aqui, a situacdo é tao surpreendente quanto no caso do ponto cego. De onde vem a cor azul- esverdeada, quando o que se espera € a bran avermelha ou misturas das duas (rosado)? Estamos acostumados a pensar que a cor € uma qualidade dos objetos ¢ da luz que deles se reflete. Assim, se vejo verde deve ser porque uma luz verde chega até meus olhos, ou seja, uma luz com um certo comprimento de onda. Agora, se usarmos iC: ‘Ao da luz um aparelho para medir a compo’ 26 A Arvori po ConHECIMENTO nessa situagio, descobriremos que nao hi ne- nhum predominio de comprimentos de onda cha- mados verdes ou azuis na s ymbra que vemos como azul-esverdeada, € sim apenas a distribui- co propria da luz branca. No entanto, a expe- riéncia de azul-esverdeado 6, para cada um de nés, inegavel Esse belo fendmeno das chamadas sombras coloridas foi descrito pela primeira vez por Otto von Guericke em 1672, quando ele notou que seu dedo se tornava azul na sombra entre uma vela € 0 sol nascente. Em geral, diante desse fe- ndmeno (e de outros semelhantes) as pe: dizem: “Bem, mas qual 6 realmente a cor?”, como soas se os dados fornecidos pelos instrumentos de » de comprimento de onda fossem a ulti- ma resposta. Na verdade, esse experimento sim- ples nado nos revela uma situacio isolada, que possa (com se faz com freqiiéncia) ser considera- da marginal ou ilus6ria. Nossa experiéncia de um mundo feito de objetos coloridos é literalmente 10 de de onda da luz que vem de cada cena que obser- medic independente da composi s comprimentos vamos. Com efeito, se levo uma laranja de dentro de casa até 0 patio, ela continua sendo da mesma cor. No entanto, no interior da casa ela era ilumi- nada por, digamos, uma luz fluorescente, que tem uma grande quantidade de comprimentos de onda chamados azuis (ou curtos), enquanto que no de onda chama- sol predominam comprimento: dos vermelhos (ou longos). Nao ha maneiras de estabelecer uma correspondeéncia entre a tremen- da estabilidade das cores com as quais vemos os objetos do mundo e a luz que deles provém. A CONHECER 0 CONHECER 27 explicagao de como vemos as cores nio € sim- ples e nao tentaremos fornecé-la com detalhes aqui. Contudo, o essenci: fendmeno devemos deixar de pensar que a cor dos objetos que vemos é determinada pelas ca- racteristicas da luz que nos chega a partir deles. Em vez disso, precisamos nos concentrar em com- 1 é que para entender o preender como a experiéncia de uma cor corres- ados ponde a uma configuracao especifica de es de atividade no sistema nervoso, determinados 0 fa- camos neste momento, é possivel demonstrar que, por sua estrutura. Com efeito, embora como tais estados de atividade neuronal (como a visio do verde) podem ser desencadeados por uma variedade de perturbagdes luminosas (como s sombras colori- as que tornam possivel ver das), 6 possivel correlacionar 0 nomear das cores com estados de atividade neuronal, porém nao com comprimentos de onda. Os estados de ativi- dade neuronal deflagrados por diferentes pertur- bagdes esto determinados em cada pessoa por sua estrutura individual, e nao pelas caracteristi- cas do agente perturbador. O que foi dito é valido para todas as dimen- sdes da experiéncia visual (movimento, textura, forma etc.), bem como para qualquer outra mo- dalidade perceptiva. Poderiamos falar de situa- c6es similares, que nos revelam, de um s6 golpe, que aquilo que tom4vamos como uma simples captacao de algo (tal como espago ou cor) traz a marca indelével de nossa prépria estrutura. Por enquanto, teremos de no des © experiéncias acima, e confiar em que o leitor de fato as tenha feito e que, -ontentar somente com as observ 28 A Arvort Do CONHECIMENTO portanto, estejam frescas em sua memoria as evi- déncias de como € escorregadio o que ele estava habituado a considerar como muito sélido. Na verdade tais experimentos — ou muitos ou- tros similares — contém de maneira capsular o abor da esséncia do que queremos dizer. Eles nos mostram como nos: experiéncia esta indissoluvelmente atrelada a nossa estrutura Nao vemos 0 “espago” do mundo, vivemos nos- so campo visual; n&o vemos as “cores” do mun- do, vivemos nosso espaco cromiatico. Sem dtivi- da nenhuma — ¢ como de alguma forma desco- briremos ao longo destas paginas —, estamos num mundo. No entanto, quando examinarmos mais de perto como chegamos a conhecer esse mun- do, descobriremos sempre que nao podemos se- Pparar nossa IS © SO- historia das agdes — biol6gi ciais — a partir das quais ele aparece para nés. O mais Sbvio € o mais proximo sao sempre dificeis de perceber. No zoolégico do Bronx, em Nova York, ha um grande pavilhdo especialmente dedicado aos primatas. Li € possivel ver os chimpanzés, gorilas, gibdes e muitos macacos do novo e do velho mundo. Chama a atenc’o, porém, que no fundo existe uma jaula separada, com fortes gra- des. Quando nos aproximamos, vemos uma ins- crigdo que diz: “O primata mais perigoso do planeta". Ao olhar por entre as grades, vemos com surpresa a nossa propria cara: 0 letreiro es- clarece que o homem ja matou mais espécies no planeta que qualquer outra espécie conhecida. O grande escandalo CONHECER O CONHECER Fig. 5. Maas que desenham, de M.C. Escher. 29 De observadores, pa amos a observados (por ndés mesmos). Mas o que vemos? O momento de reflexdo diante de um espelho € sempre muito peculiar, porque nele podemos tomar consciéncia do que, sobre nds mesmos, nao € possivel ver de nenhuma outra maneira: como quando revelamos 0 ponto cego, que nos mostra a nossa propria estrutura, e como quando suprimimos a cegueira que ela ocasiona, preen- chendo © vazio. A reflexto é um processo de conhecer como conhecemos, um ato de voltar a 30 A Arvorr po ConHECIMENTO nos mesmos, a Gnica oportunidade que temos de descobrir nossas cegueiras e reconhecer que as certezas € os conhecimentos dos outros sao, res- pectivamente, tio aflitivos e tao ténues quanto. 0s 0s no Essa conhece € tradicionalmente esquiva para nossa ‘Ao e nao na re- flexao, de modo que nossa vida pessoal é, geral- ituac2o especial de conhecer como se cultura ocidental, centrada na a mente, cega para si mesma. Parece que em algu- ma parte ha um tabu que nos diz: “E proibido conhecer 0 conhecer”. Na verdade, é um escan- dalo que nao saibamos como € constituido o nosso mundo experiencial, que é de fato o mais proximo da nossa existéncia. HA muitos escandalos no mundo, mas essa ignorincia é um dos pior S. Talvez uma das razdes pelas quais tendemos a evitar tocar as bases de nosso conhecer, é que isso nos dd uma sensacao um pouco vertiginosa, dada a circularidade resultante da utilizacao do instrumento de andlise para analisar o proprio instrumento de andlise: € como se pretendé: mesmo. Na figura 5, -nho do artista holandés M.C. Escher, en eas mos que um olho vis que é um des essa vertigem esta representada com muita niti- dez, por meio das maos que se desenham mu- tuamente, de tal modo que nunca se sabe onde esta o fundamento de todo o proc ; qual é a mao “verdadeira"? De modo semelhante, embora tenhamos visto que os processos envolvidos em nossas ativida- des, em nossa constituigao, em nossa atuacado como seres vivos, formam 0 nosso conhecer, propomo-nos a investigar como conhecemos (CONHECER © CONHECER 31 Os aforismos-chave do livro ‘Todo fazer € um conhecer e todo conhecer é um fazer” Tudo © que € dito é dito por alguém” olhando para essas coisas por meio desses pro- ha uma cessos. Nao temos outra alternativa, pois inseparabilidade entre o que fazemos e nossa experiéncia do mundo, com suas regularidades: suas criang: seus lugares puiblicos s € suas guer- ras atomicas. O que podemos tentar — e que o leitor deve tomar como uma tarefa pessoal — é perceber tudo © que implica essa coincidéncia continua de nos- so ser, nosso fazer e nosso conhecer, deixando de lado nossa atitude cotidiana de por sobre nos- sa experiéncia um selo de inquestionabilidade, ¢ um mundo absoluto Por isso, na base de tudo © que iremos dizer como se ela refleti estar esse constante dar-se conta de que nao se pode tomar o fenémeno do conhecer como se houvesse “fatos” ou objetos l4 fora, que alguém capta e introduz na cabeca. A experiéncia de qualquer coisa lé fora é validada de uma maneira particular pela estrutura humana, que torna pos- sivel “a coisa” que surge na descricao. Essa circularidade, esse encadeamento entre acio e experiéncia, essa inseparabilidade entre ser de uma maneira particular e como 0 mundo nos parece ser, nos diz que todo ato de conhecer 32 A Agvorr DO CONHECIMENTO. faz surgir um mundo. Essa caracteristica do conhecer sera inevitavelmente um problema nos- 80, Nosso ponto de vista e o fio condutor de tudo © que apresentaremos nas paginas seguintes. Tudo isso pode ser englobado no aforismo: todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer. Quando falamos aqui em agao e experiéncia, nao nos referimos somente Aquilo que acontece em relacao ao mundo que nos rodeia no plano ico”. Essa caracteristica do fazer hu- puramente “fi mano se aplica a todas as dimensdes do nosso viver. Aplica-s fazendo aqui € agora, 08 leitores € nds. Eo que estamos fazendo? Estamos na linguagem, moven- do-nos nela, numa forma peculiar de conver e, em particular, ao que estamos. cio — num didlogo imaginado, Toda reflexao, in- clusive a que se faz sobre os fundamentos do conhecer humano, ocorre necessariamente na lin- guagem, que € nossa maneira particular de ser humanos e estar no fazer humano. Por isso, a linguagem é também nosso ponto de partida, nosso instrumento cognitive e nosso problema. O fato de nao esquecer que a circularidade entre ado e experiencia se aplica também aquilo que estamos fazendo aqui € agora, € muito importan- te € tem conseqiiéncias-chave, como 0 leitor vera mais adiante. Esse ponto nao deve ser jamais es- quecido. Para tanto, resumiremos tudo © que foi dito num segundo aforismo, que devemos ter em mente ao longo deste livro: tudo o que € dito é dito por alguém. Toda refles mundo. Assim, a reflexao € um fazer humano, ao faz surgir um realizado por alguém em particular num deter- minado lugar. Cont Explicagao CER O CONHECER 33 Esses dois aforismos deveriam ser como fa- rois, a lembrar-nos permanentemente de onde viemos e para onde vamos. Costuma-se imaginar que esse fazer surgir 0 algo dificil, um erro ou resi- conhecimento seja duo explicativo que precisa ser erradicado. Dai, por exemplo, dizer-se que a sombra colorida é uma “ilusaio de 6tica” e que “na realidade” nao existe cor. O que estamos dizendo é justamente © oposto: esse cardter do conhecer é a chave mestra para entendé-lo, ndo um residuo incomo- do ou um obstaculo. Fazer surgir um mundo € a dimensao palpitante do conhecimento e estar as- sociado as raizes mais fundas de nosso ser cogni- s6lida que se experién- tivo, por ma E, pelo fato dessas raizes se estenderem até a cia. propria base biolégica — como veremos =, esse as agdes fazer surgir se manifesta em todas as noss e em todo o nosso ser. Nao ha dtivida de que ele se manifesta em todas as agdes da vida social humana nas quais costuma ser evidente, como no caso dos valores e das preferéncias. Nao ha descontinuidade entre o social, o humano e suas raizes biolégicas. O fen6meno do conhecer é um todo integrado e esté fundamentado da mesma forma em todos os seus Ambitos. Nosso objetivo, portanto, esta claro: queremos examinar 0 fendmeno do conhecer tomando a fazer universalidade do fazer no conhecer (e: surgir um mundo), como problema e ponto de partida para que possamos revelar seu fundamen- to. E qual sera nosso critério para dizer que obti- vemos €xito em nosso exame? 34 A Arvorr bo CoNHECIMENTO, Uma explicagao € empre uma proposicio que reformula ou recria as observagoes de um fend- meno, num sistema de conceitos aceitaveis para um grupo de pessoas que compartilham um cri- tério de validacao. A magia, por exemplo, € tio explicativa para os que a aceitam como a ciéncia © € para os que a adotam. A diferenca especifica entre a explicagio magica e a cientifica esta no modo como se gera um sistema explicativo cien- tifico, 0 que constitui de fato o seu critério de validagio. Dessa maneira, podemos distinguir essencialmente quatro condicées que devem ser satisfeitas na proposicio de uma explicacao cien- lifica, as quais ndlo necessariamente ocorrem de modo seqiiencial, mas sim de maneira imbricada a. Descrigao do fendmeno ou fendmenos a ex- plicar, de maneira aceitavel para a comunida- de de observadores b. proposigio de um sistema conceitual capaz de gerar o fendmeno a explicar de modo acei- tivel para a comunidade de observadores (hi- potes deducio, a partir de b., de outros fendmenos » explicativa); 10 explicitamente considerados em sua pro- posicao, bem como a descrigao de suas con- digdes de observacio na comunidade de ob- servadores d. observagio desses outros fendmenos, dedu- zidos a partir de b Somente quando esse critério de validacio € satisfeito uma explicacto é considerada cientifi- ca. E uma afirmacio so é cientifica quando se fundamenta em explicacdes cientificas Connucer 0 Conneces ow a Conh dom Conhecer € uma tcio efetiva, ou uma efetividade operacional no nio de existéncia do ser vivo, Explicagio do conhecer L. Fenomeno a explicar: acao efetiva do ser vivo em seu meio ambiente; 11. Hipotese explicativa: organizacao aulé- noma do ser vivo. Deriva filogenctica ontogs taglo (acoplamento estruturat IIL, Dedueao de outros fendmenos: coorde- nagdo comportamental nas interagdes re= cortentes entre seres vivos © coordena Qo comportimental recursiva sobre a coordenacio comportamental; IV, Observacdes adicionais: fendmenos so- ciais, dominios lingiiisticos, linguagem ¢ autoconsciéncia tica, com conservacao da addap- Esse ciclo de quatro componentes nao é estra- nho ao nosso modo cotidiano de pensar, Com freqiiéncia, nés o usamos para dar explicacdes de fenémenos 120 variados como 0 enguico do automével ou as eleicdes presidenciais. O que os cientis s fazem é tentar ser plenamente consi: tentes e explicitos em relacao a cada uma das etapas, e deixar um registro documentado, de tal forma que se crie uma tradicio que va além de uma pessoa ou geracao. Nossa situa 40 € exatamente a mesma. Tanto © leitor como nds préprios estamos transforma- dos em observadores que fazem descrig¢des. Como observadort escolhemos precisamente 0 conhe- cer como fenémeno a ser explicado. Além disso, © que dissemos tor evidente qual sei nossa descrig¢ao inicial do fendmeno do conhecer: ja que todo conhecer faz surgir um mundo, no: i necessariamente a efetivi- dade operacional do ser vivo em seu dominio de ponto de partida seré 36 A Arvorr DO CONHECIMENTO, existéncia. Em outras palavras, nosso marco ini- cial, para gerar uma explicacio cientificamente validavel, é entender o conhecer como agao efe- tiva, acao que permita a um ser vivo continuar sua existéncia em um determinado meio ao fazer surgir o seu mundo. Nem mais, nem menos. E como saberemos quando tivermos chegado fatoria do fendmeno do a uma explicagio sati conhecer? Bem, a esta altura o leitor podera ima- ginar a resposta: quando tivermos proposto um sistema conceitual capaz de gerar o fendmeno cognitive como resultado da aco do ser vivo. E, também, quanto tivermos mostrado que esse pro- cesso pode resultar em seres vivos como nds pré- prios, capazes de produzir descrigdes e refletir sobre elas, como conseqiiéncia de sua realiza 10 como seres vivos, ao funcionar efetivamente em seus dominios de existéncia. A partir dessa pro- posicao explicativa, perceberemos de que modo podem ser geradas todas as dimensdes do co- nhecer que nos sao familiares. Fis 0 itinerario que propomos ao leitor nestas paginas. Ao longo dos capitulos que se seguirao, ao explica- s fendmenos desenvolveremos tanto es sa. proposi tiva, quanto sua conexao com viric adicionais, tais como a comunicagao € a lingua- gem. No final dessa viagem, o leitor poderd reler estas paginas ¢ avaliar o proveito de ter aceitado nosso convite para observar de outra maneira o fendmeno do conhecer.

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