Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Flávio Túlio Braga
1 – Introdução
A radiologia certamente é uma das especialidades médicas que mais se desenvolveu nos últimos anos.
Pudemos observar inúmeros avanços nos métodos de imagem, o que tem permitido diagnósticos cada vez
mais precisos e menos invasivos. Para que possamos aproveitar ao máximo o que cada um destes métodos
pode nos oferecer, é imprescindível o conhecimento adequado de suas aplicações e limitações.
Abordaremos, na seqüência, os principais métodos utilizados no diagnóstico neurorradiológico.
2.1 – Raios X
A utilização da radiografia do crânio demonstrou uma vertiginosa queda desde o surgimento da tomografia
computadorizada (TC). No contexto clínico de trauma, embora as radiografias do crânio sejam relativamente
sensíveis para a detecção de fraturas, sabe-se que não existe uma correlação precisa deste achado com
anormalidades intracranianas ou déficits neurológicos, que são o que norteiam o tratamento desses
pacientes.
Atualmente a utilização dos raios X se restringe à complementação de um estudo tomográfico que tenha
demonstrado alguma alteração óssea. Lesões na calota, especialmente aquelas com orientação paralela ao
plano de corte, podem ser de difícil caracterização pela TC. Equipamentos mais modernos, no entanto,
permitem a reconstrução das imagens adquiridas facilitando a avaliação das estruturas ósseas (figura 1).
Trata-se de um método isento de radiação ionizante e que tem como principais aplicações a avaliação de
recém-nascidos com suspeita de hemorragia da matriz germinal ou hidrocefalia (figura 2). Para sua
utilização é necessário que as fontanelas não tenham se fechado.
A ultra-sonografia com Doppler é um método importante por permitir a avaliação das paredes vasculares e
de sua luz. Tem papel relevante no contexto clínico dos acidentes vasculares cerebrais, permitindo
avaliação das artérias carótidas na caracterização de placas ateromatosas e na estimativa de estenoses. No
contexto de processos inflamatórios vasculares (arterites), permite identificar espessamentos parietais dos
vasos comprometidos. A figura 3 exemplifica essas aplicações da ultra-sonografia (USG) com Doppler.
Seu uso clínico iniciou-se no início da década de 1970. Trata-se de um método que utiliza radiação
ionizante e permite o estudo das diferentes regiões do corpo por meio de imagens no plano axial. A nova
geração dos equipamentos utiliza a tecnologia helicoidal/multislice permitindo a análise de grandes regiões
com um tempo extremamente reduzido e com imagens de ótima qualidade. É possível, ainda, a
reconstrução multiplanar e tridimensional das imagens obtidas, o que aumenta a precisão diagnóstica.Os
equipamentos mais rápidos contribuíram especialmente para a avaliação por TC das estruturas vasculares
(angiotomografia).
A TC, em neurorradiologia, tem importante aplicação na avaliação inicial de pacientes com traumatismo
crânio-encefálico e com suspeita de acidentes vasculares isquêmicos ou hemorrágicos. Nas demais
A utilização de contraste iodado nos estudos tomográficos do crânio deve ser bem indicada. Por se tratarem
de substâncias potencialmente alergênicas e nefrotóxicas (embora os contrastes não-iônicos sejam
relativamente seguros), devem ser administradas apenas quando a suspeita clínica justificar (suspeitas de
trombose venosa, estadiamentos oncológicos, possíveis tumores identificados na fase sem contraste, etc).
Para a realização de angiotomografias, a utilização do contraste é imprescindível (figura 4). Antes da
utilização do contraste, devemos nos atentar para os antecedentes alérgicos dos pacientes, função renal e
indagá-los acerca do uso de metformina, que deve ser suspensa por 48 horas a partir do momento de sua
injeção, para evitar a ocorrência de acidose lática.
Figura 4. A – Angiotomografia das artérias cervicais. Exame normal. Observar o excelente detalhe
anatômico no estudo. B – Angiotomografia das artérias intracranianas. Exame normal. C – Imagem
de uma angiotomografia venosa evidenciando falhas de enchimento comprometendo a tórcula e os
seios transverso e sigmóide esquerdos, bem como a veia jugular interna, compatível com
trombose venosa.
O contraste usado por via intravenosa nos estudos de RM é o metal ferromagnético gadolínio, altamente
seguro e com baixíssimos índices de reação adversa. As principais limitações para a sua utilização incluem:
uso de marca-passo e clipes de aneurismas (atualmente existem clipes “não-ferromagnéticos” que permitem
a realização do exame). O site www.mrisafety.com exibe uma lista com cerca de 1.500 produtos (válvulas
Alguns pacientes claustrofóbicos têm dificuldade em permanecer no interior do aparelho. Nesses casos e
naquelas situações em que não é possível garantir a imobilidade do indivíduo durante o exame (pacientes
com rebaixamento de nível de consciência, quadros demenciais, crianças, etc), deve-se realizar o exame
sob anestesia geral.
Existem várias seqüências convencionais de RM (Fast Spin Echo, Spin Echo, Gradient Echo, Inversion
Recovery, etc.) cada uma com características particulares. As principais ponderações são: T1 e T2. Cada
uma destas seqüências pode ser realizada nos planos axial, coronal e sagital. As lesões que aparecem
“brancas” nas imagens de RM são denominadas lesões hiperintensas (referente à hiperintensidade de sinal
de RM). As que aparecem “pretas” são ditas hipointensas. As nem tão “brancas” nem tão “pretas” são
descritas como lesões de sinal intermediário.
A maioria dos processos patológicos encefálicos cursa com edema. A ponderação T2 é altamente sensível
na detecção desse aumento do teor de líquido, enquanto a sensibilidade de T1 é baixa, sendo esta utilizada
principalmente para uma avaliação anatômica. Merece destaque, ainda, a seqüência FLAIR. Trata-se de
uma seqüência Inversion Recovery (IR) normalmente realizada com ponderação T2, apresentando grande
sensibilidade e sendo superior ao T2 Fast Spin Echo (FSE) para a detecção de lesões justa-liquóricas
(periventriculares e corticais). A seqüência T2 gradient echo (GE) é utilizada quando se deseja pesquisar
calcificações ou produtos de degradação da hemoglobina. Alguns exemplos são dados na figura 5.
A RM apresenta seqüências específicas para a avaliação de estruturas vasculares, com bom detalhe
anatômico e com a vantagem de ser um método não-invasivo e sem radiação ionizante. Para a avaliação
das artérias intracranianas, o exame dispensa até mesmo o uso de contraste endovenoso. No caso do
A seqüência de difusão tem aplicação importante em casos de acidentes vasculares cerebrais isquêmicos
por permitir uma detecção extremamente precoce do comprometimento parenquimatoso, identificando áreas
com edema citotóxico. Sabemos que, com a privação de oxigênio, as bombas de sódio e potássio deixam
de funcionar, o que ocasiona acúmulo de líquido no meio intracelular e turgescência celular, com
conseqüente redução do espaço extracelular. Isso determina uma restrição da livre movimentação das
moléculas de água, que é identificada na difusão (figura 7). Outras aplicações da difusão incluem:
diagnóstico diferencial de abscesso e tumor com centro necrosado/liquefeito; diferencial entre cisto de
aracnóide e cisto epidermóide; controle pós-operatório de cistos epidermóides visando identificar lesões
remanescentes; diagnóstico precoce de doenças priônicas.
Assim como no estudo convencional por RM, a técnica utilizada na espectroscopia pode variar a depender
do que se está investigando. Os principais metabólitos são: o N-acetil aspartato (NAA), que é marcador de
população/viabilidade neuronal; a colina (Co), que é marcadora de atividade de membrana (turn-over)
celular; a creatina (Cr), que é marcadora da integridade do metabolismo energético. Esta última é a que
menos varia, sendo, desta forma, utilizada como pico de referência para a análise relativa dos metabólitos.
O tensor de difusão (DTI) representa uma técnica recente e altamente promissora de RM que permite
mapear a difusão da água no sistema nervoso. As moléculas de água têm, normalmente, um movimento ao
acaso (denominado isotrópico) no tecido cerebral, determinado pela sua energia térmica (movimento
Browniano). In vivo, estruturas subcelulares, membranas e macromoléculas agem como barreira para essa
movimentação randômica. Nos grandes tratos e feixes comissurais, por exemplo, ela segue os axônios
íntegros com um movimento preferencial (denominado anisotrópico), paralelo ao maior eixo axonal. Desta
forma, através do DTI, é possível mapear a anisotropia da água nessas localizações, calcular a sua
magnitude e reconstruir os principais tratos e comissuras (tractografia).
Figura 10. A – DTI. A cor representa a direção das fibras axonais. Em azul estão as fibras
com orientação crânio-caudal, em verde aquelas com orientação ântero-posterior e em
vermelho látero-lateral. B – observar lesão no trato piramidal direito (seta). C – Tractografia
com reconstrução dos tratos piramidais. Observar que o trato direito é mais fino
apresentando um menor número de fibras, secundário à lesão demonstrada em B.
3 – Considerações finais
Conhecer o que cada método de imagem pode oferecer é fundamental para uma escolha correta, evitando
gastos desnecessários e atraso no diagnóstico. Os exames de imagem devem ser feitos de maneira
personalizada, com seqüências específicas a depender da suspeita clínica de cada paciente. Desta forma, é
fundamental a integração entre neurologistas, neurocirurgiões e neurorradiologistas.
4 – Leitura recomendada
Grossman RI, Yousem DM. Neuroradiology: The requisites. Mosby; 2nd edition, 2003.
Scott W Atlas. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. Lippincott Williams & Wilkins; 3rd edition,
2002.