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Métodos de imagem em neuroradiologia diagnóstica

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Flávio Túlio Braga

1 – Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia e do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury,


São Paulo, SP.

1 – Introdução

A radiologia certamente é uma das especialidades médicas que mais se desenvolveu nos últimos anos.
Pudemos observar inúmeros avanços nos métodos de imagem, o que tem permitido diagnósticos cada vez
mais precisos e menos invasivos. Para que possamos aproveitar ao máximo o que cada um destes métodos
pode nos oferecer, é imprescindível o conhecimento adequado de suas aplicações e limitações.
Abordaremos, na seqüência, os principais métodos utilizados no diagnóstico neurorradiológico.

2 – Métodos de imagem em neurologia

2.1 – Raios X

A utilização da radiografia do crânio demonstrou uma vertiginosa queda desde o surgimento da tomografia
computadorizada (TC). No contexto clínico de trauma, embora as radiografias do crânio sejam relativamente
sensíveis para a detecção de fraturas, sabe-se que não existe uma correlação precisa deste achado com
anormalidades intracranianas ou déficits neurológicos, que são o que norteiam o tratamento desses
pacientes.

Atualmente a utilização dos raios X se restringe à complementação de um estudo tomográfico que tenha
demonstrado alguma alteração óssea. Lesões na calota, especialmente aquelas com orientação paralela ao
plano de corte, podem ser de difícil caracterização pela TC. Equipamentos mais modernos, no entanto,
permitem a reconstrução das imagens adquiridas facilitando a avaliação das estruturas ósseas (figura 1).

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Figura 1. Lactente, 3 meses, com irritabilidade e choro à palpação da cabeça. A e B –
radiografias do crânio em AP e perfil demonstrando extenso traço de fratura no osso parietal
esquerdo (setas). C – TC (janela óssea) não evidencia a fratura demonstrada nos raios X por
ser esta orientada paralelamente à angulação dos cortes da tomografia. D – reconstrução
tridimensional da calota craniana permitindo a identificação da fratura (setas). E – TC (janela
de partes moles) demonstrando hematomas subgaleais (setas). Não são identificadas
alterações intracranianas

2.2 - Ultra-sonografia transfontanela

Trata-se de um método isento de radiação ionizante e que tem como principais aplicações a avaliação de
recém-nascidos com suspeita de hemorragia da matriz germinal ou hidrocefalia (figura 2). Para sua
utilização é necessário que as fontanelas não tenham se fechado.

Figura 2. RN pré-termo assintomático. A – USG transfontanela (corte no plano coronal)


evidenciando imagem ecogênica junto à superfície ependimária do corno frontal do
ventrículo lateral esquerdo (seta), compatível com hemorragia da matriz germinal. B –
a mesma imagem vista em um corte ultra-sonográfico no plano sagital.

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2.3 – Ultra-sonografia com Doppler

A ultra-sonografia com Doppler é um método importante por permitir a avaliação das paredes vasculares e
de sua luz. Tem papel relevante no contexto clínico dos acidentes vasculares cerebrais, permitindo
avaliação das artérias carótidas na caracterização de placas ateromatosas e na estimativa de estenoses. No
contexto de processos inflamatórios vasculares (arterites), permite identificar espessamentos parietais dos
vasos comprometidos. A figura 3 exemplifica essas aplicações da ultra-sonografia (USG) com Doppler.

Figura 3. A – USG Doppler evidenciando placa ateromatosa na emergência da


artéria carótida interna esquerda determinando estreitamento luminal. B – USG
Doppler demonstrando aumento da velocidade do fluxo sanguíneo em área de
estreitamento luminal determinada por placa ateromatosa. Através desta
velocidade é possível estimar o grau de estenose. C – Paciente de 45 anos com
dor na face. USG evidenciando espessamento parietal difuso da artéria facial. D –
O estudo com Doppler evidencia fluxo sanguíneo preservado e permite estudar a
luz vascular que encontra-se preservada neste estudo.

2.4 – Tomografia computadorizada (TC)

Seu uso clínico iniciou-se no início da década de 1970. Trata-se de um método que utiliza radiação
ionizante e permite o estudo das diferentes regiões do corpo por meio de imagens no plano axial. A nova
geração dos equipamentos utiliza a tecnologia helicoidal/multislice permitindo a análise de grandes regiões
com um tempo extremamente reduzido e com imagens de ótima qualidade. É possível, ainda, a
reconstrução multiplanar e tridimensional das imagens obtidas, o que aumenta a precisão diagnóstica.Os
equipamentos mais rápidos contribuíram especialmente para a avaliação por TC das estruturas vasculares
(angiotomografia).

A TC, em neurorradiologia, tem importante aplicação na avaliação inicial de pacientes com traumatismo
crânio-encefálico e com suspeita de acidentes vasculares isquêmicos ou hemorrágicos. Nas demais

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situações clínicas, embora possa ser utilizada, teve seu uso reduzido com o advento da ressonância
magnética (RM).

A utilização de contraste iodado nos estudos tomográficos do crânio deve ser bem indicada. Por se tratarem
de substâncias potencialmente alergênicas e nefrotóxicas (embora os contrastes não-iônicos sejam
relativamente seguros), devem ser administradas apenas quando a suspeita clínica justificar (suspeitas de
trombose venosa, estadiamentos oncológicos, possíveis tumores identificados na fase sem contraste, etc).
Para a realização de angiotomografias, a utilização do contraste é imprescindível (figura 4). Antes da
utilização do contraste, devemos nos atentar para os antecedentes alérgicos dos pacientes, função renal e
indagá-los acerca do uso de metformina, que deve ser suspensa por 48 horas a partir do momento de sua
injeção, para evitar a ocorrência de acidose lática.

Figura 4. A – Angiotomografia das artérias cervicais. Exame normal. Observar o excelente detalhe
anatômico no estudo. B – Angiotomografia das artérias intracranianas. Exame normal. C – Imagem
de uma angiotomografia venosa evidenciando falhas de enchimento comprometendo a tórcula e os
seios transverso e sigmóide esquerdos, bem como a veia jugular interna, compatível com
trombose venosa.

2.5 – Ressonância Magnética


A B C
Podemos dizer que a ressonância magnética (RM) revolucionou a neurologia. Sua capacidade multiplanar e
a sua resolução espacial permitem a geração de imagens com alta definição anatômica e sensibilidade na
detecção de anormalidades estruturais. Trata-se de um exame que utiliza um campo magnético, sendo
isento de radiação ionizante.

O contraste usado por via intravenosa nos estudos de RM é o metal ferromagnético gadolínio, altamente
seguro e com baixíssimos índices de reação adversa. As principais limitações para a sua utilização incluem:
uso de marca-passo e clipes de aneurismas (atualmente existem clipes “não-ferromagnéticos” que permitem
a realização do exame). O site www.mrisafety.com exibe uma lista com cerca de 1.500 produtos (válvulas

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cardíacas, clipes de aneurismas, etc.) testados em campos magnéticos. O serviço é gratuito, sendo
necessário apenas um registro e cadastro de senha.

Alguns pacientes claustrofóbicos têm dificuldade em permanecer no interior do aparelho. Nesses casos e
naquelas situações em que não é possível garantir a imobilidade do indivíduo durante o exame (pacientes
com rebaixamento de nível de consciência, quadros demenciais, crianças, etc), deve-se realizar o exame
sob anestesia geral.

Existem várias seqüências convencionais de RM (Fast Spin Echo, Spin Echo, Gradient Echo, Inversion
Recovery, etc.) cada uma com características particulares. As principais ponderações são: T1 e T2. Cada
uma destas seqüências pode ser realizada nos planos axial, coronal e sagital. As lesões que aparecem
“brancas” nas imagens de RM são denominadas lesões hiperintensas (referente à hiperintensidade de sinal
de RM). As que aparecem “pretas” são ditas hipointensas. As nem tão “brancas” nem tão “pretas” são
descritas como lesões de sinal intermediário.

A maioria dos processos patológicos encefálicos cursa com edema. A ponderação T2 é altamente sensível
na detecção desse aumento do teor de líquido, enquanto a sensibilidade de T1 é baixa, sendo esta utilizada
principalmente para uma avaliação anatômica. Merece destaque, ainda, a seqüência FLAIR. Trata-se de
uma seqüência Inversion Recovery (IR) normalmente realizada com ponderação T2, apresentando grande
sensibilidade e sendo superior ao T2 Fast Spin Echo (FSE) para a detecção de lesões justa-liquóricas
(periventriculares e corticais). A seqüência T2 gradient echo (GE) é utilizada quando se deseja pesquisar
calcificações ou produtos de degradação da hemoglobina. Alguns exemplos são dados na figura 5.

Figura 5. A – seqüência T1 FSE no plano sagital. Observar que o sinal da gordura é


hiperintenso (seta no tecido celular subcutâneo) e o do líquor (ventrículo lateral) é
hipointenso (seta tracejada). B – seqüência T2 FSE no plano coronal. Observar que o
sinal do líquor é hiperintenso (seta). C – seqüência FLAIR. Apesar de ser ponderada em
T2, essa seqüência recebe um pulso que anula o sinal do líquor, tornando-o hipointenso
(seta no ventrículo lateral esquerdo).

A RM apresenta seqüências específicas para a avaliação de estruturas vasculares, com bom detalhe
anatômico e com a vantagem de ser um método não-invasivo e sem radiação ionizante. Para a avaliação
das artérias intracranianas, o exame dispensa até mesmo o uso de contraste endovenoso. No caso do

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estudo das artérias cervicais e da drenagem venosa encefálica, deve-se realizar a injeção do gadolínio por
veia periférica para se obter um exame de qualidade (figura 6).

Figura 6. AngioRM das artérias cervicais (A), intracranianas (B) e do


sistema de drenagem venosa encefálico (C). Exames normais.

A seqüência de difusão tem aplicação importante em casos de acidentes vasculares cerebrais isquêmicos
por permitir uma detecção extremamente precoce do comprometimento parenquimatoso, identificando áreas
com edema citotóxico. Sabemos que, com a privação de oxigênio, as bombas de sódio e potássio deixam
de funcionar, o que ocasiona acúmulo de líquido no meio intracelular e turgescência celular, com
conseqüente redução do espaço extracelular. Isso determina uma restrição da livre movimentação das
moléculas de água, que é identificada na difusão (figura 7). Outras aplicações da difusão incluem:
diagnóstico diferencial de abscesso e tumor com centro necrosado/liquefeito; diferencial entre cisto de
aracnóide e cisto epidermóide; controle pós-operatório de cistos epidermóides visando identificar lesões
remanescentes; diagnóstico precoce de doenças priônicas.

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Figura 7. A e B – Paciente com déficit súbito em hemicorpo direito, com 2
horas de evolução. Em A observamos múltiplos focos hiperintensos na
seqüência FLAIR, compatíveis com focos de gliose. Esta seqüência não nos
permite informar se há alguma lesão aguda. Através da seqüência de
difusão, conseguimos demonstrar a presença de uma lesão aguda em meio
às outras. C e D – Déficit em hemicorpo direito há 3 horas. A seqüência T2
(C) ainda não permite a identificação de alterações em virtude do tempo de
evolução. Na difusão (D) conseguimos identificar precocemente a área
acometida.

A seqüência de perfusão permite identificar comprometimento do fluxo sanguíneo e, em associação com a


difusão, delimita áreas de “penumbra” em indivíduos com infartos parenquimatosos (figura 8). Outras
aplicações importantes desta seqüência estão relacionadas com a avaliação dos tumores cerebrais,
permitindo a graduação histológica tumoral, a orientação de biópsias estereotáxicas, a distinção de tumor e
radionecrose, dentre outras.

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Figura 8. A e B – Paciente com déficit visual súbito. Em A (seqüência de difusão)
observamos área de infarto parenquimatoso no lobo occipital direito. Esta área
representa lesão irreversível. Em B temos uma seqüência de perfusão que
evidencia área de hipoperfusão de maiores dimensões que a área de infarto. A
diferença entre as duas, ou seja, a periferia da área de infarto corresponde à área
de penumbra, que é identificada pela perfusão e que representa o alvo do
tratamento clínico. C – Paciente com volumoso tumor na convexidade do
hemisfério cerebral esquerdo (setas). Em D temos uma seqüência de perfusão
que mostra área de hiperperfusão (setas) no centro do tumor. Este deve ser o
local de eleição para uma eventual biópsia estereotáxica, pois representará a
região do tumor com mais alto grau histológico.

Ao invés de fornecer uma imagem anatômica, as seqüências de espectroscopia por RM fornecem um


gráfico com vários metabólitos, com diferentes intensidades e freqüências (figura 9). Devemos evitar termos
sensacionalistas como “biópsia virtual” para designar a espectroscopia. Trata-se de uma ferramenta de
grande utilidade em determinadas situações clínicas, desde que seja bem indicada e interpretada em
conjunto com as imagens convencionais de RM.

Assim como no estudo convencional por RM, a técnica utilizada na espectroscopia pode variar a depender
do que se está investigando. Os principais metabólitos são: o N-acetil aspartato (NAA), que é marcador de
população/viabilidade neuronal; a colina (Co), que é marcadora de atividade de membrana (turn-over)
celular; a creatina (Cr), que é marcadora da integridade do metabolismo energético. Esta última é a que
menos varia, sendo, desta forma, utilizada como pico de referência para a análise relativa dos metabólitos.

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Existem outros picos, como lactato (marcador de metabolismo anaeróbio), glutamina/glutamato (presente na
encefalopatia porto-sistêmica), mioinositol (marcador de astrócitos), etc.

Figura 9. A - Gráfico normal de espectroscopia por RM do encéfalo demonstrando os


principais picos metabólicos em suas respectivas posições. B - Paciente com lesão
expansiva periventricular à direita. A amostra da lesão evidencia (em C) marcada
redução do pico de NAA (traduzindo despopulação / redução da viabilidade neuronal)
e acentuada elevação do pico de Co (traduzindo aumento da atividade de membrana
celular – “turn-over”). Tais achados, em associação com a imagem convencional são
compatíveis com lesão neoplásica.

O tensor de difusão (DTI) representa uma técnica recente e altamente promissora de RM que permite
mapear a difusão da água no sistema nervoso. As moléculas de água têm, normalmente, um movimento ao
acaso (denominado isotrópico) no tecido cerebral, determinado pela sua energia térmica (movimento
Browniano). In vivo, estruturas subcelulares, membranas e macromoléculas agem como barreira para essa
movimentação randômica. Nos grandes tratos e feixes comissurais, por exemplo, ela segue os axônios
íntegros com um movimento preferencial (denominado anisotrópico), paralelo ao maior eixo axonal. Desta
forma, através do DTI, é possível mapear a anisotropia da água nessas localizações, calcular a sua
magnitude e reconstruir os principais tratos e comissuras (tractografia).

As alterações patológicas observadas nos processos neurodegenerativos incluem edema (intra ou


extracelular), quebra da barreira hemato-encefálica, alterações inflamatórias, desmielinização, gliose e
perda axonal. Esses achados promovem uma alteração do padrão de movimentação das moléculas de

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água na região comprometida, que se torna menos anisotrópico. Como o DTI é sensível na detecção destas
alterações no padrão de difusão da água, torna-se possível avaliar a integridade microestrutural do sistema
nervoso através desta técnica, de forma bastante precoce, antes do surgimento de alterações nas demais
seqüências de pulso. A partir do DTI é possível a aferição da difusibilidade média (MD) e da anisotropia
fracionada (FA) que são representações matemáticas da difusão da água e fornecem, em valores absolutos,
o grau de comprometimento arquitetural do tecido cerebral.

Figura 10. A – DTI. A cor representa a direção das fibras axonais. Em azul estão as fibras
com orientação crânio-caudal, em verde aquelas com orientação ântero-posterior e em
vermelho látero-lateral. B – observar lesão no trato piramidal direito (seta). C – Tractografia
com reconstrução dos tratos piramidais. Observar que o trato direito é mais fino
apresentando um menor número de fibras, secundário à lesão demonstrada em B.

3 – Considerações finais

Conhecer o que cada método de imagem pode oferecer é fundamental para uma escolha correta, evitando
gastos desnecessários e atraso no diagnóstico. Os exames de imagem devem ser feitos de maneira
personalizada, com seqüências específicas a depender da suspeita clínica de cada paciente. Desta forma, é
fundamental a integração entre neurologistas, neurocirurgiões e neurorradiologistas.

4 – Leitura recomendada

Grossman RI, Yousem DM. Neuroradiology: The requisites. Mosby; 2nd edition, 2003.

Osborn A, Blaser S, Salzman K. Diagnostic imaging: Brain. AMIRSYS, 2004.

Scott W Atlas. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. Lippincott Williams & Wilkins; 3rd edition,
2002.

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