Você está na página 1de 18
' 1 As relacées homem-mundo e a produgao do conhecimento Clovis Dvoranovski Desde os perfodos histérices mais remotos, os homens criam normas, habitos, valores, crengas, medos de organizar @ trabalho ¢ de exercer 0 poder que regulam as suas relagdes sociais. Como realidade histérica, essas relagées vao sendo instituidas na medida em que so criadas ¢ recriadas pela vontade ¢ pela aco dos préprios homens.! f, no interior dessas relagdes cada vez mais complexas que o homem se constréi como um ser individual e social. Como afirma Castoriadis: “O comhecer € 0 agir do ser humano sio, portanto, indissociavel- mente, psiquicos ¢ social-histéricos. Eases dois ptos, a priqué e a sociedade, néo podem existir um sem 0-outroe no sio redutiveis um 20 outro. Titdo aquilo que encontramos dé social em um indi- viduo, e mesmo a idéia cle um individuo, é social mente fabricada ou criado-em correspondéncia com as instituicées da sociedade consitlerada, Para encontrarmos alguma coisa em um individuogue iio é verdadeiramente social, se iste é possivel, deveriamos chega ao tiltimo micko da sua psiqué. Ali onde hi os dese jos mais primi: ‘vos, as representagies maiscadticas, os afetos mais brutes ¢ mais selvagens. Se 30, encontraremos sempre no individuo aquilo que é social. As multiplas relagdes que o homem estabelece no contexto soci- al onde vive configuram seus modos de pensar, sentir e agir.3 Por outro Jado, esse mundo que entra em interacao com o individuo é continua- mente recriado e adquire novos significados. Como ilustra Chau: Rata Casionats oa ois Ho Consinamamanie hsiSncas, na medida em que sic auiotes @ produtores de lum conuunio de mstiuigoes, como a familia sescola,a pia, odteita, a sconoms, ett Isso siivfea que fo devemos buscar a explicagia do univarsn hurano e~nernuma dimensc hanscencana. mas.na 2400 ‘dos prépnos homens Assm, “Nd umanarurezs na gesécc 3 40 homem que é plecsamente esta capacidaco, ‘91a pussblidede, no sernido allva, de hizer set lormias ourase ewsiéncias sociale mcivcual, coma se vd Guarda se consiieta a altorisase das iceiugSes ca soc esiade, da ingua, das abras ¢ dos ndviouas. M4, Povtant, bem entero, uma naturers 76 esséncia dohomem que & delings por esta espectie:oade cena Aciagao. E esta ctagdo, consistague eral, evidememrts, poidm decisive, no estd ccnciida em nenhurn senrico de term 11932, p88 * Corners Casioracs 4 cnaedo hires & 4 mslavigdo da socedade, p 92 * Cada um machicaa si mesmo, na mechoa em .que wanskoma o conjumte dasrdagbes das qui faz parte, C2 fasenals Giamsn), “sea piopriawrdraeuahdaded 0 cory nio dasias wlagGes, mociica’ eprdpra nersonatlsoe Rignitca modiicar o conganio desias relagées" 119€0.,p 40) “costumamos dizer que uma montanha é real porque € uma coisa Noentanto, o simples fato de que essa ‘coisa’ possua nome, que « cchamemos de ‘montanha’, indica que cla €, pelo menos, uma ‘coisa para nds’, isto€, algo que possui um sentido em nossa experiéncia, Suponhamos que pertencemos a uma sociedade cuja religiio & politeista e cujos deuses s30 imaginados com formase sentimentos humanos, embora superiores aos dos homens, ¢ que nossa zocie- dade exprima essa supcrioridade divina fazendo com que os deu- ses sejam habitantes dos altos lugares. A montanha jé no é uma coisa: ¢a morada dos deuses, Suponhamos, agora, que somos uma ‘empresa capitalista que pretende explorar minério de ferro ¢ que descobrimos uma grande jazida numa montanha. Como empreséri- 5, compramas a montanha, que, portanto, nio € uma coisa, mas propriedade privada. Visto que iremos exploré-la para obtengiode uctos, ndoé uma coisa, mas capital. Ora, sendo propriedade priva- da capitalista, sé existe como tal se for lugar de trabalho. Assim, a montanha nio é coisa, mas relacio econdérnica e, portanto, relagéo social. A montanha, agora, é matéria-prima num conjunto de forgas. Produtivas, dentre as quais se destaca o trabalhador, para quem a Montanba é lugar de trabalho. Suponhamos, agora, que somos pin tores. Para nds, a montanhs é forma, cor, volume, linhas, profundi- dade - io coisa, mas um campo de visibilidade.”* Segundo essa forma de pensar, ndo existe, de um lado, o indivi- duo ¢, de outro, a realidade. Ao contrario, ocorre entre ambos um processo de construcao que implica a continua criago e recriagZo tan- to de um como de outro. E esse processo de construgo se opera medi- ante a aco do homem sobre a realidade, transformando-a ¢ adequan- do-a as stias necessidades através do trabalho. A relacao dos individuos com a realidade nao ocorre entre dois Pélos auténomos numa relacdo de exterioridade, mas entre dois ele- Mentos que se interpenetram e se definem nas suas relagdes recipro- cas. Tais relacdes, portanto, so marcadas pela forma como se concebe 0 trabalho, a politica, a cultura e a religido, de forma que, no Processo de seu desenvolvimento, 0 homem aprende a simbolizar, a atribuir sig- nificados as suas experiéncias, a transformar 9 mundo na satisfacio de suas necessidades materiais e espirituais. Assim, na acao do sujeito, esto expressos habitos, idéizs, formas de pensar e sentir, crengas e "Wailena Chau Oque @ aeanza. p Enecesino conser’ cue "9 v6.0 Mo eta eo idacBo com 9s outos hamers pat aeaposigo, mas ‘organteaments, si $ na media om gue pacea {22 parte de organtmoe, dos mas umes vs mas eons plowos Dessa forma. ohorem nao enira em relagoes Com a natureza, ‘ssmplesmente pelo tao da sex elo mesmo ‘alue2a, ras abvamenie, por merodo vavaho eds terion E mais essasroescesndo sto mecanese Soo atwas € conscientes. cu seje, covresperdem a um gral manor au menor de itelgbiidade que detas torha c homem eividual Cais posse eka quo cada un vanclerma a3: mos, modice-se, na mecka em que ¥anciorma e mociica od0 0 conurte de felagdes do qua é ponto cert {Gramso. 1926. p 99) Rt... que fazer parte e mediatizam as suas relacdes com a realidade. . ! Nesse processo de relaées reciprocas, ocorre uma exteriorizacio do individuo e uma interiorizacéo da realidade. Mas de que forma isso se da? Tomemos a questdo da linguagem para exemplificar. Quando 0 individuo nasce, passa a conviver em uma sociedade determinada que usa uma lingua comum, com Kxico, sintaxe e sonori- dade especificos, isto é, faz parte de uma sociedade que, dentre outros elementos, possui uma lingua que é anterior & incorporagio do indivi- duo & mesma. A lingua, portanto, é um conjunto de simbolos que no- meia pessoas, objetos, agSes, sentimentos e intengdes humanas, com estrutura € regras proprias. Entretanto, na medida em que o individuo internaliza a lingua como algo institufdo, ela passa a fazer parte da constituigao da sua subjetividade.® Assim, a lingua nao é unicamente uma realidade com estrutura prépria que preexiste aos individuos, mas integra e constitui a sua existéncia.’ Nesse mesmo pracesso de interiorizago da lingua, o homem introduz alteragées na sua estrutura. Essas alteragdes se dio continuamente no decorrer dos anos € em locais diferentes, a ponto de, muitas vezes, quase ndo entendermos a linguagem de determinados grupos sociais, pertencentes a regides e faixas etdrias especificas. Nes- se sentido, é ilustrativa a linguagem do Sul e do Nordeste brasileiros, através da qual se criam significados préprios, condizentes com a rea- Tidade de cada regiao e que se renovam continuamente, instaurando um mundo cultural especifico. 1.1 A acao, o poder e a simbolizacao como aspectos da produgao do conhecimento E na realidade econdmica, social, politica ¢ cultural que os ho- Tas WaT ares deine © suet come resullado de ums sunosta natureza humana: Ao condno dessa concepGaa, pove-se eniende’ = suijsividade corra algo esconcialmente fabrica- do, modelada, recepels & corsumdo. Assim, “as miquinas de produgée da subystiveade varam. Em sistemas racicionals, por exemplo, « sbeevidage & fabiceda por méquinas mais tertorialzadss. na eseala de uma otra, ceura coppaiagio p'of tonal cu de Leva costa. Ji na sistema eapitalistca, a procugao ¢ industial te dé er excala riernacional” (Gua‘tali e Rolnix, 1986, > 25) Conforms atrena Gramsci "inguagers & essencialmenie um nome calelivo ela néo pressunie uma ecies tica nem no tempe rem ro eepago. Linguagem significa labém cultta@ iosoha falda Que RO Rive! do senso ccm.) 8, potanto,o late Inguagem &, na resided, uma mutipicidade de alos Ma's oUmenas O79 icamenia caetentes @cacrdenadas no extreme Imta, pode-se 3e que odo Set elene Lem uma inguager essoal pidana, in, um mado pesccal de pensar @ de santt” (1986. p26) Traigie da Winwoiae das mens se produzern enquanto seres da natureza. Através do trabalho,® eles transformam a realidade para satisfazer desde suas necessidades de slimentagio, procriagio habitago, até aquelas decorrentes das esferas politica, ética e espiritual. E pelo trabalho, portanto, que criam suas condigées de existéncia e, nesse processo de produgio de suas condigées reais e concretas de vida, produzem também a conhecimen- to. Podemos afirmar, entdo, que nao existe conhecimento inato ou como simples resultado da capacidade humana de raciocinio. Ae contrério, o conhecimento resulta da necessidade de interagio do homem com a realidade ¢ com os outros homens. Assim, nesse processo de produgio de sua vida individual e social, os homens produzem suas idéias, repre- sentagées, teorias, religides ciéncias. A marca mais caracteristica desse proceso, 20 longo da histéria, tem side a dominacio, que assumiu formas diversas nos modos de produsio tribal, antigo, medieval, feudal e capitalista. Todos eles, con- tudo, limitando o desenvolvimento pleno dos homens, através de me- canismos préprios de exclusfe em todos 0s planes da vida. A domina- S80 © exclusio que se verificam nos planos social, politico e econémi- co de uma sociedade se expressam, também, na producdo € na apro- priacio do conhecimento. Desse modo, tanto a produgdo do saber como © acesso 20 mesmo se fazem nesse contexte histérico e social marcado pelos conflitos ¢ pelas relagdes de dominagio, Para Severino,? a produ- so do conhecimento deve ser entendida a partir de trés aspectos fun- damentais: a) @ agao coletiva: o agit humano é a expressio de um sujeito coletivo, isto é, nossa espécie somente € humana na medida em que vive em sociedade, O homem nfo vive fora das rela- g5es sociais que constituem a matriz de toda atividade dos su- jeitos individuais, §) as relacées de poder: as relagdes sociais que constituem a exis- téncia dos homens nao se estabelecem entre individuos que se solocam uns ao lado dos outros em condigoes de igualdade, [GanGbpnaKSaR Tu Gast Go Vabahe, To tababoe por eis dahabaho,ohamen cxaua s meso nto ‘spenes.como ser poncant, quekalvarerte dct dos auras ar-nsisdeexpécies supanores was wnbéen Como. Unico ser do unwetsa, po: nis conheckds. qu2e.copa2 ce eras iealdade {.). Como cus o mundo bumano, eveahdade cia objeina tem 9 capackiade de suse uma shuasdo dade dserninadies oon Sic0e8@ pressuposios. Jom. and, COndigoes hela CoMpreencer G exPACar ON UNSO AJO-NUMANO. 6 UNVENES Arahweza 0 426880-do homem aos segresos aa raluoga ¢ 2osshel sabre Olundameno Ga cnages o2 teakdade memana” (085, n.114 PArt6o J. Severino, Ouro ¢ 0 milion: e sentiga armapokiges 49 nla p18 F mas num contexto de dominacio e desigualdade. Desta for- ma, longe de se dar num espago neutro, as relacdes entre os individuos se fazem no interior da esfera do poder, <) a simbolizacao ou a constituigao do sentido: a prética humana somente se viabiliza na medida em que os homens sao capa- zes, a partir de sua subjetividade, de atribuir significados ao mundo e com ele relacionar-se para além de sua aparéncia Convém salientar, todavia, que essa constituigao do sentido nao € oriunda de uma intuigéo da mente, das simples sensa- goes obtidas pelos sentidos ou do raciocinio légico do sujeito. A construgao dos significados € histérica e coletiva, de modo que toda representagdo individual tem como fundamento ex- periéncias passadas e acumuladas, Portanto, na producao social do conhecimenta, o homem estabe- lece relages com a realidade que ndo envolvern apenas sua racionalida- de. Além dela, interagem com o mundo outras dimensées do humano, como sensibilidade, desejos, emosdes, sofrimentos, prazer, alegria, pro- jetos. A existéncia humana se faz mediada pela ago, pelo poder e pela simbolizagao, de forma que tais elementos, inerentes um ao outro, se implicam mutuamente, sem, contudo, perder sua especificidade, .2 Formas de conhecimento Pela sua capacidade de agio e reflexo, 0 homem entra em telagao com © mundo e com os outros homens num contexto social e histérico determinado. Na medida em que essas relagdes vo se estabelecendo, ele vai construindo um sistema de representacdes que lhe possibilita vi- ver €.compreender sua existéncia. Dependendo da forma como estabe- fece suas relacdes com a realidade, 0 homem pode apreendé-la de mo- dos diversos, construindo diferentes sistemas de representacio, Temos, assitn, miltiplas formas de representar ¢ explicar a realidade, camo a Gentifica, a filosdfica, a religiosa, a artistica, a mitica, a do senso co- mum. Esses varios saberes $30 modos especificos de conhecer, expres- Sar e intervir na realidade. Assim, nas suas relagées sociais, 0 homem interpreta a si e ao mundo criando significagées diversas, ¢ dependendo da forma como as cria, constréi determinade tipo de conhecimento. ‘a 4.2.1 Conhecimento cientifico Para o conhecimente cientifico, a realidade a ser conhecida nio se apresenta como um objeto & mestra, claro, transparente. Ha, assim, uma distingdo entre as coisas tal como aparecem num primeire mo- mento 2 nossa percepcao € como sao na realidade, isto é, entre a forma de manifestacao das coisas ¢ sua real constituigao. Esse pressuposto, segundo o qual nao hé coincidéncia entre apa- réncia e esséncia, coloca urna exigéncia ao conhecimento humane: co- nhecer os fendmenos na sua dindmica interna, desvelando os elemen- tos especificos que 0 constituem. E conhecer os fendmenos na sua ¢s- séncia, naquilo que apresentam de mais original e particular, ¢ tarefa do conhecimento cientifico. Assim, “o conhecimento nose produ (...) a partirde um simples reflexo do fenémeno, tal como este aparece pars. homer, o conhecimen- to tem que desvendar no fendmeno aquilo que lhe € constitutive « que é, em principio, ebscuro; 0 método. para a produgio desse conhecimento assume, assim, um cariter fundamental; deve per- mitir tal desvendamento, deve permitir que se descubra, por trés da aparéncia, 0 fendmeno tal como 6 realmente, o que determina, inclusive, que ele apareca da forma como 0 faz." O desvelamento dos fenémenos, contudo, nao ocorre de manei- ra espontanea na vida das pessoas. Antes, é tarefa que implica um lon- go trabalho de investigagdo que consiga analisar os elementos particu- lares, estabelecendo relagées entre os mesmos e, a partir daf, recom- por o fenémeno, formando uma nova totalidade." Assim, o conheci- mento cientifico ndo é um simples reflexc ou uma representagao do fenémeno, mas um produto do esforco intelectual do individuo. Na construgdo do conhecimento, © sujeito age pratica e intelec- tualmente sobre seu objeto de investigagao e o reconstréi no seu pen- samento através das trés etapas relacionadas a seguir. A percepgao da realidade A realidade é percebida através de nossos sentidos. Essa aproxi- 22 "Para Mr, “a lotakdede corcieta, come tsa dace de pensamentc, camo uma conetegao de pensament, 6 ‘rareaidade, um produto do pensar, do gonrebe:s nde 6, de rendi~ meds, ¢ sreduis do concets que se cengerdia a s mesmo © ue conecbe separadamente eac9 da pescepgfo.ecs epeseniagio, Tas borage da percep;ao eda temrasentacao 9m canons. O Tod. ta eo-o aparece no cerebro, como um odo menial dum piodus do céebropensanie,2u2 Se c6"cpne ca Tura da cs maneia Gm que pede fans manera que dire do moda anisiee, aig ceo enrttcode seanicora! ele" «1962 p ES: z mag&o com ¢ real € a fase inicial do processo de produgao do conheci- mento cientifico, que nos permite apreender a aparéncia, a exterioridade dos fenémenos sociais, culturais, econdmices, psiquicos, etc. Esta pri- meira percepcio, contuda, nao € um ate através do qual a realidade imprime suas marcas na mente do sujeito. Ae contrario, trata-se de um ato ativo do sujeito, no qual intervém elementos j4 presentes no seu pensamento, na sua memoria, no seu modo de agir. A percepsao da realidade se dé, portanto, como produto das relagdes que o indivi- duo estabelece através de sua pratica social no contexto onde vive. Da percep¢ao da realidade ao pensamento abstrato Apés esse primeiro nivel de percepgao dos fatos, ha que se fazer © esforgo necessério para romper a aparéncia dos fendmenos, desco- brir seus elementos internos, bem como as conexées entre eles ¢ com a realidade global onde estao inseridos. Tais conexdes sao invisiveis & percepciio dos sentidos, Para passar da aparéncia a esséncia dos fenémenos, € preciso seguir um processo de abstracdo do pensamento que consiste na andli- se das percepgdes obtidas ¢ na sintese de seus elernentos constitutivos, mediante conceitos que reconstituem aquele mesmo fato com nova configuragio. O processo de abstra¢ao pode ir se aprofundando, ao ponto de formular leis ¢ teorias da natureza ¢ da sociedade com valida- de universal. Entretanto, a abstragao exige do sujeito o exercicio e a aplicagio de determinadas habilidades intelectuais: a) associagdo - relacionat 0 fendmeno em estudo com outros, buscando semelhangas ¢ diferencas, implicagdes miituas e con- tradigdes; 8) andlise - desmembrar 0 objeto em estudo, para que cada ele- mento particular que o compée ganhe maior visibilidade; } estabelecer relagées - relacionar os elementos internes do fe- némeno, buscando nexos e oposigées, contradicdes, comple- mentaridade, superagdes, bem como relacioné-los com os ele- mentos da realidade global; 4) sintese - elaboragio de conclusées que recriem, em nivel con- ceitual, o fendmeno estudado. Como se percebe, o conhecimente cientifico se caracteriza por esse trabalho do pensamento que, explicitando 03 nexos entre seus cle- mentos constituintes, permite a construcao de novos conceitos ¢ teori- as que alargam nossa compreensao do real. Do pensamento abstrato a prdtica © conhecimento obtido mediante a passagem da percepgio da realidade a abstragao retorna a essa mesma realidade. Porém, nao na sua antiga forma, como percepgio sensivel, mas agora enriquecido, com maior capacidade explicativa, possibilitando uma compreensio mais abrangente e aprofundada. Assim, pode-se agir de modo a trans- formar a realidade a partir de uma nova teoria que fornega maior su- porte & agio humana. Neste ato, surgirao situagdes que exigirlio novas teorizagdes, de modo que cada uma dessas priticas desencadeara ou- tro processo de conhecimento sobre elementos ainda inexplorados. Neste sentido, a teoria € sempre uma compreensao da realidade e uma fundamentagao da agio, e ndo um conjunto de especulagées vazias 1.2.2 Senso comum A forma ordindria de o homem criar suas representagées é atra- vés do senso comum, que surge da necessidade de resolver problemas imediatos da vida cotidiana. E, portanto, uma forma espontanea ¢ assistemética de representar a realidade, sem aprofundar os fundamen- tos da mesma através de um método adequado. As motivagées dessa forma de conhecer tém como fundamento 0 interesse prético € as vivéncias ¢ crengas pessoais. O senso comum se situa num dmbito cognitive muito préximo dos elementos concretos da realidade, o que, certamente, implica de- terminado grau de abstracao. Contudo, ele permanece ainda muito preso as representagdes sensiveis, néo conseguindo ultrapassé-las, a fim de atingir um nivel maior de elaborag3o com a criagdo ou a assimi- lagdo de conceitos cujos significados aprofundem a compreensiio da realidade. Esta é a dificuldade cognitiva dos individuos que se mantém ligados & apreensdo sensivel dos fendmenos, pois isso faz com que co- nhegam apenas os fatos a partir de sua aparéncia. Desse modo, tendo como base qualquer esfera da realidade, o senso comum se movimenta num circulo fechado, pela impossibilidade de transpor a simples concretude do mundo sensivel. Dentre outras, destacamos as seguin~ ‘tes caracterfsticas dessa forma de conhecimento;!? Heterogeneidade - 0 senso comum € um conhecimento formado \ mediante um aglomerado indiscriminado de elementos de naturezas diversas, que S40 acoplados ¢ justapostos, formando um conjunto sem unidade ¢ coeréncia internas. O grau de organizacao ou reelaboracio “‘desses elementos nao possibilita chegar a uma sintese com uma com- preensio mais aprofundada. Essa forma de conhecer reorganiza os ele- mentos, componde algo diverso do originalmente oferecido, mas con- tinua circunscrita 4 realidade imediata. Assim, 0 senso comum procede de uma simples jungao de idéi- fs, nogdes ou conceites, sem uma compreensio mais aprofundada da realidade. Por exemplo, ele consegue perceber a falta de moradia e de slimentos, 0 desemprego, as doengas, os baixos saldrios. Contudo, no percebe a légica de produgio e inter-relagao entre esses elementos. Acriticidade - O senso comum é constitude por uma multiplici- dade de nogées provenientes da vida cotidiana. O mundo do vivido, como © trabalho, o emprego e 0 desemprego, o consumo, as relagdes sociais, as praticas religiosas, os programas de radio ¢ televisao, é assi- milado de forma fragmentada. Desse modo, niio atinge um nivel de qiiticidade necessario para compreender a realidade além do imediata- mente vivido. A consciéncia do homem que se movimenta no ambito do senso comum é uma consciéncia dual e contraditéria. Tendo em vista seu comportamento, sua visio de mundo e sua ética, pode-se di- 2er que sao seres duais, contraditérios, divididos, que comumente as- sumem atitudes fatalistas face 4 situagao concreta onde vivern. Na maioria das vezes, o fatalismo se refere ao destino ou a uma concepgio de Deus, que se constituem nas entidades responsaveis pelos aconteci- mentos da vida.!* Imediaticidade - a realidade é apreendida tal como aparece num Primeiro momento, sem maiores preocupacées de ultrapassar as apa- réneias. Nessa forma de conhecer, ha forte tendéncia de o individuo ficar preso & realidade, sem tomar dist4ncia dela, e superar sua opaci- dade mediante um conhecimento mais elaborado. O senso comum no Permite que o individuo se distancie dos fatos e que os veja sob angulos diferentes daqueles fornecidos pela prépria vivéncia. eA Pada Tanlach fn: 0 canhecients poocwar 1925) aprosamam cusias caracters {Retwo comum além cas nenc:onadas, bemicomo wn estado scb'e 9 connecimente pope realzad 4 °F wna pesquisa de campo ede conceal tases ce Giams=: Frete, Pectagogia do opemita, 02, Essa tomada dos fates, na sua imediaticidade, leva os individuos ‘a fazerem da realidade vivida um mundo fragmentado, constitufdo de ‘elementos dissociados entre si. E, na medida em que ele fica adstrito ‘a0 mundo do vivido, percebendo-o de forma fragmentada, nao alcanga ‘uma compreensao mais aprofundada do real e, menos ainda, o conse- qiente alargamento das possibilidades de sua agao. Dogmaticidade - a dogmaticidade se apresenta como uma espécie de “porto seguro”, no qual o individuo se ancora ¢ permanece com medo de se aventurar. No “porto seguro”, o individuo se abriga em suas prdpri- as idéias, nogdes ¢ valores. Sua concepgio de mundo resiste a modifiea- gdes. Em lugar de possibilitar uma critica e um alcance de niveis mais aprofundades de compreensio da realidade, a dogmaticidade cristaliza tanto o entendimento como a pritica dos individuas. Isso no significa, porém, que © senso comum seja imutavel, uma vez que € social histé~ rico e, portanto, um conhecimento sujeito a transformagées, embora insuficientes para superar as primeiras impressdes da realidade Apesar dessas caracterfsticas que, de certo modo, definem o senso comum a partir de seus limites internos, faz-se necessdrio considerar a outra face dessa forma de conhecer, que aponta para suas possibilidades. Como sabemos, 0 senso comum é uma forma de conhecer que faz parte do universo mental e da pratica cotidiana da maioria das pes- soas, Para Gramsci," existe uma dimensio critica presente no senso comum denominada de bom senso, sendo o conjunto de elementos de negatividade e criticidade que mostra a possibilidade de sua superagao. Dessa forma, o bom senso encontra-se no minimo de reflexo presen- te nas praticas cotidianas, fazendo com que 0 individuo possa sobrevi- ver em um meio social que 0 coloca em posicao de subalterno. Além disso, é preciso assinalar a criagdo de uma cultura ou um saber popular forjado pelas préprias camadas populares, capaz de explicitar parcialmente suas condigdes de existéncia. Embora nao seja um saber que se estruture e se expresse com categorias do universo académico, é um conhecimento que possibilita a esses grupos compre ender muitos aspectos da realidade e orientar suas priticas cotidianas. 1.2.3 Conhecimento mitico Desde os tempos mais antigos, o homem buscou formas de ex- po plicar o mundo, Os fenémenos da natureza € os acontecimentos da sua aa FaOTE, p18, prépria existéncia conduziram-no a criar um conhecimento que saci- Hasse suas diividas e, ao mesmo tempo, tornasse a realidade mais clara ¢ inteligivel. No entanto, 0 homem primitive sequer conhecia a escrita ante disso, buscou observar os fenémenos e, através de simbolos legorias, criou os mitos, © mundo passou, entio, a ser interpretado a ir dos mitos que, originariamente, estavam vinculados ao ato de rar, contar € anunciar.'? Assim, a etimologia da palavra “mito” su- ¢ que essa forma de pensar é um produto direto da tradigo oral dos tepassados, perpetuada culturalmente de geragéo para geracao. Os mitos estavam sedimentados na tradigao ¢ na cultura dos povos antighidade, e representavam muito mais do que uma tentativa de plicar 0 munde. O mite fornecia o alicerce histérico das civilizacées: fi passado remoto, a origem de tudo. Por esta razio, © pensamento Ngnitico no deve ser visto como produto de ficgdo, iluséo e tampouco “como fabulagao. O mito € uma representagio do mundo real, recriado “a partir da reelaboragao subjetiva das experiéncias humanas. ‘O homem primitivo se vinculou de tal forma aos mitos que os ériava a partir de si mesmo. Assim, a realidade mitica era personifica- “da: os objetos e animais passam a ter alma, do mesmo modo que as divindades possuem imagem e sentimentos humanos. Essa ligagao ho- gnem-mite traduz a vivéncia direta entre o homem primitive e a natu- feza. Por isso, o mito nao cabe na categoria do fantéstico. Seu objeto de investigacao é a realidade, mesmo que, muitas vezes, a rectiagio do mundo real aproxime o mito da arte. A pretensio do pensamento mitico era a de resgatar um passado remoto, voltando-se para aquilo que havia antes do tempo presente: Dessa forma, “os mitos, efetivamente, narram nio apenas a origem do mundo, dos animais, das plantas edo homem, mas tambérn todos os acon- tecimentos primordiais em conseqiéncia dos quais © homem se ‘converte no que € hoje - um ser mortal, sexuado, organizado em seciedade, obrigadoa trabalhare trabalhar de acondo com determi- nadas regras.""* E esse resgate das raizes humanas que sustenta o presente ¢ © futu- to da humanidade. A narracio mitica fornece suporte vida em comu- nidade, ligando os homens a um mesmo pasado, a urna mesma histéria. Fis BERS fe and Wai Cla Simon, A conenércia mica, p20 ce ‘Como se percebe, so os “acontecimentes primordiais” que fun- damentam a existéncia de uma dada sociedade. Por isso, 0: mito se cons- titui num elo que nos permite alcangar as origens e © passado dos povos, na medida em que confere identidade aos individuos ¢ & comunidade, tomando-se parte da cultura e tradigéo populares. O mito se sustentava no argumento de autoridade, uma vex que ele era narrado por aquele que gozava de certo prestigio e credibilidade dentro da comunidade: po- .ctas ou rapsodos.!” Estes contavam as peripécias de deuses e heréis. Havia, sem divida, contradigées no interior dessas narrativas, mas isso era su- plantado pela confianca e respeitabilidade do narrador, Sabe-se que a tradicio oral dos povos da antigitidade ajudou a consolidar © pensamento mitico. Esta forma de ler a realidade alcan- gou sua mdxima expressdo na Grécia Antiga. Os gregos imortalizaram seus mitos na voz de poetas como Homero (Iliada e Odisséia) e Hesiodo (eogonia). Entretanto, foi o advento da escrita que possibilitou a per- petuagdo dos mitos gregos. Hesiode, em sua maior obra, a Teogonia, versa sobre a criagdo do cosmos, mediante as relagdes sexuais entre os seres primordiais (Gaia e Urano), gerando toda a vida na Terra. Hesiodo sistematizou a base mitica que norteou aquele povo durante todo o perfodo arcaico, registrando por escrito os mitos j4 existentes na civili- zagio grega. Naquele periodo, os gregos possufam uma economia rudi« mentar, essencialmente agricola. As relagdes de poder obedeciam a uma ordem verticalizada: aos homens do. campo cabia obedecer aos senhores da terra, e aos deuses, entender e explicar os acontecimentos da natureza, dos quais dependia a producio agricola. Os herdis € 0s deuses tornaram os homens filhos de um mesmo passado remoto e heréico, fornecendo, assim, 0 substrato ideoldgico que os movia para o trabalho. Aos pouces, o homem grego vai quebrando a tradigao agrério- olig&rquica, iniciando-se, entao, uma nova realidade socioeconémica. O desenvolvimento comercial foi imprescindivel para que novas idéias fos- sem difundidas. Logo, a oligarquia j4 nio se sustenta, dando lugar a tira- nia transitéria, cujo desenlace é a democracia. Com a democracia, a Patticipago do cidadio e o uso da palavra no espaco piblico se tornam um poderoso instrumento da vida politica ateniense, de modo que qual- ‘quer pensamento cristalizado passa a ser objeto de debate € contestacio, ‘© homem grego j4 nio mais concebe 0 mundo como algo dado pelos ‘ST AgaS Gas compara CUCH ina TICE ET bettins Spcas es, Isso € muito perceptivel no que diz respeite as leis que regiam os idadlaos: elas se desvinculam dos deuses e se tornam criago da vontade da racionalidade. Outro aspecto que deve ser assinalado é a dimensio do pensa- to mitico enquanto revelador do proprio homem. Aspectos pre- {tes nos mitos do periodo arcaico foram a base para intimeras tragé- ‘dias gregas. O tecido das tragédias nada mais era de que os mites que d@ormitavam no seio da cultura grega.'® Os tragediégrafos!? transfor- param o mito em “grande arte". Na agora, onde encenavam suas pe- {g, remontavam ao passado para fazer © homem grego refletir, enxer- jpw-se, despir-se. Além disso, as temdticas presentes nas tragédias so jptemporais, uma vez que os conflitos humanos da atualidade coatinu- am a ser os mesmos que ailigiam os eélebres personagens mitolégicos. xe «© 2.4 Conhecimento religioso “\ Acciéncia moderna, movida pelo ideal de objetividade e exatidio, tertile a ignorar as dimensdes da realidade nao apreensiveis pela légica mitemitica. Desse modo, sentimentos e emogies deixam de ser signi- ficativos, embora exprimam uma maneira de ser em relagdo ao mun- do, No entanto, o mundo néo é constitufdo por um conjunto de objetos inertes que se apresentam aos olhos de todos da mesma forma. Senti- mentos € emo¢bes ndo sdo elementos isolados, mas o resultado da in- téragdo homem-realidade, de forma que neles se revelam a maneira singular de cada um se relacionar com o mundo e a forma pela qual esse mundo se apresenta em relacdo 4 pessoa. A experiéncia religiosa € to antiga quanto o homem. Muitas foram as formas dessa experiéncia se manifestar, Desde a antigiiidade, SPARS eiaiplicar pooorios omara VapRD FODDTE: 2e Sdkccles,baseadaromts de Gap, Lipo éo hee (hgico. re de Tebas «Hts quo tecobeupr We decihado 0 angina da esinge, Aéindo tore, Zawporecebe a tate Jocata coma esposa. Natta ignatércia de s’sréc10, doe ndo xage ca o romem que assaen = semen Chega a Totiasera sepa Laid Acdade de ets, enlio, acsol80a por grande peste «ma puncic Gos deuses, dai a0 assassra dele pernanece: mpure. ckno. sem saber que c home” Que mata et (ao. ompveerce una busca a0 assassino, Resse processs Edipo-vaidesvendanse e wdaac, 20 mes (impo ie parconec carro que veka Sl p*Spra Ws a cassoal. Ads dosverdar completamerte sou Pasando, desconve ce mesitivel ASSRtenovO pei scesposou amBe AG depotat-se conse mesma e =esceb%r ‘sasiales, dpa percebe c grande erro que comeimue pune a f-dprc. elando se Ascecios Iressa Mo tigco arda sip rreblom cas ds aiuakdace. Abvaca de i mean @ omaor desa'o c3'a ohere™ ‘emlados os tempos. Alley dsss0, a3 rlagdes ncostunsas ardahoe so mapudiaaas Coma se pace ww. aforma $e alee a reakdade ca ;jpna condcdo de homam pode barat aovloea Ensexarca rénveram dvds ‘Bee a evincdo sc ‘esatta groqe ce deveu aval ia ora separa Ne.conens da Grécia Oesca, uegecidgralos.eram atisas que ransiormavam 2: mize gregcs em ae x +t bagédins, Deroe cn grants Hagedidgaics giagos. destacam ge E squio, Solooes 6 Eursades mites se cristalizaram, instituigdes foram criadas, linguagens busca- tam codificar e expressar essa realidade, Essa realidade, contudo, pode rer examinada, descrita © analisada, tal como se procede com outro objeto da cultura come, por exemplo, uma sinfonia de Beethoven. No entanto, esse procedimento nada nos diria da experiéncia religiosa, pois a esséncia do fenémeno religioso nao é um objeto, mas uma relagao singular de individuo com © universo do. sagrado, As diversas formas de institucionalizagao das religises, como tem- plos, simbolos e rituais, néo garantem que necessariamente os indivi- duos tenham uma consciéncia religiosa. Quando considerada unica- mente a partir da légica do pensamento racional, a experiéncia religio- sa pode ser adjetivada de ingénua, idealista, reaciondria. Entretanto, a realidade objetiva nao é a materializagao da razio humana, nem me: mo esta consegue apreender o real em todas as suas dimensdes, pois, freqiientemente, o homem é surpreendido pelo acontecer “magico” que escapa as amarras do racional e do objetivavel. Muitas vezes, os esque- mas de pensamento racional, sob pretexto de captar os fundamentos ltimos da realidade, dissimulam a riqueza da experiéncia humana, que se expressa na vivéncia, nos costumes, nas impressdes, nos sentimen- tos. valores e desejos. Para Gramsci,” a religido € uma concepgao de munde que adquire forca histérica na medida em que se toma elemento de fé. Para as carna- das subalternas, uma concepgao organica de mundo é vivida sobretudo como ato de fé, pois tal concepgéo funciona mais como fator motivador das aces do que propriamente como atividade teérica explicativa. A ca- tegoria fé, neste contexto, ests desvinculada de qualquer conotagao metafisica, na medida em que significa um conjunto de concepgSes que serve como idéia-forga, energia e capacidade mobilizadora. Da mesma forma que as demais ideologias politicas, a religido se constitui na media- go da agio de grupos determinados, tornando-se um espaco no interior do qual os individuos elaboram ¢ direcionam suas préticas politicas. Durkheim concluiu, igualmente, que as crengas incidern sobretudo na conduta dos individuos, dotando de alto poder motivador e mobilizador ‘9s grupos humanos. Assim, os crentes “sentem, com efeito, que a verdadeira fungio da religiéo nio é fazer-nos pensar, enriquecer nosso conhecimento, acrescentar 3s reprewentagées que devemos a ciéncia representacdesde uma outra Rion Gramesl Coreopyia ciaiaiea aa hora. p14 origeme de um outrocaréter, mas a de fazer-nos agir, awciliar-nos.a viver. O fiel que se comunicou com seu deus nio apenas um hhomem que pode mais. Fle sente em si mais forca, seja para supor- tar as dificuldades da existéncia, seja para vencé-las, Ele esti como. que clevado acima das misérias humanas porque esta elevado aci- mada sua condigéo de homeny; acredits-se salvo de mal, sb qual- ‘quer forms, sliés, que ele conceba o mal." Como se percebe, o conhecimento religioso nao se define por sua capacidade explicativa, mas por suas ressoniincias nas esferas afetiva e 2 Estudos realizados sobre movimentos populares mostram a importancia do conhecimento religioso, uma vez que ele dé forma ao sentimento difuso vivenciado pelos grupos populares, ao mesmo tem- po que, falando daquilo que é correto no plano divino, transmite-thes seguranca e protecio no plano temporal.” Analisando a luta de grupos populares contra o desemprego, Deimo aponta 4 evidente articulagio entre os cédigos politicos e os religiosos. Para a autora, o conhecimen- to religioso se tornou suporte para a pratica de um movimento que se pretende transformador das relagées sociais de dominagdo e explora- cao, evidenciando seu cardter mobilizador, pois para um povo carente dos mais ¢lementares direitos de cidadania, -excluido econdmica e politicamente dos beneficios sociais, langar mio de um cédigo religioso para ex pressar criticamente seus inte- resses significa dotar as criticas € reivindicagies de forga moral, num contexto onde grassa a desmoralizacio do discurso estrita- mente politico." © conhecimento religioso se caracteriza por sua generalidade, simbologia ¢ aspecto ético acentuado. Assim, diferencia-se do discurso analftico, cientffico, na medida em que enuncia principios de ago, es- tabelece normas, fixa critérios de justiga, sem, contudo, dizer os meios Para alcangé-los.” E, neste sentido, nfo se constitui apenas em paliativo ao sofri- mento dos homens, mas *(..) também como elaboragio realista e consciente das adversida- des do cotidiano, funcionande como pélo de resisténcia numa soci- edade onde a cidadania foi recusada para a maioria onde a opres- Ele Daihen As ors ooeerinar oo PaTeigss, p22 Luzinicn G. Gage Aaertes.e'y.050s ¢ ca7moneses sem * Camem Crira uacess, Tornoe ganess. p.147 * pea Masia Domo, Harments soci! where, yrgjae priciosgBe Depular, 38 ite da. *FreiBetio, Oque @coransiade eciesa' ae nose, <5 no: sudo Bras: p36 sio a regra da existéncia social das camadas populares (...)..A religiosidade se realiza como forma de conhecimento do real, como pritica que, ao mesmo tempo, reforca e nega esse real, combina fatalismo (conformismo) e desejo de mudanga conformismo) (...).”* Assim, 9 conhecimente religioso se torna, em determinadas cir- cunstancias, elemento mobilizador e legitimador de préticas politico- sociais, na medida em que atua no plano da ética, dos valores e do afetivo. Isso nao significa que possa substituir 0 campo politico, mas que, dependendo de seus promotores e suas relagées internas, pode se tornar um suporte para o processo de conscientizagao dos individuos. 1.2.5 Conhecimento filoséfico © conjunte de vivéncias do dia-a-dia, a repeticao, a familiarida- de, o dominio individual das ages, a tirania que dita a cada individuo seu comportamento, modo de vestir, pensar ¢ falar, denomina-se o mundo da cotidianidade. Neste universo, o homem vive suas relagdes com base nas praticas individuais do dia-a-dia, com ritmos definidos, habituais, mec&nicos e instintivos. Na cotidianidade, “as coisas, 05 homens, os movimentos, as ages, os objetos circundantes, 0 mundo, nao sao intuidas em sua originalidade e autenticidade, ndo se examinam nem se manifesta: simplesmen- te S80; e como um inventirio, como partes de um mundo conheci do, sdo aceitos. A cotidianidade se manifesta como a noite da desatencio, da mecanicidade c da instintividade, ou entéo como o mundo da familiaridade."?” A cotidianidade inclui também a excepcionalidade: os dias co- muns nao excluem os feriados, a vida cotidiana nao se opée ao que sai da regularidade. A cotidianidade pertence também a excegao, como o nascimento, a morte, as doengas, os éxitos e as derrotas. Assim, uma guerra pode interromper o fluir da regularidade, das acdes corriquei- ras e do familiar, de modo que, para milhdes de pessoas, cessa o ritmo normal da vida. Porém, logo a order da guerra se institui e se estabili- za como ritmo de aco e de vida habitual e humano. Dessa forma, até @ guerra cria a sua propria cotidianidade.”* F © conjunto dos fendmenos que fazem parte da cotidianidade, que formam 0 universo do dia-a-dia, 0 ambiente comum com sua re- ~ gularidade e evidéncia, compe a consciéncia dos individuos e assume um carater de independéncia e naturalidade: é€ 0 mundo da * pseudoconcreticidade, em que “o fendmeno indica 2 esséncia e, a0 mesmo tempo, esconde-a. A esséncia se ananifesta no fendmeno, mas s6 de modo inadequado, parcial, ou apenas sob dingulos e aspectos. O fendmeno indica algo que nao € ele mesmo e vive apenas gracas 20 seu contrério. A esséncia no se di imediztamente; é mediata a0 fendmeno e, por- tanto, manifesta-se cm algo diferente daquilo que ¢."” A atitude primeira do homem diante da realidade nao é a de um. sujeito analitico que a examina em profundidade, mas a de um ser que atua praticamente nas suas relagdes com a natureza e com os outros homens. Por isso, ele necessita da reflexdo filoséfica, através da qual destréi a pseudoconcreticidade e a pretensa independéncia dos fené- menos, demonstrando o seu cardter derivado da esséncia. A reflexdo filos6fica nao nega a existéncia dos fendmenos; considera, entretanto, que o mundo fenoménico nao é independente ¢ absoluto, mas guarda intima relagao com a esséncia, de forma que, sem o fendmeno, a es- séncia seria inatingivel. O esforgo para descobrir a esséncia dos fendmenos é, desde tem- Pos remotos © continuaré sempre sendo, tarefa especifica da filosofia. Desse modo, “a filosofia € uma atividade humana indispensdvel, visto que a es- séncia da coisa, a estrutura da realidade, a ‘coisa em si’, 0 ser da coisa, ndo se manifesta direta e imediatamente. Neste sentido, a Filosofia pode ser caracterizada como um esforgo sistemitico & critico que visa captar a coisa em si, a estrutura oculta da coisa, descobriro modo de ser do existente." Como atividade humana indispensével, a reflexao filoséfica nas- ce da busca do sentido da cotidianidade. Este nao é buscado porque a cotidianidade se tornou um problema A vida humana por seu automatismo e repetitividade, mas porque, no seu interior, reflete-se a problemitica da realidade. Assim, através da reflexio filoséfica, des- vela-se o sentido da realidade, que nela se expressa de miltiplas for- Waa ak op op fom, 1985, p.16-"4 mas. A teflexao filos6fica, portanto, consiste numa radical ruptura com prrotidianidade, capaz de possibilitar a formacio de uma consciéncia a tica que dard & aco novo fundamento. Com a reflexéo filosSfica, a seguranca fundamental da cotidianidade cede lugar & diivida, e esta realidade, antes “porto seguro”, inabalavel, passa agora a ser questio- nada, problernatizada, e descobre-se que ela nao é téo absoluta e segu- ra quanto parece. ne O conhecimento nao é oferecido pronto, mas é construfdo den- tro de uma necessidade apresentada no contexto. Pesquisar é respon- der as dividas e questées que sio oferecidas diariamente. A melhor maneira de efetivar 0 conhecimento é pela pesquisa. © que significa pesquisar? Esta deveria ser uma questo fundamen- tal em cada 4rea de estudo. Cabe ao académico buscar a resposta dentro das diversas 4reas de conhecimento. Desta busca, nasce a pesquisa. Pesquisar é apresentar uma solugao ou resposta ao problema pro- posto. A resposta ou solugéo a este problema deve ser dada pelo pré- prio pesquisador. Ser académico nao é receber um conhecimento pronto. E dis- cussao e andlise do que é 0 conhecimento. O aluno é alguém em condi- des de discutir dentro dos mais variados assuntos. Dentro do contex- to académico, aluno, professor e¢ instituigéo se unem para formar a universidade.

Você também pode gostar