Você está na página 1de 18

CANTO E VIDA:

O INÍCIO DE UMA CANÇÃO

1ª edição

AUTORAS:
Daniela Gonçalves
Daniela Rocha e
Mirna Rocha
Dedicamos este livro a Deus, pois foi dEle que tiramos inspiração para
produção deste livro e por meio dEle que o mesmo se encontra finalizado.Toda
honra e Toda glória seja entregue ao Senhor dos senhores.
CAPITÚLO ÚNICO

A HISTÓRIA

A frase da minha vida: Tudo vai acabar bem!


Lembro como se fosse nesse exato momento o dia que me despertei para
aquilo que saberia que faria a vida toda: a música. Não sei bem quantos anos
eu tinha acho que por volta dos doze anos, apenas lembro-me daquele dia
incrível para mim.
Como todos os dias minha mãe levanta bem cedo antes de todo mundo.
Todo mundo é claro, sou eu. Morávamos em um pequeno quarto onde minha
mãe Cecília fazia dali o nosso quantinho especial. Ali tínhamos pouco, porém o
necessário para nós uma pequena mesa que só podia ficar encostada na
parede por falta de uma perna, umas poucas cadeiras, uma caixa bem grande
onde guardávamos nossas roupas, uma pequena televisão onde eu assistia os
meus desenhos favoritos e dentre as outras coisas algo que eu gostava muito,
as cortinas da minha mãe. Ela mesma fazia, juntava vários pedaços de tecidos
diferentes e formava umas cortinas lindas e muito coloridas. Minha mãe
trabalhava como doméstica e não era uma casa apenas era em várias, quase
uma diarista. A diferença é que era sempre nas mesmas casas. Sempre que o
final de ano se aproximava ela buscava um jeito de deixar a casa um pouco
diferente e sempre fazia algo especial. Foi o que aconteceu nesse fim de ano
que eu nunca esqueci.
Já estávamos bem próximos do natal e lembro que ela estava bem
empolgada com as cortinas novas que queria colocar na casa, sempre dizia
que era bom entrar o ano novo com algo renovado mesmo que seja algo
simples. Em um dos seus difíceis dias de trabalho encontrei minha mãe
preparando nosso jantar guando cheguei da escola.
-- Oi filha, olha só vou ter que fazer uma faxina agora de noite, mas eu não
vou demorar. Presta atenção na comida ta quase pronta, deixa mais uns vinte
minutos no fogo e depois apaga. Não deixa queimar, por favor tá me ouvindo
mocinha?
-- Tá bom mãe pode deixar. Eu vou prestar atenção, tchau! Não demora.
-- Guando eu chegar quero ver sua lição feita entendeu.
-- Pode deixar!
-- Beijo e tranca a porta.
Larguei o meu material em cima da cama dei uma olhadinha na comida e
fui tomar um banho, era aula de educação física e nesses dias costumo chegar
em casa bem suada. Ao sair do banheiro dei mais uma olhadinha nas panelas
e fui me vestir, quando terminei liguei a televisão e no exato momento estava
passando um comercial que chamou muito a minha atenção. Era a chamada
para um concerto de natal, em apresentação única e na praça da cidade um
coral ia fazer uma apresentação baseada em temas natalinos. Só despertei do
transe quando senti o cheiro do feijão queimado. Corri até o fogão, tentei salvar
mais não deu. Nesse dia quando minha mãe chegou do trabalho levei a maior
bronca e por minha causa tivemos que comer apenas arroz branco com
pedacinhos de tomate cru.
Não parava de pensar nesse evento, eu particularmente achei o máximo.
Morava em uma casa que mais parecia um quarto e em uma cidade que mais
parecia um bairro, algo assim acontecer era incrível eu mal podia acreditar. Por
conta do feijão queimado não contei nada pra minha mãe nesse dia e nem nos
próximos. No dia seguinte fui pra escola e algumas de minhas colegas de sala
estavam comentando o que viram na televisão. Até a data do evento elas
pegaram, eu não deixei o feijão queimar perdi essa parte. Cheguei, falei com a
Marina, minha melhor amiga, e perguntei pra ela se ela tinha visto o comercial
na televisão:
-- Vi sim acho que vai ser legal.
-- Você já foi num desses eventos?
-- Claro Paula já fui em óperas, teatro e acredite eu já até assistir o lago
dos cisnes no municipal em São Paulo...
Começamos a rir as duas e nesse momento iniciamos uma pequena farça
de como seriamos se estivéssemos nesses lugares.
-- Você sabe guando vai ser Mari?
-- No inicio de dezembro pouco mais de quarenta dias até o dia da grande
apresentação. Você vai?
-- Claro e ainda quero ver os cantores de perto.
-- É na nossa cidade nunca acontece nada a gente deve aproveitar
guando tem alguma coisa interessante.
A professora de matemática entra na sala já mandando o conteúdo de cara,
essa é a forma que ela encontrou pra chamar a nossa atenção, interrompe as
conversas sem ficar aos berros como outros professores costumam fazer. Fui
pra casa com a Marina e durante todo o percurso não parávamos de falar no
incrível coral. Almoçamos na minha casa e logo depois saímos e eu passei a
tarde na casa da Marina. Como era fim de ano tínhamos muita coisa pra
estudar, era muitas provas e vários trabalhos para entregar e apresentar era
uma maratona horrível. Já estávamos em dezembro e faltavam poucos dias
para a apresentação do coral na minha cidade e eu ainda tinha alguns dias de
aula.
Eu nasci e até os dezoito anos morei num mesmo lugar, uma pequena
cidade do interior do Maranhão. Marina e eu estávamos aflita para esse dia
afinal faltava menos que quinze dias. Ao chegar em casa levei um susto, minha
mãe tinha sofrido um acidente e por isso estava deitada com uma tipóia no
braço direito e uma das pernas com um lado bem roxo.
-- Mãe o que foi isso?
-- Eu caí da escada na casa do Dr. Gustavo.
-- E como foi?
-- Eu tava lavando a casa, muita água, muito sabão, deslizei e cai. Mas
graças a Deus ele estava em casa e me levou pra clínica dele, lá tiraram um
raio x e disseram que não quebrei nada.
-- E o braço?
-- Não se preocupe não tá quebrado, foi por conta da queda. A batida foi
tão forte que o meu ombro ficou com uma dor terrível e o Dr. Gustavo me deu
isso daqui pra deixar o meu braço parado o máximo que eu puder manter. E a
perna foi por causa queda que ficou assim.
-- E quem terminou o seu serviço na casa do Dr. Gustavo?
-- A Jurandir mãe da Marina. Eu pedi para ele ligar e chamar ela pra
terminar o serviço. Paula você agora vai ter que me ajudar. Eu não posso
deixar todos os meus serviços e correr o risco de não ter eles de volta guando
ficar boa. Por isso em algumas casas você vai ter que me assumir totalmente e
em outras em parte.
-- Como assim?
-- Terá que fazer os meus serviços ou pelo menos parte deles pra eu não
perder os trabalhos. Nas casas onde limpo pela manhã não vai ter jeito a
Jurandir vai assumir pra mim. Nas outras casas onde trabalho a tarde e a noite,
você vai ter que ir comigo e fazer tudo o que eu mandar do jeito que eu te
explicar ta bom?
-- Tá bom mãe. A gente começa amanhã?
-- Sim, por isso procure chegar o mais cedo possível que temos que ir
justamente na casa do Dr. Gustavo e depois em uma casa que fica muito
longe. É só por uns dias filha enquanto eu melhoro.
-- Claro mãe, não se preocupe.
À noite fiquei pensando em como ia estudar e trabalhar. Estava no fim do
ano, fazendo muitas provas e não poderia ficar sem ajudar a minha mãe nem
que eu quisesse. Guando amanheceu o dia fui pra escola correndo, nem tive
tempo de tomar café porque acordei atrasada. Terminei de me arrumar no
ônibus e lá encontrei a Marina que já chegou perguntando como minha mãe
estava.
-- Não dormiu bem a noite ela sentiu muitas dores, mas com os remédios
acho que ela vai melhorar rápido.
-- Que bom, espero que ela ainda vá com você no concerto.
-- Ai meu Deus, não tinha pensado nisso.
-- É amiga, olha só. Nós só temos essa semana de aula, semana que vem
que é a primeira de dezembro é a semana dos resultados e também da
recuperação e na semana seguinte é o concerto. Espero que ela melhore
rápido mesmo. Você já falou com ela?
-- Não, mas vou falar. Por acaso a sua mãe vai te levar ou vai deixar você
ir?
-- Ela vai comigo pede pra sua mãe deixar você ir com a gente caso ela
não possa ir.
-- É mesmo vou falar com ela. Vamos entrar?
Naquele dia fiz duas provas e tive que sair correndo pra fazer duas
faxinas. Cheguei morta em casa não pensava em outra coisa que não fosse
banho e cama. Nem jantei, fui direto pra cama. No dia seguinte no café da
manhã falei com a minha mãe sobre o concerto e ela me deixou ir com a
Marina e a mãe dela. Nesse dia eu fui tão feliz pra escola que esqueci que
tinha prova de matemática e física pra fazer. Chegando na sala me deparei
com aquela pressão terrível da aula de física. Todos devidamente enfileirados
com bastante espaço entre os alunos, mas mesmo assim ainda teve gente que
conseguiu colar na prova ou será que o foi o professor que fez vistas grossas?
O que rolou depois foi as incríveis historias das técnicas de cola que a galera
do fundão tinha desenvolvido, o que beneficiou muita gente.
Ao terminar a prova de matemática fui direto pra casa e junto com a minha
mãe fomos a mais uma casa. Era uma casa bem bonita, muito arrumada e
cheia de detalhes e nessa casa percebi algo que me deixou muito feliz. Ali
tinha umas duas cortinas da minha mãe.
-- Mãe essas cortinas foi a senhora que fez não foi?
-- Foi sim filha, a dona dessa casa adora artesanato ela diz que é exótico e
que as peças feitas a mão são sempre únicas e por isso elas têm um charme a
mais.
-- Legal. A senhora vendeu pra ela
-- Não eu que fiz questão de pagar e já falei pra ela que se quiser eu
vendo as cortinas que ela faz em dois tempos para um monte de amigas
minhas. Disse a dona da casa Clara Monteiro, acho que nunca vou esquecer
esse nome, ela é artista plástica e por isso via tanta beleza nas cortinas da
minha mãe.
-- Oi dona Clara. Não se preocupe a minha filha vai fazer tudo direitinho
como a senhora gosta, eu não posso fazer muito, mas ela tá aqui para fazer
tudo o eu disser.
-- Cecília não se preocupe, já falei pra você se cuidar primeiro. Como é o
seu nome garrota?
-- Paula senhora.
-- Deixa o senhora pra sua mãe, me chame pelo meu nome Clara
combinado?
-- Combinado.
-- Me prometendo que não vai quebrar nada tá tudo bem entra a gente,
pode ser?
-- Claro não vou quebrar nada.
-- Espero, mas não se preocupe a sua mãe sabe que eu não me estresso
com esses serviços caseiros. Bom trabalho pra vocês, ah não vão se importar
se eu colocar uma música um pouco alta né?
-- Não, imagina que isso?
Guando eu terminei o trabalho e estava pronta para sair guando começou
a tocar uma música tão linda que eu não resistir, pedi para minha mãe esperar
um pouco para poder ouvir o restante da música. Clara, a dona da casa, disse
que a música era de um quarteto masculino e que eles cantavam no estilo
gospel. Devo confessar que não foi bem a letra que me chamou atenção, mas
as vozes. Não consegui tirar aquele jeito diferente de cantar da cabeça. Até
aquele momento eu só ouvi musicas com cantores sozinhos e somente no
ritmo local, nada tão diferente quanto aquela música.
A semana tinha acabado e eu esperava pelos resultados na escola e pelo
grande dia da apresentação do coral na cidade. Os dias em que fiquei
ajudando a minha mãe com o serviço dela nas casas foram até divertidos,
aprendi muita coisa. A senhora Clara, que nunca gostava de ser chamada
assim porque dizia que era muito jovem para tal denominação, me ensinou que
precisamos ouvir além da voz do cantor e que uma musica é formada por mais
elementos do que simplesmente voz e algumas batucadas. Com o Dr. Gustavo
aprendi que estudando posso achegar onde quero ou mais. Eu mal o via em
casa, mas deixava a minha disposição a sua biblioteca particular e o
computador com internet para eu poder estudar para as últimas provas. Como
já estava no fim do ano não me serviu muito, porém fiz uma ótima prova de
biologia e química.
Guando o grande dia chegou eu estava muito aflita, como a Marina
morava nos fundos da minha casa fui vê-la logo que acordei.
-- Tia, a Mari já acordou?
-- Ainda não, mas por que tanto interesse Paulinha o show só será mais
tarde bem mais tarde. Vá pra casa e guando a Marina acordar e depois de
fazer todas as tarefas delas em casa eu peço pra ela ir te ver, tá bom assim?
-- Tudo bem!
A essa altura a minha mãe já tinha melhorado e muito dos seus
hematomas e por isso ela tinha decidido que ia comigo na apresentação do
coral. Passei a manhã toda arrumando a casa e fazendo o almoço para mim e
minha mãe. A tarde Marina chega em casa.
-- Minha mãe falou que mais cedo você foi lá em casa?
-- É mais você tava dormindo.
-- E o que foi?
-- Eu fui te chamar para gente ir lá na praça ver como estão as coisas,
vamo lá?
-- Só se for agora.
-- Espera um pouco. Mãe eu e a Marina estamos indo lá na praça vê como
estão as coisas por lá tchau.
-- Tá bom, cuidado.
Guando chegamos na praça da cidade tinha um monte de ferro, alguns já
montados e outros ainda jogados pelo chão. Tinha tanto barulho que mal podia
ouvir o que a Marina me dizia, eu só balançava a cabeça confirmando tudo.
Pouco tempo depois chega um senhor muito bem vestido, de cabelos grisalhos
e óculos escuros se aproxima de um grupo e logo começa uma discussão fiz
um sinal pra Mari e chegamos mais perto. Penso que de todas as pessoas na
cidade éramos as mais interessadas no evento, portanto era de nosso
interesse saber o que estava acontecendo. Guando chegamos mais perto
ouvimos o tal senhor bem vestido dizer que o show tinha que ser anulado ou
adiado porque o caminhão com todos os instrumentos tinha sido barrado no
cidade vizinha. O pessoal da cidade que tinha organizado o evento ficou muito
zangado e por isso a discussão.
-- Não tenho culpa se por causa da chuva a estrada está interditada e
caminhões de grande porte como é o caso do nosso caminhão não passa.
-- E eu sou o culpado suponho? Respondeu um outro senhor que estava
no local já fazia um tempo.
-- Não estou dizendo isso por favor. Só não podemos fazer a apresentação
porque os nossos instrumentos não estão conosco.
-- Qual seria a sua sugestão?
-- Adia o show ou aluga uns instrumentos para o show dessa noite.
-- Vocês são um coral correto?
-- Correto.
-- São profissionais eu suponho?
-- Sim.
-- Então vocês vão fazer esse show mesmo sem os instrumentos.
Primeiro, para mostrar o profissionalismo de vocês e segundo, o respeito por
essa cidade que já está a um mês esperando por esse evento.
-- E como faremos isso posso saber?
-- Vocês é que são os cantores, muda o repertório, canta um playback, faz
uma capela sei lá. Eu só sei que não posso adiar o evento, não tenho carta
branca para gastar um centavo a mais nessa apresentação e vocês terão que
cantar essa noite. Olha aqui todas as suas exigências foram realizadas, não é
justo que vocês falhem conosco. Eu vou terminar de passar umas instruções
ao pessoal da montagem do palco e vou atrás das exigências de vocês carro
do hotel até o local do show, água mineral em garrafinhas e em boa
quantidade para todos. Enfim dá até para providenciar umas rosas, agora o
que você me pede é impossível.
-- Não vai ser um bom show
-- Se vocês fizerem o melhor, certamente será o melhor show que já
fizeram. Só peço que o seu grupo dê o melhor essa noite, só isso.
-- Tudo bem é o que faremos o melhor!
-- Obrigado, muito obrigado mesmo!
Ao terminar a conversa fui correndo pra casa, eu queria mesmo saber se
ia ter o show ou não. Sinceramente, eu não conseguia aceitar o que tinha
ouvido. Lembro da Paula me perguntando o tempo todo o que eu ia fazer ou o
que eu queria fazer. Eu não respondia por que eu não pensava em outra coisa.
Guando entrei em casa minha mãe já estava no banho, guando saiu perguntou
o porque da demora. Falei por alto alguma coisa, não falei da discussão
porque fiquei com medo dela não querer ao show. Agora mais do que antes eu
queria está nessa praça e assistir a essa apresentação.
Fomos a apresentação. A praça estava linda e tinha muita gente, o palco
era grande e tinha um fundo preto. Lembro de está tocando uma música bem
alto e depois de um certo tempo um senhor entra no palco e avisa as
mudanças que aconteceria na apresentação: o coral cantaria algumas músicas
acompanhado por um playback e outras cantariam sem acompanhamento pois
estavam sem os instrumentos. Algo muito interessante aconteceu nesse
momento. Depois dos avisos começou um verdadeiro coral de vaias. Fiquei
preocupada e chamei a Marina para tentar irmos atrás do palco. Percebi que
alguns davam uma espiadinha e outros estavam de saída. Cheguei mais perto
e ouvi alguns dizerem que não iam cantar porque não tinha ninguém ali que
queria ouvi-los. Nesse instante cheguei mais perto e gritei:
-- Eu quero! Gritei o mais alto que pude e alguns tinham me ouvido.
-- Qual é o seu nome garota? Perguntou uma das cantoras.
-- Paula.
-- Muito prazer Paula, me chamo Beatriz. Canto a cinco anos e a três estou
nesse coral, faço a voz soprano e já fomos a várias cidades, mas nunca
encontrei alguém tão disposta a me ouvir como você. Nós vamos cantar e eu
cantarei pra você. Está bem? Vai para o seu lugar que agora eu vou pra o
meu.
Sai dali flutuando nunca esqueci aquele momento, nem a Beatriz. Fui para
próximo da minha mãe e chamei ela e mãe da Marina para mais perto. Olhei e
percebi que estavam voltando para o palco, guando sentei na segunda fileira
de cadeiras vi a Beatriz e ela piscou para mim. Cantaram umas cinco músicas
no playback e as duas últimas sem nenhum acompanhamento, no estilo
capela.
A apresentação terminou e eles foram muito aplaudidos. As pessoas que
tinham ido embora guando começaram a cantar voltaram, quem estava
passando pelo local parou e até as casas próximas estavam com as sacadas e
janelas lotadas de pessoas que queriam ver o coral Vozes. Foi um sucesso e
depois a Beatriz foi falar comigo me presenteou com um cd, no cd tinha o seu
autógrafo e telefone e disse ainda que era para eu ligar. Demorei muito para
ligar, mas um dia liguei.
-- Alô, quem fala?
-- Eu me chamo Paula e gostaria de falar com Beatriz, seria possível?
-- Sim é ela.
-- Beatriz eu sou aquela garota que você presenteou com um cd depois de
uma apresentação cheia de problemas em uma cidade pequena.
-- Guando você ligou já sabia que era você. Nesse estado você é a única
pessoa que tem o meu número.
-- Então você lembra de mim?
-- Claro, como posso esquecer alguém que me tocou tão profundamente?
Tenho um convite a te fazer e espero que não recuse.
-- Fala, acho que já aceitei.
-- Calma você precisa saber do que se trata. Olha só Paula eu estou em
uma cidade próxima, o coral tem uma apresentação hoje, e amanhã a tarde eu
posso ir ai falar com você. Pode ser?
-- Claro, onde eu te encontro?
-- Na mesma praça onde nos conhecemos e quero conhecer a sua mãe
também.
-- Pode deixar estaremos lá.
Eu nem mesmo poderia acreditar no que tinha ouvido, além de ter
lembrado de mim ainda queria me ver. Fui correndo pra casa e falei para a
minha mãe tudo. Naquela noite fui pra cama tão ansiosa que nem mesmo pude
dormir, definitivamente não consegui. Guando o dia seguinte finalmente
chegou fiquei contando as horas para revê-la e não parava de pensar no que
tinha me falado na primeira vez que eu a vi: se chamava Beatriz, cantava a
cinco anos e a três estava no coral, cantava soprano e tinha se surpreendido
comigo, logo comigo.
Depois que tudo em casa estava limpo fui correndo contar a novidade para
a Marina e lá fiquei até a hora do almoço. Terminado todo o ritual de almoço eu
e minha mãe fomos para a praça esperar a Beatriz, guando chegamos na
praça nos surpreendemos ela já estava nos esperando.
-- Oi Paula que bom que você realmente veio. Fiquei com medo de você
não vim, então resolvi chegar o mais cedo possível.
-- A minha filha não faria uma desfeita dessas com a senhora.
-- Essa é a minha mãe Cecília e mãe essa é a Beatriz a cantora do coral
que falei pra senhora mãe.
-- Vamos sentar naquele barzinho ali para podermos conversar. Devo
confessar dona Cecília, que sua filha me impressionou bastante naquela
noite...
Aquela noite foi tão incrível e pra mim foi mágico. A Beatriz falou para
minha mãe que se não fosse pelo meu apelo ela e os outros não tinham
cantando. Explicou todas as dificuldades daquele dia e disse que ficou
emocionada comigo, ela falou que cantou pra mim, que tinha entregado o seu
melhor. E algo surpreendente também foi dito por ela.
-- Dona Cecília quero fazer um convite para sua filha: Paula eu não sei se
você sabe mas o coral trabalha com um programa de preparação de jovens
em música e eu sou uma das professoras. Sabe, já dei aula para muitos alunos
e em nenhum dos meus alunos eu vi o brilho que estou vendo agora nos seus
olhos e isso me faz acreditar que você tem um grande interesse pela música,
correto?
-- Aprendi a gostar há pouco tempo.
-- Pois bem, eu gostaria de convidar você para estudar na escola e
aprender um pouco mais de música e quem sabe até trabalhar conosco.
-- Seria mesmo possível?
-- Claro que sim, você tem vontade e me parece que tem talento...
-- A minha filha nunca cantou dona, nem fez aula ou algo parecido. Como
pode dizer que tem talento ou pode trabalhar cantando, depois ela tem que
estudar agora que ela vai fazer a 7ª série.
-- Quem disse que ela vai parar de estudar? A escola não vai impedir, o
único problema é que ela vai ter que sair da cidade. A escola fica em Belo
Horizonte em Minas Gerais, caso concorde ela vai ter que mudar. E eu garanto
a senhora que me responsabilizo pela educação dela pela estadia também.
-- Porque a senhora ta fazendo isso? Quer saber eu não acredito nas suas
palavras, acha que eu vou deixar a minha filha única ir embora com uma
mulherzinha que mal conheço para uma cidade longe? Nunca, olha aqui dona
nos somos muito pobres, mas não preciso desse tipo de coisa pra criar a
minha filha. Ela não está a vendo e não vou dar a minha filha pra ninguém.
-- Mãe calma a ...
-- Calada Paula, vamos pra casa e agora.
-- Eu estou de carro e posso levar as duas em casa, assim agente
conversa um pouco mais. Por favor, eu to pedindo, me dê uma chance não me
julgue sem me conhecer.
-- Tudo bem, vamos Paula.
A minha não era longe, mas também não ficava perto. Guando entramos
no carro até chegar em casa uma caminhada de 30 minutos ficou tão longa,
ninguém falava nada, era um silêncio total. A minha mãe se calou e a Beatriz
também, então comecei a cantar bem baixinho. Nesse momento percebi que a
Beatriz parou o carro.
-- Por que a senhora parou não moramos aqui?
-- A senhora já ouviu a sua filha cantar?
-- Não e não to entendendo também.
-- Então feche os olhos e ouça. Paula sem mudar nada cante, por favor.
Olhei para a minha mãe e fechei os olhos, comecei a cantar uma música
que tinha escutado na casa da dona Clara. “Dê o seu melhor, isso é o que
Deus quer, faça alguém feliz e alguém também fará por você...” esse foi um
trecho da música que cantei, guando abri os olhos vi a minha mãe com os
olhos cheio de lágrimas.
-- Não sabia que você tinha a voz tão linda filha.
-- Nessa até eu me surpreendi Paula, lindo parabéns. Vê como a sua filha
tem talento.
-- Desculpa filha, mais não posso te deixar nas mãos de uma mulher que
nem conhecemos direito. Realmente você tem uma voz linda e canta do que
eu imaginava, mas eu não posso filha. Se acontecer alguma coisa com você
eu morro, não vou agüentar
-- Por favor mãe, deixa eu ir.
-- Desce do carro Paula, vamos pra casa. Obrigada pela preocupação,
mas ela é muito nova não posso deixar ela sair assim com uma quase
desconhecida e eu não posso ir com ela.
-- Entendo... Paula você tem o meu telefone qualquer coisa me ligar.
-- Obrigada mais uma vez. Vamos filha.
Naquele momento eu quis que o chão abrisse pra eu cair dentro de um
buraco bem fundo. Fui pra casa sem dar nenhuma palavra e assim permaneci
todo o dia. Alguns dias depois do acontecido, minha mãe começa a vender as
cortinas dela por influência da dona Clara e em pouco tempo já começa com
um bom número de encomendas. Isso foi bom, acabou deixando ela mais
tempo em casa.
O natal já estava bem próximo, só faltavam alguns dias, nós como sempre
fomos comemorar com a família da Marina. Foi legal, mas pra mim não foi
divertido.
-- Cecília o que é que a Paula tem que está tão triste assim, nem
sobremesa ela quis?
-- A história é longa Jurandir, mas vou te contar. Lembra aquele dia que
agente foi la na praça assistir um show de um coral que as meninas tanto
queriam ir, então...
Minha mãe passou a noite toda conversando com a mãe da Marina e eu
meio triste tentando achar graça de tudo. Depois dessa noite ainda fiquei um
pouco triste e por isso a virada do ano pra mim não foi muito boa, mas me
diverti. Mais alguns dias se passaram e depois de ficar o dia todo por aí
andando com a Marina pela cidade, cheguei em casa e levei um belo de um
susto. Minha mãe, a dona Jurandir e a dona Beatriz com uma senhora muito
elegante também estavam me esperando, foi nesse momento que entendei
porque a Marina inventou de andar tanto naquele dia.
-- Boa tarde, porque tanta gente aqui em casa e a dona Beatriz como
chegou aqui?
-- Filha eu nunca tinha escutado você cantar, na verdade eu sempre
trabalhei tanto depois que o seu pai morreu. Eu sempre tive muito medo de ver
você passando fome ou coisa parecida e por isso eu sempre trabalhei muito.
Não quero que você sofra e esse meu medo acabou impedindo você de viver.
Filha, a dona Clara e a Jurandir me fez entender que eu devo fazer de tudo
para te ver feliz e foi isso que tive perseguindo nesses dias. Vendi o máximo de
cortinas que pude, trabalhei ainda mais e por fim liguei e chamei aqui a dona
Cecília...
-- Mãe...
-- Filha você vai estudar o que quer, vai agarrar essa oportunidade e eu
vou com você...
-- Mãe eu não acredito...
-- Eu só tenho você e nada me prende aqui, do mesmo jeito que trabalho
aqui eu posso trabalhar por lá e ficar perto de você.
-- Paula essa é a senhora Claudia diretora do centro, falei com ela e ela
concordou em te oferecer a estadia e da sua mãe por conta da escola. Não
costumamos fazer isso porque os nossos alunos moram na cidade ou próximo,
mas como você mora muito longe é possível te oferecer tal benefício.
-- Eu não sei o que dizer...
-- Não diz nada amiga, vai as tuas coisas já estão arrumadas.
-- Você sabia de tudo né Mari?
-- Sabia amiga, quer saber você merece. Tudo de bom e eu vou ta aqui
torcendo por você e vem visitar agente guando puder.
-- Claro amiguinha, não vou te esquecer ta?
-- Filha, as suas coisas estão prontas vamos?
-- Agora, mas já?!
-- Tem um avião marcado pra daqui uma hora e meia e nesse que vamos.
Temos que sair agora porque ainda tem um bom pedaço de chão até a cidade
vizinha e não podemos perder.
Naquele dia eu fiquei tão feliz que nem tive medo de avião. Antes de sair
dei uma boa olhada na sala quase vazia, a mesa com três penas encostada na
parede pra não cair, um colchão velho que eu dividia com a minha mãe, a
caixa grande que era o nosso guarda roupa, enfim as poucas coisas que nós
tínhamos. Sai da cidade com essa imagem na minha cabeça.
Ao chegar em Belo Horizonte, fomos logo conhecer a escola que na
verdade é um sonho e depois fomos ao alojamento. Ali tinha um beliche, um
pequeno guarda roupa e uma mesa de escritório. Minha mãe até começou a
trabalhar como antes fazendo faxina, mas logo começou a vender as cortinas e
também a trabalhar no setor de limpeza da escola. Eu estudava muito e por
isso depois de um tempo passei a monitorar turmas de iniciantes, com o tempo
passei a dar aulas de canto, para iniciante também, mas agora eu era
professora de canto e sinceramente eu estava muito feliz.
As coisas na minha vida tinham mudado muito, morava em uma casa de
verdade e hoje faço faculdade de canto. Ainda tem uns apertos para ajustar,
mas nem se compara com a vida que eu e minha mãe tínhamos antes. Hoje,
tudo aquilo que um dia a Beatriz me disse se tornou realidade: estudei canto
na escola, faço faculdade de canto para me aperfeiçoar, trabalho para a escola
e por fim canto e participo das apresentações do coral. Em falar em
apresentação estou vivendo um sonho: estou prestes a entrar no palco em
uma cidade do interior do Maranhão para cantar somente acompanhada pelos
meus colegas de grupo no mesmo lugar onde um dia eu me descobri, afinal
tudo deu muito certo!

Você também pode gostar