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Resenha do livro “Os Estabelecidos e os Outsiders”

de Norbert Elias & John L. Scotson.

Resenha do livro “Os Estabelecidos e os Outsiders” de Norbert Elias & John L.


Scotson; tradução Vera Ribeiro, Brasil, 2000.
Título original: “The Established and the Outsiders: A sociological Enquiry into
Community Problems”, Inglaterra, 1965 - 1994.

Único livro propriamente etnográfico de Norbert Elias, é resultado de


aproximadamente três anos de trabalho de campo em Winston Parva, nome fictício para
a cidadezinha de cerca de 80 anos, do interior da Inglaterra, objeto deste estudo. Trata-
se de um instrumental para a abordagem sociológica de questões de grande atualidade,
como a violência, a discriminação e a exclusão social.

Relata as tensões entre os habitantes de Winston Parva que, apesar dos indicadores
sociológicos correntes (como renda, educação ou tipo de ocupação) considerarem tratar-
se de uma comunidade relativamente homogênea, viviam em total processo de exclusão
e, segundo os próprios moradores, a comunidade era claramente dividida em dois
grupos muito distintos: “Os Estabelecidos” – grupo de antigos residentes havia duas ou
três gerações e, “Os outsiders” – moradores das povoações formadas em época mais
recente.

A obra é dividida em nove capítulos apresentando na sua introdução, os pontos


relevantes onde traz exemplos paralelos com outros estudos sociológicos das relações
de poder. Em seguida faz as considerações sobre o método assim como o
desprendimento, quando se fazia necessário, em utilizar outros métodos. Explica de
forma detalhada a formação das relações de vizinhança e a visão geral da Zona 1 e da
Zona 2; mostra as famílias matrifocais da Zona 2, suas implicações e sua relevância na
comunidade; desvenda as associações locais e a “rede de famílias antigas”, em seguida
detalha a visão geral da Zona 3; e, finalmente, antes de apresentar a conclusão faz
observações sobre a fofoca (gossip) e fala sobre os jovens de Winston Parva.
Além dos três apêndices que narram sobre: 1. Aspectos sociológicos da
identificação; 2. Nota sobre os conceitos de “estrutura social” e “anomia e 3. Da relação
entre “família e comunidade”, esta edição inclui posfácio à edição alemã com o tema
“Outras facetas da relação estabelecidos-outsiders – O modelo Maycomb”.
Em 1959-60 viviam em Winston Parva, menos de 5000 habitantes que formavam
uma comunidade bastante coesa com suas próprias escolas, fábricas, igrejas, lojas e
clubes. A área compunha de três bairros e os seus habitantes viam a si mesmo e aos
outros em termos bastante convencionais. Viam a Zona 1 (de 460 habitantes,
aproximadamente) como uma “área de classe mais alta” ou “área residencial” e as
Zonas 2 (de 2600 habitantes, aproximadamente) e 3 (de 1200 habitantes,
aproximadamente) como “bairros operários”, embora os moradores da Zona 2 vissem
sua área como amplamente superior. Cada zona tinha suas generalidades e seus grupos
minoritários.

Em Winston Parva os dois grupos em que a comunidade era dividida não diferiam
quanto a sua classe social, nacionalidade, ascendência étnica ou racial, credo religioso
ou nível de instrução, enfim, a maioria das explicações atuais sobre os diferenciais de
poder não era aplicável à situação constatada. A diferença apresentava-se apenas “na
ordem de chegada” - “Os Estabelecidos” – grupo de antigos residentes havia duas ou
três gerações e, “Os outsiders” – moradores das povoações formadas em época mais
recente.

Os membros dos grupos dos estabelecidos, nascidos e moradores das chamadas


Zona 1 e parte da Zona 2 , dizem e pensam de si mesmos (se auto representam) como
humanamente superiores e, portanto, consideram seu grupo como sendo mais poderoso
que o outro. A convivência de décadas em uma comunidade de estrutura familiar
matrifocal, criou um grupo altamente coeso que incluíam antigas amizades e laços de
intimidade emocional. Essa integração é um diferencial que contribui substancialmente
para seu excedente de poder, sua maior coesão permite que esse grupo reserve para seus
membros as posições sociais com potencial mais elevado, o que vem reforçar a coesão.
Para se preservarem excluíam e estigmatizavam os recém-chegados protegendo sua
identidade grupal e afirmando sua superioridade. A opinião do grupo tem uma profunda
influência, agindo como força reguladora dos sentimentos e da conduta em cada um dos
seus membros e, sob certos aspectos, tem também a função e o caráter de consciência
do próprio indivíduo.

De outro lado, os outsiders, moradores da chamada Zona 3 e da parte restante da


Zona 2, vindos de diferentes partes da Grã-Bretanha não percebiam, ao chegarem em
Winston Parva, os antigos moradores como diferentes deles sob nenhum aspecto. Mas,
ao tentarem estabelecer contato, eram rejeitados e assim se conscientizavam de que os
antigos residentes percebiam-se como um grupo fechado, ao qual se referiam como
“nós” e percebiam os novatos como um grupo de intrusos, a quem se referiam por
“eles” e que pretendiam manter à distância. Os recém-chegados eram desconhecidos
não apenas dos antigos residentes, mas também entre eles; não tinham coesão e, por
isso, não conseguiam revidar. Sendo estigmatizados pelos estabelecidos como
anômicos, desordeiros que não respeitam as leis e as normas (as leis e as normas dos
estabelecidos), mas também como não sendo particularmente limpos. Nessa situação, o
estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar
na autoimagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo.
Para um distrito de suas dimensões. Os recursos que Winston Parva oferecia aos
jovens eram muito precários. A única organização juvenil que tinha por norma manter
as portas abertas para os jovens, independentemente ao grupo a que pertenciam, era o
Clube Juvenil Aberto, organizado pela Diretoria Municipal de Ensino. – Fundado
durante o período da pesquisa.

Durante décadas, a fofoca (gossip) tinha a função de alimentar e conservar a


imagem e a reputação dos estabelecidos, que era mencionada por seus residentes sempre
com visível orgulho e engrandecida por um pequeniníssimo número de famílias
“socialmente superiores” enquanto os outsiders eram decisivamente marcados pelas
atividades do seu setor “mais baixo”. Assim, os estabelecidos se espelham com a
“minoria dos melhores”, ou seja, tende para a idealização enquanto que a imagem dos
outsiders tende a se modelar na “minoria dos piores”, isto é, tende a estar denegrida. A
complementaridade entre o carisma grupal (dos estabelecidos) e a desonra grupal (dos
outros) é um dos aspectos mais significativos do tipo de relação, entre os dois grupos,
encontrada aqui.

O estudo realizado é relatado com destreza. A dedicação e a independência dos


pesquisadores foram cruciais conforme relataram ao compilar os dados das estatísticas
oficiais, relatórios governamentais, documentos jurídicos e jornalísticos, entrevistas e
principalmente da observação participante. O tratamento de fontes diversas permitiu
compreender a natureza dos laços de interdependência que unem, separam e
hierarquizam indivíduos e grupos sociais.

A indignação, ao perceber que os moradores outsiders pareciam aceitar a


inferioridade ainda que com certa amargura, serviu de mola propulsora para o
desenvolvimento da pesquisa. Instigou ainda mais os autores tornando o estudo mais
detalhado e profundo.

A análise maior consiste em saber que características estruturais da comunidade


em desenvolvimento de Winston Parva ligavam dois grupos de tal maneira que os
membros de um deles sentiam-se impelidos – e tinham para isso recursos de poder
suficientes – a tratar os de outro, coletivamente, com certo desprezo como pessoas
menos educadas e, portanto, de valor humano inferior, se comparadas com eles.

Recomendo o livro, em especial, àqueles que estudam os aspectos sociológicos de


questões como a violência, a discriminação, a exclusão social e as relações humanas e
em particular, a todos que se deixam dominar por qualquer forma de poder.

Norbert Elias nasceu em Breslau (Polônia), em 1897 e morreu em Amsterdam em


1990. Sociólogo, estudou medicina, filosofia e psicologia nas Universidades de Breslau
e Heidelberg. Abandonou a Alemanha em 1933, indo primeiro para a França e depois
para a Inglaterra, onde foi professor na Universidade de Leicester (1945-62); lecionou
mais tarde, como professor visitante, em universidades na Alemanha, Holanda e Gana.
Outras obras do autor, publicada no Brasil: O processo civilizador (2vols.; 1990, 1993),
A sociedade dos indivíduos (1994), Mozart, sociologia de um gênio (1994), Os alemães
(1997), Sobre o tempo (1998), A sociedade de corte (2001) e Norbert Elias por ele
mesmo (2001).

John L. Scotson era professor de uma escola primária na cidade perto de Leicester,
onde foi realizado o estudo. Na época desenvolvia pesquisas relativas à delinquência
juvenil.

Deise Cristina Moreira da Silva


Acadêmica do CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA
CULTURA DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE – SP.

Disciplina – Cultura e Pensamento Social.

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