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Cinemática do

Trauma (1ª
parte)

Introdução

A equipe que atende a um politraumatizado deve ter dois tipos de lesões em mente.
O primeiro tipo são aquelas facilmente identificáveis ao exame físico, permitindo
tratamento precoce. Já o segundo tipo de lesões são aquelas ditas potenciais, ou
seja, não são óbvias ao exame mas podem estar presentes pelo mecanismo de
trauma sofrido pelo paciente. Dependendo do grau de suspeita destas lesões pela
equipe, danos menos aparentes podem passar desapercebidos, sendo tratadas

Deste modo, ressalta-se a importância de se conhecer a história


do acidente. Quando bem acurada e interpretada pela equipe,
tem-se a suspeita de mais de 90% das lesões antes de ter
contato direto com o paciente.

A história no trauma divide-se em três fases:

· Pré-impacto: são os eventos que precedem o acidente, tais


como ingestão de álcool e ou drogas, condições de saúde do
paciente (doenças preexistentes), idade, etc. Estes dados terão
influência significativa no resultado final.

· Impacto: deve constar o tipo de evento traumático (ex. colisão


automobilística, atropelamento, queda, ferimento penetrante,
etc.). Deve-se também estimar a quantidade de energia trocada
(ex. velocidade do veículo, altura da queda, calibre da arma,
etc.).

· Pós-impacto: ela se inicia após o paciente ter absorvido a


energia do impacto. As informações coletadas nas fases de pré-
impacto e impacto são utilizadas para conduzir as ações pré-
hospitalares na fase de pós-impacto. A ameaça à vida pode ser
rápida ou lenta, dependendo em parte das ações tomadas nesta
fase pela equipe de resgate.

Portanto, as informações colhidas pelas equipes a respeito dos


danos externos e internos do veículo constituem-se em pistas
para as lesões sofridas pelos seus ocupantes. Com isto, a
identificação das lesões ocultas ou de diagnóstico mais difícil
são facilitadas, permitindo tratamento mais precoce reduzindo-
se a morbi-mortalidade dos pacientes. Algumas observações
são muito comuns, tais como: deformidades do volante de
direção, sugerindo trauma torácico, quebra com abaulamento
circular do pára-brisas indicando o impacto da cabeça, o que
sugere lesão cervical e craniana, deformidades baixas do painel
de instrumentos sugerindo luxação do joelho, quadril ou fratura
de fêmur.

Energia e Leis Físicas

A fim de entender e interpretar as informações obtidas na


história, faz-se necessário considerar algumas leis físicas:

Um corpo em movimento ou em repouso, tende a ficar neste


estado até que uma energia externa atue sobre ele (1ª Lei de
Newton).

A energia nunca é criada ou destruída, mas sim, pode mudar de


forma. As formas mais comuns são mecânica, térmica, elétrica
e química.

A energia cinética é igual a massa multiplicada pelo quadrado


da velocidade , dividido por dois. Com isso, a velocidade é mais
importante fator gerador de energia cinética do que a massa,
ou seja a energia trocada em uma colisão em alta velocidade é
muito maior do que uma em baixa velocidade. Já a diferença da
massa dos ocupantes do veículo pouco interfere na energia de
colisão.

Uma força é igual ao produto da massa pela sua aceleração (ou


desaceleração).

Outro fator a se considerar numa colisão é a distância de


parada. Antes da colisão, o veículo e o ocupante viajam numa
mesma velocidade. Durante o impacto, ambos sofrem uma
brusca desaceleração, até pararem. Portanto, aumentos da
distância de parada, diminuem a força de desaceleração sobre o
veículo e seus ocupantes. A compressibilidade do material
exerce influência na distância de parada e consequentemente
na força de desaceleração. Ao ocorrer a compressão do
material, há um aumento na distância de parada, absorvendo
parte da energia, impedindo que o corpo absorva toda a
energia, diminuindo as lesões no mesmo. Isto pode ser
exemplificado quando se compara a colisão contra um muro de
concreto e uma barreira de neve.

Cavitação

Defini-se como o deslocamento violento dos tecidos do corpo


humano para longe do local do impacto, devido à transmissão
de energia. Este rápido movimento de fuga dos tecidos a partir
da região do impacto, leva a uma lesão por compressão tecidual
e também à distância, pela expansão da cavidade e estiramento
dos tecidos.

Este fenômeno gera dois tipos de cavidades (ou deformações).


As cavidades temporárias são formadas no momento do
impacto, sendo que os tecidos retornam a sua posição prévia
após o impacto. Este tipo de cavidade não é visto pela equipe
de resgate e nem pelo médico ao exame físico. O outro tipo de
cavidade é denominado permanente. Elas são causadas pelo
impacto e compressão dos tecidos e podem ser vistas após o
trauma. A diferença básica entre os dois tipos de cavidades é a
elasticidade dos tecidos envolvidos. Por exemplo, um chute no
abdome pode deformar profundamente a parede sem deixar
marcas visíveis, pois após o golpe, a parede volta à sua posição
original, gerando-se somente uma cavidade temporária. Já
quando um motoqueiro choca sua cabeça contra um obstáculo,
gera-se múltiplas fraturas de crânio, não permitindo o retorno
dos ossos às suas posições originais (afundamento de crânio).
Isto forma uma cavidade permanente que é facilmente
identificável ao exame.

Permutas de energia

Ela depende de vários fatores, tais como:

· Densidade: quanto maior a densidade do tecido, maior será o


número de partículas que se chocará com o objeto em
movimento, levando uma maior permuta de energia entre eles.

· Área de superfície: similarmente o que ocorre com a


densidade, quanto maior a área de contato entre os tecidos e o
objeto em movimento, maior será o número de partículas
envolvidas e consequentemente maior a permuta de energia.

Esta área pode ser constante durante o impacto ou pode sofrer


deformações, alterando com isto permuta de energia. Um
projétil de arma de fogo, por exemplo, ao atravessar os tecidos,
vai sendo deformado, aumentando sua área e
consequentemente a permuta de energia no decorrer do seu
trajeto. As munições “Dum Dum” se expandem violentamente
ao se chocarem com a pele, causando lesões internas mais
extensas. Este tipo de munição expandível foi proibido em
conflitos militares (Tratado de Petersburg 1899 e Convenção de
Geneva). A área também pode variar pelo rolamento do projétil
ao atravessar os tecidos (rotação transversal). O projétil
penetra na pele com sua menor área, mas ao atravessar os
tecidos, sofre desvios no eixo transversal que aumentam sua
área e consequentemente a permuta de energia. Esta atinge
seu máximo quando o projétil está a 90º (corresponde a maior
área). Este fenômeno denominado “tumble” (cambalhota)
ocorre pela mudança do centro de gravidade do projétil ao
atravessar os tecidos. Outro fenômeno que pode ocorrer é a
fragmentação do projétil. Quando isto ocorre, ele se espalha
numa maior área, causando maior lesão nos órgãos internos,
pela maior permuta de energia.

O conhecimento da ocorrência de permuta de energia e de suas


variáveis pela equipe de resgate, tem grande importância
prática. Isto pode ser evidenciado quando se compara duas
equipes que atendem um motorista que se chocou
violentamente contra o volante. A que conhece cinemática do
trauma, mesmo não reconhecendo lesões externas, saberá que
ocorreu uma cavitação temporária e uma grande desaceleração
suspeitando de lesões de órgãos intratorácicos. Com isso, a
conduta será mais agressiva, minimizando a morbi-mortalidade
dos pacientes. Já a que não tem estes conhecimentos, não
suspeitará de lesões de órgãos intra-torácicos, retardando o
diagnóstico e conduta das mesmas, influenciando diretamente
na sobrevida dos pacientes.

Trauma Fechado

As forças físicas, cavitação e permuta de energia são similares nos traumas


penetrantes e fechados. Mas quando a energia é concentrada em uma pequena
área, ela pode exceder a tensão superficial do tecido e penetrá-lo. Em ambos os
tipos de trauma, ocorre cavitação temporária mas somente no penetrante existe a
formação da cavitação permanente.

No trauma fechado, duas forças estão envolvidas no impacto: mudança brusca de


velocidade (aceleração ou desaceleração) e compressão. Elas podem ser
resultantes de quedas, colisões automobilísticas, acidentes com pedestres,
agressões, etc.

Lesões por mudança de velocidade

A mudança brusca de velocidade, cria uma grande aceleração ou desaceleração


podendo causar lesões em diferentes partes do corpo.

· Cabeça: O impacto do crânio com algum anteparo, leva à desaceleração brusca


do mesmo. Com isto, o crânio pára, mas o cérebro continua a se mover para
frente. A parte do cérebro mais próxima do local de impacto sofre compressão,
contusão ou laceração. Já a parte simetricamente oposta ao local de impacto se
afasta do crânio, levando ao estiramento e laceração dos vasos, causando
hemorragias epidurais ou subaracnoideas.

Os sinais de suspeita dessas lesões são as contusões visíveis no couro cabeludo e


face e quebra do pára-brisas do veículo, formando um abaulamento circular no
vidro.

· Pescoço: O crânio é suficientemente forte para absorver os impactos sofridos.


Entretanto, sendo a coluna cervical muito mais flexível, não tolera grandes
pressões de impacto sem sofrer angulações ou compressões. Movimentos de
hiperextensão ou hiperflexão do pescoço levam a angulações importantes, podendo
resultar em fraturas ou deslocamentos das vértebras. As compressões com as
vértebras alinhadas podem resultar em esmagamento de corpos vertebrais. Todas
estas lesões podem desestabilizar a coluna, permitindo a colisão dessas estruturas
com a medula espinhal, causando lesões irreversíveis. Em impactos laterais, a
cabeça se aproxima do ponto de impacto em relação ao eixo lateral e antero-
posterior (devido à rotação). Esses movimentos levam à separação dos corpos
vertebrais do lado oposto ao impacto, rompendo ligamentos e, à compressão do
lado do impacto, resultando em fraturas.

· Tórax: Impactos na região do tórax atingem inicialmente o esterno. Ele absorve


grande parte da energia e pára abruptamente. No entanto, a parede posterior do
tórax e os órgãos na cavidade torácica continuam a se mover para a frente. O
coração e a aorta ascendente são relativamente “soltos” na cavidade torácica, mas
a aorta descendente é firmemente fixada à parede posterior. Com isto, quando se
cria uma grande aceleração (ex.: impactos laterais) ou grandes desacelerações
(ex.: colisões frontais), produz-se um momento entre o complexo arco aórtico e a
aorta descendente, levando a uma secção total ou parcial da aorta nesta região
(próximo ao ligamento arterioso). Quando total, há um grande sangramento e o
paciente morre no local do acidente. Já quando parcial, forma-se um aneurisma
traumático, que pode se romper minutos, horas ou dias após. Cerca de 80% dos
pacientes morrem no local do acidente. Do restante, um terço morrem seis horas
após, um terço morrem em 24 horas, e um terço vivem por três dias ou mais.
Portanto, pelo mecanismo de trauma, deve-se suspeitar pelo tipo de lesão,
permitindo investigação e tratamento em tempo hábil.

Compressões da parede torácica resultam freqüentemente em pneumotórax. Isto


porque há um fechamento involuntário da glote no momento do impacto,
aumentando a pressão dos pulmões durante a compressão, levando à ruptura. Isso
pode ser comparado ao que ocorre quando estouramos um saco de papel cheio de
ar entre as mãos. Por esse motivo esse efeito é denominado “paper bag”. As
compressões externas do tórax podem levar ainda à fratura de algumas costelas.
Quando múltiplas, existe a possibilidade de se desenvolver um quadro denominado
tórax instável. Órgãos internos também podem ser atingidos, como por exemplo o
coração. Contusões cardíacas são muito graves pois podem levar à arritmias
potencialmente fatais.

· Abdome: Como ocorre em outros locais, quando há uma desaceleração brusca


as vísceras abdominais continuam a se movimentar para a frente. Com isso gera-se
uma força de cisalhamento nos locais de fixação dos órgãos, geralmente localizados
nos seus pedículos. Isso ocorre por exemplo com os rins, baço, e intestinos delgado
e grosso. O fígado também pode sofrer lacerações na região do ligamento redondo.
Isto porque é fixado principalmente no diafragma. Como esse músculo possui
grande mobilidade, permite a movimentação do fígado para a frente, forçando-o
contra o ligamento redondo.

Fraturas pélvicas podem levar à lesões de bexiga e de vasos da cavidade pélvica.


Alguns órgãos podem ser comprimidos contra a coluna vertebral, tais como
pâncreas, baço, fígado e rim.

As paredes anterior, lateral, posterior e inferior do abdome são extremamente


fortes. Mas a parede superior é composta pelo diafragma, que é um músculo de
aproximadamente 5mm de espessura, correspondendo a parede mais fraca. Com
isto, o aumento da pressão abdominal pode levar à:

· perda do trabalho ventilatório do diafragma;

· ruptura do diafragma, ocorrendo a passagem das vísceras abdominais para a


cavidade torácica, reduzindo a expansibilidade dos pulmões;

· isquemia de alguns órgãos pela compressão ou estiramento dos vasos devido


ao deslocamento dos órgãos;

· hemotórax devido à hemorragias abdominais. O aumento exagerado da


pressão abdominal pode levar ainda à rupturas esofágicas ( Síndrome de Boerhave)
ou ruptura da valva aórtica pelo refluxo sangüíneo.

Colisões de Veículos Automotores


• Colisão do ocupante

Quando um veículo se choca contra um obstáculo fixo, ocorrem duas colisões. A


primeira entre a vítima e o veículo e a segunda entre os órgãos da vítima e a
estrutura de seu corpo.

As colisões automobilísticas podem ser de seis tipos:

· impacto frontal

· impacto traseiro

· impacto lateral

· impacto angular

· capotamento

· ejeção

Impacto frontal: corresponde à colisão contra um obstáculo que se encontra à


frente do veículo. Se o ocupante não estiver utilizando mecanismos contensores
(ex. cinto de segurança), ele irá se chocar contra alguma parte do veículo ou ser
ejetado para fora do veículo (primeira lei de Newton).

O impacto da vítima com a cabine do veículo ocorre em dois tempos:

A vítima escorrega para baixo de tal forma que suas extremidades inferiores (joelho
e pés) sejam o primeiro ponto de impacto. Nestas condições, as lesões mais
comuns são: fratura - luxação do tornozelo, luxação do joelho, fratura de fêmur e
luxação posterior do acetábulo.

Após a trajetória acima, a vítima é projetada para frente e seu tronco se choca
contra o volante ou painel. Deste forma, seu crânio se choca contra o pára-brisas,
levando a lesões do segmento cefálico e/ou coluna cervical. Ao mesmo tempo, o
tórax e o abdome se chocam contra o volante ou painel.

Impacto lateral: se refere às colisões do lado do veículo capazes de imprimir ao


ocupante uma aceleração que o afasta do ponto de impacto. Dele podem resultar
lesões semelhantes às do impacto frontal, mas além destas, podem ocorrer lesões
de compressão do tronco e de pelve do lado de colisão. Por exemplo, impactos do
lado do motorista podem levar a fraturas de arcos costais esquerdo, lesão esplênica
e lesões esqueléticas esquerdas (ex. pelve). Na mesma situação o passageiro terá
mais lesões direitas (principalmente hepáticas).

Impacto traseiro: geralmente este impacto ocorre quando um veículo parado é


atingido por trás por outro veículo. Nestas condições o assento carrega o tronco dos
ocupantes para a frente com grande aceleração, mas a cabeça não acompanha este
movimento, ocorrendo uma hiperextensão do pescoço. Este movimento leva à
lesões pelo mecanismo de chicote (“Whiplash”). Este tipo de lesão é evitado com o
uso correto do suporte de cabeça.

Impacto angular: neste tipo de impacto, ocorre um misto dos padrões estudados
acima.
Capotamento: nestas situações, o ocupante se choca contra qualquer parte da
cabine, causando deslocamentos violentos e múltiplos, o que leva à lesões mais
graves.

Ejeção: a vítima nestes casos sofre lesões decorrentes da ejeção do veículo


propriamente dito e do seu choque com o solo. A probabilidade de lesões aumenta
em mais de 300% e há grandes chances de ocorrer lesões ocultas.

• Colisões de motocicletas

Podem ocorrer lesões por compressão, aceleração/desaceleração e cisalhamento.


Porém, menor será o risco de ocorrerem, quanto maior for o número de
equipamentos de proteção utilizados no momento do impacto (ex. capacete, botas,
luvas, roupas, etc.)

Os mecanismos de lesão são:

·Impacto frontal/ejeção: quando a roda dianteira se choca contra um anteparo, a


motocicleta pára subitamente. Obedecendo a 1ª Lei de Newton, o motociclista
continua seu movimento para a frente, até bater contra um objeto ou com o solo.
Durante esta projeção, sua cabeça, tórax ou abdome podem se chocar contra o
guidom. Se for ejetado da motocicleta, seus membros inferiores, batem no guidom
podendo levar a fraturas bilaterais de fêmur. Posteriormente ao se chocar com o
solo, múltiplas lesões podem ocorrer.

·Impacto Lateral/ejeção: podem ocorrer as mesmas lesões do impacto lateral em


um automóvel. Porém são muito freqüentes as fraturas e esmagamentos dos
membros inferiores. Se for ejetado da moto, pode sofrer múltiplas lesões.

·Derrapada Lateral: neste mecanismo, o motociclista pode sofrer graves


abrasões e até mesmo avulsões dos tecidos.

• Pedestres

As lesões ocorrem em três fases:

· Impacto com o pára-choque dianteiro: depende diretamente da altura do pára-


choque e da vítima. Geralmente em adultos as lesões costumam acometer regiões
entre as pernas e a pelve. Em crianças as lesões torácicas e abdominais são mais
comuns.

· Impacto com o capô e pára-brisas: ocorrem lesões do tronco e cabeça.

· Impacto com o solo: lesões de cabeça e coluna.

Como visto anteriormente, podem existir lesões viscerais pela


aceleração/desaceleração e compressão.

Traumas Fechado (continuação)

• Mecanismos de Contenção

Até agora, foram descritas lesões em pacientes que não usavam mecanismos de
contenção no momento do impacto. Mas, com a propagação do uso destes
dispositivos, houve uma grande redução da morbi-mortalidade dos pacientes
vitimas de acidentes.

Quando o cinto de segurança é posicionado adequadamente, a pressão do impacto


é absorvida pela pelve e tórax, resultando numa diminuição drástica do número e
gravidade das lesões. Já quando posicionado de forma inadequada (acima da
pelve), a pressão é absorvida por tecidos moles da cavidade abdominal e
retroperitônio, podendo resultar em lesões por compressão (ex. baço, fígado,
pâncreas, duodeno). É possível ainda ocorrer lesões por aumento da pressão
abdominal e por hiperflexão da coluna lombar (fraturas por compressão anterior).
Cabe ressaltar que a gravidade destas lesões são ainda bem menores, se o cinto
não estivesse sendo usado.

O cinto de dois pontos é eficaz nas colisões laterais, mas nos outros tipos de
colisões, podem ocorrer lesões graves de cabeça e pescoço. Em vista disto, faz-se
necessário o uso do cinto de três pontos. Este tipo de dispositivo reduz muito a
gravidade das lesões de tórax, pescoço e cabeça quando utilizados corretamente.
Existem muitos relatos de lesões pelo uso do cinto, tais como fratura das clavículas
e contusão miocárdica. Entretanto, se a vítima estivesse sem ele, dificilmente teria
sobrevivido. O uso inadequado da faixa diagonal pode resultar em graves lesões
cervicais.

O “air-bag” é outro dispositivo que reduz significativamente algumas lesões


frontais. Ele absorve parte da energia do impacto, aumentando a distância de
parada e consequentemente diminui a permuta de energia. Entretanto, ele só é
eficiente no primeiro impacto. Nos impactos subsequentes ele não tem qualquer
ação, bem como nos impactos laterais, traseiros e capotamentos. Portanto, ele
deve ser encarado como complementar e não substituto ao cinto. A sua expansão
pode causar lesões no tórax, braços e face, principalmente se a vítima usar óculos.

Alguns veículos contam com barras laterais de reforço. Isso diminui as lesões
produzidas pela projeção da carroçaria para dentro da cabine.

Em vista disto, para uma proteção mais completa, os usuários dos veículos devem
usar o cinto de três pontos de maneira correta e se possível o “air-bag”. Cabe
ressaltar que estes dispositivos são projetados para adultos. Portanto crianças
devem trafegar no banco traseiro utilizando mecanismos contensores adequados ao
seu tamanho.

• Quedas

Vítimas de queda estão sujeitas a múltiplos impactos e lesões. Nestes casos, devem
ser avaliados:

· Altura da queda: quanto maior a altura, maior a chance de lesões, visto que a
velocidade em que a vítima atinge o anteparo é proporcionalmente maior e
consequentemente a desaceleração.

· Compressibilidade da superfície do solo: quanto maior a compressibilidade, maior


a capacidade de deformação, aumentando a distância de parada, diminuindo a
desaceleração. Isto pode ser exemplificado quando se compara uma superfície de
concreto e uma de espuma.

· Parte do corpo que sofreu o primeiro impacto: este dado permite levantar a
suspeita de algumas lesões. Quando ocorre o primeiro impacto nos pés, ocorre uma
fratura bilateral dos calcâneos (“Síndrome de Don Juan”). Após, as pernas
absorvem o impacto, levanto a fraturas de joelho, ossos longos e quadril. A seguir
o corpo é flexionado, causando fraturas por compressão da coluna lombar e
torácica. Já quando a vítima bate primeiramente as mãos resulta em fraturas
bilaterais do rádio (Fratura de Colles). Nos casos em que a cabeça recebe o
primeiro impacto ocorre lesões de crânio e coluna cervical.

• Explosões

Esta ocorrência não é exclusiva dos tempos de guerra. Devido à violência civil, às
atividades terroristas e ao transporte e armazenamento de materiais explosivos, as
explosões ocorrem de modo rotineiro. Elas resultam da transformação química,
extremamente rápida, de volumes relativamente pequenos de materiais sólidos,
semi-sólidos, líquidos ou gasosos que rapidamente procuram ocupar volumes
maiores. Tais produtos, em rápida expansão, assumem a forma de uma esfera, a
qual possui no seu interior uma pressão muito mais alta que a atmosférica. Na sua
periferia, se forma uma fina camada de ar comprimido que atua como uma onda de
pressão que faz oscilar o meio em que se propaga. A medida em que se afasta do
local de detonação, a pressão rapidamente diminui (à 3ª potência da distância). A
fase positiva pode atingir várias atmosferas com duração extremamente curta. A
fase negativa é de duração mais longa.

As explosões podem causar três tipos de lesões:

· Lesões primárias: resultam diretamente da onda de pressão. Elas tem maior


capacidade lesiva para os órgãos que contém gás. As lesões mais comuns são as
roturas do tímpano, contusão, edema e pneumotórax quando atinge os pulmões.
Em explosões subaquáticas, os órgãos mais acometidos são os olhos (hemorragias
e descolamento de retina) e roturas intestinais.

· Lesões secundárias: resultam de objetos arremessados a distância, que atinge


os indivíduos ao redor (ex. granadas)

· Lesões terciárias: neste tipo, o próprio indivíduo se transforma em um “míssil”


e é arremessado contra um anteparo ou o solo.

• Lesões no esporte

Muitos esportes ou mesmo atividades recreativas são capazes de levar à lesões


graves. Elas podem ser por desaceleração, compressão, hiperextensão, hiperflexão,
etc. Isto é agravado pelo grande aumento de “esportistas” ocasionais ou
recreacionais, os quais não têm o treinamento e técnica necessários, além da falta
de equipamento de proteção.

Esportes que envolvem alta velocidade (ex. esqui, skate, ciclismo) levam a lesões
similares às causadas por motocicletas, já descritas anteriormente.

Uma importante pista para suspeita de lesões são os danos ocorridos nos
equipamentos. A quebra por exemplo de um capacete, evidencia a violência do
impacto, bem como sua localização e mecanismo de trauma envolvido.

Cada esporte tem um mecanismo específico de lesão, mas existem princípios


gerais, que são:
· Que forças atuam na vítima e como elas atuam;

· Quais são as lesões aparentes;

· Quais partes do corpo trocaram energia com algum objeto ou solo;

· Quais outras lesões podem ter sido produzidas pela troca de enrgia estimada;

· O que pode ter sido comprimido;

· Como ocorreu a aceleração ou desaceleração;

· Quais lesões podem ter sido produzidas por movimentos ocorridos (hiperflexão,
hiperextensão, etc.).

Trauma Penetrante

Como já discutido anteriormente, quando um objeto em movimento se depara com


um obstáculo, ocorre uma permuta de energia entre eles. Quando esta é
concentrada em uma pequena área, ela pode exceder a tensão superficial do tecido
e penetrá-lo.

A permuta de energia entre objeto em movimento e os tecidos resulta em


cavitação. Ela depende da área e forma do míssil, da densidade do tecido e
velocidade do projétil no momento do impacto. Cabe ressaltar que a área e a forma
podem variar a medida em que sofrem desvios (desvio lateral em relação ao eixo
vertical - efeito “yaw” ou derrapagem e rotação transversal - efeito “tumble” ou
cambalhota), além da possibilidade de sofrer fragmentações.

Níveis de Energia

São classificadas em três categorias:

· Baixa energia: correspondem à facas e outros objetos lançados manualmente.


Eles causam lesões somente pela sua superfície cortante, gerando poucas lesões
secundárias. Portanto, seu trajeto dentro do corpo for conhecido, pode-se predizer
a maioria das lesões. O sexo do agressor é um dado para se predizer este trajeto.
Geralmente os agressores produzem lesões acima da lesão de entrada e as
agressoras abaixo. Outros dados essenciais são: a posição da vítima e do agressor,
o tipo de arma utilizada e a movimentação do objeto dentro do corpo da vítima.

· Média energia: corresponde aos revólveres e alguns rifles.

· Alta energia: rifles militares ou de caça.

Os que difere os de média e alta energia é o tamanho da cavitação (temporária e


permanente). Algumas armas, além de causar lesões ao longo de seu trajeto, causa
lesões ao redor.

O vácuo criado pela cavitação, leva fragmentos de roupa, bactérias, etc. para
dentro da lesão.
A distância também é importante. Quanto maior, menor será a velocidade do
projétil., diminuindo as lesões.

Lesões Regionais Específicas

· Cabeça: após o projétil penetrar no crânio, a energia é distribuída numa


cavidade fechada. Isto leva a uma aceleração das partículas contidas nesta
cavidade (no caso o cérebro), forçando-as contra o crânio. Como este é inflexível, o
cérebro se choca contra a parede interna do crânio, produzindo muito mais lesões
se comparada às cavidades expansíveis. Armas de média energia (ex. calibre 22)
podem seguir a curvatura interna do crânio. O projétil entra, mas não tem energia
o suficiente para sair, fazendo com que siga tal trajeto. Este fenômeno pode causar
graves lesões, denominando tais armas como “assassinas”.

· Tórax: (1) Pulmões: devido à sua baixa densidade, o projétil entra sem causar
grandes lesões. Mas do ponto de vista clínico, estas são muito importantes,
principalmente pelas alterações do espaço pleural (ex. pneumotórax, hemotórax,
etc.). (2) Estruturas vasculares: pequenos vasos não são firmemente fixados à
parede torácica, podendo ser afastados do objeto lesivo sem sofrerem grandes
danos. Já os grandes vasos (ex. aorta, cavas) não podem se mover facilmente,
sendo mais suscetíveis à lesões. O miocárdio quando atingido por armas potentes,
sofre lesões que levam à exasangüinação imediata. Mas, quando atingido por
armas mais leves (ex. estiletes, facas, calibre 22), devido à sua contração, reduz o
tamanho das lesões permitindo que a vítima chegue viva ao hospital. (3) Esôfago:
sua poção torácica pode ser penetrada, derramando seu conteúdo na cavidade
torácica. Os sinais e sintomas desta lesão podem aparecer tardiamente (horas ou
dias após). Portanto, mesmo sem estes sinais, tais lesões devem ser suspeitadas e
investigadas, permitindo tratamento precoce, o que previne muitas complicações
graves (ex. mediastinite).

· Abdome: armas de baixa energia podem penetrar a cavidade abdominal sem


causar danos significantes. Somente 30% dos ferimentos por faca requerem
reparação cirúrgica. As armas de média energia são mais lesivas, requerendo
reparação em 85 a 95% dos casos. Quando estas armas atingem estruturas sólidas
ou vasculares, podem não produzir sangramento imediato, permitindo a vítima
chegar viva ao hospital.

· Extremidades: (1) Ossos: quando um osso é atingido pode sofrer


fragmentação. Estes fragmentos se transformam em “projéteis secundários”
lesando os tecidos ao redor. (2) Músculos: são expandidos ao longo do trajeto,
podendo causar hemorragias. (3) Vasos sangüíneos: podem ser penetrados pelo
projétil ou sofrerem obstrução por danos de seu revestimento endotelial (por lesão
secundária).

Ferimentos de Entrada e Saída

A determinação se um orifício é de entrada ou saída é de suma importância para


que atende uma vítima de ferimento por projétil de arma de fogo. Dois orifícios
podem indicar dois ferimentos separados ou podem ser os ferimentos de entrada e
saída de um único projétil. Em ambos os casos as informações podem influenciar a
identificação das estruturas anatômicas possivelmente lesadas e a conduta a ser
tomada.

Geralmente, os orifícios de entrada são lesões ovais ou redondas, cercadas por uma
área enegrecida (1 a 2 mm de extensão) devido à queimadura e/ou abrasão do
tecido. Dependendo da distância da arma, podemos ter aspectos diferentes. Se
muito próximo ou encostado à pele, gases são forçados para dentro do subcutâneo.
A explosão deixa uma visível queimadura na pele. Quando ocorre de 10 a 20 cm
pode ser visto um pontilhado (tatuagem) devido às partículas de pólvora lançadas
em ignição. Estas características podem variar de acordo com a vestimenta da
vítima. Já o ferimento de saída tem um aspecto estrelado, sem as alterações
mencionadas acima.

Para fins médico-legais, uma lesão só pode ser dita de entrada ou saída em duas
situações: quando há somente uma lesão ou quando se tem documentação
histológica da presença de queimadura por pólvora ao redor da lesão.

Guia de Informações

Respondendo as questões abaixo, será possível interpretar os dados obtidos na


história do trauma, correlacionando-os com a clínica.

· Impacto:

Que tipo de impacto ocorreu - frontal, lateral, traseiro, angular, capotamento ou


ejeção?

Qual a velocidade em que ocorreu o acidente ?

Estava a vítima usando dispositivos contensores ?

Onde supostamente estão as lesões mais graves ?

Que forças estão envolvidas ?

Qual o caminho seguido pela energia ?

Quais órgãos podem ter sido lesados neste caminho ?

A vítima é uma criança ou um adulto ?

· Queda:

Qual a altura ?

Qual a distância de parada ?

Que parte do corpo foi primeiramente atingido ?

· Explosões:

Qual a distância entre a explosão e o paciente ?

Quais as lesões primárias, secundárias e terciárias à explosão podem existir ?

· Penetrantes:

Onde está o agressor ?

Qual o sexo do agressor ?


Que arma foi usada ? Se uma arma de fogo, qual o calibre e munição utilizada ?

A que distância e ângulo foi disparado ?

Respostas a estas questões são essenciais para localizar os efeitos ocultos do


trauma no corpo. Uma adequada avaliação da cinemática do trauma pode ajudar a
equipe à predizer e suspeitar de possíveis lesões e orientar exames específicos, a
fim de encontrar lesões ocultas.

Referências Bibliográficas

1. AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. Advanced Trauma Life Support. Instructor


Manual. Chicago,1993.

2. FELICIANO, D.V.; WALL, M.J.Jr. Pacient of injury. In: MOORE, E.E.; MATTOX
K.L.; FELICIANO,D.V. Trauma. East Norwalk, Connecticut, Appleton & Lange, 1.ed.
1991,p.81-93

3. Basic and Advanced Pre Hospital Trauma Life Support - PHTLS. 3.ed. Mosby
Lifeline. 1995.

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