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A RIQUEZA DAS NAÇÕES

Adam Smith
Por Roberto Fendt

A DIVISÃO DO TRABALHO

O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a maior parte da habilidade, destreza e
bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado parecem ter sido resultados da
divisão do trabalho.
Tomemos como exemplo a fabricação de alfinetes. Um operário não treinado para essa atividade nem
familiarizado com a utilização das máquinas ali empregadas dificilmente fabricaria um único alfinete por dia.
Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada um operário desenrola o arame, um outro o
endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto afia as pontas para a colocação da cabeça do
alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se duas ou três operações diferentes; montar a cabeça é
uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma
atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximada-
mente 18 operações distintas. Uma pequena manufatura com apenas dez empregados consegue fabricar mais
de 48 mil alfinetes por dia em virtude de uma adequada divisão do trabalho e da combinação de suas diferentes
operações. Se, porém, esses dez operários tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que
nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, cada um deles não teria conseguido fabricar
um único alfinete.
A divisão do trabalho multiplica as produções de todos os diversos ofícios e gera, em uma sociedade
bem dirigida, a riqueza universal que se estende até às camadas mais baixas do povo. Cada trabalhador tem
para vender uma grande quantidade do seu próprio trabalho, além daquela de que ele mesmo necessita.
Fornece-lhes em abundância aquilo de que carecem, e estes, por sua vez, com a mesma abundância, lhe
fornecem aquilo de que necessita; assim é que em todas as camadas da sociedade se difunde uma abundância
geral de bens. (Livro I, Capítulo I)

O PRINCÍPIO QUE DÁ ORIGEM À DIVISÃO DO TRABALHO

Essa divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma
sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria essa riqueza geral à qual dá origem. Ela é a conseqüência
necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa tendência ou propensão existente na natureza humana
que não tem em vista essa utilidade extensa: a propensão a trocar uma coisa pela outra.
O homem tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar essa ajuda
simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer se conseguir interessar
a seu favor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de
que ele precisa. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso
jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas
à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão
para eles.
Assim como é por negociação, por troca ou por compra que conseguimos uns dos outros a maior
parte dos serviços recíprocos de que necessitamos, da mesma forma é essa mesma tendência a trocar que
originariamente gera a divisão do trabalho. A diferença entre as personalidades mais diferentes, entre um
filósofo e um carregador comum da rua, por exemplo, parece não provir tanto da natureza, mas antes do hábito,
do costume, da educação ou formação. É a certeza de poder permutar toda a parte excedente da produção de
seu próprio trabalho, que ultrapasse seu consumo pessoal, que estimula cada pessoa a dedicar-se a uma
ocupação específica e a cultivar e aperfeiçoar todo e qualquer talento ou inclinação que possa ter por aquele
tipo de ocupação ou negócio. (Livro I, Capítulo II)

A DIVISÃO DO TRABALHO É LIMITADA PELA EXTENSÃO DO MERCADO

Como é o poder de troca que leva à divisão do trabalho, assim a extensão dessa divisão deve sempre
ser limitada pela extensão desse poder, ou, em outros termos, pela extensão do mercado. Quando o mercado é
muito reduzido, ninguém pode sentir-se estimulado a dedicar-se inteiramente a uma ocupação, porque não
poderá permutar toda a parcela excedente de sua produção, que ultrapassa seu consumo pessoal, pela parcela
de produção do trabalho alheio, da qual tem necessidade. (Livro I, Capítulo III)

DA ORIGEM E DO USO DO DINHEIRO

Uma vez plenamente estabelecida a divisão do trabalho, é muito reduzida a parcela de necessidades
humanas que pode ser atendida pela produção individual do próprio trabalhador. A grande maioria de suas
necessidades ele a satisfaz permutando aquela parcela do produto de seu trabalho, que ultrapassa o seu
próprio consumo, por aquelas parcelas da produção alheia de que tiver necessidade. Assim sendo, todo homem
subsiste por meio da troca, tornando-se de certo modo comerciante; e assim é que a própria sociedade se
transforma naquilo que adequadamente se denomina sociedade comercial.
Quando a divisão do trabalho estava apenas em seu início, esse poder de troca deve ter deparado fre-
qüentemente com grandes empecilhos. Podemos perfeitamente supor que um indivíduo possua uma merca-
doria em quantidade superior àquela de que precisa, ao passo que um outro tem menos. Conseqüentemente, o
primeiro estaria disposto a vender uma parte de seu supérfluo, e o segundo a comprá-la. Todavia, se essa
segunda pessoa não possuir nada daquilo que a primeira necessita, não poderá haver nenhuma troca entre as
duas. A fim de evitar o inconveniente de tais situações, toda pessoa prudente, em qualquer sociedade e em
qualquer período da história, depois de adotar pela primeira vez a divisão do trabalho, deve ter se empenhado
em conduzir seus negócios de tal forma que, a cada momento, tivesse consigo, além dos produtos diretos de
seu próprio trabalho, uma certa quantidade de alguma(s) outra(s) mercadoria(s) – que, em seu entender,
poucas pessoas recusariam receber em troca do produto de seus próprios trabalhos.
Foi dessa maneira que em todas as nações civilizadas o dinheiro se transformou no instrumento
universal de comércio, através do qual são comprados e vendidos – ou trocados entre si – mercadorias de
todos os tipos. (Livro I, Capítulo IV)

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O PREÇO NATURAL E O PREÇO DE MERCADO DAS MERCADORIAS

Quando o preço de uma mercadoria não é menor nem maior do que o suficiente para pagar a renda
da terra, os salários do trabalho e os lucros do capital empregado em obter, preparar e levar a mercadoria para
o mercado, a mercadoria é nesse caso vendida pelo que se pode chamar de seu preço natural. O preço
corrente ao qual uma mercadoria é vendida denomina-se seu preço de mercado. Este pode estar acima ou
abaixo do preço natural, podendo também coincidir exatamente com ele.
Quando ela [a quantidade de uma mercadoria colocada no mercado] é inferior à demanda efetiva,
começará imediatamente uma concorrência entre os pretendentes e, em conseqüência, o preço de mercado
subirá, em relação ao preço natural, na proporção em que o grau de escassez da mercadoria ou a riqueza, a
audácia e o luxo dos concorrentes acenderem mais ou menos avidez de concorrer.
Quando ela [a quantidade da mercadoria colocada no mercado] ultrapassar a demanda efetiva, uma
parte deve ser vendida àqueles que só aceitam pagar menos, e o baixo preço que pagam pela mercadoria
necessariamente reduz o preço natural, na proporção em que o excedente aumentar mais ou menos a
concorrência entre os vendedores.
Quando ela [a quantidade colocada no mercado] coincide exatamente com o suficiente e necessário
para atender à demanda efetiva, muito naturalmente o preço de mercado coincidirá com o preço natural. Poder-
se-á vender toda a quantidade disponível ao preço natural, e não se conseguirá vendê-la a preço mais alto. A
concorrência entre os diversos comerciantes os obriga todos a aceitar esse preço natural, mas não os obriga a
aceitar menos.
Conseqüentemente, o preço natural é como que o preço central ao redor do qual continuamente estão
gravitando os preços de todas as mercadorias. Contingências diversas podem, às vezes, mantê-los bastante
acima dele e, noutras vezes, forçá-los para baixo desse nível. Mas, quaisquer que possam ser os obstáculos
que os impeçam de fixar-se nesse centro de repouso e continuidade, constantemente tenderão para ele. (Livro
I, Capítulo VII)

OS MONOPÓLIOS

Embora o preço de mercado de cada mercadoria esteja continua- mente gravitando em torno do preço
natural, às vezes por causas naturais e às vezes por regulamentos específicos, podem, em muitas mercadorias,
manter por longo tempo o preço de mercado acima do preço natural.
Os monopolistas, por manterem o mercado sempre em falta, por nunca suprirem plenamente a
demanda efetiva, vendem suas mercadorias muito acima do preço natural delas, auferindo ganhos – que
consistem em salários ou lucros – muito acima de sua taxa natural.
O preço de monopólio é, em qualquer ocasião, o mais alto que se possa conseguir. Ao contrário, o
preço natural, ou seja, o preço da livre concorrência, é o mais baixo que se possa aceitar, não em cada ocasião,
mas durante qualquer período de tempo considerável e sucessivo. O primeiro é, em qualquer ocasião, o preço
mais alto que se possa extorquir dos compradores, ou que supostamente eles consentirão em pagar. O
segundo é o preço mais baixo que os vendedores comumente podem aceitar se quiserem continuar a manter
seu negócio.
Os privilégios exclusivos detidos por corporações, estatutos de aprendizagem e todas as leis que
limitam, em ocupações específicas, a concorrência a um número inferior ao dos que de outra forma ocorreriam
têm a mesma tendência, embora em grau menor. Constituem uma espécie de monopólios ampliados, podendo
freqüentemente, durante gerações sucessivas e em categorias inteiras de ocupações, manter o preço de

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mercado de mercadorias específicas acima de seu preço natural, e manter algo acima de sua taxa natural tanto
os salários do trabalho como os lucros do capital empregados nessas mercadorias.
Tais elevações do preço de mercado podem perdurar enquanto durarem os regulamentos que lhes
deram origem. (Livro I, Capítulo VII)

OS SALÁRIOS DO TRABALHO

A demanda de assalariados necessariamente cresce com o aumento da renda e do capital de um


país, não sendo possível o aumento sem isso. O aumento da renda e do capital é o aumento da riqueza
nacional.
Não é a extensão efetiva da riqueza nacional, mas seu incremento contínuo que provoca uma
elevação dos salários do trabalho. Não é, portanto, nos países mais ricos, mas nos países progressistas, ou
seja, naqueles que estão se tornando ricos com mais rapidez, que os salários do trabalho são os mais altos.
Dever-se-á considerar essa melhoria da situação das camadas mais baixas da sociedade como uma vantagem
ou como um inconveniente para a sociedade? A resposta é tão óbvia, que salta à vista. Ora, o que faz melhorar
a situação da maioria nunca pode ser considerado como um inconveniente para o todo. Assim como a
remuneração generosa do trabalho estimula a propagação da espécie, da mesma forma aumenta a
laboriosidade. Os salários representam o estímulo da operosidade, a qual, como qualquer outra qualidade
humana, melhora na proporção do estímulo que recebe. Meios de subsistência abundantes aumentam a força
física do trabalhador, e a esperança confortante de melhorar sua condição e talvez terminar seus dias em
tranqüilidade e abundância o anima a empenhar suas forças ao máximo. Portanto, onde os salários são altos,
sempre veremos os empregados trabalhando mais ativamente, com maior diligência e com maior rapidez do
que onde são baixos. (Livro I, Capítulo VIII)

OS SALÁRIOS E O LUCRO NOS DIVERSOS EMPREGOS DE MÃO-DE-OBRA E CAPITAL

Em seu conjunto, as vantagens e desvantagens dos diversos empregos de mão-de-obra e de capital


devem continuamente devem tender à igualdade. Se na mesma região houvesse alguma ocupação ou emprego
que visivelmente fosse mais ou menos vantajoso que os demais, no primeiro caso seriam tantos que os
procurariam – e no segundo seriam tantos os que o abandonariam – que as vantagens logo voltariam ao nível
dos demais empregos. Isso aconteceria, em todo caso, em uma sociedade em que se deixasse as coisas
seguirem seu curso natural e em que houvesse perfeita liberdade, tanto para cada um escolher as profissões
que acreditasse apropriadas, como para mudar de profissão sempre que considerasse conveniente. O interesse
de cada um o levaria a procurar o emprego vantajoso e evitar o desvantajoso.
A política vigente na Europa, por não deixar as coisas terem seu livre curso, provoca outras
desigualdades muito mais importantes. Primeiro, limitando a concorrência, em se tratando de alguns empregos,
a um número menor de pessoas do que o número daquelas que de outra forma estariam dispostas a concorrer;
segundo, aumentando em outros empregos a concorrência, além da que ocorreria naturalmente; terceiro,
criando obstáculos à livre circulação de mão-de-obra e de capital, tanto de uma profissão para outra como de
um lugar para outro. Os privilégios exclusivos das corporações constituem o meio principal de que se lança mão
para atingir esse objetivo.
A propriedade que cada pessoa tem em sua própria ocupação, assim como é o fundamento original
de toda e qualquer outra propriedade, da mesma forma constitui a propriedade mais sagrada e inviolável. O

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patrimônio do pobre reside na força e na destreza de suas mãos, sendo que impedi-lo de utilizar essa força e
essa destreza da maneira que ele considera adequada, desde que não lese o próximo, constitui uma violação
pura e simples dessa propriedade sagrada. Estamos diante de uma evidente interferência na justa liberdade,
tanto do trabalhador como daqueles que poderiam desejar, a qualquer momento, contratar seus serviços. Assim
como se impede o trabalhador de trabalhar como lhe parece mais indicado, da mesma forma impede-se os
outros de empregar a quem considerarem mais oportuno. Julgar se o trabalhador é apto para o emprego é uma
função de seguramente pode ser confiada à discrição dos empregadores, que tanto interesse têm no caso. O
receio, por parte do legislador, de que os empregadores contratem pessoas inadequadas evidencia-se como
uma medida impertinente e opressiva.
As pessoas da mesma profissão raramente se reúnem, mesmo que seja para momentos alegres e
divertidos, mas as conversações terminam em uma conspiração contra o público, ou em algum incitamento para
aumentar os preços. Todavia, embora a lei não possa impedir as pessoas da mesma ocupação de se reunirem
às vezes, nada deve fazer no sentido de facilitar tais reuniões e muito menos para torná-las necessárias.
Tudo o que dificulta a livre circulação de mão-de-obra de uma profissão para outra, dificulta igual-
mente a circulação do capital de um emprego para outro, uma vez que o volume de capital que se pode aplicar
em determinado setor depende muito da quantidade de mão-de-obra que o setor pode empregar. (Livro I,
Capítulo X)

A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL, OU O TRABALHO PRODUTIVO E O IMPRODUTIVO

As grande nações nunca empobrecem devido ao esbanjamento ou à imprudência de particulares,


embora empobreçam às vezes em conseqüência do esbanjamento e da imprudência cometidos pela
administração pública.
Na maioria dos casos, como ensina a experiência, a frugalidade e a boa administração são suficientes
para compensar não somente o esbanjamento e a má administração individuais, como também as exorbitâncias
públicas. O esforço uniforme, constante e ininterrupto de toda pessoa, no sentido de melhorar sua condição,
princípio do qual derivam originalmente tanto a riqueza nacional e pública como a individual, é suficientemente
poderoso para manter o curso natural das coisas em direção à melhoria, a despeito das extravagâncias do
Governo e dos maiores erros da administração. Como o princípio desconhecido da vida animal, esse princípio
muitas vezes restitui a saúde e o vigor à constituição, apesar, não somente da doença, mas também das
absurdas receitas do médico.
Em meio a todas as exações feitas pelo governo, esse capital foi sendo silenciosa e gradualmente
acumulado pela frugalidade e pela boa administração de indivíduos particulares, por seu esforço geral, contínuo
e ininterrupto no sentido de melhorar sua própria condição. Foi esse esforço, protegido pela lei e permitido pela
liberdade de agir por si próprio da maneira mais vantajosa, que deu sustentação ao avanço da Inglaterra em
direção à grande riqueza e ao desenvolvimento em quase todas as épocas anteriores.
É altamente impertinente e presunçoso, por parte dos reis e ministros, pretenderem vigiar a economia
das pessoas particulares e limitar seus gastos. São sempre eles, sem exceção alguma, os maiores perdulários
da sociedade. Inspecionem eles bem seus próprios gastos, e confiem tranqüilamente que as pessoas
particulares inspecionarão os seus. Se seu próprio esbanjamento não arruína o país, não será o de seus
súditos que um dia o fará. (Livro II, Capítulo III)

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O DINHEIRO EMPRESTADO A JUROS

Em alguns países, a lei proibiu cobrar juros do dinheiro. Mas, já que sempre se pode ganhar algo com
o emprego do dinheiro, da mesma forma sempre se pagará algo pelo uso do mesmo. Essa proibição, portanto,
ao invés de impedir a usura, fez aumentar esse mal, como demonstra a experiência, pois obrigou o tomador a
pagar não somente pelo uso do dinheiro, mas também pelo risco necessariamente assumido pelo credor ao
aceitar uma compensação por esse uso. Ele é obrigado, se assim podemos dizer, a pagar ao credor um seguro
contra as penalidades impostas a quem pratica a usura.
Nos países em que os juros são permitidos, a lei, visando a impedir a extorsão mediante a usura,
geralmente fixa a taxa máxima que se pode cobrar sem incorrer em penalidades. Essa taxa deve sempre estar
algo acima do preço mínimo de mercado, ou seja, o preço normalmente pago pelo uso do dinheiro, por aqueles
que têm condições de oferecer segurança absoluta. Se tal taxa legal de juros for fixada abaixo da taxa mínima
de mercado, os efeitos necessariamente serão mais ou menos os mesmos que os decorrentes de uma
proibição pura e simples dos juros. O credor não emprestará seu dinheiro por valor inferior ao uso do mesmo, e
o devedor acabará tendo que pagar-lhe o risco que o credor assume ao aceitar o valor total desse uso do
dinheiro. E se a taxa legal de juros coincidir exatamente com a taxa mínima de mercado, arruinará, juntamente
com as pessoas honestas, que respeitam as leis do país, o crédito de todos aqueles que não têm condições de
oferecer a garantia máxima, e os obriga a recorrer aos usurários gananciosos.
Não há lei que consiga reduzir a taxa normal de juros abaixo da taxa mínima de mercado vigente no
momento em que a lei é promulgada. (Livro II, Capítulo IV)

DE QUE MANEIRA O COMÉRCIO DA CIDADES CONTRIBUI PARA O PROGRESSO DO CAMPO

Nos países comerciais é hoje muito rara a existência de famílias muito antigas que conservam alguma
propriedade rural considerável, transmitida de pai a filho, durante muitas gerações sucessivas. Ao contrário, em
países em que há pouco comércio, tais como o País de Gales ou a Alta Escócia, tais famílias continuam muito
numerosas. Em países em que uma pessoa rica não tem outra maneira de gastar sua renda a não ser
mantendo quantas pessoas puder sustentar, não está em condições de ultrapassar certos limites e sua
benevolência raramente é tão grande a ponto de tentar ele manter mais pessoas do que pode. Ao contrário, em
países onde o rico puder gastar a maior renda com a sua própria pessoa, muitas vezes ele não impõe limite
algum a seus gastos, uma vez que não têm limites sua vaidade e seu amor-próprio. Por isso, em países de
grande comércio é muito raro a riqueza permanecer na mesma família, a despeito de todo o rigor das leis que
proíbem a dissipação dos bens. Ao contrário, nas nações mais pobres a permanência da riqueza na mesma
família muitas vezes ocorre naturalmente, sem necessidade de normas legais.
Dessa maneira, uma revolução da maior importância para o bem-estar público foi levada a efeito por
duas categorias de pessoas, que não tinham a menor intenção de servir ao público. A única motivação dos
grandes proprietários era atender a mais infantil das vaidades. Por outra parte, os comerciantes e os artífices,
embora muito menos ridículos, agiram puramente a serviço de seus próprios interesses, fiéis ao princípio do
mascate, de com um centavo ganhar outro. Nem os proprietários nem os comerciantes e artífices conheceram
ou previram a grande revolução que a insensatez dos primeiros e a operosidade dos segundos estavam gra-
dualmente fermentando. (Livro III, Capítulo IV)

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O PRINCÍPIO DO SISTEMA COMERCIAL OU MERCANTIL

Que a riqueza consista no dinheiro é uma idéia popular que deriva naturalmente da dupla função do
dinheiro, como instrumento de comércio e como medida de valor. Dizemos que um homem rico vale muito
dinheiro, e que um pobre vale pouco dinheiro. Tornar-se rico, nesse modo de pensar, é adquirir dinheiro; em
suma, a riqueza e o dinheiro, no linguajar comum, são considerados como sinônimos, sob todos os aspectos.
Analogamente, supõe-se que um país rico – da mesma forma que um indivíduo rico – é aquele que
tem muito dinheiro; nessa suposição, acumular ouro e prata em um país constitui o caminho mais rápido para
enriquecê-lo.
Em conseqüência desses conceitos populares, todas as nações da Europa têm se empenhado,
embora com pouca serventia, em descobrir todos os meios possíveis de acumular ouro e prata em seus
respectivos territórios.
Um país que não possui minas próprias sem dúvida é obrigado a trazer de fora seu ouro e prata,
como acontece com quem não tem vinhedos próprios e tem que importar vinhos de fora. Todavia, não parece
necessário que a atenção do Governo se voltasse mais para um objetivo do que para o outro. Um país que tem
com que comprar vinho, terá à disposição o vinho de que necessita; e um país que tem com que comprar ouro
e prata, nunca terá falta deles. Com plena segurança achamos que a liberdade de comércio, sem que seja
necessária nenhuma atenção especial por parte do Governo, sempre nos garantirá o vinho de que temos
necessidade; com a mesma segurança podemos estar certos de que o livre comércio sempre nos assegurará o
ouro e a prata que tivermos condição de comprar ou empregar, seja para fazer circular as nossas mercadorias,
seja para outras finalidades. (Livro IV, Capítulo I)

RESTRIÇÕES À IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS QUE PODEM SER PRODUZIDAS NO


PAÍS

Ao se restringir, por altas taxas alfandegárias ou por proibições absolutas, a importação de bens
estrangeiros que podem ser produzidos no próprio país, garante-se mais ou menos o monopólio do mercado
interno para a indústria nacional que produz tais mercadorias.
A atividade geral da sociedade nunca pode ultrapassar aquilo que o capital da sociedade tem
condições de empregar. Não há regulamento comercial que possa aumentar a quantidade de mão-de-obra em
qualquer sociedade além daquilo que o capital tem condições de manter. Poderá apenas desviar parte desse
capital para uma direção para a qual, de outra forma, não teria sido canalizada; outrossim, de maneira alguma
há certeza de que essa direção artificial possa trazer mais vantagens à sociedade do que aquela que tomaria
caso as coisas caminhassem espontaneamente.
Todo indivíduo empenha-se continuamente em descobrir a aplicação mais vantajosa de todo capital
que possui. Com efeito, o que o indivíduo tem em vista é a sua própria vantagem, e não a da sociedade.
Todavia, a procura de sua própria vantagem individual natural ou, antes, quase necessariamente, leva-o a
preferir aquela aplicação que acarreta as maiores vantagens para a sociedade.
Já que todo indivíduo procura empregar seu capital de tal maneira que seu produto tenha o máximo
valor possível, cada indivíduo necessariamente se esforça por aumentar ao máximo possível a renda anual da
sociedade. Geralmente ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está
promovendo. Ao preferir fomentar a atividade do país e não de outros países, ele tem em vista apenas sua
própria segurança; e orientando sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor, visa
apenas seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a

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promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que
esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo
muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente
promovê-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o
comércio visando ao bem público. O estadista que tentasse orientar as pessoas particulares sobre como devem
empregar seu capital não somente se sobrecarregaria com uma preocupação altamente desnecessária, mas
também assumiria uma autoridade que seguramente não pode ser confiada nem a uma pessoa individual nem
mesmo a alguma assembléia ou conselho, e que em lugar algum seria tão perigosa como nas mãos de uma
pessoa com insensatez e presunção suficientes para imaginar-se capaz de exercer tal autoridade.
Na verdade, esperar que a liberdade de comércio seja um dia totalmente restabelecida na Grã-
Bretanha é tão absurdo quanto esperar que um dia nela se implante uma Oceana ou Utopia. Opõe-se
irresistivelmente a isso não somente os preconceitos do público, mas também – o que constitui um obstáculo
mais intransponível – os interesses particulares de muitos indivíduos, irresistivelmente contrários a tal coisa.
(Livro IV, Capítulo II)

OS SUBSÍDIOS

Em se tratando dos produtos de determinados setores de atividade interna, freqüentemente se


solicitam, na Grã-Bretanha, subsídios para a exportação, os quais, às vezes, são concedidos. Alega-se que,
através de tais subsídios, possibilita-se aos nossos comerciantes e manufatores vender suas mercadorias, no
mercado estrangeiro, ao mesmo preço ou até a preço mais barato que seus rivais no exterior. Afirma-se que,
com isso, se exportará uma quantidade maior, e a balança comercial apresentará, conseqüentemente, maior
superávit a nosso favor. Não temos condições de dar aos nossos trabalhadores um monopólio no mercado
externo, como fizemos no mercado interno. Não podemos forçar os estrangeiros a comprarem nossas
mercadorias, como forçamos nossos patrícios no país. Não sendo isso possível, acreditou-se que o melhor
expediente seria pagar aos estrangeiros para que comprassem as nossas mercadorias. É dessa forma que o
sistema mercantil se propõe a enriquecer o país inteiro e trazer dinheiro a todos os nossos bolsos, através da
balança comercial.
Admite-se que os subsídios só devem ser concedidos aos setores comerciais que não conseguiriam
operam sem eles. O subsídio é feito para compensar essa perda e estimular o comerciante a continuar – ou
talvez a começar – um comércio cujas despesas se prevêem superiores aos retornos, no qual cada operação
consome parte do capital nele empregado e que é de tal natureza que, se acontecesse algo semelhante com
todos os outros setores, em breve não sobraria mais nenhum capital no país. Portanto, o efeito dos subsídios,
como, aliás, de todos os demais expedientes do sistema mercantil, só pode ser o de dirigir forçosamente a
atividade ou o comércio de um país para um canal muito menos vantajoso do que seria aquele para o qual ele
se orientaria natural e espontaneamente. (Livro IV, Capítulo V)

OS TRATADOS COMERCIAIS

Quando uma nação se obriga, por tratado, a permitir a entrada de certas mercadorias de um país
estrangeiro, entrada que proíbe mercadorias provenientes de qualquer outro país, ou a isentar as mercadorias
de um país de taxas às quais sujeita as de todos os outros países, necessariamente o país cujo comércio é
assim favorecido deve auferir grande vantagem desse tratado – ou, pelo menos, os comerciantes e manu-

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fatores desse país. Com isso, os referidos comerciantes e manufatores desfrutam de uma espécie de mono-
pólio no país que é tão indulgente para com eles. Esse país torna-se um mercado mais amplo e mais vantajoso
para as mercadorias dos referidos comerciantes e manufatores: mais amplo porque, excluindo a entrada dos
produtos de outras nações ou sujeitando-os a taxas de importação mais pesadas, o país compra maior quan-
tidade de mercadorias desses comerciantes e manufatores; mais vantajoso porque os comerciantes do país
favorecido, por desfrutarem de uma espécie de monopólio no referido país, muitas vezes venderão seus
produtos por preço melhor do que se o mercado estivesse aberto à concorrência de todas as outras nações.
Embora, porém, tais tratados possam ser vantajosos para os comerciantes e manufatores do país
favorecido, são necessariamente desvantajosos para os do país que favorece. O tratado assegura um mono-
pólio a uma nação estrangeira, contra os comerciantes e manufatores do próprio país; com freqüência estes
terão, assim, que comprar as mercadorias estrangeiras de que carecem mais caro do que se fosse admitida a
livre concorrência das outras nações. (Livro IV, Capítulo VI)

RESULTADO DO SISTEMA MERCANTIL

O consumo é o único objetivo e propósito de toda a produção, ao passo que o interesse do produtor
deve ser atendido somente na medida em que possa ser necessário para promover o interesse do consumidor.
O princípio é tão óbvio que seria absurdo tentar demonstrá-lo. Ora, no sistema mercantil o interesse do
consumidor é quase constantemente sacrificado ao do produtor e, ao que parece, ele considera a produção,
não o consumo, como fim e objetivo precípuos de toda atividade e comércio.
Nas restrições à importação de todas as mercadorias estrangeiras que possam vir a competir com as
de nossa própria produção ou manufatura, o interesse do consumidor interno é evidentemente sacrificado em
favor do interesse do manufator. É totalmente em benefício deste último que o consumidor é obrigado a pagar o
aumento de preço quase sempre provocado por esse monopólio.
É completamente em benefício do produtor que se concedem subsídios à exportação de alguns de
seus produtos. O consumidor interno é obrigado a pagar, primeiro, a taxa necessária para cobrir o subsídio e,
segundo, o imposto ainda maior que necessariamente deriva do aumento do preço da mercadoria no mercado
interno. (Livro IV, Capítulo VIII)

OS SISTEMAS AGRÍCOLAS OU OS SISTEMAS DE ECONOMIA POLÍTICA QUE REPRESENTAM A


PRODUÇÃO DA TERRA COMO A FONTE ÚNICA OU A FONTE PRINCIPAL DA RENDA E DA RIQUEZA DE
CADA PAÍS

Todo sistema que procura, por meio de estímulos extraordinários, atrair para um tipo específico de
atividade uma parcela do capital da sociedade superior àquela que naturalmente para ela seria canalizada, ou
então que, recorrendo a restrições extraordinárias, procura desviar forçadamente de um determinado tipo de
atividade parte do capital que, caso contrário, naturalmente seria para ela canalizada, na realidade age contra o
grande objetivo que tenciona alcançar. Ao invés de acelerar, retarda o desenvolvimento da sociedade no
sentido da riqueza e da grandeza reais e, ao invés de aumentar, diminui o valor real da produção anual de sua
terra e de seu trabalho.
Conseqüentemente, uma vez eliminados inteiramente todos os sistemas, sejam eles preferenciais ou
de restrições, impõe-se por si mesmo o sistema óbvio e simples da liberdade natural. Deixa-se a cada qual, en-
quanto não violar as leis da justiça, perfeita liberdade de ir em busca de seu próprio interesse, a seu próprio

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modo, e faça com que tanto seu trabalho como seu capital concorram com os de qualquer outra pessoa ou
categoria de pessoas. O soberano fica totalmente desonerado de um dever que, se ele tentar cumprir, sempre o
deverá expor a inúmeras decepções, e para essa obrigação não haveria jamais sabedoria ou conhecimento
humano que bastassem: a obrigação de superintender a atividade das pessoas particulares e de orientá-las
para as ocupações mais condizentes com o interesse da sociedade.
Segundo o sistema da liberdade natural, ao soberano cabem apenas três deveres; três deveres, por
certo, de grande relevância, mas simples e inteligíveis ao entendimento comum: primeiro, o dever de proteger a
sociedade contra a violência e a invasão de outros países independentes; segundo, o dever de proteger, na
medida do possível, cada membro da sociedade contra a injustiça e a opressão de qualquer outro membro da
mesma, ou seja, o dever de implantar uma administração judicial exata; e, terceiro, o dever de criar e manter
certas obras e instituições públicas que jamais algum indivíduo ou um pequeno contingente de indivíduos
poderá ter interesse em criar e manter, já que o lucro jamais poderia compensar o gasto de um indivíduo ou de
um pequeno contingente de indivíduos, embora muitas vezes ele possa até compensar em maior grau o gasto
de uma grande sociedade. (Livro IV, Capítulo IX)

OS FUNDOS OU FONTES DE RECEITA QUE PODEM PERTENCER PARTICULARMENTE AO SOBERANO


OU AO ESTADO

Embora não haja atualmente na Europa nenhum país civilizado que aufira a maior parte de sua receita
pública de renda de terras que sejam propriedade do Estado, em todas as grandes monarquias da Europa
existem ainda muitas grandes áreas de terra que pertencem à Coroa. Em geral são campos e, às vezes,
campos em que, depois de viajar várias milhas, dificilmente se encontra uma única árvore – puro desperdício e
perda de terra, tanto no tocante à produção como à população. Em toda grande monarquia da Europa, a venda
das terras da Coroa geraria uma soma muito grande de dinheiro, a qual, se aplicada no pagamento das dívidas
públicas, livraria da hipoteca uma renda muito superior a qualquer renda que essas terras jamais proporcio-
naram à Coroa. A Coroa poderia imediatamente desfrutar do rendimento que esse alto preço livraria da
hipoteca. No decurso de alguns anos provavelmente desfrutaria de outro rendimento. Quando as terras se
tornassem propriedade privada, no prazo de alguns anos estariam melhoradas e bem cultivadas. O aumento de
sua produção faria aumentar a população do país, aumentando o rendimento e o consumo da população. Ora,
com o aumento do rendimento e do consumo da população, necessariamente aumentaria também a receita que
a Coroa auferiria das taxas alfandegárias e dos impostos de consumo.
Embora pareça que nada custe aos indivíduos a renda que, em qualquer monarquia civilizada, a
Coroa aufere de suas terras, na realidade ela talvez custe à sociedade mais do que qualquer outra renda igual
que a Coroa possa ter. Em todos os casos, seria de interesse para a sociedade substituir essa renda
pertencente à Coroa por alguma outra renda igual, dividindo-se as terras entre a população – e, para fazer isso,
talvez o melhor seria colocá-las à venda pública. (Livro V, Capítulo II)

IMPOSTOS

Há quatro máximas com respeito aos impostos em geral:


1. Os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo,
em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta,
sob a proteção do Estado. As despesas de Governo, em relação aos indivíduos de uma grande nação, são

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como as despesas de administração em relação aos rendeiros associados de uma grande propriedade, os
quais são obrigados a contribuir em proporção aos respectivos interesses que têm na propriedade. É na
observância ou não-observância desse princípio que consiste o que se denomina eqüidade ou falta de eqüidade
da tributação. Importa observar, uma vez por todas, que todo imposto que, em última análise, recai exclu-
sivamente sobre um dos três tipos de rendimento acima mencionados é necessariamente não-eqüitativo, na
medida em que não afeta os dois outros tipos de rendimento.
2. O imposto que cada indivíduo é obrigado a pagar deve ser fixo e não arbitrário. A data do
recolhimento, a forma de recolhimento e a soma a pagar devem ser claras e evidentes para o contribuinte e
para qualquer outra pessoa. Se assim não for, toda pessoa sujeita ao imposto está mais ou menos exposta ao
arbítrio do coletor, o qual pode aumentar o imposto para qualquer contribuinte que lhe é odioso ou então
extorquir, mediante a ameaça de aumento do imposto, algum presente ou gorjeta para si mesmo.
3. Todo imposto deve ser recolhido no momento e da maneira que, com maior probidade, forem mais
convenientes para o contribuinte.
4. Todo imposto deve ser planejado de tal modo que retire e conserve fora do bolso das pessoas o
mínimo possível, além da soma que ele carreia para os cofres do Estado.
Na França tanto existem impostos de selo como taxas de registro. Essas modalidades de taxação, por
meio de selo e de taxa de registro, são de invenção bem moderna. No entanto, no decurso de pouco mais de
um século os impostos de selo se tornaram quase universais na Europa, e as taxas de registro se tornaram ex-
tremamente comuns. Não existe arte que um governo aprenda do outro com maior rapidez do que a de extrair
dinheiro do bolso da população. (Livro V, Capítulo II)

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