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ESTRUTURA E DINÂMICA
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DAS ORGANIZAÇOES
3.3 edição
íNDICE
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BIBLIOGRAFIA 509
A Sr.a Raku tinha um estúdio de cerâmica na cave da sua casa. Esta activi-
dade envolvia um número de tarefas diferenciadas - a preparação do barro, o
moldar dos potes, o trabalhá-los quando ainda meio-secos, a preparação e apli-
cação dos vidrados e a cozedura no forno. A coordenação destas tarefas não
apresentava qualquer problema: a Sr.a Raku encarregava-se de tudo.
Mas a ambição e o sucesso das cerâmicas da Sr.a Raku causavam um pro-
blema: as encomendas excediam a sua capacidade de produção. Por conseguinte,
a Sr.a Raku contratou a Sr;a Bisque, que tinha imenso interesse em aprender a
fazer cerâmica. O que significava que a Sr.a Raku tinha agora de dividir o tra-
balho entre elas. Mas como as lojas de artesanato queriam cerâmicas feitas pela
Sr.a Raku, foi decidido que a Sr.a Bisque preparasse o barro e os vidrados e que
a Sr.a Raku fizesse o resto. Tudo isto requeria uma certa coordenação do traba-
lho, de facto, um problema mínimo, quando só duas pessoas trabalham num
estúdio de cerâmica: bastava-lhes comunicarem de maneira informal.
Estas disposições funcionaram lindamente, tão bem que, passado pouco tempo,
a Sr.a Raku foi mais uma vez atolada em encomendas. Tornou-se então necessá-
rio contratar mais assistentes: mas desta vez, a Sr.a Raku decidiu contratá-las
directamente da escola de cerâmica local, prevendo o dia em que as mesmas
teriam que moldar os potes. Assim, embora a Sr.a Bisque tivesse levado um
certo tempo a aprender, as três novas assistentes, logo desde o princípio, sabiam
exactamente o que fazer e adaptaram-se muito bem; mesmo com cinco pessoas,
a coordenação não apresentava quaisquer problemas.
Mas quando se contrataram duas novas assistentes, os problemas de coorde-
nação começaram a surgir. Um dia a Sr.a Bisque tropeçou num balde de vidrado
e quebrou cinco potes; noutro dia a Sr.a Raku abriu o forno e apercebeu-se de
que os vasos de suspensão para plantas tinham sido todos, por engano, vidrados
f- com cor-de-rosa cíclamen. Nesse momento, deu-se conta que sete pessoas a tra-
I' balhar num pequeno estúdio não conseguiam coordenar todo o trabalho através
do simples mecanismo de comunicação informal. (Existem 21 possíveis permu-
tas ou canais de comunicação, pelos quais duas pessoas podem comunicar,
extraídas de um grupo de sete pessoas, se tomarrrios os membros dois a dois.)
Para agravar a situação, acrescentava-se o facto de que a Sr.a Raku, que agora
20 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇe.,2S
se intitulava presidente de Ceramics Limited, dedicava agora cada vez mais tempo
aos seus clientes; de facto, por essa altura, era mais provável encontrá-la ves-
tida com um vestido de um costureiro da moda, do que enfiada num par de
jeans. Assim decidiu nomear a Sr.a Bisque, gerente do estúdio, para que se ocu-
passe inteiramente com a supervisão e coordenação do trabalho das cinco assis-
tentes que fabricavam a cerâmica.
A empresa continuou a crescer. E mais uma vez ocorreram grandes mudan-
ças, quando um consultor em organização foi chamado. Seguindo os seus con-
selhos, o estúdio foi completamente reorganizado em quatro linhas de produção
- cada assistente encarregando-se apenas de uma só tarefa dentro de cada linha
de produção (potes, cinzeiros, vasos de suspensão para plantas e animais de
cerâmica) - a primeira preparava o barro, a segunda moldava, a terceira buri-
lava o barro e assim por diante. Consequentemente, a produção tomou a forma
de quatro linhas de produção. Cada pessoa seguia um conjunto de normas pre-
cisas, elaboradas de antemão, que asseguravam a coordenação de todo o traba-
lho exigido. Claro que Ceramics Limited deixou de vender para lojas de artesa-
nato; a Sr.a Raku passou a aceitar só encomendas por grosso, e a maioria das
vendas destinavam-se a redes de armazéns.
Mas a ambição da Sr.a Raku não tinha limites, e logo que teve a oportuni-
dade de diversificar, não hesitou. Primeiro foram azulejos de cerâmica, depois
acessórios para casa de banho e finalmente tijolos de argila. A empresa foi sub-
sequentemente dividida em três divisões - produtos de consumo, produtos de
construção civil, e produtos industriais.
A Sr.a Raku trabalhava agora num escritório no quinquagésimo quinto andar
da sua «Torre da Cerâmica», onde coordenava as actividades das divisões, revendo
os resultados cada trimestre e actuando pessoalmente quando as taxas de cres-
cimento e de lucro não atingiam os números desejados. Um dia, a Sr.a Raku
estava sentada à sua secretária a examinar os orçamentos quando, ao olhar para
os arranha-céus vizinhos, teve uma súbita inspiração e decidiu mudar o nome da
sua companhia para Ceramico.
o ajustamento mútuo
A supervisão directa
1 Esta tipologia reflecte em parte, as conclusões de Simon (1957), March e Simon (1958) e
Galbraith (1973).
2 Para uma exposição teórica detalhada acerca dos diversos modos de coordenação de acções
~or parte de decisores independentes, ver Lindblom (1965, capítulos 2-5). O capítulo 14 do mesmo
livro também examina como o ajustamento mútuo pode por vezes conseguir uma melhor coorde-
nação do que a supervisão directa ou certas formas de estandardização.
22 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES
truções e controla as suas acções, como indicado na figura 1-1 (b). Com efeito,
um cérebro coordena várias mãos, como no caso do supervisar do estúdio de
cerâmica ou no caso do remador de popa que marca a cadência das remadas na
canoa de guerra.
Consideremos a estrutura do futebol americano. Aqui a divisão do trabalho é
bastante acentuada; temos onze jogadores seleccionados de acordo com o traba-
lho que desempenham em campo, e também com a sua respectiva localização e
até mesmo com os seus atributos físicos. O ágil halfback1 posiciona-se por
detrás da linha de aglomeração dos jogadores e leva a bola; o jogador normal-
G) Gestor
Analista (A
O O O O
---' ---'
Operacional Operacional
(c) Estandardização
Figura 1.1
OS CINCO MECANISMOS DE COORDENAÇÂO
1 Haljback, jogador que assume a posição no sentido ofensivo de uma equipa de futebol ame-
ricano que requer uma corrida sistemática com a bola. (N. T.)
A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 23
A estandardização
O trabalho também pode ser coordenado por outros meios, que não apenas
pelo ajustamento mútuo ou pela supervisão directa. Pode ser estandardizado. «A
coordenação das diversas partes é incorporada no programa (de trabalho) desde
a concepção, e a necessidade de comunicação contínua é consequentemente
reduzida.» (March e Simon, 1958, pág. 162.) A coordenação começa no estira-
dor, por assim dizer, antes mesmo do trabalho começar. Os trabalhadores na
linha de montagem de automóveis e os cirurgiões que trabalham numa sala de
operações não precisam de se preocupar com a coordenação com os colegas em
circunstâncias normais - sabem exactamente o que esperar dos colegas e proce-
dem de acordo com esse conhecimento ..
A figura 1-1 (c) mostra quais são os três tipos fundamentais de estandardi-
zação, dentro das organizações. Os processos de trabalho propriamente ditos, os
resultados do trabalho, assim como as qualificações dos operacionais - podem,
todos eles, ser concebidos de maneira a observar padrões pré-determinados.
vam as bases de tartes debaixo e por cima do recheio. Claro que existem outros
postos de trabalho estandardizados que proporcionam uma maior margem de mano-
bra: pode exigir-se a um comprador que obtenha pelo menos três propostas para
todas as compras que excedam lO 000 dólares, mas, por outro lado, este é livre
de desempenhar o seu trabalho como bem lhe aprouver.
•
A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 25
o adiar da introdução da função de direcção para além do estádio óptimo ... con-
duz ao declínio da eficiência do sistema ... A energia dos membros do grupo, em vez
de ser consagrada à tarefa principal, é cada vez mais consagrada à tarefa de manter
o grupo unido ... (pág. 88).
I O mesmo se pode dizer a respeito de operações muito mais complexas, corno uma operação
de coração aberto, que durou cinco horas, observada do princípio ao fim por Gosselin (1978) - e
na qual mal se observou qualquer comunicação infonnal entre os cirurgiões cardiovasculares e o
anestesista.
26 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES
Estandardização
~. ~ dos Resultados
Estandardização /" Mútuo
das Qualificações
Figura 1.2
OS MECANISMOS DE COORDENAÇÃO: UM CONTÍNUO IRREGULAR
DE COMPLEXIDADE
f-
)! dianteira. Como se notou anteriormente, a organização tem três escolhas. Quando
. \ as tarefas são simples e rotineiras, a organização pode estandardizar os seus pró-
L.priosprocessos de trabalho. Mas no caso de trabalho muito mais complexo, a orga-
nização é forçada a estandardizaL.Q~...r~§QH-ªçlº~,deixando ao operador a escolha
do processo~s casos ainda mais complexos, nem mesmo o resultado pode ser
estandardizado e a organização deve então contentar-se em estandardizar as qua-
lificações do operador, sempre que 'possível. Mas se se provar não ser possível
estandardizar as tarefas diferenciadas' da organização, esta ver-se-á forçada a
voltar ao ponto de partida e de utilizar o mecanismo de coordenação, que é o
mais simples, mas ao mesmo tempo, o mais adaptável de todos os mecanismos
de coordenação - o ajustamento mútuo. Como se verificou anteriormente, os
gestores obrigados a resolver problemas sofisticados, que encaram situações extre-
mamente complexas, devem comunicar de maneira informal, no caso de quere-
rem vir a desempenhar satisfatoriamente os seus cargos.
Nesta fase da nossa discussão, torna-se claro que dentro de cada situação espe-
cífica, uma organização vai favorecer um dos mecanismos de coordenação sobre
os outros quatro, e que, de certo modo, estes mecanismos de coordenação são
substituíveis uns p~los outros. Isto de modo nenhum significa que uma organiza-
ção se possa apoiar num único mecanismo de coordenação com exclusão dos outros.
De facto, a maioria das organizações utiliza uma mistura dos cinco mecanismos,
em diversos graus. Por exemplo, seja qual for o grau de estandardização, há sem-
pre necessidade de um mínimo de supervisão e de ajustamento mútuo. As orga-
nizações modernas não podem simplesmente existir sem liderança, nem sem
comunicação informal, quanto mais não seja para que lhes seja permitido ultra-
passar as rigidezes da estandardização.! Na fábrica mais automatizada (i. é., totalmente
estandardizada), as máquinas avariam-se, os trabalhadores nem sempre aparecem,
por vezes o planeamento do trabalho tem de ser mudado à última hora. Não só os
supervisores têm de intervir, como os trabalhadores devem dispor de uma margem
de manobra suficiente que lhes permita lidar com problemas inesperados. Por exem-
plo, Wren (1967), descreve a rede de electricidade, que cobre o Nordeste ameri-
I Emery e Trist (1960) sustentam que um grupo de trabalho só é eficaz se for capaz de gerar
a sua própria coordenação interna, (i. é, se utilizar ajustamento mútuo). «A tarefa primordial de
gestão de uma organização, no seu conjunto, é referir o sistema global ao seu ambiente e não ape-
nas à regulação interna per se». (pág. 93). A minha posição é diferente: sou da opinião de que
enquanto certas unidades se devem apoiar no ajustamento mútuo, não existe nenhuma sem um mínimo
de supervisão directa.
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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 27
cano, uma rede completamente automática mas a que faltava um sistema efectivo
de supervisão: «Os diversos sistemas estavam ligados tecnologicamente por razões
de economia, não estando previstos dispositivos, no caso de avaria, para manter
operacionais os diversos sistemas independentemente do todo, pois os sistemas
embora autónomos eram interdependentes.» (Pág. 73.) O resultado foi o famoso
corte total de electricidade de 1965, que mergulhou a região em total escuridão.
No geral, para além da dimensão mínima, a maioria das organizações, sem-
pre que podem, parecem apoiar-se na estandardização. Nos outros casos, utili-
zam, de maneira parcialmente permutável, a supervisão directa e o ajustamento
mútuo. O primeiro destes mecanismos falha logo que o trabalho de organização
se torna demasiado complexo para ser gerido por um só cérebro. E o segundo
falha, sempre que existe um desacordo demasiado importante entre os operacio-
nais que devem regular a sua actividade pelo ajustamento mútuo, daí resultando
a necessidade do estabelecimento de um supervisor.1
A Literatura
I Estas conclusões inspiram-se em Galbraith (1973), embora tenham sido adaptadas com ligei-
ras modificações. Galbraith afirma que as organizações tentam primeiro usar regras e procedimen-
tos, depois a referência hierárquica e, em seguida, o planeamento, à medida que a informação aumenta.
No caso de o planeamento falhar, Galbraith afirma que a organização pode escolher um de dois
caminhos: ou elimina a necessidade de interdependências entre as tarefas através da criação de
recursos folgados, alargamento dos prazos, ou unidades autónomas, ou aumenta a capacidade de estru-
tura para processar informação através da utilização de sofisticados Sistemas de Informação de
Gestão (SIG), ou através da criação de relações laterais - mecanismos de ajustamento mútuo tais
como «elementos de ligação», grupos de trabalho e estruturas matriciais.
28 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES
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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 29
Um defeito
Contudo, este livro não começa imediatamente com a literatura sobre a estru-
turação das organizações. Isto deve-se a um defeito grave na literatura relevante.
A maior parte da literatura contemporânea não relaciona a descrição da
estrutura de uma organização com o seu funcionamento. Raramente se diz
ao leitor o que se passa realmente no interior da estrutura, como é que os pro-
cessos de trabalho, de informação e de decisão funcionam, de facto, dentro da
organização. Assim, temos Conrath (1973) que concluiu depois de fazer uma
pesquisa exaustiva da literatura que abordasse a ligação entre os fluxos de
comunicação e a estrutura da organização:
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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 31
plexos que têm lugar dentro das organizações. Podemos tirar algumas informa-
ções resultantes desta investigação, logo que tivermos um sistema conceptual.
Mas é preciso observar que esta investigação não é de grande utilidade quando
se trata de elaborar este sistema conceptual.
A literatura sofre assim de um defeito que é corolário do primeiro: as con-
clusões são muitas vezes formuladas para organizações inteiras quando clara-
mente só se aplicam a parte das mesmas. Não podemos, por exemplo, dizer que
uma empresa é «descentralizada» somente porque o poder de tomar decisões passa
do director-geral aos directores das divisões: o grau de descentralização, obvia-
mente, também depende do que acontece abaixo do nível de director de divisão.
Do mesmo modo, descobrir que uma organização utiliza grupos de trabalho para
introduzir novos produtos, não é o mesmo que descrever a estrutura geral da
organização mas somente uma parte muito limitada da mesma.
Tudo isto serve para dizer que muitas vezes as conclusões da investigação
não se relacionam de todo com o «contexto» (de que tipo de organização se
trata, a que parte da organização se aplicam); assim como não se referem às
relações entre a estrutura e o funcionamento da organização. Como resultado, o
leitor, por vezes, considera estas conclusões como desligadas da realidade e sem
verdadeira substância. Quando elaborei o primeiro esboço deste livro, depois de
ter lido mais de 200 livros e artigos, não tinha a certeza absoluta do que era a
estrutura. Achei-me a titubear à procura de um quadro de referência.
Finalmente, antes de chegar ao ponto de tirar as minhas próprias conclusões,
senti a necessidade de coligir uma série de organigramas que descreviam as
organizações, muitas das quais eu conhecia intimamente, a fim de criar um con-
texto pessoal que pudesse integrar todos os materiais conceptuais que tinha lido.
o esboço da obra
Este livro foi concebido para tentar evitar o problema que acabámos de men-
cionar, de modo a assegurar que o leitor possa pôr em contexto tudo o que tem
lido sobre a estrutura. Como tal, a primeira secção não trata da estrutura das
organizações, mas sim de como é que as organizações funcionam. A literatura
não é muito rica neste domínio, mas é importante passar ao papel, desde o iní-
cio, tudo o que sabemos sobre o funcionamento das organizações, de molde a
lançar os alicerces da teoria que se segue.
A secção I é constituída por dois capítulos. O primeiro debruça-se sobre as
cinco partes básicas das organizações contemporâneas - o centro operacional,
o vértice estratégico, a linha hierárquica, a tecnoestrutura e o pessoal de apoio
- e discute as relações entre estes elementos. O segundo capítulo descreve os
cinco sistemas de fluxos que atravessam estes elementos de base - com efeito,
existem cinco teorias que tentam explicar o funcionamento da organização:
como um sistema de autoridade formal, como um sistema de fluxos de infor-
mação regulada, como um sistema de comunicação informal, como um sistema
de constelações de trabalho e como um sistema de processos de decisão ad hoc.
Estes sistemas são considerados como complementares: cada um descreve uma
parte do funcionamento das organizações; quando combinados uns com os
outros, dão uma ideia da complexidade do sistema total.
32 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES
I
Simples Mecanicista profissional Divisionalizada cap.21
\ I
Figura 1.3
UMA VISTA DE CONJUNTO CONCEPTUAL DO LIVRO
A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 33