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A função de gerente e as horas extraordinárias

Não obstante a clareza emanada do art. 62 da CLT para função de gerente, a citada norma
ainda é violada. Como resultado, inúmeras decisões deferindo o pedido de horas extras de
gerente.

Eduardo da Costa Silva


adv.eduardocosta@hotmail.com
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INTRODUÇÃO

A função gerente é uma das mais questionadas nas ações promovidas na Justiça do Trabalho, face os detalhes
emanados da realidade de cada contrato de trabalho, bem como os contornos assinalados pela norma consolidada.

Neste sentido, nas linhas a seguir, faremos um breve estudo do art. 62 da CLT, especificamente do seu parágrafo
único, sendo oportunamente oferecidos alguns exemplos meramente acadêmicos, a fim de que possamos dar a visão
legal do tema proposto (empregado gerente).

Oportuno esclarecer ao leitor, que o estudo em tela não alcançará o gerente bancário (art. 224 da CLT), inclusive, já
objeto da Súmula Nº 287 do TST, e sim o gerente comerciante, o gerente de departamento, o chefe geral, enfim, o
gerente na sua concepção geral, conforme assinala o artigo 62 da CLT.

O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE GERENTE

É uma praxe salutar das empresas promoverem os seus próprios empregados (os conhecidos “pratas da casa”) para os
cargos de confiança, atribuindo-lhes poderes de gestão e mando.

Com a habitual percuciência, Délio Maranhão orienta:

“...É um empregado como outro qualquer, mas que, dada a natureza da função desempenhada, em que o elemento
fiduciário, existente em todo contrato de trabalho, assume especial relevo, não se beneficia da proteção legal com a
mesma amplitude atribuída aos demais empregados...” (Maranhão, Délio, Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1
19ª ed. Editora LTr, pág. 316)

No entanto, a alteração da rubrica da função do empregado para a de gerente (objeto de nosso estudo), decorrente de
promoção e/ou designação de função, na maioria das vezes, não passa do registro do empregado, não contemplando o
exercício da citada função, os requisitos legais mínimos.

Assim, o empregador atribui a função de gerente e/ou chefe a seu empregado, mas ele continua subordinado, sendo
exigido o registro da sua jornada de trabalho (direta ou indiretamente), não lhe é conferido a plena gestão e mando da
unidade empresarial, e/ou não lhe é pago o correto salário.

Não obstante o conhecimento geral, permito-me transcrever o art. 62 da CLT:

“Art. 62 ...

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam para efeito do disposto
neste artigo, os diretores e chefes de departamento e/ou filial.
Parágrafo Único – O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste
artigo, quando o salário do cargo de confiança compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao
valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).

Mesmo diante da clareza do aludido dispositivo, o que observa nas sentenças e acórdãos proferidos pela justiça
especializada, são pactos laborais com realidades totalmente adversas, conforme preliminarmente descrito, bem
como será pontuado em seguida.

A SUBORDINAÇÃO DO GERENTE

Muitas empresas, em razão de sua estrutura administrativa burocratizada e gigantesca, distante da realidade de suas
filiais, não vêem as realidades e as necessidades locais, nem mesmos as burlações às normas trabalhistas promovidas
pelos seus administradores de suas filiais.

O que é mais comum é a própria empresa utilizar da rubrica da função “gerente administrativo”, “gerente de
finanças”, “gerente de setor”, “gerente de vendas”, “chefes de departamentos”, etc., na tentativa de mascarar a função
“técnica” exercida pelos seus melhores empregados (vamos fazer esta designação para estes empregados), no intuito
de fraudar a legislação trabalhista, bem como para não pagar as horas extras laboradas.

Tais assertivas são confirmadas pela analisa judicial das reais atribuições do empregado gerente, bem como pela
comprovação de que ele foi subordinado a um superior, “o verdadeiro administrador gerente da filial”, autoridade
máxima, “gerente geral”, único possuidor da autonomia e da liberdade de gestão.

Neste sentido, colacionamos algumas decisões, onde se vê que a função de “gerente” é totalmente desvirtuada para o
não pagamento das horas extras laboradas:

“EMENTA: HORAS EXTRAS. PROVA TESTEMUNHAL. DEFERIMENTO. Comprovada a existência de trabalho em


regime de sobrejornada, através de prova testemunhal e dos documentos carreados aos autos, correta a
condenação. (TRT 18ª Região – Proc RO 3701/99 – Ac N. 7637/99 – Eg. 3ª JCJ de Goiânia – Juiz Relator Aldivino
A. da Silva –Data do Julgamento 23/11/99)(inteiro teor em anexo – docs. 195/198)

EMENTA: HORAS EXTRAORDINÁRIAS. GERENTE DE INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PODERES DE MANDO E


GESTÃO. SUBORDINAÇÃO À JORNADA DE 08 HORAS DIÁRIAS. O gerente de indenização, que não possui
poderes de gestão, não está abrangido pela exceção estabelecida pelo art. 62 da CLT. Logo, faz jus à percepção de
horas extras, quando extrapolada a jornada diária de 08 horas, prevista no art. 58 daquele diploma legal. (TRT
18ª Regiao -RO-1926/2001 - 10ª VARA DO TRABALHO DE GOIÂNIA RED. DESIGNADO: Juiz GERALDO
RODRIGUES DO NASCIMENTO– DATA DO JULGAMENTO 09/10/01 (original sem grifos)

EMENTA: HORAS EXTRAS. CARGO DE CONFIANÇA. Pelo exercício de cargo denominado de "Gerente de
Negócios", cujas atribuições consistem no agenciamento de seguros, mediante visitas a clientes, acompanhado de
um gerente da instituição bancária, e na liderança de uma equipe de vendas, subordinado à direção da empresa
seguradora, não restando, ainda, demonstrados efetivos poderes de gestão, o empregado não se enquadra na
norma exceptiva do art. 62, alínea “b”, da CLT, com a redação vigente à época do pacto laboral. E a subordinação a
horário de trabalho, bem assim, o controle da jornada, afasta, por igual, a incidência do mesmo dispositivo legal.
(TRT4ª Região - RO 01002.022/94-0 ANO: 1994 – RELATORA JUÍZA NIRES MACIEL DE OLIVEIRA - DECISÃO
de 19 08 1999”)

Desta forma, a jurisprudência sintonizada com a norma pátria, é unânime ao destacar que o gerente não é
subordinado no exercício de sua função, uma vez que ele é o superior da filial, detentor do poder de mando e gestão.

Assim, o preceito do art. 62, inciso II, da legislação consolidada não alcançado, visto a subordinação em tela.
DA VIOLAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 62 DA CLT

Em outras situações, na busca de soluções imediatas para problemas de suas filiais, alguns administradores de
empresa designam o seu melhor empregado à “supervisor de área”, “controlador de área”, “gerente de área” ou “chefe
de área”, não sendo a aludida designação assinalada na CTPS ou na sua ficha de registro do empregado, em
conseqüência, não sendo promovido o correto pagamento de seu salário.

O parágrafo único do artigo 62 da CLT não deixa dúvida quanto ao percentual legal que o empregado gerente deve
receber pelo exercício da função: acréscimo de 40% sobre o seu salário efetivo (aumento no salário base ou
gratificação).

Esclarece-se, que o “salário efetivo” da norma é o salário anterior do empregado, uma vez que o salário efetivo
paradigma é o seu próprio. Ademais, o empregado foi promovido, e não contratado como novo empregado.

Com clareza e concisão, o mestre Amador Paes de Almeida ensina:

“... como deixa claro o parágrafo único do dispositivo legal sob análise, para que os gerentes ou diretores estejam
excluídos do recebimento de horas suplementares, é fundamental que os seus salários (inclusive gratificação de
função, se houver) sejam superiores, em 40%, ao salário base, anteriormente a promoção...”(Amador Paes de
Almeida em sua obra “ CLT Comentada, 2ª edição, Editora Saraiva, págs. 77 e 78)

Assim, não desprezando os demais elementos caracterizadores da função de gerente, devemos dar especial destaque a
remuneração mínima consolidada pelo parágrafo único do art. 62, face o princípio da proteção salarial do trabalho do
empregado.

Vale assinalar, que o salário é a única contraprestação percebida pelo empregado pelo acréscimo de atribuições e
responsabilidades da função de gerente.

Um exemplo meramente acadêmico, para melhor esclarecimento do leitor, é o fato de que uma empresa designar seu
empregado para as funções de auxiliar administrativo I, II e III.

Com efeito, o empregado que deixa a função de auxiliar administrativo III, possuindo uma remuneração superior aos
demais (auxiliar administrativo I e II), deve perceber o acréscimo de 40% no seu salário efetivo, ou seja seu salário de
auxiliar administrativo III, caso ele seja designado para a função de gerente.

A lei é clara e inequívoca, conforme oportunamente debatido no item anterior.

Na prática, observa-se que os acréscimos promovidos são inferiores ao mínimo legal, chegando, em alguns casos, a
ser menor do que 10% (dez por cento), principalmente quando o empregado deixa a função de auxiliar administrativo
I, II ou III, (conforme demonstrado), para a de gerente. Tal fato ocorre, uma vez que a empresa costumeiramente
paga um valor fixo para todos os seus gerentes, não importando se ele foi promovido do cargo “x” ou “y”.

A designação à função de gerente é o reconhecimento pela qualidade dos serviços prestados do destacado empregado,
sendo-lhe uma importante motivação. No entanto, a principal face da designação exemplificada, é o locupletamento
da empresa com o não pagamento das horas extras.

Infelizmente, tal prática exemplificada é comumente observada nas ações ajuizadas junto a Justiça do Trabalho.

DAS HORAS EXTRAS OU DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO

A analise da real função exercida pelo empregado gerente não é tal simples como foi proposto nos itens anteriores. O
empregador, muitas vezes, designa uma quantidade variada de atribuições (técnicas e de gerente), o que dificulta a
cristalização da verdadeira função exercida pelo seu melhor empregado.
Neste sentido, o professor Délio Maranhão destaca:

“... Nem todo cargo de direção será necessariamente de confiança. Mas, igualmente, não basta tratar-se de função
técnica para que se considere, desde logo, afastada a hipótese de cargo dessa natureza. Não é certo, por igual, que o
fato de o empregado ter poderes de representação o classifique só por isso, como exercente de uma função de
confiança....” (Maranhão, Délio, Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1 19ª ed. Editora LTr, pág. 316)

Por inteira cautela, numa demanda judicial, é melhor fazer o pedido alternativo para o caso em tela (...pagamento de
horas extras ou do acréscimo de 40% não percebido....), a fim de que o juiz declare a real função exercida pelo
empregado gerente, bem como declare quais verbas ele faz jus.

Diante do aludido pedido alternativo, impende registrar, por oportuno, a solução trazida pela justiça do trabalho,
conforme o arresto colacionado:

EMENTA - HORAS EXTRAS - GERENTE – Tendo restado demonstrado que, não obstante o exercício de funções
gerenciais, não percebia o reclamante salário nos moldes previstos no parágrafo único do art. 62 da CLT, devido o
pagamento das horas laboradas excedentes à 44ª. hora semanal como extras. (TRT 4ª Região – Proc. 01159-2004-
009-03-00-4 - JUIZ RELATOR: Maria Lúcia Cardoso de Magalhães - ORIGEM: 9a. Vara do Trab.de Belo
Horizonte - RECORRENTE(S): Arapua Comercial S.A. e outra - RECORRIDO(S): Robson Jose da Silva - DATA DA
PUBLICAÇÃO: 12/02/2005)(original sem grifos)

Do voto condutor do citado julgamento, destaca-se o seguinte trecho:

“...A partir de 01.12.02, quando o reclamante foi promovido a gerente, também lhe assiste direito à percepção de
horas extras vez que, muito embora tenha o reclamante reconhecido o exercício efetivo das funções gerenciais, com
poderes de admissão e demissão de funcionários, não recebeu salários observada a forma prevista no art. 62 da
CLT.

Determina a norma celetizada que "o regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados
no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se
houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento)" (Parágrafo único
do at. 62 da CLT).

In casu, o reclamante, não obstante o exercício das funções de gerente, não percebeu o salário correspondente, não
tendo ocorrido aumento salarial na forma estabelecida pela CLT em face da promoção às funções de gerente.

Nessa linha de raciocínio, não se insere o reclamante nas exceções do art. 62 da CLT, fazendo jus ao pagamento das
horas laboradas excedentes da 44ª. hora semanal como extras.

Em face do aqui decidido, não prospera o recurso no que diz respeito ao intervalo intrajornada, já que, em não se
inserindo nas disposições do art. 62 da CLT, faz jus ao pagamento pelo intervalo intrajornada não
fruído....”(original sem grifos)

Em julgamento semelhante, o E. Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, através do voto condutor do acórdão,
assim entendeu:

“... o parágrafo único do art. 62, da CLT, não prevê gratificação de 40% pelo exercício da função de gerente, como
ora requer o agravante. Na realidade, o mencionado artigo apenas fixa critérios para o reconhecimento do
exercício de tal função, aduzindo que terão direito ao recebimento de horas extras os obreiros que, embora
nominados de gerente, não recebam remuneração superior ao salário efetivo acrescido de 40%....” [voto do
condutor, acompanhado por unanimidade, no julgamento do PROCESSO TRT RO-00276-2004-231-18-00-6 -
RELATORA: JUÍZA IALBA-LUZA GUIMARÃES DE MELLO - REVISOR: JUIZ ELVECIO MOURA DOS SANTOS -
DJE nº 14.393 de 17/11/2004 (4ª f)].
Pelas decisões colacionadas, observa-se que a jurisprudência tem visto a verdadeira face da mascara da função de
gerente promovida pelas empresas, deferindo o pagamento das horas extras e reflexos pleiteados, mesmo sendo
declarado que o empregado gerente exerceu efetivamente o cargo de gerente.

È unânime o entendimento jurisprudencial (motivo pelo qual não foram colacionadas decisões) de que o empregado
gerente que exerce função “técnica”, tem direito às horas extras cumpridas e reflexos.

CONCLUSÃO

Inicialmente demonstramos a clareza que a norma consolidada dá a função gerente, oportunidade em que foram
tecidos maiores comentários sobre os seus critérios.

Em segundo momento (até a presente conclusão), demonstramos que algumas empresas usam da função de gerente,
no intuito de não pagar as horas extras e reflexos ao empregado destacado.

Assim, conclui-se que a dialética promovida (realidade dos fatos X norma legal) tem levado a justiça do trabalho a
proferir corretas e justas decisões, julgando procedente os pedidos de condenação no pagamento das horas extras
laboradas e seus reflexos.

Conforme demonstrado nas decisões transcritas no presente trabalho, tanto a ausência do poder de gestão e mando,
como a ausência da correta remuneração do empregado gerente, por via transversa, tem respaldado o direito ao
pagamento da sobrejornada prestada.

Se o empregador quer o seu melhor empregado na função de gerente, que lhe proporcione o que é de direito, não
usando da mascara da função para se locupletar com o não pagamento das horas extraordinárias laborada de seu
empregado.

Assim, não visamos esgotar a temática promovida, objetivado apenas, chamar atenção para a realidade presenciada
na justiça do trabalho, o que reflete a realidade fática, a fim de que seja a matéria melhor estudada, debatida e
esclarecida, no intuito de contribuirmos para correção das injustiças, bem como com a busca da justiça social laboral.

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