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DIREITO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS – subsídios, de dumping, do aumento súbito de importações,

DIN 418 sem adotar qualquer providência para coibi-la. A previsão


Professor Alberto do Amaral Júnior de tal tipo, mune o Estado de instrumentos para prevenção
dessas conseqüências e para a adoção de políticas
INTRODUÇÃO industriais.

Nesta primeira aula do semestre, o Professor Alberto 4) Questão da segurança nas relações internacionais,
tratará de alguns exemplos de organizações internacionais atinente a conflitos de qualquer tipo, principalmente, entre
(OI) com questões de ordem prática, atinentes ao cenário Estados. Uma resolução do Conselho de Segurança (CS)
das relações internacionais. Depois desta da ONU, como as resoluções que estabelecem embargos
contextualização, passará a abordar nas próximas aulas econômicos / comerciais (exemplo célebre é o da África do
elementos característicos das OI, a fim de se possibilitar o Sul pela prática de discriminação racial – política de
estudo de uma teoria sobre tal tipo de organização. apartheid).

Exemplos para contextualização do tema das OI. Isso demonstra o papel importante que as OI têm
1) Aproximação ao Mercosul – temática das questões atualmente. Vivemos num mundo de porosidades: vida
tarifárias entre Brasil e Argentina. Mercosul surge pelo doméstica do Estado e externa. No passado, podia-se
Tratado de Assunção de 1991. Quase quatro anos depois, estudar Direito sem se saber o que ocorria no âmbito das
os países membros decidiram configurar ao Mercosul um relações internacionais. Hoje, não é mais possível: quem
caráter institucional (de permanência de suas instituições), quiser se especializar em carreira doméstica jamais poderá
estabelecendo seus órgãos básicos. No seu tratado dispensar os conhecimentos obtidos em direito
constitutivo já havia uma previsão da política a ser internacional. O curso de direito das OI cuidará do
adotada. A grande novidade introduzida pelo Protocolo1 de aparecimento, das características, da competência e dos
Ouro Preto foi a definição da Comissão de Comércio, a desafios enfrentados pelas organizações internacionais.
qual surgiu com uma missão específica: fixar uma tarifa
externa comum (o que daria um caráter de união Ordem de Vestefália (Westfalia) – de 1650 a 1950,
aduaneira, necessária para a verificação de uma área de aproximadamente.
livre comércio: abolição de tarifas comerciais praticadas Dominou durante o período acima, até o momento em que
entre países que mantém relações entre si, ou seja, é influenciada, a ordem internacional, pelo aparecimento
relações interestatais). Além da abolição de tarifas, das OI.
significa a adoção de uma política comercial (não confundir
com política econômica) comum em relação a outros Os Estados percebem que precisavam de uma
mercados, bem como em relação a importações de estrutura internacional nova que comportasse e
produtos e serviços de outros países, não-membros do respondesse as suas novas necessidades (oriundas
bloco. É preciso que os governos não pertencentes ao de uma crescente interdependência de suas relações
bloco conformem-se com as decisões do mesmo. Tanto a políticas, econômicas, sociais, culturais, jurídicas); as
política interna quanto externa desses Estados membros OI emergem nos mais variados assuntos da esfera
são adotadas no plano regional, tão somente. internacional, a partir do início de sua criação pelos
Estados soberanos.
2) Brasil – acordos TRIPs (Trade Related Intelectual
Property Rights). Esse tipo de acordo surgiu mediante uma Não é a Ordem de Westafalia mais suficiente para o
reivindicação de países desenvolvidos na Rodada Uruguai mundo em que vivemos, o qual exige uma organização
da Organização Mundial do Comércio (OMC). Tais acordos institucional mais complexa (não só mais o Estado é o
foram um importante passo para as legislações centro de tudo; não se tem mais somente o Estado-
domésticas, uma vez que ensejaram certa uniformização nação como soberano na ordem internacional,
da mesma, em relação aos diversos sistemas jurídicos conferindo-lhe, portanto, o caráter de ser o único ente
estatais existentes. Havia, contudo, a fragilidade de saber apto a relacionar-se na esfera externa).
quem iria fiscalizar a observação de tais acordos: não
havia um sistema sancionatório eficaz. Não havia no As Organizações Internacionais definem regras, que se
cenário internacional, quanto ao comércio, um órgão desse constituem pólos de poder, os quais têm um destaque
tipo. A lei brasileira é um espelho fiel em relação ao que o inconfundível e incontestável na formação da vida
País se comprometera durante a rodada Uruguai. O Brasil internacional contemporânea.
não pode, por decisão unilateral, suspender o
patenteamento de produtos farmacêuticos. Essa medida Há também um processo de sofisticação institucional
não pode ser tomada em âmbito doméstico, uma vez que em andamento: antes se tomava como processo decisório
há previsão nos TRIPs de concessão ampla a produtos a unanimidade formal para que se agisse (como, por
industriais de patentes. Anteriormente a esses TRIPs, não exemplo, a maioria absoluta em alguma votação); hoje,
havia patenteamento desses produtos. Com a contudo, prevê-se a necessidade de que haja consenso
possibilidade, após a Rodada, de patentearem, houve um (preponderância, portanto, de um elemento mais material
enorme aumento no preço dos farmacêuticos. em relação a um aspecto de mera forma).

3) Legislação de defesa comercial – impedir o As OI trouxeram uma nova dinâmica para as relações
comércio desleal e evitar que um país sofra as internacionais (RI): as organizações internacionais
conseqüências desfavoráveis em virtude da prática de aparecem com recursos de poder, que em princípio, só
os Estados possuíam. A chamada diplomacia
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Protocolo como “atualização” do conteúdo do Tratado. parlamentar faz com que haja uma diferenciação,
1
inovando nessa dinâmica. Tal tipo de diplomacia muda o soberanos; é um sistema cuja principal unidade é o
panorama de negociações: as conformações de interesses Estado, se observada uma concepção vestefaliana.
mudam conforme os temas analisados e discutidos. Este
tipo diplomático introduz aspectos novos como a formação Durante os dois primeiros séculos dessa ordem, a maioria
de alianças para garantir peso àqueles países menos das relações era do tipo bilateral e o direito internacional
expressivos, tanto em relação ao poder político, quanto era predominantemente consuetudinário2. A partir de
econômico, refletidos em seu poder de negociação no então, os tratados começaram a se tornar mais
panorama mundial. É importante observar que tais importantes com a ordem de Westafalia.
alianças mudam conforme os temas tratados. Assim
sendo, é diferente a diplomacia parlamentar da Tratado de Westfalia: agrega tratados bilaterais. Por um
diplomacia secreta, exercida durante a ordem longo período havia poucos Estados, o que ensejava
vestefaliana com maior ênfase; este tipo era visto naquela poucos tratados bilaterais e as discussões eram feitas em
ordem como o que seria o maior elemento de confronto conferências diplomáticas. De tempos em tempos, as
entre os Estados, já que por seu caráter secreto trazia principais nações se reuniam e deliberavam como agir em
maior insegurança e instabilidade à cena internacional. períodos de crise. Esse esquema foi-se mostrando
insuficiente com o crescimento da interdependência, que
As OI adquiriram personalidade jurídica, e tornaram-se pode ser simétrica ou assimétrica. Esta última consiste
centro de imputações de obrigações e de direitos – em relações recíprocas, nas quais um dos países
têm, como finalidade, a persecução de interesses predomina sobre o outro, ao contrário da
supraindividuais. O início das OI se dá com a interpretação interdependência simétrica.
dada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) sobre a
Carta de 1946, a qual fundava a ONU. A interpretação Na segunda metade do século XIX aprofunda-se a
dada era a de que a ONU seria um centro diferente, consciência entre os Estados de que há uma
descolado dos países-membros, a que seriam imputáveis interdependência entre eles, o que fica mais acentuado
obrigações e direitos. durante todo o século XX. Com a facilitação dos meios de
transporte, as relações de interdependência aumentaram
Organizações Não-Governamentais (ONGs) – demasiadamente, de tal ordem que as conferências
participação no processo decisório, início da sociedade diplomáticas não bastavam.
civil, como ativa no cenário internacional – questão de tais
organizações possuírem legitimidade e efetividade para Assim, era preciso dar um ar de permanência e
participação e transparência nos processos decisórios das estabilidade às conferências existentes. Dessa
OI. Efetividade e transparência: temas intimamente ligados necessidade nasceram as OI que se transformaram em
à questão da legitimidade. Toda a questão da reforma do centros de poder. As primeiras OI surgiram para resolver
CS é uma discussão sobre a representatividade e sobre a problemas comuns, como a navegação dos Rios Reno e
legitimidade da ONU em um mundo em intensa e Danúbio. Além disso, tinham um caráter eminentemente
constante transformação. técnico-administrativo.

Desafios. A essa se somam outras causas importantes que deram


Assim, sendo, há novos desafios a serem enfrentados ensejo ao nascimento das OI, como o aspecto da
pelas OI. Um bom exemplo seria o surgimento de novos segurança e proteção dos direitos. Um exemplo são os
atores no cenário internacional: indivíduos, empresas direitos dos trabalhadores, cuja crescente organização
transnacionais, ONGs. Isso trouxe maior complexidade ao representa um conflito aberto de classes, que vai, aos
processo, o que implica numa revisão institucional, poucos, se institucionalizando em sindicatos. Aqui se
fortemente divulgada pela mídia. encontram os germes dos atos sociais da primeira metade
do século XX (Constituição de Weimar e atos mexicanos).
Outro aspecto é garantir a representatividade e a
transparência das OIs, esses temas se ligam intimamente Surgimento da OIT: desigualdade social no plano interno
à questão da legitimidade (vide discussão sobre a e guerras no plano externo; os conflitos internos acabavam
formação vestfaliana do CS e a recente questão da por precipitar os conflitos externos. Conexão do processo
substituição da Comissão de Direitos Humanos da ONU, de consolidação dos atos sociais na esfera doméstica e os
por um Conselho de Direitos Humanos - com a atos sociais no plano internacional.
transformação dessa ordem, a estrutura internacional do
CS passa a ser questionada quanto à representatividade e OIT: atividade bastante significativa nas recomendações
à legitimidade, o que implica no questionamento do papel na esfera trabalhista. Representa um ponto de força na
da própria ONU). preocupação com os direitos sociais.

CAUSAS DE SURGIMENTO DAS OI Outra causa para o surgimento das OI é a proteção de


valores que só podem ser garantidos na esfera
Desde a 2ª metade do século XVII houve a predominância internacional. Valores estes, como por exemplo, o respeito
da Ordem Internacional de Westfalia, que tem como eixo e a observância aos tratados de Direitos Humanos
central de seu padrão o conceito de Estado-nação (principalmente à Declaração de 1948).
soberano. Soberania: face externa – independência em
relação às demais unidades soberanas e face interna – As OI nascem como meras reuniões administrativas,
supremacia em relação às demais fontes de poder. Ordem sem personalidade jurídica e com o sistema de
internacional: conjunto de relações entre Estados
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Antes de Westfalia.
2
votação baseado na unanimidade; as características que
podem ser observadas hoje, apresentam-se ao longo do ASPECTOS GERAIS DAS FUNÇÕES DAS OI
século XX e eram inexistentes no século XIX.
Diplomacia parlamentar: exemplo – rodada do Uruguai
O aparecimento das OI traz uma nova dinâmica para as que discutiu a questão relativa à propriedade intelectual e
relações internacionais em que o coeficiente de poder a questão da agricultura – acesso aos mercados através
dos Estados não é a única determinante, pois as alianças de um trade-off entre os países desenvolvidos e os em
entre os Estados passaram a ser muito significativa. desenvolvimento. Exemplo: grupo de Cairnes: congrega
grupo de países desenvolvidos e em desenvolvimento no
Tema da paz e da guerra. interesse de liberalizar o comércio agrícola.
Na ordem vestefaliana, os tratados de paz eram os
resultados dos anseios pela paz e não havia ainda a A diplomacia parlamentar cria uma nova dinâmica no
concepção de uma organização para esse fim; a guerra interior das OI que as aproxima dos parlamentos
era um meio considerado legítimo para a solução de internos dos Estados. Seu mecanismo de negociação
controvérsias e tido como justo na Ordem Internacional da atua de maneira muito similar ao mecanismo de
Cristandade3. Na primeira metade do século XX, esse funcionamento de um parlamento de um Estado; tratam-se
estado de coisas se alterou porque a paz e a guerra não de configurações de interesses ou de jogos de geometria
eram mais um tema a ser deixado ao mero arbítrio dos variável, pois elas mudam conforme o tema em discussão,
Estados (Luigi Ferrajoli chama as duas Guerras Mundiais logo não há alianças definitivas.
do século XX como 2ª Guerra dos Trinta Anos, em alusão
ao conflito que, após terminado, deu início à Ordem de Constitucionalismo Internacional.
Westfalia) como na ordem vestefaliana As constituições das OI, suas cartas, assemelham-se às
constituições nacionais com a sua estruturação em
Causas de surgimento das OIs: princípios básicos e mecanismos. Exemplo: Acordo que
• interdependência entre os Estados no cenário criou a OMC – princípio da não-discriminação (cláusula da
mundial; nação mais favorecida), princípio da transparência. Esse
• facilitação dos transportes; constitucionalismo estabelece um horizonte de
• proteção dos direitos; possibilidades em torno do qual os países analisam o
posicionamento recíproco e definem diretrizes. As OI têm
• determinação do espaço internacional.
uma capacidade de supervisão sobre os assuntos
domésticos, o que era impensável no passado.
As OI passam a ser espaços de solução de
Globalização vertical; assuntos internacionais que se
controvérsias, sejam elas administrativas ou judiciais.
inserem no plano interno; Globalização horizontal:
organização das relações entre Estados. As OI podem se
Normas de adjudicação: contribuem para transformar as
inserir também na globalização vertical, quer pelos
normas de ato internacional (regras de condutas primárias
tratados celebrados em seu âmbito, quer por exigir uma
do ato internacional clássico). As OI cooperam para mudar
atuação das OIs que verifique a compatibilidade do
este quadro, pois propiciam a criação de regras de
posicionamento adotado pelos Estados e seu plano
mudança e regras de adjudicação. Nascem, no século XX,
interno. Exemplo: globalização vertical fixação de alíquotas
OI específicas com a finalidade de solucionar conflitos,
no Mercosul que se refletem em cada membro,
como o GATT – OMC. Elas assinalam uma mudança sem
individualmente (regional); acordo TRIPs na OMC
precedentes no relacionamento entre os Estados, sendo
(universal).
tidas como pólos emanação de poder e de produção de
normas.
Supervisão das OI sobre as políticas externas,
financeiras, econômicas, educacionais, etc. dos
Pólo de produção de normas: os Estados deixam de ser
Estados.
os únicos sujeitos responsáveis pela produção normativa.
A ONU verifica se o comportamento de seus membros é
Esses novos fatores dão a dimensão do papel das OI na
adequado aos princípios da organização. O FMI tem como
alteração do cenário mundial; com o decorrer do tempo a
uma das funções estabelecer paridades entre as moedas
atuação das OI se dirige para uma multiplicação das áreas
nacionais; se um país quer estabelecer paridades, deve
consideradas importantes para a vida internacional.
consultar o Fundo; em geral, os acordos com o Fundo
obrigam os países a não estabelecer barreiras ao comércio
Poder regulamentar das OI: tido basicamente como
internacional (política condicionante). A OMC dispõem de
sendo relativo à produção normativa.
um sistema de notificações que estabelece o grau de
publicidade e transparência das políticas comerciais.
Centros de imputação de atos e obrigações: as OI
adquirem personalidade jurídica, fato que se consolida
A supervisão exercida pelas OI pode ser instrumento
após a 2ª Guerra Mundial, com o estabelecimento da ONU
importante para permitir aos outros membros conhecer o
e parecer consultivo da CIJ favorável à existência de
grau de comprometimento dos Estados nas obrigações
personalidade jurídica desta organização universal.
assumidas. Exemplo: controle da observância dos direitos
3
Esta sendo como antecessora da Ordem de Westfalia: na humanos na ONU – atualmente, mais enfatizado com a
Cristandade organiza-se a sociedade transnacional, quanto as criação do Conselho de Direitos Humanos em substituição
suas relações, através de uma visão do mundo cristão, à antiga Comissão de Direitos Humanos.
submetendo os Estados aos mandos tanto do Imperador, quanto
do Papa. Este era tido como árbitro supremo e inapelável dos As OI deram origem a uma espécie de tensão valorativa
conflitos estabelecidos entre os Príncipes cristãos. que trouxe à tona o problema da vinculação (linkages); em
3
que medida seria possível estabelecer um grau de como um conceito fundado na noção de bem-estar, de
comprometimento que permitam a implementação dos bem-comum.
valores que as OI visam a resguardar e difundir. Exemplo:
caso dos hormônios na carne bovina dos EUA e Canadá, Nenhum projeto individual pode ser concebido sem que
embargada pela UE – sanção da UE por violar a rodada do haja a possibilidade de que haja a interferência de
Uruguai – este caso evidencia o tema da proteção à saúde terceiros. Pacto de sujeição: indivíduos abdicam de seus
em relação ao comércio. direitos para transferi-los ao Estado. O pacto de sujeição
demonstra que o direito e a moral são produtos de uma
Proteção ao meio-ambiente presente no preâmbulo do convenção e que o estado de natureza seria a anarquia e
acordo da OMC através da menção ao desenvolvimento seus significados.
sustentável. Deve a OMC se preocupar com a proteção do
meio-ambiente? Certas ONGs condenam a OMC pela Para Hobbes, a ordem somente é possível quando há a
pouca proteção ou por não considerá-la devidamente. Ver centralização do poder. As relações internacionais seriam
interpretação do artigo 20 do GATT que permite a comparáveis com aqueles que antecedem o estado de
suspensão da liberalização do comércio em virtude de natureza; a guerra de todos contra todos é permanente e
certas proteções, como proteção à vida humana, aos os momentos de paz são interrupções desse estado de
animais, ao ambiente, etc. Exemplo: discussão da relação natureza entre os Estados. A obediência aos Tratados
entre OMC e atos humanos na relação entre comércio somente se justifica nessa concepção se a obediência
internacional e atos trabalhistas. estiver em harmonia com a busca do interessa nacional.

Funções das OI. A ordem descentralizada não é igual à ordem doméstica.


As OI cumprem diferentes papéis ou funções: elas podem Esta não tem os mesmos atributos que aquela ainda que a
ter sido criadas para desempenhar uma determinada ordem internacional esteja envolta num quadro de
função, mas efetivamente acaba cumprindo outras. descentralização de poder.
Exemplo; a Sociedade das Nações foi criada para atuar
sobre o problema da guerra e da paz, mas acabou atuando Definição de Ordem Internacional
em outros temas, não relacionados diretamente com este.
Seria tal ordem padrão previsível de determinação de
As OI atuam para evitar as falhas de mercado, as falhas relações internacionais e que permite a gestão
dos governos e prover os meios necessários (bens internacional por um determinado tempo.
públicos). Exemplo: OMC tenta coibir o dumping (falha de
mercado). A provisão de bens públicos é feita pelas A noção de ordem evoca a noção de totalidade, de um
organizações econômicas ou não. Elas têm um papel de conjunto de elementos; não é uma relação qualquer entre
destaque na introdução de regras de conhecimento que elementos, mas uma relação ordenada. A ordem comporta
dão origem a regras de finalidade, pela instituição de um repertório, este é representado por um conjunto de
princípios que devem ser seguidos uniformemente. Com elementos, mas é composta igualmente por uma estrutura.
as OIs há uma previsão de um telos, que é um fim a ser
perseguido de forma homogênea e serve de parâmetro Esta define os modos de relacionamentos aceitáveis entre
para a análise da atuação dos Estados. os elementos constitutivos de um determinado sistema. As
regras entre os elementos constitutivos do sistema, podem
Outro papel das OI é alterar o padrão de justiciabilidade, o ser regras empíricas, regras lógicas e axiológicas.
que é algo muito novo. Elas constituem mecanismos (softs
ou hards) que as possibilitam controlar o efetivo A ordem contempla uma margem de variação das relações
cumprimento das regras instituídas. Há uma mudança sem entre os elementos, margem essa que nos é dada pelas
precedentes do padrão das relações internacionais com a regras dos elementos estruturais. A substituição de uma
atribuição de poderes normativo e supervisional às OIs. ordem por outra ocorre no momento em que relações
novas acabam por abalar as regras baseadas em
DIFERENÇAS ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL relações de estruturas diversas.
PÚBLICO (DIP) E O DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO (DIPR) Aplicação do conceito anterior à transição da Ordem
da Cristandade para a de Westfália
A imagem do DIP como um direito de subordinação é cada
vez mais contestada pela transformação progressiva da A soberania é o centro das relações – rebelião do
esfera pública moderna. As esferas governamentais são Estado, com uma face que olha pro interior, a qual evoca
cada vez mais dependentes do apoio das organizações uma supremacia do Estado, não submetida a nenhuma
das esferas privadas. O Direito Público passa a ser cada outra organização. A ordem internacional, portanto, assim
vez mais um direito pactuado, em que o governo atua concebida, pode existir a despeito de haver um poder
como um garante das obrigações. Ainda a noção de DIP centralizado.
como subordinação é utilizada como distinção nos
manuais de DIP, ao tratarem do DIP e do DIPR. Noção de governança: delineia-se, sobretudo, na década
de 80, por obra da ciência política norte-americana. Não é
Paz de Westfália: é emblemática porque assinala uma semelhante a governo; enquanto este, no interior dos
nova conformação das relações internacionais, Estados, pressupõem a centralização do poder para o seu
substituindo a ordem da cristandade que vigorava exercício, a governança é intrinsecamente mais fácil e se
anteriormente. Grotius é um autor vestefaliano, e via o DIP ajusta a uma realidade internacional de descentralização
de poder. Assim, sendo, o surgimento das OI, dotadas de
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personalidade jurídica, pode ser visto como uma visão imprescindível que os Estados pensassem em uma nova
prática do que pode ser caracterizado como governança, forma de organização de interesses, semelhante ao que as
nesse contexto dado. sociedades privadas se organizavam no direito interno.

Retira-se do caráter de competência do Estado a O contrato social de Ascarelli foi pensado num contrato
discussão e regularização de certas matérias que, plurilateral, diferente de um de compra e venda, por
originariamente, numa ordem vestefaliana, lhe exemplo; enquanto este contrapõem interesses, aquele
pertenceriam. Há, portanto, uma limitação da soberania justapõem os mesmos. Isto permite falar em um regime
externa, como observado por Luigi Ferrajoli ao analisar a jurídico diferente às relações bilaterais – regime jurídico
formação da Organização das Nações Unidas. A entre contrato e sociedade. As OI criam um espaço para a
governança, portanto, tem uma conexão direta com o cooperação ao qual se agrega ao elemento da diplomacia
conceito de ordem. parlamentar.

Uma das funções básicas da ordem, interna ou externa, é Terceira função das OI para a governança e ordem
regular o uso da força. No interior dos estados, a sua figura internacionais : as OIs são instituições que criam
representa a centralização da coação política do poder espaços institucionais. As instituições são importantes
(Max Weber). Na esfera internacional, isso não há (teoria para o direito privado e público no âmbito interno dos
hobbesiana do estado de natureza predominar nas Estados e não o são menos no DIP. A idéia de
relações interestatais). objetividade das instituições, de organização
permanente, que suplanta os fins individuais e
O dado importante aqui a ser observado é que uma OI, imediatos, têm sido apontadas como características da
como a ONU, foi e continua a ser um veículo para se lidar instituições. Elas servem para rotilizar as ações
com o tema do uso da força na medida em que ela retira (expressão de um famoso cientista político argentino), ou
dos Estados a faculdade de definir quais são as hipóteses seja, registrá-las, reduzi-las a termo (escrito), conferindo,
em que a violência pode ser legitimamente empregada. Há portanto, um caráter de maior perenidade.
aqui um avanço notório do que se sucedia desde o século
XVII, até a 2ª Guerra Mundial. Isso pelo fato de que o As OI regulam as ações dos Estados que delas
Direito Internacional (DIN), nesse período, procurava pertencerem, separando assim os seus Estados-mebros
definir tal direito pelo da guerra justa, quanto ao emprego dos não-membros; seus poderes irradiam para os Estados
da força, e agora há a preocupação da formação de um membros.
corpo de normas que distingue as zonas bélicas das civis,
institui regras de tratamento e dignidade de civis e militares As OI precisam ter como um tema decisivo seus
perseguidos, ou feridos (Convenções de Viena e mecanismos de tomada de decisões – necessidade de se
Protocolos Adicionais de 1967). A guerra é ainda permitida afastar a questão de não ser as OI meios de se obter
como forma de resolução de conflitos, mas vedada pela decisões apropriadas à ordem internacional.
ONU: art. 4º da Carta da ONU; o art. 2º estabelece
princípios de não intervenção reserva ao CS a faculdade CRIAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA OI:
exclusiva para o uso da força art. 7º. SUJEITOS DE DIREITO E ANALOGIA A PESSOAS
JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
Primeira função importante para a observância da
ordem e da governança: papel da OI como instrumento Noção kantiana - o homem é visto como um fim em si e
de controle da violência. não como um meio. Como um fim em si, o homem deve ter
seus direitos consagrados e sua dignidade reconhecida.
Uma segunda função importante é que as OI Isso é característica do juspositivismo do século XIX: todo
possibilitam o adensamento da cooperação homem é visto como sujeito de direito e suscetível de
internacional. Tal cooperação se dá pela utilização do capacidade. Capacidade: na teoria moderna, é elemento
direito internacional de cooperação, o qual justapõem para atribuição de responsabilidade. Capacidade pode ser
interesses para os mais diversos fins. conferida mesmo que os indivíduos não venham a exercer
seus direitos, simplesmente porque são sujeitos de direito.
Direito Internacional de Existência e o Direito
Internacional de Cooperação. Noção de personalidade jurídica (pj), enquanto
extensão da capacidade: define direitos e obrigações. Na
O primeiro estabelece o dever de respeitar as normas de construção jurídica moderna algumas tentativas foram
um governo estrangeiro em relação a sua população: feitas para se perceber a importância do conceito de
respeito a soberania externa. O que demonstra uma das personalidade jurídica como um conceito chave para o
características da Ordem Internacional de Westfalia. Já o jurista. Não é senão um ato de ficção atribuir capacidades
Direito Internacional de Cooperação não é produto a entes coletivos, pois somente ao homem é capaz de se
exclusivo do século XX; encontra-se em gênese desde o estabelecer capacidade, pois ele possui vontade.
advento da ordem vestefaliana.
Tulio Ascarelli concebe a personalidade jurídica como um
Cria ele opções para a mudança da agenda internacional. centro de imputação de direitos e obrigações. Tal centro
A agenda internacional clássica é composta por temas distingue os indivíduos dos entes coletivos, aos quais
políticos e estratégicos. A nova agenda que surge no podem ser conferidos direitos e obrigações, e que, por esta
século XX já tem uma multiplicidade de 3 de temas, como razão, são sujeitos jurídicos independentes. Se pensarmos
a proteção do meio ambiente, comércio e agricultura, e no desenvolvimento das S.A. modernas, o fator da
direitos humanos. Para lograr objetivos tão vastos era personalidade jurídica, sem o conceito capitalista,
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certamente não teria ocorrido. A atribuição de pj data da
final da Idade Média (Banca de San Giorgio, Renascimento As antigas OI não se referiam à pj interna que as OI detém
italiano). As pj de S.A. estabeleceram uma diferença entre no interior dos Estados. A definição de direitos e
o patrimônio dos acionistas e o da empresa e obrigações que tais OI exerciam eram produtos dos
subscreveram o patrimônio investido destes nas ações da acordos de sede: celebrados entre a organização e o
empresa. Há uma separação entre o patrimônio de cada Estado hospedeiro. O artigo 104 da Carta da ONU atribui a
um destes entes com a criação das pj. ela personalidade jurídica de direito interno: apesar disso,
ela celebrou com a Suíça, em 1946, um acordo de sede
A menção destas sociedades é necessária, pois há um definidor de seus direitos e obrigações. O artigo 9º do
ponto muito estreito de contato entre a personalidade Estatuto do FMI prevê quais os direitos e obrigações que o
jurídica internacional e as associações societárias. O Fundo exerce no plano doméstico. O acordo de sede da
contrato social serve para aglutinar esforços e recursos ONU com a sociedade foi importante devido ao caráter
que serão postos em torno de uma finalidade comum. Ele lacunar deste referido acordo, pois não tinha uma previsão
é diverso do contrato de compra e venda típico em que as suficiente. As OI detém internamente o direito de contratar,
duas partes comparem e estabelecem deveres e direitos de adquirir bens imóveis ou móveis e de estar em juízo.
em face de uma a outra. O contrato de sociedade, para Basicamente o conteúdo da pj das OI no plano interno se
Ascarelli, é plurilateral. Além de ele reunir mais de duas resume ao direito de contratar, de adquirir bens e de estar
partes, a sua principal peculiaridade está na criação de em juízo. Qual é, portanto, o conteúdo externo de tal pj?
um regime jurídico. O contrato social dá origem a uma
instituição. As sociedades anônimas (S.A.) modernas têm A construção da pj das OI sob o âmbito externo teve como
uma faceta institucional, pois o seu estatuto social serve um dos principais artífices a questão do caso Bernadot,
como um guia constitutivo do seu funcionamento, organiza decidido pela CIJ, em 1949, parecer consultivo em que a
as relações internas e, logo, define as relações orgânicas. ONU consultou a CIJ sobre a possibilidade de oferecer
Mas as S.A. são instituições porque adquirem proteção diplomática a um membro seu, assassinado na
estabilidade, tornam-se algo separado da figura de Palestina. A CIJ analisou o pleito formulado pela ONU e
seus criadores, que têm um fim a realizar e perseguir. concluiu que a ONU é detentora de pj internacional. Este
Nestas S.A. a separação radical inicialmente estabelecida leading case foi posteriormente confirmado em
entre a figura dos acionistas e a da sociedade foi manifestações sucessivas da CIJ. Em 1950, ao se
esmaecida pela desconsideração da pj, obra dos tribunais manifestar sobre o Sudoeste Africano, a presença ilegal da
ingleses (disregard of legal entity) do final do século XIX, África do Sul no sudoeste africano, a CIJ voltou a ressaltar
progressivamente adota pelos tribunais do civil law. Não a pj da ONU, o mesmo se repetindo em 1954 quando a
pode haver uma confusão entre o patrimônio societário e o corte abordou o tema dos efeitos das decisões do tribunal
de seus acionistas. Todas as vezes em que esta confusão administrativo da ONU; certas despesas de 62, a corte se
se manifestar é permitido aos tribunais “levantar o véu”, pronunciou sobre esta questão, coisa que se voltou a
descondiderar as pj, para atingir a figura dos acionistas. A verificar em 1971, quando a corte manifestou sobre a
confusão patrimonial configura-se em que os acionistas presença continuada da África do Sul na Namíbia. A
fazem com que a pj torne-se uma longa manus, uma consolidação da pj no âmbito internacional é, portanto,
extensão para a garantia do interesse individual. Isto tudo obra pretoriana. A Suprema Corte dos EUA utilizou-se da
é significativo para o tema da pj no plano internacional. teoria do implied powers: poderes da União em relação ao
dos Estados. Tudo que o fosse necessário para a
As OI repetem no plano externo o que ocorreu com as S.A. realização das finalidades da União, deveria ser visto como
do ponto de vista interno. Aquelas são produto da seu poder implícito, tal teoria significa: a despeito da
vontade dos Estados, foram criadas através de fixação constitucional, a União tem poder para atingir tais
contratos semelhantes àqueles constitutivos das S.A. finalidades previstas.
(melhor dizendo, tratados constitutivos). Há uma reunião A CIJ utilizou este raciocínio na esfera internacional: a
de interesses para a realização de uma finalidade comum. ONU tem os poderes necessários para a realização de
O tratado constitutivo dá surgimento a um ente que, muito suas finalidades. E é justamente a carta constitutiva da
embora semelhante à vontade dos Estados, a vontade da ONU que fez com que a CIJ considerasse, a partir da
OI é diferente: há a formação de uma vontade decisória teoria dos poderes implícitos, que as OI detém pj e que tal
peculiar daquela vontade dos Estados membros. Cria pj possibilita a realização das funções para as quais tal org
uma estrutura orgânica (órgãos diretores, órgãos de foi criada.
fiscalização e mecanismos de solução de controvérsias),
na qual todos os membros participam. Percebemos assim No plano comunitário, a Corte Européia utilizou idêntico
a analogia entre as pjs das S.A. e a criação das OIs, raciocínio para definir a pj das entidades da comunidade
enquano a pj destas. européia. As OIs, ao terem pj, estão habilitadas para a
realização de múltiplas atividades. O conteúdo da pj, das
OI se consubstancia, portanto, em uma multiplicidade
Aspecto interno e externo da pj, em relação às OI. de direitos e de obrigações. Em primeiro lugar, as OI
Antes, ressaltar o fato de que as OI são sujeitos de direitos podem celebrar tratados. Esta era uma prerrogativa que
e obrigações. São, para usar a expressão clássica de incumbia antes somente aos Estados e que agora, em
Ascarelli, centros de imputação dos direitos, diferentes dos virtude da pj das OIs, é reconhecido. Em segundo lugar as
dos Estados. A relevância teórica está no fato de que as OI OIs podem exercer a proteção diplomática de seus
também são agora sujeitos de direito, ao lado dos Estados. agentes; tal proteção era antes atributo exclusivo dos
A importância prática repousa no fato de que as OI Estados. Em terceiro lugar, as OIs podem solucionar os
exercem direitos e obrigações de forma independente dos mecanismos de solução de controvérsias; os organismos
Estados, ainda que originárias da vontade estatal. da ONU podem pedir à CIJ providências, sob a forma de
6
parecer consultivo, a despeito de certas questões. As OI Banco Mundial. O CS da ONU, condenando as
podem ser responsabilizadas pelos atos que praticam, discriminações da África do Sul e de Portugal em relação
figurando assim, quer como pólo ativo, quer como pólo às suas colônias, recomendou que as organizações
passivo. O direito de legação também é reconhecido ao pertencentes à chamada família ONU não fizessem
dizer que elas enviam representantes seus a outras OI ou empréstimos aos mesmos. Em relação à África do Sul,
a outros Estados. Estas são atribuições típicas das OI. Na Resolução nº 418, o CS decreta embargos econômicos
próxima aula: terminar esta concepção e demonstrará impostos a este país. Mesmo assim, ela toma empréstimos
como algumas OI acabaram por exercer competências no do FMI. Vale lembrar que ambos (Banco Mundial e FMI)
plano pessoal, que são similares ao dos Estados disseram que não estão subordinados à ONU, de acordo
nacionais, no caso de Cambodja e outros. com suas cartas constitutivas.

O DIREITO DE LEGAÇÃO NAS OI O feixe de competências das cartas constitutivas das OI


reúne competências tanto materiais quanto territoriais,
Retomada da aula anterior: comparação entre a análogas aos dos Estado-nação.
personalidade jurídica de direito interno e a das OIs.
O ato instituidor das OI tem semelhança com o contrato
Direitos e obrigações dos acionistas de uma S.A. não se plurilateral: justaposição de interesses e perseguição de
confundem com os da empresa, em virtude da uma finalidade comum. Tal ato instituidor das OI é um
personalidade jurídica. O mesmo pode ser dito em relação embrião de atos materiais, para que ele se efetive. O ato
às OIs. Significa dizer que o Estado membro de tal OI não instituidor é uma ato jurídico e internacional; jurídico
detém mais o monopólio do exercício de tais direitos e porque cria, extingue e limita direitos e internacional
obrigações. porque é um ato que dá vida a uma finalidade comum.
Neste campo, o ato instituidor se reveste tanto na forma de
As OIs detém personalidade jurídica de direito tratado, quanto na forma de costume. É regulado pela
internacional. O reconhecimento deste fato é recente e Convenção de Viena dos Tratados. É reguladora dos
ocorreu graças ao parecer consultivo feito pela CIJ, após direitos e obrigações decorrentes do ato instituidor. Serve
pedido da ONU de querer proteger um agente seu, de grande baliza para que quaisquer conflitos sejam
assassinado na Palestina (caso do Conde Bernadotte). resolvidos com base na mesma convenção.

A CIJ indicou um fato de grande importância para as O artigo 31 de tal convenção fala sobre a interpretação dos
relações internacionais, servindo de um divisor de águas: tratados, a qual deve ser feita de boa-fé, de acordo com o
as OIs passaram a gozar de personalidade jurídica significado originários das palavras, estipulando ainda
internacional. O conceito de pj da ONU foi estendido, ao algumas regras sobre a interpretação. O contexto deve ser
passar do tempo, às demais OIs. levado em conta: quando foi celebrado, o seu preâmbulo e
os seus anexos. É ainda preciso fazer referência aos
Na última aula, foi também falado sobre o conteúdo da pj acordos interpretativos que as partes venham a celebrar
das OIs: conjunto de direitos e obrigações. As OIs podem sobre o tratado. Tais acordos podem vir a contar com a
celebrar tratados; a celebração de tratados sempre foi algo participação de todos os integrantes do tratado ou de
reconhecido único e exclusivamente aos Estados. Porém, algumas partes. Para que estes acordos possam servir
com a mudança dos cenários internacional, este direito é como elementos úteis de interpretação, é preciso que ele
estendido às OIs. Elas também podem acionar os seja aceito pelas demais partes. Ainda que ele não
mecanismos de solução de controvérsias; podem contenha o mesmo número de partes que o tratado
configurar nos pólos passivos e ativos das relações original, ele deve conter algo de uma futura adesão das
jurídicas internacionais. partes não aderentes.

As OI e o direito de legação, propriamente ditos. Natureza jurídica do ato instituidor.


Tal direito era exclusivo do Estado. Só estes poderiam Duas são as teses: a tese pactista e a tese
receber e enviar representantes a outros Estados. Este constitucionalista. Para a pactista, o ato instituidor é um
atributo não é mais exclusividade dos Estados, podendo mero pacto, simples tratado que requer a conjugação de
ser atribuição das OI. Estas podem, portanto, exercer o outros atos jurídicos e materiais para lhe conferir validade
direito de legação, enviando representantes seus a um (como, por exemplo, a ratificação do tratado pelos Estados
Estado estrangeiro. O Ato instituidor das OI é à signatários do mesmo). A constitucionalista vê no ato
semelhança do contrato de constituição das pj de direito instituidor uma grande civilitude em relação às
interno o principal instrumento a fixar os seus direitos e Constituições nacionais, ou seja, entende tal ato instituidor
obrigações e a limitar a competência por ela exercida. como sendo algo transcendental à própria noção de
Estado. A tese constitucionalista tem mais capacidade de
Esta idéia é extremamente relevante para as OI: a sua explicar o ato instituidor.
carta constitutiva fixa as competências e delimita os
poderes exercidos pelos seus dirigentes. Com relação às Modificações do ato instituidor: podem brotar da vontade
prerrogativas e privilégios, estes funcionários não podem dos membros da OI, ou do ambiente e circunstâncias em
exercer instruções diretas de seu Estado patrial e agir em que a OI se insere. Tais modificações podem se referir a
interesse de indivíduos nacionais. O estabelecimento de alguns aspectos menores da OI, ou ao todo. Uma vez
privilégios e prerrogativas demonstra a necessidade de um ocorridas, interferem na sistemática individualizada da OI.
corpo burocrático e específico que não esteja relacionado São tidas como modificações aquelas que interferem como
a um Estado específico. Dois casos célebres, um na um todo na OI, mas que não levam a sua desfiguração
década de 60 e outro na de 70. O primeiro caso envolveu o completa. Vias de alteração do ato instituidor: modificação
7
do ato instituidor por um procedimento por ele regulado, ou Os contratos massificados foram uma restrição, quer à
por um outro acordo. autonomia das partes, quer à liberdade contratual. Essa
restrição transparece, sobretudo, pelo fato de que não
DESAFIOS QUE A GLOBALIDADE APRESENTA PARA mais as partes podem, conjuntamente, definir o conteúdo
AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS dos contratos. Ademais, não é mais dada a possibilidade
de a parte escolher com quem quer contratar e por qual
Durante a primeira fase do curso, estudamos o surgimento tipo de contrato.
das organizações e suas principais características. Agora
continuaremos a analisar alguns aspectos das Outro efeito da globalização é o de que os contratos
organizações. Com a globalização, as organizações tendem, cada vez mais, a se tornar "contratos cativos",
internacionais começam a enfrentar desafios. relações contratuais que se estendem por lapsos
temporais extremamente demorados, que relacionam de
O que é Globalização? um lado o consumidor e de outro o fornecedor. São
A globalização é um fenômeno marcado pela compressão exemplos os contratos bancários, previdenciários,
do espaço e do tempo. É um aumento sem precedentes educacionais - o consumidor se prende a uma relação
das interações sociais, que confere a esse fenômeno uma contratual que se estende por um tempo demasiado longo.
natureza eminentemente social (mais do que econômica, O contrato não consegue prever, com minúcias, tudo o que
política). irá acontecer ao longo dos tempos. Ele é muito mais um
mecanismo para instituir como as partes deverão se
A intensificação das relações sociais significa que na comportar no caso de conflitos nesta relação contratual.
globalização há uma dialética, um processo contraditório,
em que os acontecimentos locais são influenciados por É possível, ainda, perceber a atuação da globalização
certos eventos. Assim, certos eventos são capazes de em outras dimensões. Se, de um lado, ela consagrou
moldar acontecimentos em um determinado ponto do movimentos separatistas ao redor do mundo (Québec,
planeta e, ao mesmo tempo, são por eles moldados. A movimento basco - ETA, etc.), também trouxe uma
globalização apresenta tanto uma tendência ao universal tendência de se pensar conceitos que não se regem pelo
quanto ao particular determinado. Há uma tendência princípio partitivo da soberania. Assim, a idéia do
centrípeta e outra centrífuga (há tanto elementos que patrimônio comum da humanidade (oriundo da Conveção
visam a fortalecer a especificidade quanto aqueles que de Montego Bay, de 1982, sobre Direito do Mar4), que
visam a fortalecer o universal). Pode-se perceber essa instituiu que nenhum país é dono desses patrimônios,
“contradição” tanto no plano econômico quanto no social e sendo de propriedade de todo o mundo.
jurídico.
Globalização no Presente.
Assim as empresas transacionais representam o efeito da A globalização atual apresenta, destarte, um ineditismo em
globalização no plano econômico. Elas agem em plano relação a todas as demais formas de globalização que
internacional. Há uma política comum que deve reger as ocorreram no passado. O mundo, desde a Antiguidade,
empresas onde quer que elas estejam situadas, que se conheceu épocas de globalização. Assim, e.g., no Império
expressa pelas cláusulas gerais de contratos. O Romano (com a conquista de territórios), no colonialismo
surgimento e a organização dessas empresas ou no neocolonialismo, etc. Mas nada disso se compara à
correspondem a um efeito econômico da globalização, globalização hodierna. Isso porque ela foi responsável pela
mas têm repercussões também nos campos jurídico e retirada das restrições espaciais e temporais para as
social. relações humanas.
Nesse sentido, já estudamos a massificação dos
contratos no direito civil. O movimento codificar concebeu Características da Globalização.
o contrato como uma instituição jurídica regida por dois
grandes princípios: da autonomia das partes e da liberdade 1. Evolução dos meios de comunicação
contratual. A globalização é um evento que repercute na economia, na
política e no direito. A evolução dos meios de comunicação
A liberdade contratual é a idéia de que as partes podem não é um processo novo. Desde o século XIX, a melhoria
escolher o contrato que mais se adequa aos seus dos meios de transportes proporcionou uma redução do
interesses. A autonomia se refere à possibilidade de as custo das viagens e impulsionou os transportes de
partes inserirem nos contratos aquilo que, em seu mercadorias. Mas ele se intensifica após a 2ª Guerra
conteúdo, é de seu interesse. Mundial (2ª GM). Com a evolução da microeletrônica, deu-
se uma das principais condições para que todo o
Com o advento da macro-empresa e, posteriormente, com desenvolvimento da informática e da telemática se
as transnacionais, começou-se a se questionar esses dois processasse. E foi esse desenvolvimento que permitiu o
valores. Essas empresas não mais permitem a discussão surgimento da sociedade em rede, que interliga
das cláusulas contratuais, pois isso enseja uma elevação pessoas, empresas em diferentes sociedades do mundo.
dos custos. Por isso, é preciso prever uma política
contratual comum, que irá se expressar em cláusulas Essa evolução tem um impacto social porque intensificou
gerais de contrato que se repetirão, de maneira uniforme as relações humanas; cultural, porque trouxe nova cultura
em todas as contratações. Essas cláusulas servem para
definir a responsabilidade dos agentes que participam da 4
Tal convenção estabeleceu os fundos (leitos mais profundos)
contratação. Além isso, são uma manifestação da gerência marinhos como sendo patrimônios comuns da humanidade; além
e da racionalização da gestão. disso, regulamentou a polêmica questão acerca da delimitação e
definição da plataforma continental.
8
com a Internet; político, porque as empresas e ONGs chamados “contratos relacionais”6 são decorrência
podem divulgar suas idéias na rede mundial. deste modelo.

No âmbito jurídico, a grande prova de seu impacto nos é 3. Substituição da sociedade industrial pela sociedade
dada pelos chamados “contratos eletrônicos”, que pós-industrial
incorporaram as características dos contratos de massa e A sociedade industrial se caracteriza pela substituição da
cativos. Tais contratos tornaram muito mais acentuados os energia humana pela energia mecânica. Ela transforma a
riscos do consumidor, pois este não conhece o fornecedor, natureza sem ter uma visão clara da finitude dos recursos
se submete a um contrato determinado e a campanhas naturais.
publicitárias maciças. A própria celebração dos contratos,
por meio da assinatura digital, criou discussões no mundo Os bens, aqui, são produzidos em larga quantidade. Isso
jurídico. Ademais, a moeda vai se tornando cada vez mais se modifica completamente com as sociedades pós-
desmaterializada, perdendo seu aspecto físico. Ilustração industriais. A indústria não deixa de produzir, mas o
desse fato é o surgimento das ações de S.A.5 comércio de serviços passa a crescer muito mais do que
o de bens. Assim, medicina, advocacia, transportes são
2. Passagem do modelo fordista de organização expressões do comércio de serviços que marcam essa
industrial para o modelo da especialização flexível segunda fase. Nesse sentido, vemos a preocupação da
O modelo de Henry Ford baseia-se na organização de comunidade internacional com a celebração, na Rodada
trabalhadores e é característica dominante da indústria da do Uruguai, do acordo sobre comércio de serviços (em
primeira metade do século XX. É concomitante com o oposição ao GATT, que regula o comércio de bens, quanto
modelo de consumo de massa. A intenção não é atender a à aplicação de alíquotas tarifárias nas relações comerciais
finalidades específicas, mas produzir bens em larga entre os Estados signatários de tal acordo).
quantidade para o atendimento da maioria dos
consumidores. O comércio de serviços não tem a mesma dimensão física
que o comércio de bens, exatamente porque ele está
Nesse modelo, os trabalhadores são organizados na linha disperso nos países. As formas de sua proteção são
de montagem e desempenham tarefas específicas, à diferentes das do comércio de bens. Aqui, a proteção se dá
semelhança de um organismo, em que cada um é por meio da restrição da prestação de serviços pelo
responsável por uma etapa. Os trabalhadores são semi- servidor estrangeiro. Vemos, aqui, a grande diferença, pois
especializados. antes o que prevalecia era o domínio sobre a produção;
É nesse contexto que surgem os sindicatos. Mas essa hoje, prevalece o domínio sobre a informação. Nesse
idéia entra em crise na segunda metade do século XX, sentido, quanto mais educado for um povo, maior é a
com o surgimento do modelo da especialização flexível. probabilidade de superação da pobreza.
Ele possui uma nota diferenciadora, porque não mais se
organiza para a produção de bens em série para os 4. Desregulamentação dos mercados financeiros e de
mercados de massa, mas passa a ser possível a capitais.
reconversão das plantas industriais, para o atendimento de É um fenômeno que remonta ao final da década de 70 ao
atividades específicas, diferenciadas e muito distintas. início da década de 90. Ocorre simultaneamente aos

Não é por acaso que diversos tipos de bens podem ser 6


O modelo de “especialização flexível” possui, como
produzidos sem que isso implique o aumento considerável características principais: oferecer um produto ao mercado com
dos custos. Esse novo modelo conta com trabalhadores tecnologia, ou qualidade, ou apoiado em um serviço singulares.
não mais semi-especializados, mas especializados que Para tanto, há a necessidade de flexibilidade dos termos
realizam múltiplas tarefas. No âmbito jurídico, os contratuais (por exemplo, adoção de cláusulas abertas ou “open-
end terms”), a fim de garantir um atendimento à demanda de
maneira ininterrupta, a partir da concepção de que, caso
necessário, as circunstâncias contratuais possam ser rapidamente
alteradas, sem que, para isso, haja a necessidade da celebração de
novo contrato. Assim, de acordo com a obra de Ronaldo Porto
Macedo Júnior, “Contratos Relacionais e Defesa do
Consumidor”, na página 127, “a especialização flexível oferece
1) a redução do trabalho envolvido (‘work-in-progress’), à
medida que o trabalho qualificado e a inovação tecnológica
aumentam a produtividade e diminuem o número de
trabalhadores diretamente envolvidos nas tarefas produtivas; 2) a
redução do ‘lead time’, isto é, tempo requerido desde o início da
produção até o seu final (...); 3) a redução do trabalho direto; 4) a
geração de um produto final de alta qualidade”. Vale lembrar que
o contrato relacional é marcado pelas características de
solidariedade, permanência e cooperação, a fim de caracterizar-
lhe devidamente (Isto leva-nos a perceber que o contrato passa a
compreender uma relação que se protrai no tempo, adquirindo
um caráter processual e não mais monástico). Para uma análise
mais direcionada, vide a seguinte obra: MACEDO Jr., R. P.
5
O que pode levar à como sendo uma das causas da volatilidade Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. 1. ed. São Paulo.
do capital. Max Limonad. 1998.
9
efeitos que sucederam à erosão do regime de Bretton instituição de vínculos de natureza associativa para a
Woods. Rompeu-se a paridade fixa entre o ouro e o dólar, satisfação de interesses comuns.
instalando-se uma crise nas economias internacionais no
câmbio de taxas flutuantes. Foi um processo em que os A segunda condição é a de que o membro tenha
países reduziram as regras incidentes sobre o controle condição de sujeito ativo na comunidade internacional.
financeiro e de controle internacional sobre suas Não basta a condição de portador de direitos e obrigações
economias. Há uma busca intensa dos governos para - é preciso que esses direitos e obrigações possam ser
investimentos externos em seu país. Esses fluxos de exercidos em um âmbito específico, determinado pelo
capital geram enorme preocupação sobre os efeitos que tratado constitutivo da organização.
podem surtir nas economias nacionais.
O terceiro requisito é a existência de um vínculo
5. Manifestação das empresas transacionais como associativo, que é verdadeiramente responsável pelo
pólos de produção do direito e do poder. surgimento da organização. Ele está presente no ato
Tais empresas são conhecidas de há muito, desde o instituidor, que congrega Estados diferentes para a
século XVII. Mas a dimensão de seu poderio só se tornou realização de fins comuns. A participação nesse vínculo é,
um fato inédito na realidade internacional na segunda pois, requisitos para que um Estado se torne membro de
metade do século XX. São agentes do direito mundial, ou uma organização.
de uma lex mercatoria. Configuram uma rede de relações
com consumidores, fornecedores, mas, principalmente, A quarta condição é que os membros da OI tenham,
relações entre si. Nessas relações, procuram afastar a em função do vínculo associativo, direitos e deveres
aplicação do direito nacional. específicos. Os Estados, enquanto sujeitos de direito
internacional, são portadores de direitos e deveres; mas,
Normalmente, inserem-se cláusulas de arbitragem, que ao atuarem na esfera própria das organizações
afastam o judiciário nacional da solução de qualquer internacionais, detêm direitos e deveres que não são
controvérsia em relação aos problemas com os contratos repetíveis em outras esferas de ação. Esses direitos e
internacionais. Isso porque essas empresas temem a falta deveres só existem enquanto o Estado é membro da
de especialização e extrema morosidade dos judiciários organização. Os demais direitos subsistem, mas criam-se
nacionais, que provocam incertezas que elas procurar novos.
evitar. Esses são típicos atos confirmadores da nova lex
mercatoria. O quinto requisito é aquele que se refere a uma
participação constitutiva na organização internacional,
Todas essas características repercutem no funcionamento que quer dizer que o Estado interfere quer na criação da
das organizações internacionais, pois elas foram organização, quer no desenvolvimento normal das suas
concebidas como eminentemente estatais. Mas, em uma atividades. O Estado coopera, contribui e age para a
era em que há um relacionamento complexo entre o realização das suas finalidades. Para isso, ele participa
mundo estatal e o não-estatal, não é possível pensar o dos seus órgãos representativos e de seu processo de
funcionamento das organizações sem analisar esse deliberação.
fenômeno. Por isso, os desafios enfrentados pelas
organizações internacionais podem ser institucionais, Definição de membro de OI: Membro de uma
participatórios, regulatórios, decisórios e organização internacional é, assim, um sujeito ativo que,
sancionatórios, e serão descritos nas próximas aulas. por força do vínculo associativo, assume direitos e deveres
próprios.
OS DESAFIOS, PROPRIAMENTE DITOS, QUE A
GLOBALIDADE IMPÕEM ÀS OI Essa condição de membro não se confunde com os
funcionários das organizações, que têm direitos e
Desafio participatório. deveres funcionais e não pessoais, na medida em que
O desafio participatório diz respeito a quem tem direito de decorrem de um estatuto próprio que rege a sua atividade
participar das organizações e de seu processo de profissional. O membro também não se confunde com as
deliberação. Assim, é a análise sobre quem são os entidades consultoras, que são convidadas
membros das organizações internacionais e sobre se a esporadicamente a se manifestar a propósito de algum
participação desses membros é suficiente para dar tema que seja do interesse da organização. Pode surgir a
respostas adequadas aos desafios das organizações. necessidade de se ouvir a manifestação de especialistas
em um determinado ramo de atividade para o processo de
1. Membros das organizações internacionais deliberação. Quando uma entidade é consultada, ela não
A noção dos membros nos remete à discussão de seus participa da organização enquanto membro, mas como um
elementos característicos. Em primeiro lugar, são membros terceiro convidado para opinar sobre um assunto, mas que
os sujeitos de direito internacional. Como vimos nas aulas não pode interferir predominantemente em seu processo
anteriores, os Estados são os grandes sujeitos das deliberativo.
relações internacionais, e, como tal, exercem direitos e
deveres na esfera internacional. Por isso, a primeira Não se deve confundir também o membro com seus
condição para que alguém seja membro de uma observadores; estes são representantes de Estados, ou
organização é que seja sujeito de direito internacional - de movimentos, que são convidados a participar na
atribuição que é específica de Estados. É muito raro uma qualidade de observadores, assistindo às reuniões e se
organização internacional participar como sujeito de uma informando acerca dos assuntos debatidos. Há uma série
outra, pois os Estados são os grandes interessados na de exemplos na ONU (e.g., quando a Organização para

10
Libertação da Palestina foi convidada, ou movimentos de isso: é preciso o compromisso formal de que o Estado
proteção aos direitos humanos, etc). adotará uma política comercial inteiramente compatível
com o teor dos acordos nela abrangidos. Depois disso, há
Tipos de Membros das OI. o escrutínio, e os membros se manifestam sobre o
Há três tipos de membros de organizações internacionais: ingresso, e se 2/3 aprovaram, o Estado é aceito. Mas o
- membro de pleno direito: é aquele que exerce, membro deve concordar com a totalidade dos acordos
sem quaisquer restrições, todos os direitos e obrigações comerciais realizados - ele não pode, assim, apenas
decorrentes do vínculo associativo. Não há, em princípio, concordar com alguns acordos, deve ser com todos.
nenhuma restrição à sua capacidade de atuação na
organização. É necessário, ainda, quanto à classificação dos tipos de
- membro associado: participa do processo de membros de uma OI, pensar, sob ponto de vista da
deliberação em alguns níveis, mas não pode, via de regra, sucessão dos direitos e obrigações dos Estados, em
participar das votações, das deliberações assembleares e algumas situações, em que há a formação de um novo
das decisões em matéria financeira. Há uma clara Estado pela dissolução de Estados precedentes:
diferença com os membros de pleno direito (que atuam 1. Dois Estados formam um terceiro: se os dois
sem quaisquer restrições). Os membros associados têm eram membros, o terceiro é automaticamente membro.
limitações evidentes no que tange a sua participação. Mas, se um era e outro não, não se pode atribuir a este
- membros parciais: apenas participam dos Estado, automaticamente, a condição de membro da OI.
órgãos subsidiários da OI. Não participam das 2. Estado Federal, estados de recente
deliberações assembleares, ou dos órgãos centrais. Sua independência, Estados em que existe uma separação
participação só é aceita em caráter subsidiário, nos órgãos territorial: há um surgimento de um novo Estado mas à
que desempenham função essencial à organização. continuidade de um anterior. Nessas três hipóteses, o
Estado não é de iure membro da OI simplesmente porque
Ainda: o Estado ao qual ele se integrava anterior o era. Para se
- membros originários: aqueles que desde o tornar membro, deve seguir o procedimento de aceitação.
primeiro momento participaram das discussões e do
momento constitutivo da OI. São os criadores da Ainda, a suspensão e a cessação do vínculo associativo
organização. Pode-se, porém, atribuir a condição de são duas hipóteses que têm características diversas:
membro originário ao Estado que não tenha participado de - suspensão: caracteriza-se pela não
seu surgimento, mas que tenha tomado a deliberação de manifestação em caráter temporário dos direitos e
participar da organização, desde que o tratado constitutivo obrigações dos membros
preveja isso. - cessação: o vínculo pode se romper por
- membros em via sucessiva ou derivada: manifestação de vontade do membro ou por decisão de
ingressam em instante posterior, e devem se submeter a algum órgão competente da OI.
um regime especial de admissão, que é regulado pelo ato
instituidor. O ato pode definir regras com diferentes teores. Nesse sentido, a organização pode decidir que não é mais
Pode, e.g., estabelecer que o ingresso na organização desejável a permanência de um membro em seus quadros.
resultará de um convite da própria OI, para o qual a Assim, e.g., como uma sanção pela infração de direitos e
manifestação de vontade do aderente é essencial. Ou obrigações previstos.
pode especificar que o ingresso na organização dependerá
apenas da manifestação de vontade do Estado postulante. A expulsão é um direito que tem a ver com a defesa, pela
Nessa condição, o Estado pode manifestar seu interesse OI, de sua ordem jurídica. Mas ela (e também a
em ingressar, sem convite. Ele pode, também, especificar suspensão) pode derivar de um ato de vontade do próprio
que os membros da OI receberão informações do Estado em duas situações:
postulante (para ver se ele se adequa à organização). 1. quando o ato instituidor da OI claramente
Pode também prever que haverá um comitê de reconhece o direito de retirada. Esse fato precisa ser
admissibilidade, ou que a Secretaria regulará a admissão. levado ao pleno conhecimento dos demais membros e, por
Pode, ainda, estipular qual será o procedimento de isso, deve ter no mínimo 12 meses de antecedência;
deliberação para a aceitação do Estado, e também qual o 2. mas esse direito também é reconhecido quando
órgão encarregado de tomar a decisão final. ocorre uma alteração substancial do ato instituidor que
Normalmente, cabe à Assembléia Geral a modifique suas competências e seus objetos. Isso é
responsabilidade de admitir um Estado ou não na OI. previsto pela Convenção de Viena sobre tratados. Por isso,
Variam os critérios para a deliberação. As organizações ele não precisa estar no ato instituidor necessariamente.
regionais, normalmente, adotam o critério da unanimidade
(assim, e.g., como ocorre no Mercosul). É mais comum, Direitos dos membros:
entretanto, a adoção do critério da maioria simples; assim, A)AUTONOMIA: a OI deve respeitar a vontade dos
a OMS. Outra modalidade de critério é o da maioria de 3/4; Estados. Ela só pode interferir em seus propósitos;
assim, a OPEP. Também é possível a adoção do critério de
4/5; assim, a Organização Internacional da Aviação Civil. B)DISSOLUÇÃO: os membros podem dissolver a
A regra, no entanto, é a maioria qualificada de 2/3. OI, por vontade própria;
Assim, a OMC, que usa esse critério e regula um regime
de exceção. Para o ingresso de um membro, é preciso que C)PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DE
se travem longas e demoradas discussões. O aderente DELIBERAÇÃO;
precisa demonstrar que vai adequar a sua política
comercial aos ditames da OMC. Na basta a manifestação
formal da intenção de integrar a organização. Mais do que
11
D)EFETUAR O CONTROLE DAS ATIVIDADES transnacionais) é possível manter restrita aos Estados a
DA OI, PRINCIPALMENTE EM MATÉRIA participação nas organizações internacionais, ou se se
ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA; deve promover reformas a fim de promover a inserção dos
novos atores do cenário internacional, como forma até de
E)PARTICIPAR DOS BENEFÍCIOS GERADOS melhor tratar temas atuais, como o meio-ambiente, e.g.
PELA OI. A idéia é de se saber como elaborar um novo esquema de
funcionamento das organizações internacionais que não
Deveres dos membros: crie sobrecarga de demandas e não afete sua eficiência,
A)DEVER POSITIVO DE COOPERAR, tudo isso combinado à legitimidade - esta a nova dimensão
PRINCIPALMENTE EM TERMOS FINANCEIROS, PARA a ser tratada (o embate do equilíbrio entre efetividade e
A MANUTENÇÃO DA OI; legitimidade).

B)DE NÃO ATUAR COM VISTAS A AGIR PARA, O desafio participatório, assim, terá que lidar com as
DE ALGUM MODO, NÃO SE OBTER OS FINS questões da eficácia e da efetividade, em cenário
PREVISTOS PELA OI. Não pode se comprometer com internacional em que os novos atores clamam por
quaisquer atos que possam importar no rompimento do ato participação ampliada.
instituidor.
Desafios decisório e regulatório.
O desafio participatóro é proposto na medida em que as Ganham tais desafios expressão particular quando
organizações internacionais contam com a participação analisados sob o enfoque da OMC. Isso porque é ela
dos Estados primordialmente. Mas um dos problemas que instituição paradigmática, em que muitos dos problemas
a globalização enseja é o desejo de a sociedade civil vivenciados pelas organizações internacionais fazem-se
participar da tomada de decisões das organizações presentes com especial relevância. Salientou-se que são
internacionais. Com efeito, as decisões das organizações as organizações internacionais instituições, e como tal
afetam as pessoas, onde quer que elas estejam. Além cumprem papel quanto à rotinização de comportamentos
disso, a resolução dos grandes problemas atuais passa, (criam padrões de comportamentos). São, pois, maneiras
necessariamente, pela união das OI com a sociedade civil pelas quais as idéias ganham durabilidade ao longo do
e com os Estados. tempo. A durabilidade se comprova por estrutura posta a
serviço de seus objetivos fundantes.
Art. 13 do Entendimento de solução de controvérsias da
OMC: recurso a especialistas para a solução de um A OMC, por paradigmática, deve ser estudada. Para tanto,
determinado conflito quando isso for necessário. Essa deve-se retroceder ao estudo do seu acordo constitutivo
determinação veio com a idéia do amicus curie (amigos da (GATT). Os três grandes pilares da ordem internacional
Corte). Essa é, portanto, uma questão muito importante são: FMI, Banco Mundial e acordo geral de comércio.
para esse desafio das organizações internacionais: de Cada um deles combate as dificuldades surgidas no pós-II
enfrentarem uma realidade diversa, múltipla, em que a sua GM. Uma dessas dificuldades visava a coibir que
legitimidade está em constante desafio, com a problemas na balança de comércio dos Estados
necessidade de participação da sociedade civil alcançassem dimensão global. Em Bretton Woods, em
1944, criou-se, diante desse problema, o FMI.
Na aula passada, vimos como o desafio participatório se
apresenta nas organizações internacionais. Refletimos Problema outro, porém, havia: superar o aumento da
sobre a natureza de seus membros e frisamos que um de pobreza decorrente do conflito mundial. Era preciso criar
seus desafios se relaciona justamente a quem deve uma instituição complementar ao FMI. A estabilidade das
participar da organização, e quem pode figurar como balanças de pagamentos devia ser complementada pela
membro. oferta de recursos para países em desenvolvimento para
que realizassem projetos de infra-estrutura sem precisar
Quanto à participação, é possível distinguir duas reconhecer à iniciativa privada - o que lhes possibilitaria
dimensões: transpor o patamar do subdesenvolvimento. Daí o Banco
- intervenções que se processam no âmbito do Mundial.
sistema de solução de controvérsias. Aqui a menção
feita aos “amigos da Corte”, figura que não se encontra Restava, porém, completar ainda o sistema com uma
expressamente prevista no entendimento de solução de terceira instituição, que cuidasse especificamente das
controvérsias da OMC, mas o órgão de apelação, com restrições de caráter tarifário que impediam o fluxo do
base no já citado art. 13, tem reconhecido a possibilidade comércio internacional. Durante a guerra houve o uso das
de se recorrer a painéis de especialistas que não figuram moedas nacionais de forma competitiva (desvalorizavam-
no âmbito de solução de controvérsias propriamente dito. A se as moedas como forma de aumentar a competitividade
atuação dos especialistas - amigos da Corte - é importante dos produtos nacionais no meio externo). A isso se aliavam
para o trato de questões mais técnicas, e adquire relevo no práticas abusivas. Reforma, pois, fazia-se necessária, sob
processo de solução de controvérsias. da OMC. pena de não se poder criar condições para boa realização
- quem deve ser efetivamente membro das das transações internacionais. Daí o terceiro pilar da
organizações internacionais. Desde o início do curso ordem econômica internacional projetada para o pós-
salientou-se que a condição de membro das organizações guerra: a Organização Internacional do Comércio (OIC)
se restringe exclusivamente aos Estados. O problema está .
em saber se com a transformação das relações Jamais, porém, entrou em funcionamento a OIC, tendo em
internacionais, com o advento do transnacionalismo e a vista que os EUA se recusaram a ratificar seu tratado
participação crescente de novos atores (ONGs e empresas
12
constitutivo, temendo haver restrição excessiva a seu não tivessem se recusado a assinar o tratado constitutivo
governo quanto à realização de sua política externa. da OMC.

Daí decidiram os países realizar acordo provisório - o Em 1994 foi celebrado o ato constitutivo de criação da
acordo geral de comércio e tarifas (GATT) -, com a função OMC, a qual começa a funcionar em 1995, reunindo mais
de liberalizar o comércio internacional. Isso se deu em de 100 países (hoje possui quase 150 membros).
1947, e não precisava esse acordo ser ratificado pelos Enquanto o GATT tinha partes contratantes, a OMC tem
EUA. Foi esse acordo o grande propulsor do comércio membros, já que é OI de direito (não só de fato).
internacional no pós-guerra.
Ao fim da Rodada Uruguai, em 1994, a comparação com o Mudanças:
cenário internacional de 1947 permitia mostrar quão
- ratione personae: a OMC tem muito mais
expressiva foi a liberalização (que se deu por etapas)
membros do que o GATT tinha partes contratantes (23
realizada (com redução de tarifas). Foi na Rodada Uruguai,
partes);
então, que se criou a OMC. As rodadas anteriores visavam
- ratione materiae: alargamento considerável
inicialmente à redução de tarifas de produtos
também. Enquanto o GATT se restringia à redução das
industrializados. Posteriormente - e isso engloba também a
tarifas incidentes sobre produtos industrializados, o
rodada Uruguai, além da de Tóquio - é que outros temas
espectro de abrangência da OMC é bem maior - não só
também foram tratados (e.g., antidumping, etc.).
ampliou os acordos de comércio de bens (e.g. acordo
sobre agricultura), como também levou a acordos sobre o
O destaque da Rodada Uruguai, em contraposição às
comércio de serviços e propriedade intelectual, dentre
outras, se deu, contudo, não só pela abrangência dos
outros acordos também importantes.
assuntos tratados, mas também porque nela (que foi de
1986 a 1994) se decidiu criar a OMC.
Estrutura da OMC.
A estrutura institucional da OMC é peculiar. O órgão
O GATT, quando constituído, tinha 23 partes contratantes.
máximo é representado pela Conferência Ministerial, que
Não era organização internacional de direito, mas se
se reúne pelo menos a cada dois anos, reunindo os
tornou OI de fato, posteriormente, graças à habilidade dos
ministros das relações exteriores dos membros. É o órgão
seus sucessivos administradores. Motivado pelo princípio
verdadeiramente deliberativo da OMC - o grande palco de
da não-discriminação, o GATT, na década 80, entrou em
negociação de novas regras do comércio internacional.
processo de declínio, devido a acontecimentos peculiares
Abaixo vêm: conselho geral, órgão de solução de
à realidade internacional do período, tais como os dois
controvérsias e mecanismos de revisão das políticas
choques do petróleo (1973 e 1979), a mudança da
comerciais. Têm a mesma composição, mas diferentes
configuração do poder econômico mundial com o
funções:
desenvolvimento europeu motivado em grande parte pela
- o Conselho Geral é órgão diretor.
comunidade econômica européia, e pelo despontar de
- o de Solução de Controvérsias visa a resolver
países industrializados na Ásia e na América Latina, além
conflitos, decidir pela instauração de painéis, etc.
obviamente do crescimento do Japão.
- Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais
visa a examinar a compatibilidade da política comercial de
Com o princípio da não-discriminação e a conseqüente
um país com as regras da OMC.
perda de legitimidade do GATT em relação aos inúmeros
países não-membros (os quais tinham crescente destaque
OMC como paradigma de Organização Internacional
no cenário internacional), há enfraquecimento da
que enfrenta os desafios propostos pela Globalização
instituição. O ingresso de novos membros trouxe à tona o
hodierna.
tema então inovador da proteção dos interesses dos
O desafio decisório que se propõe às organizações
países em desenvolvimento (até então o intuito era tão-
internacionais, e que aparece nitidamente na OMC, surge
somente regular a relação entre os países desenvolvidos).
quando se analisam suas regras para a tomada de
decisões. A OMC é OI que prevê critérios para o processo
O comércio internacional em desenvolvimento causava
de deliberação (maioria qualificada - 2/3 ou 3/4).
também, nessa fase, novo cenário, além de que o
desenvolvimento econômico tornava necessária a análise
A peculiaridade do processo decisório está não na
dos direitos de propriedade intelectual (tema que foi até
previsão de regras formais para a deliberação por maioria
debatido na rodada Uruguai).
qualificada, mas na tomada de decisões por consenso -
este é o critério normalmente utilizado para a adoção de
O desenvolvimento de outros países que não aqueles
novas regras quando um Estado, mesmo que não
membros iniciais do GATT, e a conseqüente pretensão de
manifeste explicitamente seu apoio, silenciar sobre nova
entrada na instituição, e o advento, pelo ingresso desses
medida, tacitamente consente em sua adoção. O consenso
novos participantes, de novos temas, aos quais o GATT
significa obstáculo: é preciso que todos os Estados
não estava preparado, tudo isso levou à necessidade de
estejam de acordo para que determinada regra possa valer
rediscutir a instituição. Daí a rodada Uruguai, no decorrer
- o que é muito complicado tendo em vista que a OMC
da qual o embate entre países desenvolvidos e países em
reúne a quase totalidade dos Estados. A vantagem é que
desenvolvimento acabou por fazer premente a
com a obtenção do consenso há maior grau de
necessidade de novo acordo global.
comprometimento com as regras adotadas.
O Professor Amaral menciona a necessidade de o GATT
Vigora na OMC o princípio do single undertaking: só se
deixar de ser OI de fato para se tornar OI de direito - tal
adota regra quando há acordo sobre a totalidade das
como deveria ter ocorrido em Bretton Woods caso os EUA
13
regras de execução. Isso pode ser ilustrada pelas atuais integração de comércio, alguns com densidade jurídica
discussões da rodada Doha. Somente com concordância bastante consolidada, outros nem tanto (e.g., Nafta).
sobre tudo o que é objeto de negociação é que se pode
concluir a rodada. O Mercosul surgiu com o propósito de criação de um
mercado comum. Mas esse propósito contrasta com as
Há, pois, singularidade evidente no processo decisório. finalidades do Tratado de Assunção, cujas regras tinham
Singularidade também há no órgão de solução de muito mais em mente a criação de uma união aduaneira.
controvérsias. Este deve avalizar medidas tomadas por
outros órgãos, só não o fazendo se não houver Observação importante: área de livre comércio -
unanimidade quanto à não-avalização. Existe, portanto, abolição das restrições alfandegárias e não alfandegárias
especificidade no âmbito da OMC quanto ao processo entre os Estados partes; união aduaneira - caracteriza-se
decisório. Isso traz obstáculos, mas, ao mesmo tempo, pela existência de uma política comercial comum adotada
assegura maior legitimidade aos tratados negociados nas em relação aos Estados não-parte, e que se expressa por
rodadas de liberalização comercial. uma tarifa externa que todos os países aplicam em relação
aos demais, que não fazem parte do bloco; mercado
Veremos na próxima aula outra singularidade da OMC, que comum - livre circulação das pessoas e dos bens de
aponta a terceiro desafio: o desafio regulatório (como as produção.
organizações internacionais podem regular questões que
relacionem o público e o privado, e diferentes O mercado comum foi o que aconteceu com a criação de
organizações que atuam em campos conexos). uma comunidade econômica européia. No âmbito sul-
americano, a meta não possuía as condições adequadas
Na aula passada, analisamos a OMC, em que existem para sua realização - tudo levava a crer que somente seria
procedimentos para a tomada de decisões com base na possível se criar uma união aduaneira. Destarte, o
maioria qualificada (2/3 ou 3/4, dependendo da Mercosul nasceu simplesmente como um tratado e não
deliberação), mas também o consenso pode ser utilizado. como uma organização internacional. Esse tratado previa
um sistema deliberativo, baseado no conselho do mercado
Para complementar o estudo sobre como o desafio comum (presidentes dos países) e o grupo do mercado
decisório se apresenta, utilizaremos um exemplo regional. comum (ministros de relações exteriores). O conselho
Com a análise da OMC, vimos como isso se dá em uma tinha função eminentemente decisória e o grupo,
organização de nível mundial. Vejamos, pois, o que ocorre executiva.
com o Mercosul.
Em dezembro de 1991, foi concluído o Protocolo de
O Mercosul é uma organização internacional após a Solução de Controvérsias, para resolver as contendas
celebração do protocolo de Ouro Preto, em 1994. nascidas da interpretação do Tratado de Assunção. Mas
Constitui-se a partir do Tratado de Assunção, celebrado em faltava criar uma estrutura institucional para o bloco. Esse
23 de março de 1991. Ele só foi possível quando da esquema era provisório, delimitado a um determinado
mudança de relacionamento entre Brasil e Argentina. Na tempo. Por isso, em 1994, os países resolveram
década de 70, esses dois países lutaram pela hegemonia transformar o bloco em uma organização internacional de
nacional. Houve, inclusive, uma preocupação com a direito, que ganhou personalidade jurídica e, dessa forma,
questão nuclear. E isso só foi passível de solução em passou a poder celebrar tratados com terceiros. Antes, não
1990. Assim: existia a possibilidade de o Mercosul tratar com OI - eram
os Estados-parte que individualmente assim procediam.
1979: acordo para a preservação dos recursos Desde 1994, o bloco passou a ter competência para
hídricos do Rio Paraná celebrar esses tratados, que vinculam todos os seus
1980: tratado que determinou o uso pacífico da membros. Conforme ocorreu com a OMC (antes, GATT), o
energia nuclear. Mercosul possuía partes; agora, possui membros, pois é
1985: ata do Iguaçu organização internacional de direito.
1986: programa de cooperação econômica
1988: tratado de integração que os dois países O Protocolo de Ouro Preto instituiu a Comissão de
vieram a celebrar. Comércio, que tem a função de administrar a tarifa externa
comum imposta aos produtos provenientes de terceiros
Verifica-se, portanto, que se instaurou um esquema de mercados. Ainda, a partir de 1994, tem início o
cooperação mútua entre Brasil e Argentina. E, para a aprofundamento da integração com a realização da união
formação do bloco econômico, eles resolveram incluir dois aduaneira, mas uma série de produtos ficou inicialmente
novos parceiros: o Uruguai e o Paraguai. Assim, em 1991, excluída da tarifa externa comum. Os países membros
foi celebrado o Tratado de Assunção, criando o Mercado elaboraram listas específicas desses produtos. O que é
Comum do Sul. preciso observar, aqui, é que qualquer decisão tomada no
Mercosul requer a aceitação de todos os membros.
O Mercosul veio à luz dentro de um conceito mundial muito
específico. Com efeito, nas décadas de 70 e 80, os países Agora, o Mercosul também conta com a participa da
latino-americanos foram governados por regimes militares, Venezuela. Vigora, aqui, o princípio da unanimidade
o que dificultava a formação dos blocos, uma vez que era decisória, já que o Mercosul não tem caráter universal,
impedida a comunicação entre cidadãos e Estados. Por supranacional, mas intergovernamental. Isso significa
isso, era necessário que se regularizasse essas relações, que não foi criada uma instância decisória, cujas decisões
o que só ocorre no final dos anos 80. No plano mundial, já vinculam diretamente os Estados. Essa
havia uma tendência de formação de acordos de
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intergovernabilidade tem um problema: a concordância se discutem soluções para a balança de pagamentos.
de todos os membros é requisito prévio para a tomada de Destarte, a governança global deve enfrentar essa
deliberações - e isso é difícil de ser conseguido. Não há, transversalidade.
como na Europa, um sistema de maioria qualificada
(conforma a natureza de algumas matérias, mais rigorosa Desafio regulatório.
ou não). Mas a deliberação por uma maioria qualificada no Os temas do direito internacional clássico eram os temas
Mercosul sempre foi contestada pelos países menores, do direito de coexistência - política, estratégia, questões
como Paraguai e Uruguai. O peso do Brasil seria muito militares. O século XX ampliou de forma vertiginosa esses
grande. temas; o direito internacional passou a se preocupar com
questões econômicas, de trabalho, de saúde, de meio-
Pensemos no caso da ONU, que procurou superar as ambiente, etc. Com isso, as organizações internacionais
dificuldades em termos de procedimentos decisórios que ganharam nova feição. Antes, eram monofuncionais - e.g.,
tinha a Liga das Nações. Com efeito, seu sistema decisório organização para propiciar a navegabilidade nos Rios
foi uma das causas do fracasso da Sociedade Reno e Danúbio7 - e agora são multifuncionais - assim,
(unanimidade). Por isso, a ONU foi mais sábia ao prever e.g., a ONU não lida só com assuntos da paz, mas dos
um sistema decisório em que a desigualdade do voto na direitos humanos.
Assembléia contrasta com a do Conselho de Segurança.
Na AG, todos os membros têm voto. No CS, somente os As organizações internacionais passam a exercer uma
membros permanentes têm direito de veto. O sistema multiplicidade de papéis - e o insucesso de um não leva ao
decisório do CS hoje está profundamente modificado, pela insucesso de outro necessariamente, e não se pode julgar
mudança do mapa mundial, em que há inúmeros países uma OI pela incapacidade de atingir uma de suas
que pleiteiam a participação no CS como membros finalidades.
permanentes. Ainda, esse sistema de veto não traz um
sistema de equilíbrio com o voto na AG. PREPARAÇÃO PARA O EXERCÍCIO PRÁTICO –
SIMULAÇÃO DA REUNIÃO DO COMITÊ DA
Desafio institucional ASSEMBLÉIA GERAL SOBRE REFORMA DA ONU
Com relação ao desafio institucional, é necessário salientar
que as organizações internacionais enfrentam, nesse Comparação entre as regras do Conselho de Segurança
campo, o grande problema do relacionamento de caráter (CS) e da Assembléia Geral (AG) – preparação para o
transversal dos temas internacionais (como, e.g., a seminário (simulação da AG). Parar para pensar a razão
proteção do meio-ambiente ou da propriedade intelectual). dos procedimentos entre os dois: CS e AG – ponto para a
prova!
Assim, e.g., a proteção do meio-ambiente tem uma
dimensão local, nacional, regional e mundial, e todas estão AG debate os temas mais ou menos do mesmo modo que
intrinsecamente relacionadas. Pesemos na dimensão o CS: cada país tem o direito à palavra, mas o que tem
regional. Há um acordo que foi adicionado ao acordo sido feito, há uma sessão na AG em que os países
original de livre comércio da América do Norte, sobre o colocam formalmente sua posição para o público. Não é
meio-ambiente. Ainda, várias medidas foram tomadas na uma discussão acerca dos temas, as reuniões da AG – as
Europa. No âmbito mundial também a ONU tem sido um decisões, na prática são tomadas antes. Para sabermos
nascedouro de importantes acordos e tratados sobre meio- como são essas discussões, ler o texto de cada um dos
ambiente. discursos dos países. Mas essa série de discursos é
filtrado em uma linguagem diplomática, sendo apresentado
Mas existe uma transversalidade desse tema, na medida não como um debate, mas como palestras. Significativo foi
em que ele já entrou nas discussões da OMC. Muitos são que na reforma do CS, foi-se pedido que houvesse o
os acordos que se referem à proteção do meio-ambiente. reconhecimento do direito de réplica, o que não é algo
É muito difícil tratar desse assunto por uma organização normal nem na AG e nem no CS.
sozinha. Quando o assunto é transversal, é preciso que ele O relatório, “In larger freedom: towards development,
passe por todas as organizações, para que elas possam security and human rights for all”8, do atual Secretário-
lidar com um tema tão complexo. Outro grande tema é o Geral (SG) da ONU, Koffin Annan, exemplifica bem o
da proteção da propriedade intelectual. Após a 2ª GM, debate sobre a necessidade de reforma da ONU, assim
houve a necessidade de se superar o regime de tratados como a discussão acerca da institucionalização do
específicos sobre o assunto. E se decidiu criar uma OI Conselho de Direitos Humanos na mesma organização.
específica para isso, que estimula uma harmonização para
as regras internacionais sobre o tema – Organização Duas propostas de resolução para reforma do CS: países
Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Mas ela não africanos (Gana e Nigéria) e do Brasil, Índia e Alemanha,
tem capacidade sancionatória para fazer valer essas além da proposta genuinamente brasileira, de 2004.
regras. Delegações para a simulação: Brasil, Alemanha, Índia e
Japão; EUA, UK, França, China e Rússia; Argentina, Itália,
O acordo TRIPs é o acordo que estabelece uma Paquistão
regulamentação mundial da propriedade intelectual. Mas é
preciso mostrar que a OMC já celebrou um acordo de
cooperação com a OMPI - a indicar a clara
transversalidade desse tema, que remonta à atuação de 7
Tidas como Organizações Internacionais meramente de caráter
mais de uma OI. O mesmo se dá com a atuação da OMC e administrativo.
do FMI, para o equilíbrio da balança internacional. Busca- 8
Disponível no sítio:
se permitir a cooperação do FMI dando pareceres em que http://www.un.org/largerfreedom/contents.htm
15
OS DESAFIOS, PROPRIAMENTE DITOS, QUE A a Carta da ONU ter assegurado ao CS uma função
GLOBALIDADE IMPÕEM ÀS OI primordial à promoção da paz e da estabilidade mundial,
tem havido desafios para tanto. O CS não possui um
Desafio Sancionatório. aparato coercitivo análogo ao disposto pelos Estados
A eficácia da norma internacional quanto à sanção prevista nacionais, acionável a qualquer momento pelo CS, para
naquela. A sanção é uma conseqüência do ilícito; ela é questões conflitantes internacionais. Ele depende da boa
uma conseqüência que a norma jurídica prevê para uma vontade dos Estados para custear quaisquer operações de
conduta considerada como ilícita. No pensamento jurídico caráter militar. Se esta é uma dificuldade com qual p CS se
ocidental há duas correntes para considerarmos o ilícito: a depara, a execução de sanções, no que diz respeito ao
primeira refere-se ao jusnaturalismo, como referência a um uso da força, tem, na esfera internacional um custo muito
desvalor de comportamento. Ilícitos nada mais são do que elevado.
comportamentos tidos como desvaliosos, que merecem
pena ou punição. A posição oposta é a defendida pelo No plano econômico, as sanções possuem
positivismo: o ilícito é o resultado de uma figuração particularidades que não podem ser esquecidas. A OMC
jurídica. Ele decorre de uma previsão normativa e ele é o procurou remediar uma das deficiências do GATT:
efeito natural da existência de uma pena para um inexistência de punição ao violadores do acordo.
comportamento qualquer. Assim, o que é ilícito hoje,
poderá não sê-lo amanhã – exemplo: adultério. A ordem A sanção, no plano econômico, permite induzir a uma
jurídica estabelece o regramento da sociedade mediante o mudança do Estado quanto à desobediência. Há diversos
uso da força. A sanção é vital para o Direito: ela é a especialistas que vêem críticas na questão da sanção
conseqüência atribuída a uma conduta, precisa ser como um uma interrupção do comércio internacional,
regulada pela norma, não existe fora desta e somente atravancando ainda mais sua economia. Tal interrupção
pode ser contemplada nos termos estabelecidos pelo pode ter efeitos muito danosos, porque faz cessar a
Direito. importação de bens de capital de que toda a economia
necessita. Ou a interrupção de insumos necessários à
O Direito interno e o Direito Internacional conhecem dois produção nacional. Essa sanção não atinge apenas a parte
tipos de sanção: a pena e a multa, de um lado, e a sua bilateral, como possui um efeito sistêmico. No momento
execução de outro. A pena não visa a restaurar uma em que esses Estados elevem tarifas, como sinônimo de
situação anteriormente existente; seu objetivo é a punição retaliação, eles criam uma consciência de que sua
de um comportamento socialmente indesejado. A indústria nacional será privilegiada e que gerará uma
execução é um mecanismo pelo qual o direito é restaurado
na sua integralidade. A sanção no Direito Privado possui Comunidades Européias.
uma natureza peculiar, muito embora, a pena própria do Distinção entre estas e a UE. A UE é um conjunto de
Direito Penal, possa ser utilizada pelo Privado para a relações cooperativas, composto por três pilares: um
obtenção de certos fins previamente estabelecidos. comunitário; um intergovernamental, em que há um
relacionamento informado pela diplomacia clássica na área
O Direito Internacional também prevê esses dois tipos de da política externa e da segurança comum; e um terceiro
sanções. Estado centralizado: cabe a um órgão superior a na área da cooperação judiciária internacional. As
execução da sanção de modo incontestável. Não podem comunidades européias surgiram da comunidade
os indivíduos o fazerem. Cabe aqui uma distinção a fazer econômica européia da energia atômica, da de carvão e do
entre o Estado moderno, o direito que dele brota e as aço
sociedades primitivas. A vendeta era um mecanismo pelo
qual os indivíduos, de acordo com seus interesses, As Comunidades Européias, assim como a ONU e a OMC
aplicavam o direito, quando lhes fosse conveniente. Com o espelhem os desafios trazidos pela globalização em
advento do Estado moderno, este assumiu a titularidade relação às organizações internacionais.
de imposição da sanção. No DIN não há um órgão central
que possa impor a sanção e controlar a legalidade destas. As Comunidades Européias não são uma organização
Não obstante, o DIN possui sanções. É um profundo monotemática ou monofuncional. São uma
equívoco sustentar que a sanção é somente típica do complexidade de temas. No que diz respeito ao desafio
direito interno. Há as guerras e retaliações como formas de institucional, as comunidades européias não dispensam o
sanções, além das penas estabelecidas pelo estatuto do apoio de outras OI. No plano do desafio sancionatório, o
Tribunal Penal Internacional (crimes que estão sob sua problema está em encontrar as sanções adequadas para
competência: crime de guerra, crimes de genocídio e um tipo de integração específica e particular, em que
crimes de agressão). Ele atribui a aplicação de multas e de houve a superação do estágio da integração da
penas, inclusive a perpétua. intergovernabilidade para o da supranacionalidade.

É necessário lembrar que a descentralização do poder na O quadro que atualmente possuímos em termos da
esfera externa possa gerar conseqüências problemáticas. atuação da OI mostra que elas são, ao mesmo tempo,
Contudo, o advento das OI fez com que houvesse uma essenciais para a governança global, e ao mesmo tempo
maior centralidade na aplicação de sanções: artigo 7º da se confrontam com desafios que precisam ser superados
Carta da ONU – CS. Há assim a supressão da força dos para que esse papel seja superado com êxito. Devemos
Estados para que estes atinjam interesses particulares, de ter em vista o aspecto macro que as organizações
acordo com seus interesses. Exercício da legítima defesa, internacionais têm. O funcionamento das OI está presente
apesar de parecer uma exceção, é limitado às previsões da definição da advocacia, da atuação jurisdicional do
da Carta: sem excesso e que respeite o que foi previsto na
Carta. Esta centralização, no entanto, é parcial; apesar de
16
estado, enfim, em todos os aspectos da esfera doméstica. insuficiente, porque começa a resolver problemas, mas
Vivemos em uma era de complexidades9. não surte efeitos, com base em tal paradigma. Momento
de repensar o paradigma – momento de transição
Por todos os desafios expostos acima e suas
paradigmática. O momento da crise paradigmática será um
particularidades não é mais possível, portanto, pensar que
dos tópicos que nos orientará neste curso.
a existência interna dos Estados, que a vida das
populações internas, não dependa mais das OI.
A primeira pergunta a se fazer aqui, a respeito de tal
crise, é sobre o papel do Direito para a comunidade
DIREITO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS (DRI) –
internacional. Sabe-se que o direito tem o papel de
DIN 420
permitir uma sociabilidade, garantir ordem, segurança e
Professor Alberto do Amaral Júnior
permitir aos homens a realização de projetos comuns –
regras de coexistência e de cooperação. A crise
INTRODUÇÃO AO CURSO E OS DIREITOS HUMANOS
paradigmática no DRI ocorre justamente aí, quando as
(DH) INTERNACIONAIS
Relações Internacionais (RI) não mais cooperam com o
Direito Ordem Internacional de Westfália – padrão de
A conversão dos DH em tema internacional desperta, de
relações internacionais que domina desde a segunda
imediato, o repúdio da comunidade internacional em
metade do século XVII até a segunda metade do século
relação às crises que envolveram os DH. Nos anos 90, os
XX – substitui a ordem da cristandade. Na Ordem
massacres declarados à população bósnia, crise na
Internacional de Westafália (OIW), o ESTADO é o
Somália, na Libéria, no Haiti, massacre de Saddan
grande núcleo. A OIW acaba por fornecer uma fórmula de
Hussein aos curdos do norte do Iraque, em abril de 1991 e
compreensão das relações internacionais, em que o
a população xiita em agosto de 1992. Todas estas crises
Estado nacional está no centro de todas as atenções. O
possuíram divulgação e repercussão maiores, graças ao
fator da soberania é um fator essencial e central, quer na
auxílio dos meios de comunicação (uma das
ordem doméstica ou internacional. A globalização
características da globalização).
questiona a centralidade do Estado e o papel da
soberania. Há um conjunto de fatores, como a
Problemas relativos ao Desenvolvimento – uma das
interdependência e a revolução das comunicações, que
facetas dos DH é o direito ao desenvolvimento. Não é
dão uma certa compreensão das transformações que a
possível pensar o desenvolvimento na órbita global sem
globalização. Não há apenas uma passagem do direito de
dissociar os temas da segunda metade do século XX:
coexistência para um direito de cooperação. Há toda uma
descolonização da África e aumento do número de
mudança sobre os sujeitos de direito internacional (DIN)
Estados. Com a criação de novos Estados, houve também
(quem seriam eles?) – os Estados passam a depender de
a perspectiva das dificuldades dos Estados recém criados
outros sujeitos para enfrentarem dificuldades internas e
para combater problemas estruturais. Não apenas a
externas – Estados, mais empresas e mais ONGs. O
dificuldade dos Estados recém criados, mas enfrentaram
governo atuará como uma espécie de “garante” entre
toda sorte de obstáculos. Esta situação veio a desaguar na
atores com sujeitos diversos e distintos.
Conferência da ONU em 1964, em que os países em
desenvolvimento se reuniram nesta para reivindicar a
Refletir sobre o DRI é de um lado pensar sobre a
divisão da riqueza mundial. Os anos 60 trouxeram o tema
questão da ordem, como um tema que a convivência
do desenvolvimento à tona.
humana necessita de padrões estáveis, de regras de
coexistência e cooperação, mas precisa pensar
Uma quarta problemática refere-se à questão do uso da
também na forma da distribuição de recursos e na
força, principalmente quanto à distribuição do poder
legitimidade dessa distribuição. Ordem e justiça –
nuclear na vida internacional (crise recente que o governo
padrões a serem perseguidos pelos Estados como uma
iraniano provocou em não respeitar o TNP (tratado de não-
distribuição mais justa das condições sociais, da riqueza e
proliferação de armas nucleares), do qual o Irã é
de preservação das riquezas naturais e recursos. O DRI
signatário). A Carta da ONU demonstrou uma atenção
visa a focalizar temas para a ordem clássica internacional
maior quanto ao uso da força: capítulo 7° da Carta: tentou
e de temas relacionados à inspiração de visar um mundo
corrigir as deficiências que o Pacto da Liga tinha. Este T é
mais justo.
importante porque ele submete à fiscalização da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) as pesquisas
MODELO HOBBESIANOS DAS RELAÇÕES
nucleares. Certificar que um Estado não utilizará a energia
INTERNACIONAIS
nuclear para fins bélicos.
1º Aspecto do modelo (Aspecto descritivo) de Hobbes,
Noção de paradigma: conjunto de hipóteses, teorias e
demonstrado através da elucidação de suas
métodos compartilhados pela comunidade científica em um
características. São quatro:
dado momento (conceito de Thomas Kun, segunda metade
do século XVII). O paradigma delimita quais são os
1) relações internacionais são compostas
problemas que haverão de ser preocupação da
exclusivamente por Estados;
comunidade científica, o que exclui questões que os
2) há uma relativa igualdade de poder dentro do
cientistas não procurarão resolver. A história do paradigma
estado de natureza de modo que o mais fraco
tem dois momentos: vida normal e sua transformação. A
possa sobrepujar o mais forte;
normal ocorre quando os cientistas são formados para a
3) há a possibilidade de uma organização interna
resolução de problemas. Em certo instante, ele pode ser
em relação à ordem externa;
9
Parágrafo extraído das anotações desta aula feitas por Renata 4) há ausência de obediência a qualquer ordem
Orsi Bulgueroni. nas relações internacionais.
17
como um ser maximizador de interesses e necessidades.
Falhas de tal sistema: Para o realismo, a natureza humana é constante e
imutável; a cooperação nas relações internacionais
1) não só os Estados são atualmente sujeitos de não existe porque a cooperação não é inerente ao ser
direito – há as OI, as empresas transnacionais humano, à natureza humana.
(capazes de influenciar as políticas dos Estados e
podem fazer com que o Estado dependa dela para Pós-guerra: RI como cooperação, ainda que haja uma
sua sobrevivência) e as ONGs e indivíduos. ATOR busca da maximização de necessidades e interesses,
– sentido grego: aquele que possui a capacidade apesar de um aumento de circulação de informações e
de voluntarização dos seus interesses. Sujeito de aumento dos custos de transações. O modelo hobbesiano
Direito: é imputável deveres e direitos – Estados e pode ser pensado como um ponto de partida útil para
OI são sujeitos de DIN enquanto que os demais investigar as características do modelo atual. Muito
possuem personalidade jurídica, mas não o são embora ele não seja fiel, ele é importante não só pela
ainda tidos como sujeitos de DIN; influência intelectual que exerce, como é importante para
2) não há essa igualdade – disparidades explicar as relações internacionais: não podemos utilizar-
econômicas, sociais e a existência de potências nos de um modelo único para explicarmos relações
mundiais; extremamente complexas. O modelo hobbesiano tem
3) As OI possuem mecanismos que auxiliam a uma escassa utilidade prática: ele não explica
eficácia do DIN, quer por que podem excluir a adequadamente o aumento de cooperação nas RI, a
participação de membros de seus quadros, quer solidariedade dos interesses e a responsabilidade
por que podem impor sanções. intergeracional quanto às populações de outros Estados.
Este aspecto envolve as características de um aspecto
Segundo aspecto do modelo hobbesiano: aspecto kantiano porque mostra tanto a presença de relações
prescritivo. Diferença entre este e o descritivo: descrição que suplantam as fronteiras internacionais e marcam a
do que acontece; capacidade está em descrever cooperação; o Estado embora seja um ator importante,
adequadamente as RI; já o prescritivo se volta para a não é o principal foco de poder.
exortação, determinação de quais comportamentos
devem ser seguidos em determinadas situações. O Nas RI contemporâneas há aspectos conflitivos
modelo hobbesiano define como os Estados devem diretamente vinculados à tradição hobbesiana de
agir em relação ao interesse nacional. A noção deste maximização de interesses, um segundo aspecto
guarda profunda contato com a idéia de auto- cooperativo presente na proliferação de OI pós 2ª Guerra
preservação: o homem deve se esforçar para obter a paz, Mundial (2ª GM), e há um terceiro aspecto de idéia de
tanto quanto ele tem a esperança de obter. No estado de solidariedade, de responsabilidade, de um ethos comum,
natureza tal manutenção é precária, daí porque a busca de que valoriza as obrigações individuais em relação às
auto-preservação é constante. Noção equívoca: int. gerações futuras e seus semelhantes. Este ponto é
nacional pode aludir a uma multiplicidade de situações – importante para fixar o conceito de ordem. Contestar o
este pode ser forjado num Estado totalitário, no qual modelo hobbesiano: fixar em que medida falamos de uma
determina-se o interesse nacional através de uma elite, ordem nas relações internacionais. Se eu parto do
pequena. Não há uma noção unívoca de int nacional, mas pressuposto de que o modelo hobbesiano não é, do ponto
ela aponta para situações diferentes. A orientação básica de vista descritivo e prescritivo, adequado para guiar as RI,
que o modelo hobbesiano orienta os soberanos a agirem pode-se pensar a ordem a despeito da centralização de
no interesse nacional não é do ponto de vista moral a mais poder.
adequada. A busca do interesse nacional tem a ver com a
busca da auto-preservação: não agir desta forma, Dois conceitos de ordem: normativo e empírico. O
significaria a perda de poder por parte do Estado. O primeiro vinculado à tradição jusnaturalista – Bull:
homem, no entanto, não age eminentemente como um ser ordem internacional de um ponto de vista normativo, refletir
maximizador de interesses; não se pode dizer que em antes sobre a ordem social interna. A ordem tem a ver com
todas as situações há uma regra moral que mande o certas crenças, com valores e com idéias. Para ele a
indivíduo maximizar os interesses e que isso seria o ordem social é um padrão, no qual existem certas
comportamento mais adequado (tal maximizador, ocorre regularidades, é uma formam de configuração da vida
no âmbito dos Estados). O modelo hobbesiano não é um social, mas não é qualquer forma. Tal config. Precisa, para
modelo fiel da descrição das relações internacionais, ser chamada de ordem, realizar certos fins, daí a idéia de
tampouco é um modelo moral prescritivo para determinar valor e de concepção normativa de ordem. A vida social é
as ações dos soberanos a serem tomadas. governada por uma multiplicidade de valores. Como
escolher dentre valores múltiplos aqueles essenciais para
Pensamento realista: resposta ao idealismo do a formação de uma ordem? Elege três fatores primários,
Presidente Wilson (peaceful law) – ele procurava conceber elementares e universais. Primários porque a partir deles
as RI à imagem e semelhança do conserto europeu que surgirão outros, elementares porque são inerentes à
predominava no século XIx e que se embasava em existência e relativos a todos. 1) PAZ: intrínseca
tratados formais. Tal idéia é tida como importante por dar vulnerabilidade da condição humana – condição
publicidade ao DIN, publicidade aos tratados. O realismo necessária para a existência de relações pacíficas
desconfia da organização das RI pura e simplesmente 2)COOPERAÇÃO: tem a ver com a escassez dos bens – é
a partir das regras jurídicas e assim, segundo uma preciso estabelecer regras que possibilitem um mínimo de
tradição clássica e racionalista, aproxima-se do modelo organização e de altruísmo 3)RELAÇÕES DE
hobbesiano. Este pensamento racionalista não se PROPRIEDADE ESTABELECIDAS: é impossível conceber
confunde com uma crença negativa da natureza humana uma sociedade sem que as relações de propriedade
18
estejam organizadas, não só numa sociedade capitalista; relações e os comportamentos. Estes são frágeis e
seja numa sociedade com predominância do Estado ou do necessitam de uma consolidação institucional, que permita
mercado, com predominância da propriedade pública ou a continuidade, estabilidade dos comportamentos e dos
da privada. A ordem social é assim um padrão de valores. Daí a formação de instituições para a preservação
organizaçãos das relações sociais, capaz de organizar as de tais valores (OTAN e CEI, na Guerra Fria, por exemplo).
relações de paz, coop e de propriedade. Transporta isso A ordem tem a ver com valores e com a eleição de
para as rel int. A ordem int não é uma unidade empírica, determinados valores: a ordem é a eleição de valores e da
mas uma unidade na qual estes três valores estão regularidade daqueles que se repetem.
organizados. O monopólio da violência legítima é uma
maneira de domesticar a violência doméstica – com a Seminário sobre os textos de Luigi Ferrajoli, “A
centralização do Estado, só este é considerado o detentor Soberania no Estado Moderno” – Caio Gracco Pinheiro
do uso legítimo da força. As rel int são relações que se Dias
organizam com base em hiperconexões que os Estados
soberanos estabelecem, eles formam um sistema Reflexão do pensamento do texto surge a partir da
internacional. Toda ação que tem por vista a supressão do introdução do texto: as 3 aporias – 1) soberania é um
sistema de Estados é uma situação que deve ser repelida. conceito presente em toda doutrina juspositivista do direito,
As rel int são rel pacíficas, mas a paz aqui não é tida como mas sua origem é jusnaturalista: como é que um conceito
uma paz permanente, semelhante ao projeto de paz presente numa discussão juspositivista serve para uma
perpétua de Kant; a guerra é uma possibilidade e legítima discussão juspositivista? 2) Idéia de soberania durante seu
todas as vezes que ela queria a supressão do sistema int percurso histórico, no âmbito interno tende para o
ou suplante a forma da propriedade erigida. desaparecimento e no externo para a absolutização e 3)
soberania e direito.
Os Ts int são um importante instrumental para a
organização da coop, eles viabilizam a coop sobretudo Ferrajoli é um positivista, foi orientado por Bobbio e não
pela justaposição dos int com a finalidade de alcance de discorda de Bobbio quanto a teoria do direito: é a
fins comuns. (da mesma maneira que o contrato social: autoridade que coloca o direito, não importando o
indivíduos deixam de lado para um fim comum). A conteúdo da norma. Já pro direito natural, é o conteúdo
soberania, por útlimo, é uma forma de organização das rel da norma que determina o direito e não quem o coloca.
de propriedade porque define o dever de respeitar aquilo O Ferrajoli parte de um instrumental conceitual que aceita
que se passa na intimidade soberana de outro de Estado. os preceitos positivistas como uma ferramenta descritiva
Há no pensamento de Bull a possibilidade de se falar em do direito. Não é um positivismo extremado de Kelsen e
uma nova sociedade internacional. John Vincent (london também não é um positivismo valorativo de Bobbio. O
shool of economics) critica o pensamento de Bull; para ele, positivismo extremado fala que a norma vale apenas
o conceito de Bull é estático e não dinâmico, contempla as porque foi posta por uma autoridade. A idéia de um
rel int em um determinado momento somente. Para ele Estado de direito, com uma Constituição, diz que deve-se
Bull não esclarece se as suas pré condições para a obedecer ao direito, mas dizer que só o direito do Estado,
existência da ordem são consideração genealógicas ou posto por este, resolve o problema da sua aplicação, não é
empíricas. Bull dá excessiva ênfase a ordem em o suficiente: só porque o direito nazista foi posto pelo
detrimento da justiça (é ou não uma ordem justa). Estado nazista não significa dizer que é legitimado o direito
ao extermínio. Nata-se na teoria jurídica um revival da
James Rousenall – concebe a ordem não como uma teoria jurídica jusnaturalista após a 2ª GM. O que é o
ordem social voltada a realização de fins e resultados, mas direito natural, no entanto, varia muito de autor para autor
só qdo estes fossem atingidos é que se poderia falar em e no final, ninguém tem razão, porque ele é aberto
ordem. Ordem de maneira empírica é uma regularidade, justamente para a discussão do conteúdo da forma.
gestão da política internacional através do tempo. Alia ao
conceito de ordem o conceito de governança, sendo este Ferrajoli diz que quando uma Constituição coloca em
largamente mais utilizado nas situações mais diferentes seu corpo legal garantias fundamentais, ele aplica o
(fala-se de governança corporativa: grau de gestão interno direito natural – o direito positivo incorpora direitos
das gdes corporações). Fala-se em governança no sist int naturais. Ele insere dentro do sistema jurídico uma
como uma fragmentação do poder e de sua forma de controle do conteúdo da norma jurídica.
descentralização. Ordem e governança são conceitos Ferrajoli é formalista: mas num Estado de direito nós
complementares. A ordem int evoca a situação em que as vivemos de acordo com a lei, mas não há como
rel são rel interestatais, a ordem global aponta para uma estabelecer o controle da norma. A partir do momento
situação em que as relações não envolvem apenas as em que há um estado constitucional de direito, há uma
multiplicidades de Estados, mas apenas como de ações. forma de controle do direito, justamente por ser
positivado. Há aí, para ele, um salto evolutivo – chega a
3 Dimensões que se retroalimentam: a ordem global seria dizer que é melhor um Estado constitucional de direito – a
um composta destas três dimensões. Ao se falar de ordem, constitucionalidade, que incorpora os direitos fundamentais
devemos pensar na existência de valores, sendo estes que (naturais), sujeitam-se estes ao controle da legalidade.
permitam a filtrangem dos acontecimentos internacionais.
Sem eles não é possível pensar no sistema de relações Validade para Ferrajoli: há a formal (→ vigência:
internacionais. Pensar por exemplo a influência e observação dos procedimentos para a elaboração da
importância dos valores durante a Guerra Fria; tais valores lei) e há a substancial (→ validade: conteúdo de
faziam com que os EUA e a URSS reagissem a essa acordo com o direito natural). Uma norma que institua a
multiplicidade de coisas. Não basta apenas professar violência de acordo com o processo legislativo é válida
crenças ou ter valores sobre algo, é preciso dirigir as
19
formalmente, tem vigência; mas não á válida a um conjunto de relações meramente entre os
substancialmente. Estados, mas entre agente públicos e privados
(podemos falar em ordem internacional, desde que com
Questão da discussão de soberania: é um conceito esta ressalva que caracteriza a ordem global; a ordem
filosófico ou de direito? É um conceito jurídico, ou global é internacional e vice-versa, com esta ressalva).
filosófico, ou os dois, e depende muito de quem a analisa.
A questão de analisar a soberania, obriga a quem a faz a Noção de valores tem importância na determinação da
sair do âmbito do direito, enxergá-lo de fora – teoria visão de mundo da administração Bush: adoção de
kelseniana: útil do ponto de vista prático, mas não do ponto guerra preventiva, adoção de uma política externa em que
de vista explicativo do surgimento do direito. A soberania é os EUA têm uma missão missionário de divulgação da
um conceito que coloca política e direito, ou poder e direito liberdade e da democracia. Conflito entre Israel e
em contato. Há aí algumas alternativas: para Ferrajoli Palestina: valores diferentes entre o que é segurança, o
soberania é um conceito antiômico ao do direito: que deva ser território palestinho; estes valores são
soberania é um poder arbitrário e direito quer controlar determinantes para a organização das relações entre as
esse poder arbitrário. Assim, no pensamento de partes.
Ferrajoli, ele faz uma prescrição de que todos os
poderes soberanos devem ser eliminados; ele sabe da Uma segunda dimensão, além dos valores, são os
existência de poderes arbitrários, mas a idéia de comportamentos. Os valores são muito frágeis, eles
soberania deve ser extirpada do direito por ser um precisam ser traduzidos em comportamentos
resquício do direito naturalista e não pode existir com regulares. Mesmo assim, apenas valores e
o direito positivista constitucional e moderno. comportamentos não são suficientes para a
caracterização da ordem. A terceira dimensão seria a
Uma outra idéia de soberania, oposta, é o pensamento de instituições: conferem solidez aos valores e aos
hobbesiano que se tem: alternativa que subordina o comportamentos. Ela consolida a certeza, garantindo a
direito à soberania – mesmo o direito internacional. segurança e previsibilidade: outros Estados podem
verificar a previsibilidade de expectativas em relação a
McDougal: poder e direito não são idéias opostas, pelo outros Estados. Mas não se pode pensar na dimensão
contrário – R. Higgins: “Problems and process” (tem na institucional sem regras.
biblioteca). A decisão é tomada por quem tem
autoridade para tomá-la: o poder é o instrumento Tema das regras nas relações internacionais: elas
através do qual o direito se torna eficaz. O poder em si, viabilizam a construção de instituições e estabelecem
ele não tem uma finalidade autônoma, que para McDougal, um patamar em que as ris podem ser pensadas como
o direito tem essa finalidade autônoma. relações estáveis.

Dado histórico de quando o texto do Ferrajoli apareceu: O comportamento humano é regulado por uma
1994 – ocorrendo Ruanda e Bósnia. multiplicidade de normas: religiosas, jurídicas, morais, etc.
As jurídicas têm um diferencial em relação às demais.
Celso Lafer: forças centrípetas, que atrem para o Tal diferencial repousa na consideração de que as
centro, como forças globalizantes (a OMC seria isso); normas jurídicas regulam o uso da força, como afirma
forças centrífugas, aquelas que excluem do centro, Bobbio. Se as normas jurídicas regulam o uso da força,
movimentos mais regionalistas. O mundo passa por as normas jurídicas internacionais constituem um
espasmos: o processo de globalização acaba por ser instrumento valioso para regular as relações
este misto. A análise que o Lafer faz dos anos 80 para o internacionais para o uso da força, estabelecendo as
2000 faz o progressivo aumento das forças centrípetas e circunstâncias e o momento para utilização da força,
que depois realizará as centrífugas. definindo o lícito, ilícito, o legal, o ilegal, o proibido ou
não.
Bull - a ordem internacional não é qualquer
regularidade empírica, mas é uma ordem capaz de Tais normas internacionais resultam de um processo de
configurar as relações de paz, de propriedade e de negociação e de barganha. Separar aqui tal processo da
segurança. gênese de formação de normas no âmbito interno dos
Estados. Dentro dos Estados, sabe-se que L produz as
Bull é um autor que dá uma excessiva importância à normas e as executa, apesar da ingerência de E na
ordem, em detrimento a outros valores, como o da produção das normas. Nas relações internacionais, a
Justiça, segundo Vincent. formação de normas ocorrem ou pelo costume ou pela
celebração de tratados internacionais. O costume no
Poderíamos pensar a ordem como um padrão previsível de passado, e os tratados internacionais são atualmente a
relações que permite a gestão da política internacional ao principal forma de produção do direito internacional.
longo do tempo. Podemos falar atualmente em uma ordem
global, diferente do conceito de ordem internacional. Tal Para que um T possa produzir validamente seus
diferença reside no seguinte ponto, a ordem internacional efeitos, é preciso que ele conte, sobretudo no plano
clássica é uma ordem entre Estados, entre entidades multilateral, com a adesão de todas as partes. E isto
políticas soberanas. A ordem interestatal refere-se a conduz a um grande processo de negociação e de
um complexo de interações, entre agentes públicos e barganha, sendo que neste processo há um trade-off: as
agentes privados. Neste sentido, a ordem internacional potências não conseguem fazer valer sua vontade de
é neste sentido uma ordem global. A ordem maneira deliberada. Em tal processo é preciso que as
internacional, portanto, não se refere mais tão somente nações poderosas acolham, ao menos em alguma
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medida, as reivindicações dos demais parceiros. O que natureza, como uma tentativa de conservar o que o
não quer dizer que as nações desenvolvidas não tenham passado erigiu (a tradição é um grande elemento do
um processo deciviso em tal processo de negociação presente ou de apressar o futuro).
montar uma ordem internacional à sua imagem e
semelhança. A noção de regra internacional somente pode ser
compreendida se associada aos conceitos de
As normas internacionais são restrinções voluntárias legalidade e de legitimidade.
ao comportamento dos Estados. Uma das explicações
para a durabilidade das normas internacionais pela teoria Legalidade é importante, enquanto forma de exercício
dos regimes (EUA, a partir dos anos 80). do poder, pois diz quando a força poderá ser utilizada:
quando estaremos diante de um ato de mera força ou
As normas internacionais perduram porque produzem de um ato legal.
benefícios funcionais, quais sejam a redução dos custos
de transação, o aumento de aprendizado e de circulação Legitimidade: as noções de comando e de obediência
de informação e a previsibilidade do aumento do grau de devem ser justificadas, e na era moderna têm a ver
previsibilidade na ordem internacional. Esses benefícios com a noção de um fundamento democrático de poder,
funcionais por si só não explicam convenientemente a o qual tem raízes no desenvolvimento de uma democracia
durabilidade das normas internacionais ao longo do tempo. representativa, a partir do século XIX – desde então, tenta-
É necessário dar um passo à frente. Duram também em se transportar para as relações internacionais a noção
relação à legitimidade. Disto, extraem-se dois conceitos de democratização de poder.
fundamentais: legalidade e legitimidade. O poder é legal
quando é exercido nos termos e em consonância com Até o século XIX a política externa era obra de nobres e
as normas jurídicas estabelecidas. O direito é o monarcas; não era algo que interessava ao povo. No
elemento básico que deve orientar o comportamento século XX, os temas da política exterior começaram a
dos indivíduos e dos governantes. freqüentar a agenda doméstica, o que também contribui
para a democratização dos assuntos exteriores, antes
Kelsen: o ordenamento jurídico não apenas define as somente de monopólio de alguns membros dos Estados.
condutas lícitas, mas regula as condutas ilícitas – a uma
determinada conduta se aplica uma conseqüência: a Na atualidade esta situação tende a se alterar
sanção. A legalidade, deste modo, atesta a maneira de principalmente porque a maneira como o país se insere
exercício do poder. Já a legitimidade aponta não para o nas relações internacionais tem um reflexo profundo
modo como o poder é exercido, mas para o título do na conformação da sociedade doméstica.
poder, qual é o título que outorga a um governante o
poder de governar. Há hoje uma relação indissociável entre o modo de
inserção de um país na esfera internacional e a maneira de
Rousseau: nenhum senhor é tão forte se não for capaz distribuição de renda e de poder na esfera interna.
de transformar seu poder em direito e em sanções. As
relações de poder só são estáveis de maneira em que Paralelamente a este processo, tendo em vista a formação
os comandados encarem tal relação de poder como de uma sociedade civil internacional, ainda que
uma obrigação de obedecer. embrionária, há uma preocupação com o tema das
distribuições dos recursos naturais, com o tema do
Podemos associar esta discussão com a análise da desenvolvimento e da democratização da participação
discussão do texto de Ferrajoli (capítulo 3 do seminário): desta nas decisões internacionais.
em que medida a carta da ONU mesmo tendo sido
produzida pelo acordo dos Estados, pela conferência O que antes era de monopólio do Estados, lentamente
de SF, é ainda hoje uma carta legítima capaz de exercer passa à sociedade internacional civil. Além disso,
uma restrição ao comportamento dos Estados e paralelamente, tem-se a preocupação em transformar os
constituir deste modo um pacto social que estabeleça processos de negociação e decisório internacionais em
os princípios e comportamentos que devam regular as algo de maneira mais transparente e de maneira a fazer
relações internacionais. com que a sociedade civil possa participar de maneira
mais ativa.
Santo Agostinho: o que distingue um reino de um bando
de ladrões? Resposta: a noção de justiça. Na vida Entre as múltiplas normas que governam o
moderna: legitimidade e justiça têm uma proximidade comportamento humano, as jurídicas têm uma posição
estreita. Para o positivismo a noção de eficácia é uma central, pois regulam a sociedade internacional
noção cara, havendo uma conexão entre legalidade e mediante o uso da força.
legitimidade, no sentido de que um ordenamento
jurídico capaz de produzir efeitos é um ordenamento As normas jurídicas são constrangimentos aceitos, se
legítimo. pensados na ordem internacional. Têm relação com as
noções de legalidade e de legitimidade. Não é possível
Pode-se pensar sobre o Estado, desta maneira, a partir do pensar apenas em normas jurídicas internacionais
momento em que um grupo que sobrepujar os demais e legais, mas requerem também legitimidade. Esta
consiga fazer com que os demais o obedeçam, haverá um guarda conexão estreita com a democratização do poder, o
Estado, organizado dentro de um território. qual pressupõem não apenas a democratização dos
Desenvolvimento histórico: legitimidade ora como mecanismos de poder e de decisão, mas com a
proveniente da vontade do povo, do governante, da democratização das esferas domésticas. Próxima aula:
21
discussão das características da ordem internacional de presente, o poderio de empresas transnacionais as
Westfália e da transformação desta ordem em função da constitua como grandes atores das RI.
globalização.
Exemplo: Argentina e Brasil – ameaças de empresas
CONSEQÜÊNCIAS DA GLOBALIZAÇÃO transnacionais instaladas nesses países a deixarem-nos, o
que gerou muita instabilidade. Na primeira hipótese
Retomada da última aula sobre a globalização quanto a (empresas de capital misto: público e privado), há o
desregulamentação de mercados financeiros, superação exemplo mais do que atual da Petrobras e o governo da
do modelo fordista, início do modelo de especialização Bolívia (situação mal administrada pelo governo brasileiro).
flexível, etc.
Os erros cometidos pelo Brasil permitem observar que há
A ordem internacional clássica, formada pela Paz de (1) um equívoco em se confundir soberania com a quebra
Westfalia, tem como elemento constitutivo a figura dos de relações estabelecidas contratualmente estabelecidas
Estados nacionais e as relações que eles estabelecem mediante a inobservância de princípios internacionais
entre si. As relações internacionais (RI) assim concebidas maiores. Nos contratos entre empresas e governos há
permitem falar em sistema e sociedade internacional. previsão de solução das controvérsias, geralmente na
ordem arbitral; (2) não se pode considerar que a pretexto
Pela primeira vez, em cerca de três séculos e meio, os de se cooperar com um país como a Bolívia se aceite a
pilares de uma ordem passam a ser questionados pela transgressão de regras internacionais, sem a expressão de
profunda alteração dos padrões do sistema. É a crise da um documento – obviamente que se deve cooperar com
ordem internacional clássica em virtude da um país como a Bolívia, mas não se deve tentar corrigir as
intensificação da interdependência, do aumento dos injustiças praticando outras injustiças (transgressão de
atores internacionais (ONGs, empresas transnacionais, direitos e obrigações). Tal forma não é correta para a
grupos de indivíduos, etc.) e das mudanças nas RI. correção de injustiças. (3) O Brasil não deveria ter tratado
o problema numa reunião quadripartite, com a presença de
Há um gap entre a capacidade de demanda e a terceiros não-afetados, como a Venezuela. Ao fazer isso,
impossibilidade de resposta. O aumento das relações entre nosso País permitiu a união de Bolívia com Venezuela
os elementos do sistema não é comportado pela estrutura numa crítica propagandística contra o Brasil. (4) Mostra de
que o sistema oferece, logo, as RI passam a não poder ser uma forma desagradável como o Brasil atua com
concebidas dentro dos moldes clássicos. ignorância e desconhecimento histórico em relação a atos
transgressores alheios, o que revela insuficiência para
A crise se desenha em 3 grandes dimensões: gerir uma situação de crise.

1. Macroparâmetro: Conjunto de relações entre A complexidade das novas RI mostra que os Estados não
Estados e OI, em que há um modelo das RI composto por são os únicos atores internacionais, sendo necessária a
Estados e Organização Internacional; aqui, neste aspecto, atuação de outros elementos para resolver as crises.
a crise se dá porque passou-se de RI clássicas (Estados)
para uma situação mais complexa; houve uma bifurcação: 2. Macro-microparâmetro: Reunião da relação
relações entre Estados e relações entre estes, OI, ONGs e complexa entre os Estados e a fragmentação deste poder
empresas transnacionais. interna e externamente. Os poderes e as competências do
Estado sofrem hoje uma dupla fragmentação: transferência
Essa bifurcação traz um dado novo para as RI, porque de parte das competências para as OI (até que ponto os
supera a fase de que o DIN é produto das relações Estados estão dispostos a transferir essas competências
interestatais; a complexidade do mundo das organizações em prol do universal é uma grande questão).
tem uma natureza variada e diversa em que há situações
de conflito e de cooperação, ora o interesse é apenas dos Exemplo: União Européia, que não tem personalidade
Estados, ora de ações exclusivas das organizações jurídica de direito internacional, mas exemplifica a
desvinculadas dos Estados. fragmentação do poder nacional para o alto e também para
baixo (parte das competências migrou para a comunidade
Exemplo: Greenpeace, Anistia Internacional, Médicos Sem européia, parte migrou para as ONGs e para o setor
Fronteiras – concebem o mundo e as RI numa lógica de privado, mediante delegação – o que demonstra um
solidariedade , desconsiderando os limites, como Estado mais regulador do que interventor. Essa
soberania nacional e as fronteiras, e adotando um fragmentação e delegação de competências pressupõem a
pressuposto de globalidade, de humanidade. Estas existência de um consenso entre o Estado e a sociedade
organizações atuam de maneira fundamental quando os civil. O direito passa a ser mais pactuado do que
conflitos ou as situações põem em crise a sociedade civil. imposto.
Ora essa atuação se faz com críticas aos Estados, ora se
faz com a cooperação, a solicitação e a participação 3. Microparâmetro: Alteração do indivíduo nas RI. Pela
destes. Somália – EUA tiveram papel proeminente na crise primeira vez, o indivíduo é capaz de agir sem a
da Somália e as ONGs de caráter humanitário intermediação do Estado ou a autorização deste.
pressionaram os EUA para que este amenizasse os efeitos Exemplo: Al Qaeda – movimento terrorista fragmentado –
que o conflito produzia. consegue efetuar o cálculo de quanto suas ações abalam
os Estados. Ainda que limitados, os indivíduos podem
Relação entre empresas transnacionais e Estados, duas passar a reivindicar direitos e mesmo contra o Estado
situações: empresas de capital misto e empresas de que é nacional.
totalmente de capital privado. Não há dúvidas de que, no
22
A) Idéia da Lógica Westfaliana Construção social elaborada por Hobbes: soberano
B) Idéia da Lógica da Autonomia dos Atores personificado na figura do Leviatão estatal; construção
Transnacionais hobbesiana como legitimação do Absolutismo Monárquico.
C) Idéia da Lógica Identitária (que se move pelos Neste âmbito, a teoria dos DH na época visava a limitar a
vínculos religiosos, de sangue, ideológicos dos extensão pela divisão do poder em órgãos diferentes; o
indivíduos). propósito da teoria dos DH não é propriamente a divisão
do poder com freios e contrapesos, ela procura limitar o
A lógica de A é assim aquela que quer instituir obrigações poder estatal impedindo que ele adentre a certas
jurídicas por meio dos contratos; tal lógica foi transferida esferas, como regular a vida privada dos cidadãos, trata-
para o plano internacional. Exemplo: contratos se de uma exigência de liberdade face ao Estado que
constitutivos das OI. configura uma ampliação da margem de autonomia dos
indivíduos: quanto mais se amplia a liberdade, mais se
A lógica B é uma desconhece o controle como seu restringe o poder e vice-versa.
elemento determinante. A autonomoia envolve a criação de Benjamin Constant (1821): discurso distinguindo a
regras para o comportamento dos agentes. liberdade dos antigos (autonomia) e a dos modernos
(autonomia face ao poder estatal).
A lógica C é de caráter excludente – linha divisória entre
aqueles que têm o mesmo credo, a mesma língua e os que As Constituições dos EUA e da França são as primeiras a
não têm; o que leva ao fundamentalismo. regular os DH: passagem de uma concepção filosófica
abstrata (Locke, Rousseau), para uma concepção
Há um antagonismo entre essas três lógicas, como o positivada. Os DH nascem como teoria abstrata (conjunto
elemento do controle presente em A, mas não em B de reivindicações ao poder para ampliação da autonomia
(Exemplo: Petrobras e Bolívia; Anistia Internacional). Há do individual).
também um conflito entre A e C, pois aquela é elaborada
pela inclusão, realizada através dos contratos e esta é Liberdade como autonomia (antigos): “liberdade para” se
excludente, com a impossibilidade de aceitação do fazer algo é diferente da liberdade moderna, face ao
diferente. Há conflito entre B e C, pois, aquela expande as Estado, “liberdade de” fazer algo – conceitos presentes
RI em âmbito universal, enquanto esta as restringe a em Montesquieu e Rousseau. Montesquieu vê liberdade
aspectos globais. Isso permite ver que a globalização é um como fazer tudo o que a lei permite (seus limites são os
movimento complexo e antagônico, vê-se que hoje os limites legais – concepção de que todos são iguais perante
grandes conflitos da ordem mundial são aqueles que a lei). A “liberdade para” (antigos) é vista como autonomia
envolvem pelo menos duas das três lógicas. e esta noção se revela no sentido etmológico da palavra:
capacidade de obedecer as normas formuladas pelos
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS sujeitos da polis.
(DH) NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS (RI)
Na era moderna, a noção de autonomia está presente no
Retomada da aula anterior: conflito de racionalidades e sufrágio universal, na participação direta do indivíduo no
globalização como um processo dialético e contraditório processo decisório. No Direito Privado, ela está presente
(tendências à agregação e à desagregação, atuando no regime dos contratos (auto-regulação pelos interesses
conjuntamente). dos sujeitos envolvidos). A autonomia e a liberdade são
conceitos essenciais aos DH.
A aula de hoje tem como objetivo mostrar como se pode
pensar em um processo de reconstrução do universal – A primeira geração dos DH é formada pela reivindicação
mundo como uma totalidade e não composto de das liberdades, que permitem a reunião, o pensamento, a
fragmentos. Este tema leva à análise do impacto dos DH imprensa, a religiosa. As Constituições do fim do século
para as RI. Para o Professor Alberto, os DH representam XVIII positivaram, pela primeira vez, as liberdades
uma tendência a essa universalidade. como direitos individuais e as concretizaram no
interior dos Estados e não entre eles.
O que são os DH? De que modo os DH interferem na
configuração da ordem internacional? Século XIX: liberdades pensadas como individuais e
também como coletivas, extendida aos grupos e
A expressão DH tem dois sentidos: (i) fraco – exigências organizações (“corpos intermediários entre indivíduos e
ao poder político, reivindicações sociais não consagradas; Estado” – definição liberal) – Exemplo de organizações da
(2) forte – DH como bens efetivamente protegidos que época: associações e sindicatos.
podem ser efetivamente reivindicados perante tribunais;
tome-se reivindicação como sendo igual a um direito e não Direitos sociais: embrião na concentração do poder e da
mera pretensão. riqueza formada pela Revolução Industrial. Século XX:
institucionalização dos direitos sociais e dos conflitos entre
Os DH surgem como uma exigência social formulada ao capital e trabalho, reivindicação pela divisão da riqueza de
poder político estabelecido; surgem num sentido fraco e uma forma mais justa e eqüitativa. Tema que realça a
depois passam a ter uma conotação de sentido mais forte. participação estatal como condição / requisito para essa
A primeira exigência vem do Absolutismo Monárquico e divisão, para o reequilíbrio das posições. Essa intervenção
se constitui na reivindicação da limitação do poder – do Estado muda a distinção entre o público e (que é
soberano editava normas a todos, mas não se vinculava a alargado) e o privado – Exemplo: Constituição mexicana e
elas (não é um tirano, pois este é ilimitado moralmente). Welfare State: este é uma montagem de um sistema
tributário progressivo para amenizar as diferenças sociais
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– representa a institucionalização do conflito de classes - Os DH deram ao indivíduo a legitimidade de agir
Welfare State na Europa até 1975 com a crise do petróleo. mesmo em face do Estado de que é nacional; por outro
lado, vigora o princípio do Esgotamento dos Recursos
Pós 2ª Guerra Mundial (GM): advento da Carta da ONU e Internos, a fim de evitar conflitos entre a proteção
Declaração dos Direitos do Homem (1945 e 1948) (DDH) – conferida ao nacional em nível interno e
Terceiro Momento da Evolução dos DH: de direitos internacionalmente. No plano universal, o sistema de
positivos e concretos no interior dos Estados para a proteção dos DH é feito por meio de relatórios a instâncias
universalização, positivação e disseminação dos DH – que superiores.
passam a ser direitos de todos os seres humanos e não
dos cidadãos de um Estado. Na próxima aula será analisado o grande processo de
evolução e transformação dos DH, registrando este
A Carta da ONU (CO) – paradoxo: consagra a Ordem de processo, de um lado, a seletividade (Exemplo disto: o
Westfalia e, ao mesmo tempo, alça dos DH acima dos uso ideológico dos mesmos, pelas grandes potências,
Estados, criando condições para a superação dessa ordem durante a 2ª GM) e de outro, a responsabilidade
por uma Ordem Cosmopolita. DDH: consagração histórica (Exemplo: tentativa mais rigorosa de se compelir o Estado,
de consenso sobre os fundamentos da vida universal. pela pressão das OI, a respeitar os DH
incondicionalmente). Além disto, será visto também a
Concepção histórica dos DH pressupõem um acordo sobre seguinte questão: como pensar em mundo multicultural,
quais valores devem reger a experiência humana – esse num âmbito de conflito de racionalidades?
acordo veio com a DDH. Essa concepção referenciada na
Conferência de Viena de 93, DH como indivisíveis, CONCLUSÃO - 3 Momentos dos DH:
universais e interdependentes: eles não se restringem a
um grupo de seres humanos, mas alcançam, toda a I) Reivindicação das liberdades face ao
humanidade, eles não podem ser pensados de forma Absolutismo Monárquico;
racionaria (Exemplo: liberdade requer direitos sociais e II) Passagem da Concepção Abstrata para a
econômicos) e quando um DH é violado, isso afeta os DH Positivação dos DH com as Constituições
em sua totalidade. dos EUA e da França
III) Universalização: DH concebidos, como
Este processo de evolução dos DH revela 5 grandes universais, indivisíveis e interdependentes.
características: 26/05/2006

1) são UNIVERSAIS, porque alcançam todos os DIREITOS HUMANOS E GLOBALIZAÇÃO


indivíduos;
2) são DIREITOS MORAIS antes de serem jurídicos, Na aula passada, foi analisado o modo pelo qual surge e
pois comportam uma justificação racional; se consolida, no plano internacional, o regime dos direitos
3) são DIREITOS PREFERENCIAIS, porque humanos (DH). A Declaração dos Direitos Humanos
relacionam-se com outros direitos e predominam corresponde a uma terceira fase do processo de
sobre estes na ordem jurídica; concretização dos DH, este que vem ocorrendo desde o
século XVII.
4) são DIREITOS FUNDAMENTAIS, porque sua
violação afeta o núcleo da autonomia (liberdade) e A Declaração de 1948 é o elemento consitutivo de um
interesses vitais dos indivíduos, cuja violação sistema internacional que tem uma bifurcação nítida. De
causa grande sofrimento e até a morte dos um lado a celebração de tratado que privilegiam os DH, no
mesmo; âmbito da ONU, levando em conta a especificação dos
5) os DH exigem uma INSTÂNCIA PARA SUA indivíduos (critério da seletividade): negros, mulheres,
CONCRETIZAÇÃO, seja esta nacional ou crianças, etc. Há a passagem de uma concepção
internacional, retirando-os da abstração e, assim, concreta para uma abstrata. Além disso, há uma
consagrando-os e delimitando-os. abrangência muito maior do que aquela que se deu tanto
no âmbito nacional, quanto no regime universal. Com o
Pode-se perceber uma ampliação da esfera dos DH, da estabelecimento da proteção de tais direitos em nível
liberdade a que se somam direitos sociais e econômicos e regional, isto fez com que tais direitos fossem assegurados
direitos de 3ª Geração (Exemplo: não manipulação da mesmo que o indivíduo não pertencesse a um determinado
vida). O Professor Amaral destaca o processo de evolução Estado, podendo pleiteá-los contra outro Estado. Pela
histórica dos DH. primeira vez há mecanismos que autorizam a
reivindicação de direitos humanos no plano nacional,
No período posterior à 2ª GM, verifica-se uma direção da mesmo contra o Estado nacional. Há aqui uma
universalização, ou seja, celebração de tratados repercussão profunda nas próprias fontes dos direitos. A
concebendo o homem como um ser concreto em suas legitimidade de pleitear foi estendida aos grupos e não
especificidades (homem, mulher, criança, negros, etc.). apenas aos indivíduos.
Contudo, a maior conquista dos DH se deu no âmbito
regional, em que a proteção dos DH ocorreu em escala Dualidade dos DH no Pós 2ª Guerra Mundial
mais avançada e profunda (a exemplo da consolidação Os tratados de DH não se submetem aos mesmos critérios
institucional tanto da Corte Européia de Direitos Humanos, de interpretação dos tratados normais. Os tratados de DH
quanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos). encerram a proteção de um direito público e por isso
merecem uma atenção específica quanto a sua
interpretação. Neste mesmo período, percebemos uma
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dualidade no campo dos DH: de um lado, pelo aumento qual é o papel que o DIN ocupa na manutenção da
da seletividade (apesar de haver normas internacionais paz?
que tutelem tais direitos, muitos Estados só agiram quando
a tutela atendesse aos seus interesses). Por outro lado, na A relação entre direito e força pode ser vista, sob
Guerra Fria, tal proteção tinha um cunho ideológico: os perspectiva da teoria do direito, a força é tida como
EUA alegavam que a União Soviética e seus países elemento essencial do direito, ora é vista como
satélites não respeitavam os DH. Esta alegava que os dispensável para eficácia das normas jurídicas.
países capitalistas não respeitavam os direitos econômicos
e sociais. Apesar desta guerra ideológica, os DH foram A força no jusnaturalismo moderno tem uma importância
aplicados de maneira seletiva. menor; atualmente, a validade de uma norma resulta do
fato de que esta norma esteja em harmonia com valores
O grande desafio proposto aos DH em relação à universais. A mera relação entre direito positivo e natural é
globalização refere-se ao fato de que, pela primeira vez mera condição para sua validade e eficácia. Na tradição
na história, os DH deixaram de ser um direito restrito à positivista, a força passa a ser um dado imprescindível
realidade interna, uma vez que cabia somente aos para o direito. Mesmo nessa tradição, de Austin a Jhering,
Estados regularem tais questões. No segundo pós-guerra, a força é vista sob duas formas: Austin, autor chave do
há uma mudança sem precedentes: o campo de common law, via a força como um elemento necessário
competência da proteção de tais direitos não é somente da para fazer com que a norma se impusesse todas as vezes
esfera nacional. Os DH, a partir do momento em que se que ocorresse uma violação. Havendo uma violação,
tornam objeto de proteção de um tratado internacional, assim a força restauraria o direito e garantiria a
perdem o caráter da proteção da esfera exclusiva, e imperatividade da norma. Na obra de Jhering, ele via na
convertem-se em um tema de relevância internacional. força um elemento externo para a eficácia do direito. Esta
tradição do século XX encontra uma outra corrente, com
Violações, massacres, perseguições a lideranças civis, Kelsen e os realistas escandinavos (Ross, Kronnan). A
minorias religiosas ou etnias, são hoje de interesse força não é um elemento externo ao direito, mas interno da
universal; não só porque despertam o interesse norma jurídica. Na teoria do Estado, Kelsen via a força
generalizado, mas porque são transmitidos diretamente como elemento interno da norma, já que a sanção é
pelos mais diversos meios de comunicação. Além disso, condição essencial para que tal norma jurídica se distinga
também os DH são direitos regulados por matéria de da norma moral. O ato de força interno define a
tratado internacional ou são referentes a um costume juridicidade. O direito para Kelsen é uma ordem normativa
internacional, mesmo que o Estado não seja parte. da conduta humana. Tal ordem constitui um conjunto de
Exemplo: Convenções contra a Tortura e a Discriminação norma escalonadamente colocadas, com o uso da força. A
racial não regulam unicamente seus signatários; são diferença entre um ato de força que não constitui sanção e
costumes internacionais; sua transcendência atinge até uma que a constitui, é que o ilícito é definido pela norma e
mesmo os não signatários. O conteúdo de tais convenções a sanção seria sua conseqüência de aplicação. A ordem
encerram valores que são aceitos de maneira consensual jurídica, assim, se transforma numa ordem coativa da
e generalizada da comunidade internacional. ordem humana; se a força é objeto do direito, logo a ordem
humana é coativa. Dirito i forza: quais os agentes
A noção de responsabilidade de proteção aos DH refere-se competentes para a utilização da força. O direito não
também à atuação que as OI têm nesse domínio. ONGs, outorga competência a todos os agentes para o uso da
como a Anistia Internacional, dão apoio e proteção às força, ocorrendo uma monopolização para o uso da força
vítimas sucessivas de violações dos DH. Há assim na no interior do Estado. A forma para escolha de tais
globalização, de uma perspectiva como feito pelos agentes, o Direito define os procedimentos os quais tais
países árabes e pela China, que os DH são vistos agentes utilizarão para aplicar o uso da força. Não se pode
como históricos e regionais, assim como há outra aplicar uma multa, sanção, sem que haja um processo
visão, que tem como objetivo fazer com que tal tema para que se determine a responsabilidade e para que se
tenha importância global e seja de interesse determine o uso lícito da sanção. Há necessidade também
internacional. de se definir o quantum de força a ser utilizado: o direito
define na pena tal quantum.
Nas últimas aulas, falamos do conflito de racionalidades,
sendo que um deles refere-se sobre a identificação de Pensar num sentido mais amplo, relação entre direito,
entidades minoritárias, vinculadas a uma minoria força e paz. Nesta reflexão é preciso verificar como na
lingüística e cultural. A eficácia dos DH no plano global tem tradição ocidental moderna, surge a dicotomia entre guerra
de ser feito com base no diálogo intercultural. Um núcleo e direito. Surge esta de duas maneiras diferentes:
que possua a noção de diálogo entre diversas entidades captadas em duas máximas de Cícero. A guerra é a
religiosas com a percepção de dignidade humana poderia antítese do direito, as armas tornam vãs as leis. A segunda
ser uma saída. O diálogo intercultural favoreceria a eficácia é que o direito é uma condição de paz, já que as leis calam
das normas provenientes de tal núcleo. as armas. Há no pensamento moderno uma dicotomia
clara entre direito e guerra. O direito é condição para
USO DA FORÇA POR PARTE DA ONU PARA ausência da guerra e estabelecimento da paz enquanto
PROTEÇÃO DOS DH aquela faz o oposto. Na tradição hobbesiana, o estado de
natureza é um estado de guerra, não sendo um estado
Necessidade de associação de ameaça à paz e à jurídico. Ao contrário, o estado social é um estado de paz,
segurança internacionais, quando houver estas nos planos já que na sua origem há uma ato jurídico: no seu início há
nacionais. Agora analisaremos o tema de Direito e Força: um contrato que institui o uso da força de maneira
discriminada.
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conflito. Não se fala em total ausência de conflitos, mas
A resolução dos conflitos é uma função mínima do direito. sim em uso da força de maneira regulada. Tal uso
Contudo, é uma condição básica para que exista. Há dois necessita, no plano internacional, de uma passagem do
modos de se resolver: de modo preventivo, através de mero pacto de união para um de sujeição. Este é o grande
refgras contratuais, em que as partes organizam seus desafio pelo qual passa a ONU. Ela ainda não conseguiu
interesses, regulam seus comportamentos. Modo fazer tal passagem de modo completo. Somente neste
sucessivo, através do direito penal e processual, em que sentido é possível falar em estado jurídico da paz. A paz
há a definição de procedimentos para determinação da somente é possível através do uso regulado da força,
responsabilidade e imposição da sanção. através do direito.

Como se fala como direito elemento de paz é preciso Seminário: Order and Justice in the International
tomar cuidado com o conceito de paz comom asuência de Relations – Monitor Caio Gracco Pinheiro Dias
guerra. A guerra é um tipo de conflito em que há dois
grupos que se impingem uns contra os outros. A paz é sim Apresentação por Thiago Vidal
a ausência do conflito. Se considerarmos a figura do A ONU desde sua criação diz que a paz foi concebida com
contrato como uma maneira pragmática em que os um comprometimento duplo: tanto quanto à ordem quanto
indivíduos buscam organizar seus direitos e interesses, ele à justiça. Esse sucesso de comprometimento duplo é sem
não o é feito de maneira tão somente prática. Não é precedentes; nem a Liga das Nações fazia tanto, pois
possível pensar sem a idéia de que todos os pactos têm estava mais preocupada em manter o status quo de 1939.
que ser observados e cumpridos. O princípio pacta sunt Tais princípios de ordem e justiça têm conflitos entre sim;
servanda tem um princípio moral, do direito canônico. apesar de haver tal conflito aparente, uma paz segura e
Transpor para o plano internacional: os tratados duradoura tem de ser apoiada em uma ordem justa.
internacionais devem ser cumpridos. Podemos fazer a Justiça significa coisas diferentes para pessoas diferentes:
pergunta: porque cumprir um contrato ou um tratado? Uma direitos civis são considerados diferentes de direitos
das maneiras para se responder tal questão, poderia ser econômicos.
utilizar a máxima Kantiana de que devo agir de maneira tal
que outros indivíduos possam agira das mesmas Não se tem de procurar lógica na ONU: não é um sistema
condições que outros indivíduos possam agir. que tenha consistência. Ele propõem-se a responder a três
questões: quais os principais pontos de ordem e justiça na
Funda um contrato ou tratados, não garante a sua ONU, há algum consenso entre ambos e como tais
obediência, ainda que eu tenha excelentes razões de que conflitos são tratados como uma framework na ONU. Não
eles devam ser obedecidos. A mera fundamentação de um tocará na CIJ e também na questão do desenvolvimento
contrato ou de um tratado não é suficiente, uma vez que econômico e questões comerciais.
seria necessário que todos os homens agissem
racionalmente; mas como a maioria deles age movida pela Inicia falando sobre a Carta da ONU: preocupada tanto em
paixão e pelo interesse, há a necessidade haver um manter a ordem quanto a justiça. Há certo dualismo,
elemento supletivo para que o faça. Isso apareceu com o podendo considerá-la como não-intervencionista. Nela há
Leviatã de Hobbes: num mundo em que a violação é a duas seções em que há o uso da força: caso de auto-
regra, somente é possível o cumprimento das promessas defesa individual e coletiva e nos usos militares pela ONU
de um modo que haja a certeza de que os outros – duas visões não-intervencionistas. “We the peoples”: não
cumprirão a mesa. J. W. Watkins, estudioso de Hobbes: os Estados como destinatários, mas os povos, em si
imagine dois indivíduos armados, em clareira de um (Constituição EUA: “We the PEOPLE...”).
bosque. Ambos sabem que poderão se destroçar em uma
luta sangrenta, já que são hobbesianos. Mas um diz para o A linguagem dos DH na ONU, apesar de parecer uma
outro: “Espere! Não nos destrocemos!”. Há 4 influência americana, também se deve a uma influência
possibilidades: ambos jogam as armas, um jogo e o outro soviética socialista.
não, este joga e o outro não ou ambos entregarão as
armas a um outro. Isto demonstra que não basta haver Até que ponto a Carta da ONU permite a intervenção,
regras sobre a validade dos acordos. Há a necessidade de dentro da Carta da ONU? Como os DH são um direito
regras que garantam o cumprimento; palavra sem espada central e são um propósito da Carta da ONU, o artigo 2.4
é vazia. A noção do cumprimento da norma é necessária. poderia ser interpretado como o uso da força em defesa
Podemos transpor tal noção para o plano internacional. dos direitos humanos. A questão de intervenção de um
Estado para defender noções de justiça é também um
O recente fracasso sobre o acordo do controle de mísseis tema central do trabalho.
entre EUA e Rússia, tem justamente a ver com a questão
da desconfiança. Uma potência que se desarme se Questão da descolonização: a Carta é opaca, não tem um
colocará como presa fácil da outra potência. No plano comprometimento explícito da descolonização, mas a
jurídico internacional somente podemos falar da paz observação de governança dos Estados.
quando falamos da regulação do exercício jurídico da
força. A paz através do direito requer a passagem de um Segundo ponto: análise dos documentos da AG de 65 a
pacto de união para um de sujeição. O de união é aquele 81, durante a Guerra Fria. Há cerca de cinco resoluções
em que as partes se comprometem com certos objetivos. importantes que estabelecem a não intervenção na ordem
O de sujeição é que além do estabelecimento do internacional, justamente num período em que duas
comprometimento dos objetivos é o que há uma sujeição grandes potências o fazem. Cita Ian Brownlie: tentam
das partes ao uso da força para um terceiro. Aí podemos estabelecer nova definições legais, as potências, para
falar como um estado jurídico de paz, como ausência do
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explicar as situações atuais (e não estabelecem novos
conceitos jurídicos). Resoluções do CS sobre a Guerra do Iraque: 14 no total. A
1441 refere-se a Saddan Hussein. Os EUA, mesmo que
Outro ponto: questão dos DH. Ele vê uma evolução de tal sem apoio da ONU, afirma uma justificativa legal para
direito, principalmente o que ocorreu internamente na tanto – diz que a 1441 a questão de “séria conseqüência”
ONU: fazem a Convenção sobre Genocídio e no dia poderia ser vista como a invasão do Iraque. Outra
seguinte a Declaração Universal dos DH, sendo uma possível, é que eles estariam em trégua desde 1991 (!).
declaração não vinculante aos Estados, mas que pertence Koffi Annan, SG, diz que a invasão é ilegal. Bush não
às Nações Unidas. Apesar de tal desenvolvimento ser queria passar por cima da ONU, mas o fez.
impressionantes, os DH possuem várias fases. Numa
segunda fase, os DH foram feitos para haver uma guerra Adam Roberts analisa o tema da ordem e justiça na
ideológica e numa terceira fase, os DH foram utilizados prática, durante todo o livro.
como forma de coação aos Estados por outros Estados.
Caio: o Estado é o autor e destinatário ao mesmo tempo
Questão: há um consenso global genuíno de DH? do direito internacional – teoria do desdobramento
Segundo o autor, eles são produtos de negociações entre funcional. Quando analisamos a questão da invasão do
as potências da guerra fria e os países descolonizados. Iraque, sob esta teoria. Os EUA se colocaram na posição
China só ratificou o Pacto de Direitos Econômicos e de órgão aplicador do direito: eles se arvoraram no direito
Sociais, por acreditar se este mais importante do que o de auto-decisão – vide texto de 1953, Leo Ross.
Pacto de Direitos Civis e Políticos (sequer ratificou este Diferenciação entre a idéia de auto-interpretação e a idéia
último). de auto-decisão. Ele diz que os Estados têm o primeiro
direito, mas não o segundo. Quando temos uma norma,
Cita a participação importante das ONGs enquanto como juristas, pensamos que quem faz tal interpretação é
observadoras de toda esta evolução das negociações. o juiz. Para Kelsen, quem faz uma auto-interpretação não
Direito de auto-determinação: década de 60 – alguma é vinculativa, sob o ponto de vista do direito: haveria assim
forma de auto-governo e de democracia. um interpretação da lei e uma interpretação para decisão
com base na lei. O problema do direito de auto-decisão ele
Questão: direito de guerra. A ONU não daria muita atenção é contrário ao direito da igualdade soberana dos Estados:
porque havia uma falsa visão de que a ONU nasceu para um não tem o direito de decidir e impor tal decisão aos
acabar com a guerra. outros. Eles têm o direito de interpretação, mas do ponto
de vista kelseniano, tal comportamento não é legítimo.
Jurisdição universal: até que ponto os Estados podem Afinal de contas, o direito não se realiza sem a intervenção
declará-la? Caso da Bélgica e do Congo – ela declarou ter humana – mas é necessário que, para haver um mínimo
tal jurisdição para julgar crimes de guerra - mas isso, de ordem, sabermos quem aplicará a regra. Na ordem
segundo o Professor Alberto geraria uma crise diplomática internacional atual, este texto é bastante atual. Quem é o
internacional. A CIJ se pronunciou a respeito, quando a órgão encarregado para discutir tal questão quando o CS
Bélgica expediu mandado de prisão a um general não consegue levar em conta? Poderia ter o uso da Res.
congolês, sobre o massacre entre Congo e Ruanda. 737, “United for Peace”, quando a AG poderia opinar sobre
Haveria um precedente geral de se autorizar a guerra em questões de segurança. É interessante notar que a maior
caso de intervenções humanitárias. parte das resoluções editadas pelo CS não chegaram nem
perto de serem. Artigo que defende que os EUA ao
Na terceira parte ele analisa os casos da Rodésia e da defenderem a posição de Israel é contrário aos interesses
África do Sul, da ocupação do território palestino e da internos deles. Haveria um lobby pro Israel: na internet –
construção do mundo israelense. Autor: Mearsheimer, “Israel Lobby”.

A partir da década de 90, a ONU começa a ter um papel Texto do seminário: texto de 2000, série de anacronismos
muito mais intervencionista: suas missões de paz e os referente à realidade presente. Esta discussão entre ordem
blue helmets (capacetes azuis). e justiça faz necessário nós alinhavarmos alguns fios
soltos. Estes conceitos faz com que amarremos desde o
Talvez haja um consenso efetivo sobre a questão de que texto de Vitoria, passando por Ferrajoli. Além disso, texto
para haver paz faz-se necessária a concepção de justiça - do Koffi Annan “In larger freedom”: texto de defesa, um
a intervenção estatal para proteção de questões pedido desesperado de socorro de uma organização que
humanitárias violadas seria possivelmente tida como justa está vendo seu chão desaparecer. As condições políticas
(deste modo, texto antes da Guerra do Iraque, poderia ser para prosseguimento da ONU estão se esvaziando, não há
uma justificativa legal). Não se pode ter a idéia da ONU mais um consenso. Koffi Annan tem mais uma visão
como um sistema em que o processo de construção da americana da ONU de quando ela foi lançada na 2ª GM. O
paz não é um processo teológico, mas um processo afirmar na luta contra o terror não é uma conduta
político, o qual levará à construção da paz. condusiva da ONU; vivemos em uma sociedade cheia de
ameaças e que elas assolam os Estados. Mas não é só a
Principal do texto: durante todo ele, são levantadas ameaça do terror, são várias essas ameaças. Os estados
algumas questões relativos a soberania de um Estado percebem as mesmas de maneira seletiva, já que para os
permitiria a intervenção por violações de direitos humanos, estados africanos, o que ameaça são a fome, o
até mesmo como um critério de Justiça. Este texto foi desenvolvimento, falências institucionais e não o
elaborado com base em seminários na Universidade terrorismo. Mas eles não percebem como o terror que
Oxford, durante outono de 2000, e o livro publicado em ocorre com so desenvolvidos impossibilita tal diálogo, não
2002, antes da Guerra do Iraque de 2003. seria um problema excludente. Há uma interconexão entre
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as ameaças que não pode ser negada. Tratar as ameaças recentemente, pequenos, é diferente da noção de justiça
de maneira seletiva na ordem internacional, não torno tal que temos nos dias de hoje. Hoje temos muito mais uma
enfrentamento efetivo. Haveria a necessidade de um questão de justiça humana do que uma justiça interestatal.
enfrentamento conjunto de todas elas, sem negligenciar
nenhuma delas. Ele retorna à Carta da ONU ao dizer que O que Ferrajoli fala no final de seu capítulo terceiro, e que
os “founding fathers” ao fundarem a ONU tinham uma se queremos garantir a paz, segurança, etc., é que os
noção de enfrentamento conjunto das ameaças. Para eles, povos aceitem os direitos naturais exigidos da aceitação
uma Organização Internacional para sobreviver precisa dos povos indígenas da América, como dito no texto de
reconhecer em que uma ordem internacional para ser Vitoria. Ferrajoli justifica através de alguns direitos
mantida precisa ser baseada na justiça das pessoas e não naturais: direito das comunicações, direito de comércio,
dos Estados (“We the peoples”). Na página 53 do texto “to direito de viajar e de se estabelecer e que a violação
reaffirm...IN LARGER FREEDOM – numa liberdade mais destes direitos é que permitiriam o confronto com os
ampla” – na leitura de Koffin Annan, não adianta fazer índios; se os bárbaros não deixassem os europeus
tanta luta se não se garantir uma maior liberdade. Sendo entrarem, isto permitira fazer guerra, se eles se
que esta se divide em três vertentes: liberdade do medo, fechassem, os europeus, através de tal tese legal,
liberdade da necessidade, da privação e liberdade para permitiriam a invasão. Hoje ocorre uma inversão de
viver com dignidade – garantia dos direitos humanos papéis: quem se fecha e se restringe são os Estados
fundamentais: liberdade de expressão, democrática, etc. europeus e os americanos. Os direitos naturais do século
(essas três compõem a de se viver em uma liberdade). XVI também têm que ser aplicados aos europeus
Essas três liberdades precisam ser garantidas atualmente; as pessoas não se locomovem por questões
conjuntamente porque umas excluem as outras se outras que senão a de necessidade, por exemplo. Os
garantidas de modo separado. Ele tenta demonstrar de um Estados desenvolvidos violam atualmente os mesmos
ponto de vista argumentativo muito bom. O que acontece é direitos reconhecidos no século XVI, por eles e aplicados
que os povos não são livres dessas três vertentes de modo aos outros povos. Aí é que é interessante: um positivista
total: cada povo está amarrado a um problema decorrente retinto que é o Ferrajoli, vai buscar seus argumentos no
da falta de uma liberdade de privações. Para Koffin Annan, direito natural. Conexão entre o texto de Ferrajoli e o de
se você não for livre sob os três aspectos, você não é livre Koffi Annan: buscam em elementos que fundaram alguma
de maneira alguma: você pode ser livre das privações, ordem a necessidade de se tentar resolver a crise da
mas num local em que você não pode dizer o que pensa, ordem atual. Ou melhor, a relação entre o texto de um e de
você não é livre! O único local em que podemos discutir outro é que há a necessidade de fazermos com que um
tudo isso é a ONU. A lógica do texto é um pedido de ser humano se importe com o outro de modo efetivo; que
socorro. Mas a sacada de ordem e justiça do texto é que um se importe com a necessidade de outro e saber que tal
ele reformula as questões de justiça a partir da ordem – necessidade importará nos seus problemas.
ordem e justiça podem ser opostas no discurso; a justiça
não é nada mais do que uma ordem e talvez é a ordem PAPEL DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA
que nós queiramos que exista (para Bull, ordem e justiça ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NA
seriam excludentes). Texto de Bobbio, “Positivismo IMPLEMENTAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS
jurídico”, a justiça não é nada mais do que ordem – os DOS DIREITOS HUMANOS
romanos chamavam de justiça o quê? Viver honestamente
é o justo, viver de acordo com o que as regras disserem, Surgimento do direito de assistência humanitária (década
não causar dano a outrem, também é justo e fazer o que o de 90): é novo, ausente na Ordem de Westfalia, esse
direito faz, e dar a cada um o que é seu, seria dar a cada direito assinala uam preocupação e um vínculo entre a
um conforme a regra de cada ordenamento. Até que ponto manutenção da paz e a proteção dos DH.
esses três pontos romanos não seriam convergentes com
as três vertentes de liberdade do Koffi Annan? É algo que Antecedentes (década de 80 e início da de 90): ONGs e
poderíamos analisar... alguns diplomatas – caldo de cultura em favor da
intervenção internacional em situações de crise interna de
Um tema que não foi discutido ainda no texto do Ferrajoli graves violações dos DH.
refere-se ao tema, porque a Carta da ONU poderia ser
utilizada como um pacto mundial? Quais seriam os valores Intervenção por razões humanitárias (fim do século XIX)
que podem fundar a ordem internacional e que possam ser é diferente de direito de assistência humanitária
aceitos por todos os Estados e os subordine? Percebemos (década de 90 do século XX). Aquelas são exemplares:
atualmente que a ordem internacional não digeriu bem a massacre dos cristãos na Síria e tratamento recebido pelos
noção de soberania. Bull divide as ordens e as justiças em europeus na China – reflexão: é possível intervenção para
três planos (ordem humana e justiça humana, ordem proteger violações de DH em países alienígenas? Doutrina
estatal e justiça interestatal e ordem mundial e justiça Monroe (soberania – ordenar relações interestatais): o
mundial). A crise da ordem internacional é temos um princípio de não-intervenção tinha limites; por exemplo,
ordem fundada em determinados princípios de convivência valia entre os países europeus. Com a Doutrina, esse
em certos princípios de procedência westfaliana e que princípio atinge o continente americano,mas não proíbe
vivemos em um mundo em que as coisas não funcionam intervenções entre os Estados americanos – nítida
mais dessa maneira. preocupação em querer afastar os problemas do
colonialismo.
A questão de igualdade soberana, como princípio
pertencente à Carta da ONU, em aseu artigo 2.3, criada Intervenção por humanidade: unilateral e com fins
em relação à necessidade de Estados grandes não específicos (proteção de nacionais no exterior que têm
cometerem injustiças contra Estados descolonizados seus DH violados); distinta de intervenções ameaçadoras à
28
soberania e movida por outros interesses. Por isso, a internacional o número de vítimas seria ainda maior. Há,
doutrina defendia que essa intervenção fosse neste caso, além de estabelecer os corredores (aéreo,
desinteressada de razões políticas e econômicas e fluvial, terrestre), as forças de paz buscavam desarmar
realizadas por um conjunto de países, como no caso do grupos rivais, o que trouxe muitos problemas às forças.
massacre de cristãos na Síria pelos druzos. Viu-se, pela primeira vez, que além das intervenções era
preciso reestruturar o país.
O direito de assistência humanitária é desconhecido da
ordem internacional clássica (obra de Christian Wolf – Haiti (anos 70 e 80): ditadura da família Chevalier. Ação
rompe com Grotius, Vitoria e Soares, que sustentavam a internacional patrocinada pela ONU com o propósito de
intervenção em determinadas condições). impedir a chegada de refugiados a outros países e permitir
a reestruturação interna.
Década de 80 e de 90: ocorrência de crises naturais e
industriais que causam um npumero elevado de vítimas Crise na Libéria: (país paradigmático pelo número de
em Estados que não podem debelar tais crises; problema escravos que saíram de lá com o destino para os campos
que ganha maior notoriedade em conflitos armados, que de algodão do sul dos EUA) – preocupava a comunidade
eclodiam nos anos 90 por motivos étnicos e não internacional por ser um símbolo da reestruturação de um
interestatais (estes últimos regulados na Carta da ONU). É país em crise.
nesse contexto que o direito de assistência humanitária se
configura e que se somam duas resoluções da Assembléia Direito de Assistência Humanitária: nasceu dessas
Geral (AG) da ONU, propostas pela França (43.181/ 88 e crises e da forte atuação do CS no pós-Guerra-Fria. Ao
45.100/ 90). Esses documentos consagram o princípio de menos até 1994, vê-se que essa atuação foi possível
que os Estados devem prover assistência às vítimas graças ao entendimento das potências no período, o que
dessas grandes catástrofes. Caso não possa fazê-lo, não ocorreu até 1988. Neste contexto, a ação humanitária
caberá a comunidade internacional (esta tem, portanto, em Ruanda (500 mil mortos) foi igualmente importante,
responsabilidade subsidiária). Tais resoluções são embora tenha suscitado menos interesse que a crise na
precedentes valiosos do direito de assistência humanitária, Bósnia.
desenvolvido nos anos 90.
Mudança no CS: interpretação diversa da Carta da
Observação: célebre correspondência da Embaixada da ONU em relação à paz e à segurança internacionais em
Jordânia ap Secretário-Geral da ONU à época, em relação virtude da vagueza das expressões, contidas no artigo
à proteção em grandes catástrofes – buscava a facilitação 39, Capítulo VII da Carta, bem como da
da atuação das ONGs nestes casos. discricionariedade das potências em agir. O que é fruto
das diferentes propostas existentes à época da elaboração
Esse direito cristalizou-se com as crises da época, a da Carta (proposta grega, norueguesa e francesa), o CS
começar pela crise do Iraque (massacre contra a minoria alterou a interpretação da Carta de que sua atuação se
curda em abril de 1991 no norte do Iraque, o que levou os limitava a conflitos interestatais. Exemplo disso seriam as
curdos à refugiarem-se nas montanhas e, em agosto de Resoluções do referido órgão de números 418 (de 1967) e
1992, há uma ação estatal contra a população xiita, no sul 332: mudanças sem precedentes, pois traz um tema
do Iraque). Em relação à primeira crise, com base nas essencialmente interno (proteção dos DH) ao plano das
Resoluções 660 e 688 do Conselho de Segurança (CS), a relações internacionais, o que possibilitou as ajudas
comunidade internacional resolveu agir para a proteção humanitárias às crises aqui citadas. Essa mudança
das vítimas. As Resoluções da AG propostas pela França interpretativa veio do pensamento de que crises internas
propunham livre acesso às vítimas, mas sendo da AG de DH proporcionavam problemas de paz e de segurança
não tinham força vinculante. Foi com base nesse internacionais. Exemplo: problema dos refugiados dos
precedente que as forças internacionais, por meio da países vizinhos.
Resolução 688, interviram nessa crise. Essa resolução do
CS garantiu o corredor humanitário: viabilizar o acesso Paz (Carta da ONU): possui duas dimensões, sendo uma
da ajuda humanitária às vítimas e as zonas de exclusão conjuntural e a outra, estrutural. Artigos 1º e 4º da Carta
aérea que visavam a evitar os freqüentes bombardeios e artigos do Capítulo VII. Neste segundo caso, o CS
aéreos à população curda refugiada nas montanhas. precisa agir em situações específicas – ação conjuntural
porque o CS age a fim de evitar que uma crise interna se
Outro conflito, com questões semelhantes, ocorreu na propague internacionalmente, enquanto que, no primeiro
Bósnia-Herzegovina, durante a dissolução da URSS. caso, a ação é estrutural, feita a longo prazo, pelos
Morte do general Tito: problemas étnicos e religiosos na órgãos da ONU conjuntamente.
região se tornaram estopins de conflitos armados, que se
tornaram inevitáveis com a independência da Croácia e da O CS criou na década de 90 perspectivas para as ações
Eslovênia, eclodindo na região da Bósnia-Herzegovina de em relações às crises (conjunturais) e para ações de curto
maioria muçulmana. Iniciativa das forças internacionais: prazo (estruturais). O direito de assistência humanitária
criação de um corredor humanitário aéreo que foi muito é um recurso de última ratio, e não uma panacéia para
importante em relação aos feridos. Mesmo sendo pequena resolver todos os problemas. Aqui há a discussão sobre a
e tardia, a intervenção humanitária no local evitou que um reforma da ONU e a efetiva função do CS na manutenção
número maior de vítimas existisse. da paz e da segurança em suas ações humanitárias.

Conflito na Somália: (desintegração das estruturas dos 2º pós-guerra: aumento dos arsenais militares, equilíbrio
Estados e crises derivadas dos rigores do clima seco que do terror (mudança da arquitetura das guerras) e
prejudicou a agricultura). Aqui também sem a ajuda fragmentação do monopólio do uso da força (organizações
29
terroristas de uso flexível, não hierarquizado ou ou médio prazo, do G-4 (bastante fragilizado com o Japão,
burocratizado, mas estruturado em pequenos grupos). segunda maior economia do mundo e segundo maior
Papel do CS e da ONU num momento de conflitos que não contribuinte do orçamento regular da ONU) para expandir
são mais estatais, mas que antagonizam movimentos de o rol de membros permanentes do CSNU sob a égide do
cunho fundamentalista com Estados e fundamentalistas "déficit de representatividade" – expressão grandiloqüente
entre si - como o CS e a ONU devem atuar? Professor de pouco interesse em Washington com sua administração
Amaral acredita que há a necessidade de repartição de neoconservadora atual.
competências dos Estados para com a ONU (Exemplo:
forças de paz), à semelhança do que ocorreu na Europa, Postula o G-4 a expansão dos membros permanentes
com a União Européia, ao se criar este ente supranacional. sem direito ao veto para que assim o CSNU seja mais
Problemas: como repartir competências quando o uso reflexivo das realidades geoeconômicas e geopolíticas
exacerbado de prerrogativas soberanas ameaça a paz do início do século XXI. Serão analisadas logo adiante os
internacional e quando os Estados não conseguem fundamentos, as falhas e os dilemas das duas principais
dialogar entre si. correntes hoje de reforma / expansão do CSNU: a
posição minoritária do G-4 e a posição do grupo
CONSIDERAÇÕES INICIAIS: SOBRE O "Unido pelo Consenso". [06] É preciso rever com cautela
COMPORTAMENTO DECISÓRIO DO CONSELHO DE tais teses e plataformas, como as do G-4, pois se mostram
SEGURANÇA DA ONU falhas na análise da macroestrutura (cratologia e axiologia)
da ordem mundial unipolar. Ora, se a ordem mundial [07]
Crescente é o interesse tanto nos meios acadêmicos fosse multipolar tendo a Índia, o Japão, a Alemanha e o
jurídicos, quanto na diplomacia brasileira e mesmo nas Brasil como centros inequívocos de poder,
esferas das ciências sociais e políticas sobre o assimétrico possivelmente, a proposta de expansão do G-4 teria
processo e o comportamento decisórios do CSNU na pós- êxito; caso contrário, continuaremos diante da
bipolaridade, [01] especialmente, diante da ênfase dada ao monótona troca de boas intenções (muitas vezes
engessamento do Conselho por conta de seu "déficit de vazias) na ONU sem nenhuma efetivação visível. [08]
representatividade e de composição". A justificativa do
presente artigo reside na necessidade de se explorar, É preciso levar em conta quando se analisa tais propostas
criticamente, a seara pouco estudada que é o conjunto de idealistas-principistas a perspectiva da efetividade e da
tentativas fracassadas (até o presente momento) e as eficácia decisórias no atual ciclo hegemônico dos EUA. Um
ilusões sobre a reforma ou expansão do Conselho de CSNU expandido, como deseja o G-4, seria ceteris paribus
Segurança das Nações Unidas (CSNU), fornecendo mais ágil e efetivo na tomada de decisões? Seria eficaz na
reflexões sobre seu papel, suas assimetrias e política na "fabricação de consensos"? [09] Continuaria a manter a
(re)distribuição do poder mundial. Além disso, como mostra ordem mundial com os mesmos mecanismos coercitivos?
o Plano Razali (Razali Reform Paper) de 1997, a reforma Possivelmente, não, pois iria requerer da superpotência
do CSNU, cuja candidatura do Brasil é motivada pela maiores esforços na articulação de seus interesses para
percepção do Chanceler Amorim nos princípios de atingir a fabricação dos mesmos consensos.
efetividade, eficiência e representação geográfica
legítima, não é vista tão positivamente pelos EUA que Os EUA com sua administração neoconservadora
teria que se desdobrar mais para articular os mesmos (segundo mandato Bush) poderiam, em tese, optar pela
consensos. [02] postura de default (ruptura) e poderiam agir sem o aval da
ONU ou do CSNU. Fundamentalmente, os EUA não
O jargão sonoro de "democratizar" o CSNU significaria desejam recorrer a tal arbitrariedade (pelo menos com
esforços maiores e maior grau de concessão pelos EUA. O freqüência), pois seria fator para o colapso da "aliança
poder e a liderança hegemônicos não seriam euroatlância" – ponto de equilíbrio entre os P-5. Seria,
conservados e sim redistribuídos, parcialmente, por além disso, fator decisivo para o colapso da atual ordem
meio de favores, trocas políticas de alta densidade, mundial, quando os atores políticos no CSNU não mais
articulações paralelas e consentimentos. É assim que o depositariam fé e credibilidade na Organização e no Direito
poder, de acordo com a percepção de Wiener, é exercido e Internacional e iniciariam a agir individualmente e
distribuído entre os membros do CSNU por meio dos belicosamente de acordo com a descrição tétrica do
consensos coercitivos dos EUA tanto no nível de "Estado da natureza" de Hobbes. Um dos dilemas,
articulações político-diplomáticas prévias na relação dos P- portanto, para os EUA é entender até quando poderá
3 com o P-5 [03] e no processo de negociação e feitura das manter a ordem mundial e o atual status quo na
drafts resolutions, quanto de debates no pleno do CSNU composição do CSNU, sem que venha a trazer problemas
com a presença dos países-membros. [04] irremediáveis de rejeição completa dos países aliados no
processo de estabelecimento de sua governança global. O
II. UM DIÁLOGO QUASE INCONCILIÁVEL: O G-4 ciclo de longa duração do poder hegemônico ainda
VERSUS O GRUPO "UNIDO PELO CONSENSO" permanece centrado no conservadorismo dos vencedores
na Conferência de Yalta (especialmente os EUA) de
fevereiro de 1945 sem visíveis sinais de modificação no
A atual ordem mundial unipolar é fator relevante para a
curto ou médio prazo.
continuidade do que chamo de "jogo do poder
international" do CSNU. Caso a atual ordem mundial
(unipolar) venha a ser alterada, também serão alterada as É importante discernir objetivos e propósitos de alta
regras e os arranjos negociais desse jogo do poder. [05] Por densidade da ordem mundial e os propósitos da
isso tem havido pressões, desde quando foi formado o G-4 manutenção da paz e da segurança internacionais com o
em setembro de 2004 na ONU, com pouca efetiva no curto envio de tropas multinacionais em operações de paz da

30
ONU. Quando estas duas dimensões estão alinhadas pelo e tecnológica e o pesado fardo orçamentário pela
interesse pontual dos EUA, detentores do arranjo político manutenção do aparelho militar para manter a ordem,
da nova ordem mundial de 1991, então o CSNU será simultaneamente, em várias partes do mundo.
eficaz e terá uma resposta ágil e proativa, porém, quando
os interesses de alta densidade dos EUA estiverem em Uma nova tentativa de expansionismo do CSNU vai tomar
dissonância ou atingirem, imediatamente, os interesses corpo a partir da divulgação do Relatório do Painel –
dos demais países permanentes, então o CSNU terá papel abordado no próximo item deste artigo – embora defede-se
menos preponderante na política internacional. Esta aqui que o mesmo ainda esteja dissociado da teleologia
posição se torna, empiricamente, clara após a Guerra do estrutural do CSNU que não é, necessariamente, preserva
Golfo (1991). Fazendo uma leitura oficial diplomática a paz e a segurança internacionais, como assim reza a
brasileira com a experiência do Golfo é que se consolidou Carta da ONU. Os debates então acerca da expansão do
o paradigma verdadeiro da segurança coletiva no âmbito CSNU estariam polarizados entre o Grupo dos 4 (G-4),
do CSNU. composto por Brasil, Alemanha, Índia e Japão [12] –
autoproclamados candidatos às novas cadeiras
III. DA ORDEM MUNDIAL: TESES DECLINISTAS E permanentes que nem ainda haviam sido criadas – e o
OUTRAS PSICOGRAFIAS Grupo Unido pelo Consenso (Uniting for Consensus) que
defende que os novos arranjos negociais e de processo
A única superpotência atual vive os dilemas e os desafios decisório no contexto da expansão do CSNU tenham
de todo grande império em meio à sua dependência legitimidade pelo consenso de grande parte dos países da
energética (combustíveis fósseis) e as crecentes AGNU. O consenso, nesse caso, constituiria óbice à
tendências contrariedades à sua trajetória hegemônica. A posição brasileira que é a posição do G-4, trazendo
falta de apoio dos países periféricos, a autonomização da dificuldades nova configuração das forças regionais neste
Europa dos 25 na zona do Euro e o terrorismo anti- órgão. [13]
hegemônico trazem graves problemas e elevados custos
para a manutenção da ordem unipolar. Não é objeto IV. O RELATÓRIO DO PAINEL (2004): UMA SÍNTESE
central deste livro analisar o atual estágio do ciclo INCOMPLETA
hegemônico dos EUA, pois demandaria intensos estudos
históricos quantitativos (utilizando por vezes regressão Para tentar corrigir as distorções, assimetria de
logística e outras ferramentas estatísticas); nosso objetivo representatividade e seu arranjo político-decisório, o
primordial é bem mais modesto neste artigo sintético, é Relatório do Painel vai, por designação do Secretário-
mostrar os desafios, dilemas e perspectivas da Geral Kofi Annan, se reunir por pouco mais de um ano
manutenção da ordem mundial tendo o CSNU como (2003-2005) para propor uma série de reformas da ONU
instrumento político do "jogo do poder internacional" não para serem aprovadas no transcurso de seu sessenta
somente dos EUA, mas dos demais P-5 com seus anos. O Relatório do Painel A More Secure World: Our
interesses, agenda e relações de força. De qualquer Shared Responsibility de 2004, composto por 16 notáveis,
maneira, convém relatar algumas teses mais recentes, incluindo o Embaixador brasieiro Baena Soares, utiliza em
além da visão tradicional de Kennedy, Organski e sua concepção expansionista alguns elementos do Plano
Moldelski, e de autores denominados "declinistas", como Razali de 1997, embora ofereça duas alternativas (modelo
Emmanuel Todd. A e B) de modificação da composição do CNSU. É
importante salientar que o Relatório do Painel e o Plano
O controverso Todd, que faz uma investigação entre Razali estão centrados na expansão do CSNU, não na
demografia, história e política internacional, traça uma reforma mais profunda de seus processos decisórios, seu
correlação entre o comportamento arrogante dos grandes comportamento como colegiado assimétrico e
impérios no processo de militarização de sua política conservador.
externa como indício da fase final, cotejada por perda de
vitalidade econômica, de seu próprio ciclo hegemônico. [10] Luck alerta sobre a complexidade e a dificuldade de
Todd defende a tese do que chama "micromilitarismo consensualização da temática, asseverando que há
teatral" onde os EUA ao atacar países de reduzida força diferenças estruturais entre reforma e expansão. Reformar
político-militar, demonstra muito mais um sinal de fraqueza e expandir o CSNU não são, necessariamente, tendências
que de força e onipotência. Seu modelo de análise, ao final semelhantes. Aliás, são tendências, em determinados
da introduçao, se fundamenta em três variáveis: resolução pontos, opostas. Muitas das posições, incluindo a
somente parcial dos problemas na periferia gerando um fracassada plataforma de defesa do G-4, especialmente
sentimento de necessário paternalismo dos EUA; ataque a após o abandono da coalização por parte do Japão em
países de pequeno porte em termos de poder militar; e, por finais de 2005, ainda de acordo com Luck, estão
fim, continuidade do complexo industrial-militar como forma equivocadas pelo fato de confundirem, propositalmente,
de projetar seu poderio militar com base no keynesianismo processo de reforma, que é bem mais amplo, problemático
bélico. [11] e multifacetado, com o desejo político de expansão das
cadeiras dos países emergentes na nova configuração de
A nossa análise correlaciona o declinismo dos grandes forças das Relações Internacionais pós-bipolaridade. [14]
impérios (e conseqüentemente da ordem mundial
atrelada), resultante da exaustão no campo do poder Nos modelos A e B, propostos pelo Relatório do Painel, há
(cratologia) e da ilusão partilhada no campo dos valores mudanças inclusive de tipologia de cadeira no CSNU
(axiologia) do aparato hegemônico, à gênese de uma nova quando, no caso do modelo B, há a indicação de um vaga
ordem mundial. Outros fatores também analisados neste semi-permanente com mandato de quatro anos com
tema complexo são o declínio da competitivade econômica possibilidade de reeleição que ainda ficaria a cargo da
31
AGNU (órgão que conta com os totais 191 Estados- particular seu Artigo 23, que levaria longo tempo e delicada
membros da ONU). Tais modificações estruturais são articulação político-diplomática e jurídica pela rigidez de
altivas e não refletem a realidade da ordem mundial seus mecanismos e que envolveria uma mobilização dos
unipolar e exoneram a posição norte-americana de uma 191 Estados-Membros da ONU.
reforma bem menor, privilegiando os países que têm
alinhamento direto com os EUA em temáticas estratégicas, O jogo do poder internacional com teor de doutrinarismo
como fora com a intervenção no Iraque a partir de março conservador encontra-se, portanto, mais preemente após
de 2003. [15] Além disso, os modelos A e B são as intervenções no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003
fundamentados no principismo da expansão como forma em diante). A prática do terrorismo anti-civilizacional, por
de democratizar o Conselho de Segurança quando o seu turno, tem utilizado como mote a presença ocidental
mesmo está, desde sua idealização em Dumbarton Oaks nestes dois países assim justificado no processo de
e, mais precisamente em Yalta, fadado à assimetria e ao assunção dos vários atentados. A nova tentativa de
exclusivismo.Como já externado anteriormente, a fórmula expansão, não necessariamente de reforma densa do
de Yalta que criou o instituto do veto e a presença de CSNU com o Relatório do Painel, ao não levar em conta o
membros permanentes já mostra que sua caminhada jogo do poder internacional com suas três variáveis
futura seria calcada nos arranjos negociais que (unipolaridade, realismo multilateralista e a fabricação de
privilegiariam a eficiência decisória conservadora e não, consensos), tende a não se concretizar no curto e médio
necessariamente, os critérios idealistas da Carta da ONU prazos, especialmente em um momento delicado pós-
de manutenção da paz e da segurança internacionais por intervenção no Iraque com a agenda de doutrinarismo do
meio de critérios objetivos, pontuais e imparciais. CSNU. Muitos dilemas ainda permeiam a agenda
antagônica do CSNU, trazendo total desinteresse em
As duas tabelas, extraídas diretamente do Relatório do expandir o rol de membros permanentes em um contexto
Painel, mostram os modelos com suas potenciais de embate na guerra contra o terrorismo (doutrinarismo
configurações de expansão do CSNU, sem a devida dos EUA) nas Relações Internacionais no início do século
atenção que deve ser dada à teleologia essencial do XXI.
CSNU. Abaixo, encontra-se a tabela 1 com a estrutura do
modelo A e adiante a tabela 2 mostra o esquema proposto ROSENAU, James e CZEMPIEL., Ernst-Otto. (orgs.)
pelo modelo B: Governança sem governo: ordem e transformação na
política mundial. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora
O modelo B, como já dito antes, propõe que sejam criados da Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial
novos tipos de assentos, no caso 8 assentos com do Estado, 2000.
mandatos de quatro anos, que podem ser renováveis por
meio de confirmação de 2/3 da AGNU – como ainda é Que tal a leitura de um livro sobre as transformações do
praticado hoje no CSNU com quinze membros – e novos poder no sistema mundial, principalmente no que se
assentos com 2 anos de duração não-permanente e não refere ao caráter da governança neste sistema?
renováveis, distribuídos de acordo com a próxima tabela. A Embora seja uma obra coletiva, o livro tem um fio
distribuição geográfica é determinada pelo peso político, condutor que transpassa todos os artigos. Esse objetivo
econômico e orçamentário para a ONU. A distribuição parece ter sido perseguido pelos autores, procurando,
dessa representatividade leva, necessariamente, em conta dessa maneira, fazer um trabalho de reflexão com um
a capacidade de os Estados estarem aptos a contribuir de fôlego maior do que muitas análises imediatistas escritas
forma efetiva para os princípios da Carta da ONU refletindo ao calor da hora. De fato, os autores debateram durante
a nova geopolítica e geoeconomia do início do século XXI. quatro anos, período no qual houve 5 encontros, do final
dos anos 1980 ao início da década seguinte, precisamente
Retomando a discussão iniciada sobre a polarização das num período de perplexidade produzido pelos eventos do
iniciativas de expansão do CSNU, sem a devida atenção à final da Guerra Fria, do fim da URSS e dos debates sobre
estrutura de poder da ordem mundial unicêntrica e também as transformações da hegemonia estadunidense em nível
sem a devida atenção à necessidade de entendimento dos internacional
custos políticos e efeitos colaterais do processo de As perguntas que os autores formularam para
reforma, deve-se vislumbrar que há ainda muitos orientar o processo de discussão consistiram basicamente
interesses dissociantes no entorno do CSNU. A coalizão de nas seguintes: o que se entende por governança em
países na AGNU contrários às iniciativas expansionsitas do escala mundial? De que maneira ela pode operar sem um
G-4, intitulado do "Grupo Unido pelo Consenso" (Uniting governo? Se a governança não está apoiada em uma
for consensus) que compõe de países como Itália, governo organizado, quem vai formular e implementar as
Paquistão, Coréia do Sul, Espanha, México e Argentina, regras a seguir?
alega que a ausência de consenso constitui principal óbice James Rosenau busca, no capítulo introdutório,
para a expansão do CSNU. [16] intitulado “governança, ordem e transformação da política
mundial”, estabelecer os parâmetros destes debates e
Vale enfatizar que Itália e Espanha foram países que não suas principais dimensões teóricas. E o faz com extrema
somente apoiaram a intervenção no Iraque, mas também maestria. Segundo Rosenau, governança não é o mesmo
forneceram efetivos militares para a empreitada bélica e que governo. Os dois conceitos referem-se a um
assim se alinham à posição dos EUA de contraridade a comportamento visando a um objetivo. No entanto,
expansão como defende o G-4 – enfraquecido com a saída governo sugere atividades sustentadas por uma autoridade
do Japão em finais de 2005. Além disso, o Grupo Unido formal e pelo poder de polícia, que garante a
pelo Consenso enfatiza que expandir o CSNU significaria implementação das políticas previamente instituídas,
iniciar um largo processo de reforma da Carta da ONU, em enquanto governança refere-se a atividades apoiadas em

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objetivos comuns, que podem ou não derivar de para ampliar a efetividade das instituições internacionais,
responsabilidades legais e formais e não dependem do assim como para intensificar a necessidade de instituir
poder de polícia para serem aceitas. Assim, a governança novos arranjos no campo internacional.
é um conceito mais amplo que o de governo. Abrange não No capítulo 8, Linda Cornett e James Caporaso
só o governo, mas também as instituições de caráter não- discutem os interesses dos Estados e as forças sociais na
governamental. Além disso, governança é um sistema de comunidade européia. Os autores comparam o valor
ordenação que só funciona se for aceito pela maioria. explicativo de várias correntes teóricas das relações
Em seguida, Rosenau procura também diferenciar internacionais, como o neo-realismo, o institucionalismo
governança dos conhecidos regimes internacionais. Estes liberal, o funcionalismo e o neo-funcionalismo. Concluem
são, por definição, o conjunto de princípios implícitos e que somente em conjunto essas teorias conseguem captar
explícitos, normas, regras e procedimentos decisórios para a realidade dos sistemas de governança existente na
os quais convergem as expectativas dos atores para uma Europa.
determinada área das relações internacionais. Enquanto Governança e Democratização é o tema do nono
os regimes internacionais são entendimentos mais capítulo, escrito por Ernst-Otto Czempiel, que parte da
especializados relativos a atividades bem definidas, a tradição liberal como referencial teórico das relações
governança atinge amplitude global, não se limitando internacionais. A tese central do autor é que a maior
assim a uma esfera singular da realidade internacional. interdependência entre Estados com orientação liberal
Cada um dos capítulos seguintes do livro explora tende a fortalecer o pacifismo no sistema internacional, ou
algum aspecto da governança global. No capítulo 2, K seja, teria como resultado um sistema pacífico de
Holsti procura examinar as origens e funcionamento do governança.
sistema de governança que prevaleceu entre as grandes Finalmente, no décimo capítulo, James Rosenau
potências européias do século XIX. Enquanto isso, no trabalha com a questão da cidadania no contexto da ordem
capítulo 3 Mark Zacher trabalha com a hipótese da mundial em mutação. Afastando-se de uma leitura
decadência do templo westfaliano, numa referência ao exclusivamente macroscópica das transformações
sistema de Estados que tem moldado o sistema mundial internacionais, o autor explora o papel dos atores do nível
desde o século XVII. Conforme o autor, os Estados têm micro no desenvolvimento da governança sem governo.
perdido a centralidade no sistema mundial, em função da Durante a leitura do livro, transpassa a ênfase
ampliação das redes de cooperação e de dada pelos autores no transnacionalismo. A turma toda não
transnacionalismo. parece nutrir simpatias pelas abordagens realista e
No capítulo 4, Thomas J. Biersteker trabalha com o marxista do sistema internacional. De fato, desde os anos
assunto da governança global a partir da relação dos 1960, diversos intelectuais buscam fornecer alternativas de
países do Terceiro Mundo com a economia política estudo das relações internacionais que desafiem a
internacional. No capítulo 5, Robert Cox examina a hegemonia do realismo – com sua análise centrada na
governança sem um governo nos textos de Ibn Kaldum, soberania do Estado. Embora por muitos momentos
um filósofo islâmico do século XIV. Conforme o trabalho, tenham alguma aproximação temática com o marxismo,
as teorias baseadas no positivismo são menos adaptadas em especial na análise da economia política internacional,
à investigação das mudanças complexas, surgindo, assim, também evitaram um contato maior com estes. O resultado
a necessidade de uma epistemologia que afirme o foi um conjunto de teorizações sobre o aspecto
relacionamento dialético entre o sujeito e o objeto. Para o transnacional e interdependente das relações
autor, a contribuição da filosofia islâmica de Kaldum, nesse internacionais, buscando a comprovação empírica para
particular, consiste na noção de que os analistas precisam sua hipótese central: a de que o Estado e a sociedade
ter consciência do condicionamento histórico do período estão cada vez mais ligados.
em que trabalham e capacidade para interpretar as Assim, a abordagem transnacionalista produziu diversos
mudanças. avanços no conhecimento das Relações Internacionais,
Oran Young, no sétimo capítulo, discute a questão como, por exemplo, nos estudos sobre a formulação da
da eficácia das instituições internacionais. Trabalha com a política externa. No entanto, ainda não ofereceu uma teoria
idéia dos “casos difíceis” que, quando se trata de avaliar a capaz de explicar de forma orgânica e sistemática o
efetividade as instituições internacionais, é uma situação conjunto do sistema internacional. Para finalizar, acredito
em que os participantes têm oportunidade e incentivos que o trabalho organizado por James Rosenau e Ernst-
para desobedecer ou mudar os requisitos institucionais. Otto Czempiel só vem a acrescentar para o debate e a
Conforme o autor, uma maior transparência, a difusão do compreensão do sistema internacional contemporâneo.
poder e níveis crescentes de interdependência têm servido

Tabela 1 - A proposta de expansão do CSNU pelo modelo A

Novos
Região
membros não-
Quantidade Assentos Novos
permanentes Total do
total de Permanentes assentos
modelo A
Estados atualmente permanentes
(não-
renováveis)
África 53 0 2 4 6

33
Ásia-Pacífico e 56 1 2 3 6
Oceania
Europa 47 3 1 2 6
Américas e 35 1 1 4 6
Caribe
Total do 191 5 6 13 24
Modelo A

Fonte: A More Secure World: Report of the High-level Panel on Threats, Challenges and Change.

Tabela 2 - A proposta de expansão do CSNU pelo Modelo B

Novos
Novos
assentos com 2
Quantidade Assentos assentos com 4
anos de Total do
Região total de permanentes anos de
mandato modelo B
Estados atualmente duração
(não-
(renováveis)
renováveis)
África 53 0 2 4 6
Ásia – Pacífico 56 1 2 3 6
e Oceania
Europa 47 3 2 1 6
Américas e 35 1 2 3 6
Caribe
Total do 191 5 8 11 24
Modelo B
Fonte: A More Secure World: Report of the High-level Panel on Threats, Challenges and Change.

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