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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO

CURSO DE DIREITO

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA:


TEORIA, LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA

MARCELO FRANCA ALVES

ENGENHEIRO COELHO SP
2008
1

MARCELO FRANCA ALVES

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA:


TEORIA, LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA

Trabalho apresentado para a aprovação na


disciplina de Direito Comercial, do curso de
Direito do Centro Universitário Adventista de
São Paulo, Campus EC, sob orientação da Profa.
Fernanda Covolan.

ENGENHEIRO COELHO SP
2008
2

SUMÁRIO

1. Introdução ................................................................................................................... 3 

2. Personalidade Jurídica ................................................................................................ 5 

2.1. Conceito ............................................................................................................... 5 

2.2. Teorias ................................................................................................................. 6 

2.3. Aspectos Formais................................................................................................. 8 

2.4. Pessoa Física e Pessoa Jurídica.......................................................................... 10 

3. Desconsideração da Personalidade Jurídica ............................................................. 13 

3.1 Conceito e Breve Histórico ................................................................................. 13 

3.2 Situações ............................................................................................................. 15 

3.3 O que não é Desconsideração ............................................................................. 16 

3.4 Jurisprudência ..................................................................................................... 17 

4. Implicações da Desconsideração .............................................................................. 18 

4.1 Pontos Positivos .................................................................................................. 18 

4.2 Pontos Negativos ................................................................................................ 19 

5. Considerações Finais ................................................................................................ 20 

6. Referências Bibliográficas ........................................................................................ 21 


3

1. Introdução

Segundo DINIZ1, NICOLAU2 e PEREIRA3 o ser humano, sendo um ser social, une-se
com outros da mesma espécie, que possuem objetivos comuns, para que consiga atingir seus
objetivos mais facilmente. Esses grupos se organizam por afinidade de objetivos que podem
ser sociais, religiosos, familiares, esportivos, culturais ou mesmo empresariais. Com a
necessidade de esses grupos assumirem personalidade própria, diferente da dos seus
componentes, para que pudessem participar da vida jurídica, surge o conceito de pessoa
jurídica. Esse instituto traz a essas pessoas, características básicas já existentes nas pessoas
físicas, a saber: personalidade e capacidade jurídicas, o que possibilita a elas assumirem
obrigações e possuírem direitos.

GONÇALVES4 considera que apesar das pessoas jurídicas terem existência distinta da
de seus membros, esse recurso, em certas situações, tem sido mal utilizado por pessoas
desonestas para prejudicar a terceiros. Isso é feito utilizando-se a pessoa jurídica como uma
“capa” para proteger esses negócios escusos. Ainda segundo NICOLAU5, “Quando o Poder
Judiciário tentava resgatar os direitos dos lesados, os sócios de má-fé acobertavam-se sob o
manto da pessoa jurídica, esquivando assim seu patrimônio pessoal da ‘persecução judicial’”.

Obviamente que isso não pode ser permitido, pois mesmo o instituto da pessoa jurídica
deve se enquadrar na busca da paz e justiça sociais que, em última instância representam a paz
e a justiça em relação a seres humanos.

Para que situações como a citada anteriormente possam ser corrigidas, é necessário
que o patrimônio das pessoas físicas que constituem uma pessoa jurídica seja atingido. Nasce
então a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica.

No capítulo 2 – Personalidade Jurídica são apresentados os conceitos de diversos


autores que tratam o assunto, analisados os requisitos necessários para a constituição de

1
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22. ed. São Paulo. Saraiva, 2005.
cap. 3.
2
NICOLAU, Gustavo René. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Revista da Faculdade de Direito da Fundação Armando
Alvares Penteado, São Paulo: FAAP, v. 4, n. 4, p. 123-145, 2007.
3
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. cap. 11.
4
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Parte Geral. 7. ed. São Paulo. Saraiva 2000. P. 58-67.
5
NICOLAU, Gustavo René. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Revista da Faculdade de Direito da Fundação Armando
Alvares Penteado, São Paulo: FAAP, v. 4, n. 4, p. 123-145, 2007.
4

pessoas jurídicas, as principais teorias com as respectivas correntes teóricas que explicam a
função desse instituto, aspectos formais ligados à sua constituição e algumas diferenças e
similaridades entre a pessoa física e a jurídica.

Importante lembrar que esse trabalho não se propõe a discutir com profundidade o
assunto da pessoa ou mesmo pessoa jurídica, mas fornecer uma base para que o leitor possa
compreender o tema principal.

No capítulo 3 – Desconsideração da Pessoa Jurídica são apresentadas definições da


Teoria e as situações e meios pelos quais pode ocorrer a Desconsideração. São apresentados
também conceitos que são similares ao da Desconsideração com as respectivas diferenças e
alguma jurisprudência que trata sobre o assunto.

No capítulo 4 – Implicações da Desconsideração serão considerados pontos positivos e


negativos relacionados a esse instituto.

O Trabalho tem como referencial teórico as contribuições de DINIZ (2005),


GAGLIANO (2002), LISBOA (2003), NICOLAU (2007), OURIVES (2002), PEREIRA
(2002), RODRIGUES (2003) e VENOSA (2002) e foi resultado de uma pesquisa
bibliográfica considerando, além dos autores citados, o Código de Defesa do Consumidor6, a
Lei Antitruste7 e o Código Civil8.

6
BRASIL. Lei n º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Diário Oficial da União, 12 set. 1990 retificado em 10 jan. 2007. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
7
BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em
Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Diário
Oficial da União, 13 jun. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>. Acesso em 19 out.
2008.
8
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
5

2. Personalidade Jurídica

2.1. Conceito

Interessante a abordagem que VENOSA9 que utiliza para abordar o tema: “O homem,
ser humano, é dotado de capacidade jurídica. No entanto, é pequeno demais para a realização
de grandes empreendimentos. Desde cedo percebeu a necessidade de conjugar esforços [...]”.

Pela definição de RODRIGUES10: “Pessoas jurídicas [...] são entidades a que a lei
empresta personalidade [...] com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem,
capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil”.

Para GAGLIANO e PAMPLONA FILHO11, pessoa jurídica é “[...] o grupo humano,


criado na forma da lei e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins
comuns”.

LISBOA12 define pessoa jurídica como “[...] entidade diversa da pessoa natural, [...]
solenemente constituída pela vontade de outras pessoas, físicas ou jurídicas, com
personalidade e patrimônio próprios e distintos dos de seus constituintes [...].”

A definição de DINIZ13 é: “pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de


patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como
sujeito de direitos e obrigações.”

Segundo PEREIRA14, são requisitos conjuntos necessários para o surgimento de uma


pessoa jurídica:

a) Desejo de seus constituintes – é necessário que seus membros desejem constituir


uma pessoa jurídica. Sobre o assunto esclarecem GAGLIANO e PAMPLONA

9
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2002. cap. 13.
10
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34. ed. São Paulo. Saraiva, 2006. cap. 5.
11
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 2002. cap. 6.
12
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
13
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22. ed. São Paulo. Saraiva, 2005.
cap. 3.
14
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. cap. 11.
6

FILHO15: “Não se pode conceber, no campo do direito privado, a formação de


uma pessoa jurídica por simples imposição estatal, em prejuízo da autonomia
negocial e da livre iniciativa.”; VENOSA16 defende que para esse requisito existe
uma exceção: as pessoas jurídicas de direito público:

As pessoas jurídicas de direito público de caráter fundamental, como o


próprio Estado, iniciam-se em razão de suporte histórico, de criação
constitucional, surgindo como que espontaneamente da necessidade social de
soberania de um Estado em face de outro. Afasta-se, portanto, esse conceito
criativo, por um processo diferente, da gênese das pessoas jurídicas de
direito privado.

b) Atendimento a requisitos legais formais – todos os aspectos formais determinados


em lei devem ser atendidos para constituição de uma pessoa jurídica, incluindo a
forma como se registra o desejo de seus constituintes. GAGLIANO e
PAMPLONA FILHO registram que “[...] o Direito brasileiro adotou, no que tange
à atribuição de personalidade à pessoa jurídica, o sistema das disposições
normativas. [...] não basta a simples manifestação de vontade dos interessados, [...]
nem, muito menos, é indispensável o reconhecimento do Estado [...]”;
c) Que os propósitos da pessoa jurídica sejam lícitos – em hipótese alguma, por
exemplo, um grupo de pessoas reunidas para cometer um crime pode configurar
uma pessoa jurídica. Citando GAGLIANO E PAMPLONA FILHO: “Não há que
se reconhecer existência legal e validade à pessoa jurídica que tenha objeto social
ilícito ou proibido por lei, pois a autonomia da vontade não chega a esse ponto.”

PEREIRA17, Em outras palavras, defende que a simples união de pessoas, trabalhando


conjuntamente para realização de algum um fim comum, nem sempre configura o surgimento
de uma pessoa jurídica.

2.2. Teorias

Para LISBOA18, dentre as principais teorias que tentam explicar a natureza da pessoa
jurídica destacam-se a negativista, a da ficção, a organicista, a institucionalista e a da
realidade.

15
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 2002. cap. 6.
16
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2002. cap. 13.
17
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. cap. 11.
7

A seguir uma breve descrição das mesmas, bem como as principais correntes teóricas
que as adotam:

a) Teoria Negativista

Segundo essa teoria, não existe pessoa jurídica. Dentro da mesma, podemos encontrar
as seguintes correntes: Equiparação – a pessoa jurídica não é uma nova pessoa, mas
um patrimônio que é equiparado à pessoa física; Propriedade Coletiva – a pessoa
jurídica é uma simples forma de manifestação com o exterior; Proteção das Riquezas –
não existem direitos subjetivos, a pessoa jurídica é vinculada à proteção de situações
de vínculo das riquezas aos diversos fins; Centros de Deveres – pessoa jurídica não é
uma pessoa, mas o centro de deveres e faculdades jurídicas.

PEREIRA19 considera que Propriedade Coletiva é uma corrente teórica e não uma
teoria sobre a natureza jurídica da pessoa jurídica.

b) Teoria da Ficção

Destacam-se nessa teoria: Teoria da Ficção Social – existe pessoa jurídica, porém
somente o homem pode ser sujeito de uma relação jurídica; Personalista – a
personalidade não reside na pessoa jurídica, mas nas pessoas que a integram;
Equiparação – pessoa jurídica é um patrimônio equiparado no seu tratamento jurídico
à pessoa física; Propriedade Coletiva – pessoa jurídica é a personalidade das pessoas
físicas que a constituíram, destina-se um patrimônio em co-propriedade em favor de
todos os membros.

c) Teoria Organicista

Nessa teoria, confere-se à pessoa jurídica animus e corpus, tal como sucede com a
pessoa natural. Pessoa jurídica é uma unidade orgânica que não se confunde com o
conjunto das pessoas naturais.

18
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
19
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. cap. 11.
8

d) Teoria Institucionalista

Segundo essa teoria, há uma instituição anterior à da própria pessoa jurídica, que a
constitui como organização social destinada a preencher finalidades úteis para a
comunidade.

e) Teoria da Realidade

Essa é a teoria preponderante, reconhece a existência jurídica da entidade moral, com


início da existência diversa da pessoa física, possui personalidade e patrimônio
próprios.

A Teoria da Realidade é dividida em: Realidade Objetiva – a vontade pública ou


privada pode conferir vida autônoma a um organismo que passa a ter realidade
sociológica por se tornar sujeito de direito. Assim como a pessoa humana é resultante
de corpus e animus, a pessoa jurídica é o efeito da unidade entre os órgãos que nela
existem e a idéia que se manifesta; Realidade Técnica – a entidade moral possui
personalidade jurídica somente para que possam ser atingidos indiretamente alguns
interesses humanos. A pessoa jurídica é formada pelo vínculo social dos seus
membros, que possuem um mesmo propósito.

O Código Civil, segundo LISBOA20, adotou a Teoria da Realidade Objetiva como


princípio.

2.3. Aspectos Formais

LISBOA21 destaca que “A pessoa jurídica somente se inicia mediante o ato solene do
registro de sua ata constitutiva, acompanhada do seu contrato social ou do seu estatuto
associativo, no cartório público pertinente.”

O Código Civil22 define que é condição para a existência legal das pessoas jurídicas de
direito privado o respectivo registro do ato constitutivo.

20
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
21
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
9

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado
com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se
no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Mesmo não sendo foco desse trabalho, mas sendo de extrema relevância ao assunto
específico, lembra-se que o Art. 46 do Código Civil23 define os itens necessários ao registro
da pessoa jurídica.

Apesar de possuírem personalidade diversa das pessoas físicas, as jurídicas


obviamente são por elas administradas e, segundo o Código Civil24 no Art. 47, respondem por
seus atos “exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”.

Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos


nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

Merece destaque o conceito de Sociedades de Fato. O Código Civil25 reconhece no


Art. 986, que mesmo antes do devido registro legal, as pessoas jurídicas podem existir “de
fato” na figura da “sociedade”.

Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a


sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo,
observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as
normas da sociedade simples.

Isso não deve servir como incentivo para que existam organizações sem o devido
registro legal, pois como advertem GAGLIANO e PAMPLONA FILHO:

Cumpre advertir ainda que o registro de uma sociedade que haja atuado
durante determinado período de tempo irregularmente não tem efeito
retrooperante para legitimar os atos praticados nesse interstício. Durante esse
período, pois, a responsabilidade dos sócios é pessoal e ilimitada.

22
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
23
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
24
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
25
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
10

2.4. Pessoa Física e Pessoa Jurídica

a) Diferenças

A mais básica diferença entre os tipos de pessoa está no seu nascimento. O registro da
pessoa jurídica se dá por um ato constitutivo, pois é a partir desse ato que essa pessoa passa a
existir, já a pessoa física, tem seu registro na forma de um ato declaratório, pois a mesma
passa a existir a partir do seu nascimento, cabendo apenas ao sistema jurídico seu
reconhecimento.

Outra diferença é destacada por VENOSA26 é amplitude da capacidade das diferentes


pessoas: “A capacidade é decorrência lógica da personalidade atribuída à pessoa. Se, por um
lado, a capacidade para a pessoa natural é plena, a capacidade da pessoa jurídica é limitada à
finalidade para a qual foi criada.”

VENOSA27 também cita como diferença entre pessoa natural e a jurídica a


impossibilidade dessa última ser inserida nos direitos de família e em outros direitos que são
de exclusividade da pessoa natural, além de outras restrições impostas pela norma, mesmo no
campo patrimonial.

Outra diferença significativa, citada por VENOSA28 encontra-se no campo processual:

Sob o aspecto do exercício dos direitos é que ressalta a diferença com as


pessoas naturais. Não podendo a pessoa jurídica agir senão através do
homem, denominador comum de todas as coisas do Direito, esse ente
corporificado pela norma deve, em cada caso, manifestar-se pela vontade
transmitida por alguém.

b) Similaridades

Pode-se citar como similaridade a possibilidade de responsabilização por danos


causados a terceiros. Citando LISBOA29:

A pessoa jurídica, por ser dotada de personalidade própria e de patrimônio


distinto daquele de seus constituintes, pode ser responsabilizada por danos
causados a terceiros, em face do princípio da recomposição ou reparação por

26
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2002. cap. 13.
27
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2002. cap. 13.
28
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2002. cap. 13.
29
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
11

danos causados à vítima. [...] Se o representante legal ou outra pessoa que


atua junto à pessoa jurídica vier a cometer atos ou negócios prejudiciais a
terceiros, em nome dela e no regular exercício de suas funções, a entidade
moral deverá ressarcir a vítima pelos prejuízos sofridos. A pessoa jurídica
pode ser responsabilizada por força de negócio jurídico (categoria essa que
abrange o contrato) ou de lei, decorrência lógica da personalidade formal
advinda a partir do registro da entidade.

Pela Teoria da Aparência, em determinada situação, a responsabilidade que seria da


pessoa física passa a ser da pessoa jurídica. Segundo LISBOA30:

[...] se o ato ou negócio foi praticado por funcionário, empregado, núncio ou


preposto, ou por pessoa que não possui o poder de representação
administrativa da pessoa jurídica, incumbirá a responsabilidade direta à
entidade mediante a aplicação da teoria da aparência, porque razoavelmente
a vítima poderia imaginar que a pessoa física que atuou teria poderes para
tanto, apesar de, na realidade, não possuí-los nem por força de contrato ou
estatuto nem em virtude de autorização da assembléia geral. [...] Nada
impede que a pessoa jurídica utilize o direito de regresso em face do seu
funcionário, empregado, núncio ou preposto, para obter a compensação pelo
que veio a pagar a título de indenização, desde que consiga demonstrar a
culpa daquele que atuou aparentemente em seu nome. Nas relações de
consumo, a responsabilidade da pessoa jurídica é solidária pelos atos
cometidos por seus empregados, prepostos ou mesmo representantes
autônomos.

Ambas as pessoas possuem atributos relacionados à personalidade. Citando


VENOSA31

A pessoa jurídica tem sua esfera de atuação ampla, não se limitando sua
atividade tão-somente à esfera patrimonial. Ao ganhar vida, a pessoa jurídica
recebe denominação, domicílio e nacionalidade, todos atributos da
personalidade. Como pessoa, o ente ora tratado pode gozar de direitos
patrimoniais (ser proprietário, usufrutuário etc.), de direitos obrigacionais
(contratar) e de direito sucessórios, já que pode adquirir causa mortis.

c) Tema sem Consenso Doutrinário

Na esfera criminal, não existe consenso sobre a imputabilidade da pessoa jurídica.

PEREIRA32 destaca que apesar de alguns juristas defenderem que penas como
cassação de autorização de funcionamento, suspensão ou extinção da pessoa jurídica poderem

30
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
31 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2002. cap. 13.
32
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. cap. 11.
12

ser caracterizadas como punição de caráter criminal, sua posição é contrária, defendendo que
como entidade abstrata, a pessoa jurídica não pode ser criminalmente responsabilizada.

Apesar de, geralmente, serem colocadas como similares as capacidades das pessoas
físicas e das pessoas jurídica, PEREIRA33 defende que isso não passa de equívoco,
destacando as diferenças de capacidade entre os dois tipos de pessoas:

Enquanto a pessoa física encontra na sua capacidade a expansão plena de sua


alteridade ou de seu poder de ação, com linhas de generalidades que lês
asseguram extensão ilimitada (em tese), as pessoas jurídicas, pela própria
natureza, têm o poder jurídico limitado aos direitos de ordem patrimonial.
Falta-lhes, portanto, a titularidade daqueles que a transcendem, como os de
família ou de sucessão legítima, e outros que são inerentes à pessoa humana,
ou pressupõem a individualidade humana.

Ainda segundo PEREIRA34, outra diferença, dentro da mesma linha anteriormente


mencionada, é que a capacidade da pessoa física é ilimitada enquanto que a da pessoa jurídica
é restrita aos fins para os quais foi constituída.

Contrários a essa idéia, GABLIANO e PAMPLONA FILHO35 defendem que apesar


de obviamente não ser possível a aplicação de penas privativas da liberdade, é possível a
aplicação de penas de multa, restrição de liberdade ou prestação de serviços à comunidade,
“no caso em que a atividade lesiva ao meio ambiente seja cometida por decisão de seus
representantes [...].” Citam como fundamentação para sua argumentação os Art. 3º e 21. da
Lei de Meio Ambiente36.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e


penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às


pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I - multa;
II - restritivas de direitos;
III - prestação de serviços à comunidade.

33
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. cap. 11.
34
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2002. cap. 11.
35
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 2002. cap. 6.
36 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 fev. 1998. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
13

3. Desconsideração da Personalidade Jurídica

3.1 Conceito e Breve Histórico

DINIZ37 introduz o assunto dizendo que

A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações,


independentemente dos membros que a compõem, com os quais não tem
nenhum vínculo, agindo por si só, comprando, vendendo, alugando etc., sem
qualquer ligação com a vontade individual das pessoas físicas que dela
fazem parte.

Desconsideração da Personalidade Jurídica, também chamada por LISBOA38 de


penetração ou superação é por ele definida como o “instituto que permite a responsabilidade
do administrador, gerente ou representante legal da pessoa jurídica, que ao agir, em seu nome,
pratica ato lesivo aos interesses de terceiro, em abuso de poder ou desvio de finalidade da
sociedade.”

VENOSA39 define esse instituto da seguinte maneira:

[...] quando a pessoa jurídica, ou melhor, a personalidade jurídica for


utilizada para fugir a suas finalidades, para lesar terceiros, deve ser
desconsiderada, isto é, não deve ser levada em conta a personalidade técnica,
não deve ser tomada em consideração sua existência, decidindo o julgador
como se o ato ou negócio houvesse sido praticado pela pessoa natural (ou
outra pessoa jurídica). [...] Imputa-se responsabilidade aos sócios e membros
integrantes da pessoa jurídica que procuraram burlar a lei ou lesar terceiros.
Não se trata de considerar sistematicamente nula a pessoa jurídica, mas, em
caso específico e determinado, não a levar em consideração. Tal não implica,
como regra geral, negar validade à existência da pessoa jurídica.

Essa teoria, conforme informado por RODRIGUES40, está prevista no sistema legal
americano onde é conhecida como disregard theory ou disregard of the legal entity, ou ainda
pela locução lifting the corporate veil, ou seja, erguendo-se a cortina da pessoa jurídica.

37
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22. ed. São Paulo. Saraiva, 2005.
cap. 3.
38
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
39
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2002. cap. 13.
40
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34. ed. São Paulo. Saraiva, 2006. cap. 5.
14

Segundo SOUZA41, o mesmo conceito pode ser encontrado no sistema jurídico italiano como
superamento della personalitá guiridica e no alemão como durchgriff der juristichen person.

Segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO42, a Teoria da Desconsideração da


Personalidade Jurídica tem sua origem em 1897, na Inglaterra, no caso Salomon v. Salomon &
C. descrito resumidamente a seguir:

Aaron Salomon, objetivando constituir uma sociedade, reuniu seis membros


da sua própria família, cedendo para cada um apenas uma ação
representativa, ao passo que, para si, reservou vinte mil. Pela desproporção
na distribuição do controle acionário já se verificava a dificuldade em
reconhecer a separação dos patrimônios de Salomon e de sua própria
companhia. Em determinado momento, talvez antevendo a quebra da
empresa, Salomon cuidou de emitir títulos privilegiados (obrigações
garantidas) no valor de dez mil libras esterlinas, que ele mesmo cuidou de
adquirir. Ora, revelando-se insolvável a sociedade, o próprio Salomon, que
passou a ser credor privilegiado da sociedade, preferiu a todos os demais
credores quirografários (sem garantia), liquidando o patrimônio líquido da
empresa. Apesar de Salomon haver utilizado a companhia como escudo para
lesar os demais credores, a Câmara dos Lordes, reformando as decisões de
instâncias inferiores, acatou a sua defesa, no sentido de que, tendo sido
validamente constituída, e não se identificando a responsabilidade civil da
sociedade com a do próprio Salomon, este não poderia, pessoalmente,
responder pelas dívidas sociais. Mas a tese das decisões reformadas das
instâncias inferiores repercutiu, dando origem à doutrina do disregard of
legal entity, sobretudo nos Estados Unidos, onde se formou larga
jurisprudência, expandindo-se mais recentemente na Alemanha e em outros
países europeus.”

Ainda segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO43, a personalidade jurídica deve


ser afastada temporariamente, até que os credores “se satisfaçam no patrimônio pessoal dos
sócios infratores”. Tendo os prejuízos sido reparados, em função do princípio da
continuidade, havendo condições jurídicas e estruturais, a empresa poderá voltar a funcionar.
Porém, em situações excepcionais, a despersonalização poderá ser permanente, o que
caracteriza a “extinção compulsória da personalidade jurídica, pela via judicial”. DINIZ44
comentando o mesmo assunto declara: “[...] Não tem por finalidade retirar a personalidade
jurídica, mas tão-somente desconsiderá-la, levantando o véu protetor, em determinadas

41
SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio Souza. Desconsideração da Personalidade Jurídica: Teoria e Legislação no
Brasil. Revista da Faculdade de Direito de Campos, v. 7, n. 9, 2006. Disponível em:
<http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Vanessa.pdf>>. Acesso em: 19 out. 2008.
42
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 2002. cap. 6.
43
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 2002. cap. 6.
44
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22. ed. São Paulo. Saraiva, 2005.
cap. 3.
15

situações, no que atina aos efeitos de garantir a desvinculação da responsabilidade dos sócios
da sociedade.”

3.2 Situações

São situações típicas, que permitem a Desconsideração da Pessoa Jurídica:

a) Abuso da Personalidade Jurídica

Conforme previsto no Art. 50. do Código Civil45, quando configurado o desvio de


finalidade ou a confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e a(s) pessoa(s) física(s);

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo


desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da
pessoa jurídica.

b) Em detrimento do consumidor (CDC, 28) ou por infração da ordem


econômica (Lei Antitruste, 18) houver:
• Abuso de Direito
• Excesso de Poder
• Infração da Lei
• Fato ou Ato Ilícito
• Violação dos Estatutos ou do Contrato Social
c) Quando a má administração causar à Pessoa Jurídica:
• Falência
• Estado de Insolvência
• Encerramento
• Inatividade

Essas situações são previstas no Art. 28. do Código de Defesa do Consumidor46.

45
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
46
BRASIL. Lei n º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Diário Oficial da União, 12 set. 1990 retificado em 10 jan. 2007. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
16

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade


quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.

Situações similares também são previstas no Art. 18 da Lei Antitruste47:

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem


econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada
quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade
da pessoa jurídica provocados por má administração.

3.3 O que não é Desconsideração

a) Responsabilidade Direta do Administrador

Segundo LISBOA48: “Não se confunde a desconsideração da personalidade da pessoa


jurídica com a sua responsabilidade direta, pois aquela decorre de decisão judicial e esta
advém de lei [...].”

b) Responsabilidade Direta do Representante (casos expressamente indicados em


lei)

Na visão de LISBOA49: “porque a responsabilidade que sobre ele recai decorre da


prática de atos que deveria ter tomado para a própria normalidade da atividade da pessoa
jurídica.”

c) Teoria da Aparência

Para LISBOA50, “[...] A teoria da desconsideração aplica-se sempre para se imputar a


responsabilidade em desfavor do representante legal, enquanto a teoria da aparência somente

47
BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em
Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Diário
Oficial da União, 13 jun. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>. Acesso em 19 out.
2008.
48
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
49
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
50
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. 3. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2003. cap. 22.
17

se justifica pela prática do ato por quem não tinha poderes para assim agir, apesar de aparentar
tal condição.”

3.4 Jurisprudência

Sobre o Art. 50. do Código Civil51, as Jornadas de Direito Civil promovidas pelo
Centro de Estudos da Justiça Federal emitiu os seguintes enunciados52:

a) Enunciado 7 – Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade


jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos
administradores ou sócios que nela hajam incorrido.
b) Enunciado 51 – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil,
mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na
construção jurídica sobre o tema.
c) Enunciado 146 – Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se
restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade
jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão
patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o Enunciado n. 7)
d) Enunciado 281 – Art. 50. A aplicação da teoria da desconsideração,
descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de
insolvência da pessoa jurídica.
e) Enunciado 282 – Art. 50. O encerramento irregular das atividades da
pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de
personalidade jurídica.
f) Enunciado 283 – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade
jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu
da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a
terceiros.
g) Enunciado 284 – Art. 50. As pessoas jurídicas de direito privado sem
fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito
de abuso da personalidade jurídica.
h) Enunciado 285 – Art. 50. A teoria da desconsideração, prevista no art.
50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu
favor.

51
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
52
PRÓ-CONCURSO: DICA: ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL. Disponível em:
<http://proconcurso.blogspot.com/2007/09/dica-enunciados-das-jornadas-de-direito.html>. Acesso em 19 out. 2008.
18

4. Implicações da Desconsideração

Não existe consenso entre os doutrinadores sobre a contribuição da Teoria da


Desconsideração da Pessoa Jurídica para o ordenamento jurídico como um todo, pelo menos
com a forma em que a mesma foi positivada.

Destaca-se os seguintes pontos positivos e negativos sobre o tema:

4.1 Pontos Positivos

a) Acesso ao Patrimônio dos Reais Fraudadores

Segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO53,:

[...] a norma não limita a desconsideração aos sócios, mas também a estende
aos administradores da pessoa jurídica. Esse dispositivo pode se constituir
em um valiosíssimo instrumento para a efetivação da prestação jurisdicional,
pois possibilita, inclusive, a responsabilização dos efetivos “senhores” da
empresa, no caso – cada vez mais comum – da interposição de “testas-de-
ferro” (vulgarmente conhecidos como “laranjas”) nos registros de contratos
sociais, quando os titulares reais da pessoa jurídica posam como meros
administradores, para efeitos formais, no intuito de fraudar o interesse dos
credores.

b) Celeridade Processual

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO54 consideram que a Teoria da Desconsideração


da Personalidade Jurídica contribui para a celeridade processual afirmando:

A grande virtude, sem sombra de qualquer dúvida, da desconsideração da


personalidade jurídica prevista no art. 50 – e todos reconhecem ser esta uma
das grandes inovações do CC-02 – é o estabelecimento de uma regra geral de
conduta para todas as relações jurídicas travadas na sociedade, o que evita
que os operadores do Direito tenham de fazer – como faziam –
malabarismos dogmáticos para aplicar a norma – outrora limitada a certos
microssistemas jurídicos – em seus correspondentes campos de atuação
(civil, trabalhista, comercial etc.).

53
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 2002. cap. 6.
54
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 2002. cap. 6.
19

4.2 Pontos Negativos

a) Insegurança Jurídica

O § 5° do Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor55 segundo NICOLAU56: “[...]


vira do avesso toda construção secular da personalidade jurídica distinta dos membros
que a compõem. Referido parágrafo torna regra o que é exceção. Faz o caput do artigo
tornar-se letra morta [...].” Segundo esse mesmo autor, o veto presidencial que recaiu
sobre o § 1° deveria ter recaído sobre esse e, por equívoco, não ocorreu.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua


personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.

a) Desestímulo à criação de novas pessoas jurídicas, enfraquecendo a


concorrência

Segundo NICOLAU57:

[...] toda defesa exarcebada acaba por prejudicar quem se busca proteger.
Levar a proteção do consumidor às últimas conseqüências, [...] significa
desestimular o impulso para a criação de novas pessoas jurídicas e de novos
fornecedores, o que por sua vez desestimula a concorrência e coloca o
consumidor nas mãos dos poucos “sobreviventes” de um marcado já famoso
pela rara sobrevivência diante de fatores como a tributação explosiva, a
concorrência com produtos piratas, o pagamento de “um funcionário a mais
para os cofres públicos a cada funcionário efetivamente contratado” e da
condescendência estatal com o mercado ilegal.

55
BRASIL. Lei n º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Diário Oficial da União, 12 set. 1990 retificado em 10 jan. 2007. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 19 out. 2008.
56
NICOLAU, Gustavo René. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Revista da Faculdade de Direito da Fundação Armando
Alvares Penteado, São Paulo: FAAP, v. 4, n. 4, p. 123-145, 2007.
57
NICOLAU, Gustavo René. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Revista da Faculdade de Direito da Fundação Armando
Alvares Penteado, São Paulo: FAAP, v. 4, n. 4, p. 123-145, 2007.
20

5. Considerações Finais

Qualquer distorção que coloque em risco a justiça social que deve ser preservada pelo
ordenamento jurídico deve ser corrigida.

Isso não pode ser diferente com o instituto da pessoa jurídica que, pelos motivos
apresentados e por definição, possui independência patrimonial e operacional em relação às
pessoas que a constituíram.

A partir da constatação de que esse instituto estava sendo utilizado por pessoas
motivadas por má fé para lesar outras pessoas, houve a necessidade da matéria ser tratada de
tal forma que as pessoas que se sentissem lesadas pudessem ter seu dano reparado de uma
maneira pouco onerosa.

A Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica é uma boa resposta para esse tipo de
distorção jurídica. Permitir que o patrimônio daqueles que utilizaram o instituto da pessoa
jurídica para encobertar ações ilícitas seja atingido é uma forma mais do que razoável para
sanar o problema.

Obviamente que a mesma não pode ser utilizada indiscriminadamente sob o risco de
colocar em risco a segurança jurídica, base sobre a qual está apoiada toda a sociedade bem
como suas relações jurídico-sociais.
21

6. Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei n º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e


dá outras providências. Diário Oficial da União, 12 set. 1990 retificado em 10 jan. 2007.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm >. Acesso em 19 out.
2008.

BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de


Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações
contra a ordem econômica e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 jun. 1994.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>. Acesso em 19 out.
2008.

BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e


administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, 13 fev. 1998. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm>. Acesso em 19 out. 2008.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, 11 jan. 2002. Disponível em:
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Parte Geral. 7. ed. São Paulo. Saraiva 2000. P.
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2007.
22

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