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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

ROGERIO DIAS

Sinestesia, percepção, pensamento e linguagem:


uma pesquisa de Ramachandran e Hubbard

Trabalho extra de Percepção I


Prof. Celso Lugão

RIO DE JANEIRO
Jan/2010
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Sinestesia é uma condição em que pessoas experimentam sensações em uma modalidade


quando uma outra modalidade é estimulada - experimentar cores quando se ouvem sons ou sabores
quando se vêem cores, p.ex. Ramachandran e Hubbard (2001) realizaram pesquisa e não só
conseguem esclarecer fatos ainda então desconhecidos e controvertidos sobre sobre tais fenômenos
como a partir destes propõem conjecturas bem instigantes sobre a questão da evolução da
linguagem. No que segue apresentamos os principais aspectos dessa pesquisa.
A condição sinestésica é conhecida desde 1880 mas a pesquisa sobre ela tem sido pobre e
inconclusiva. As explicações mais comuns encontradas na literatura vão, entre outras, desde a
rejeição do fenômeno como fruto de delírios daqueles que o apresentam, à atribuição de memórias
infantis que fariam a associação entre as modalidades em questão.
Através de experimentos com sinestésicos cuja condição os fazia associar cores a grafemas
Ramachandran e Hubbard (doravante identificados como R&H) puderam demonstrar que a
sinestesia é genuinamente sensorial ao menos em alguns sinestésicos, contrariamente à hipótese
defendida por outros de que se trata de um fenômeno cognitivo.
Os grafemas utilizados na experiência foram o ’2’ e o ’5’, desenhados com simetria especular
vertical, observados como possuindo diferentes cores pelos sinestésicos que participaram do
experimento.
Em primeiro lugar, demonstrou-se que o efeito sinestésico apresenta o efeito pop-out.
Grafemas que ocasionam um efeito de cor, são dispersos entre os grafemas complementares, mas
dispostos de forma a formar figuras geométricas. Essas figuras são reconhecidas pelos sinestésicos
de forma extremamente mais rápida do que os do grupo de controle. Agrupamento perceptual e
efeito pop-out são reconhecidos como ocorrendo nos estágios anteriores do processamento visual, e
são utilizados para distinguir se uma característica é genuinamente visual e não fruto de
processamento em níveis superiores.
Provou-se também que grafemas que não são “visíveis” induzem o mesmo efeito de cor:
grafemas não identificados pela forma, pelo tamanho e pelo fato de estarem cercados de outros, são
identificados pelos sinestésicos pela cor que apresentam.
O campo de visão também influi: grafemas colocados a um ângulo de visão maior que um
certo ângulo, deixam de produzir o efeito, mesmo tendo seu tamanho ampliado. Também a
alternância ritmada entre os dois grafemas deixa de produzir efeito de cor a partir de certa
frequência. Ambos efeitos são também indicadores da natureza perceptual da sinestesia.
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Finalmente, mostrou-se que a utilização de numerais romanos ou agregados representativos


dos numerais de teste não provocaram o efeito cor, indicando não haver relação entre a cor e o
conceito de numeral representado nos grafemas.
R & H discutem então a idéia de que a sinestesia poderia ser causada por ’curto-circuitos’ no
cérebro, idéia que, como a sinestesia, é conhecida há mais de 100 anos. Utilizando trabalhos
recentes da literatura, verificam que no caso em estudo as áreas envolvidas em reconhecimento de
cores e no de grafemas estão próximas no cérebro (no chamado giro fusiforme) e propõem essa
hipótese como explicativa do fenômeno. Sugerem também - como a sinestesia ocorre em famílias -
que se trata de uma mutação genética, que ocasiona um excesso de conexões no cérebro. Ou ainda a
poda insuficiente de conexões na criança pequena - dado que no cérebro imaturo existem mais
conexões entre áreas cerebrais que no adulto.
Contudo, ressaltam que mesmo tendo origem em conexões físicas, a sinestesia requer
aprendizado: obviamente a criança não nasce com o reconhecimento de grafemas de letras e
números embutido. Mostram também como a hipótese do curto-circuito é coerente com os fatos
observados sobre a localização na visão central, e no efeito de alternância. É coerente também com
o fato de que as cores podem aparecer mesmo quando os grafemas não são conscientemente
reconhecidos, ou seja, não atingiriam o limiar para que fossem enviados para fora do giro fusiforme,
onde ocorre tal reconhecimento.
Essa hipótese também serviria para esclarecer outras formas de sinestesia. Relatam o caso de
um paciente sinestésico que sofreu dano em área cerebral, perdendo a capacidade de reconhecer
cores, e, ao mesmo tempo, sua sinestesia, que associava cores a tons musicais. O modelo também
explicaria porque pessoas com um tipo de sinestesia têm mais probabilidade de apresentar outros
tipos. O gene indutor poderia provocar o mesmo efeito em outras áreas do cérebro.
Alguns reparos. R & H observam que o nome curto-circuito poderia melhor ser substituído
por ativação cruzada. E consideram que ainda não se demonstrou se se trata de um aumento de
conexões ou uma deficiência na inibição entre as conexões tão presentes entre tantas áreas do
cérebro.
Além disso, não descartam a influencia de interferências com níveis mais complexos de
processamento cerebral. Uma figura de ’3’s formando um ’5’ pode ser vista como um grupo de ’3’s
ou um ’5’ isolado, só aí colorido, e o sinestésico pode modular o que vê, dependendo de sua atenção
consciente. Outros exemplos do gênero são mostrados, e uma avaliação da complexidade de
conexões entre a sinestesia e diferentes mecanismos cerebrais é feita, em particular citando-se
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experiências com limiares de percepção visual e com a ocorrência da sinestesia junto com a
imaginação (que é geral mais forte que no caso de visão real).
Existem da mesma forma sinestesias que são claramente originadas em regiões do cérebro
mais ‘elevadas’, onde por exemplo o conceito de número é que desencadeia a sensação de cor.
Suspeitam em alguns casos de conexões entre áreas do giro angular, sempre na hipótese das
conexões cruzadas. Propõem também um método de diferenciar entre alta e baixa sinestesia.
R & H passam a discutir aspectos mais instigantes relacionados à sinestesia. Considerando
que a sinestesia sempre foi associada aos artistas - músicos, pintores, poetas, e utilizando pesquisa
que mostrou entre sinestésicos uma maior criatividade, buscam ver se sua hipóteses sobre a origem
da sinestesia poderia ser utilizada nessa questão.
Os poetas apresentam uma capacidade fora do comum de relacionarem objetos e conceitos de
diferentes “reinos”, através de metáforas, base da poesia. Tem sido sugerido que os conceitos são
representados em mapas no cérebro da mesma forma que perceptos (como cores ou faces). Assim
poderíamos pensar em metáforas como uma ativação cruzada entre mapas conceituais da mesma
forma que na sinestesia ocorre com mapas perceptuais. O giro angular tem sido identificado como
ligado a associações entre modalidades - pessoas com lesão nele tendem a ter mente literal
(dificuldades com metáforas).
A proposta mais ousada de R & H está relacionada com `um dos maiores quebra-cabeças da
psicologia`: de que forma poderia a linguagem ter evoluído pela seleção natural? Propõem uma
solução ligada à sinestesia.
Primeiro, recordam o conhecido teste que pede às pessoas associarem a duas figuras, uma
arredondada, e a outra, angulosa, os nomes (em marciano) kiki e bouba. 95% das pessoas associam
o segundo nome à forma arredondada. Esse exemplo indica uma espécie de conexão entre as formas
das figuras e os sons a elas associados. Uma pista para entendimento de uma certa proto-linguagem,
pois sugere restrições naturais à forma em que sons podem ser atribuídos a objetos.
Segundo, propõem a existência de uma espécie de sinestesia sensorial-motora, que se
expressa na forma como traduzimos sons em movimentos de dança, ou observamos que certas
palavras em diversos idiomas tendem a reproduzir movimentos semelhantes na língua e nos lábios -
como as palavras que descrevem `pequeno`, que induzem o fechamento dos lábios em bico,
enquanto `grande` induz movimentos largos, o mesmo ocorrendo com os gestos associados a estas
palavras. Isto sugere uma espécie de ativação cruzada entre áreas de som e motora (fala).
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Terceiro, um fenômeno já apontado por Darwin, de associação entre dois mapas motores,
quando ao cortarmos algo com tesouras apertamos ao mesmo tempo as mandíbulas, uma mímica do
movimento das mãos. Isto a seu ver favorece a hipótese sinestésica, dado que os mapas motores da
mão e da boca estão próximos. Quando apontamos a outrem com o dedo indicador, os lábios
movem-se para fora (you em inglês, tu ou vous em francês, thoo em tamil), enquanto ao referir-mo-
nos a nós mesmos, movemos os lábios para dentro (me em inglês, moi em francês, naam em tamil).
Um reparo é feito. Sua sugestão é a de que o impulso inicial para a evolução da linguagem foi
sinestésico, mas não que toda a linguagem moderna tem essa origem. O refinamento subsequente de
uma estrutura profunda da linguagem teria tido outros fatores ambientais e biológicos como
motores, desvinculados das metáforas sinestésicas.
(No artigo em questão R & H tratam também da questão filosófica da qualia sobre a qual o
estudo da sinestesia traria esclarecimentos, questão sobre a qual não nos aventuramos nem a
resumir, por falta de embasamento na matéria filosófica).

Bibliografia
Ramachandran, V.S., Hubbard, E.M. Synaesthesia - a window into perception, thought and
language. Journal of Conciousness Studies, 2001, vol.8, n.12, pp. 3-34.

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