Você está na página 1de 5

Cálculo III

Departamento de Matemática - ICEx - UFMG


Marcelo Terra Cunha

Integrais Triplas
Nas primeiras aulas discutimos integrais duplas em vária regiões. Seja
motivado pelas aplicações, seja apenas pelo gosto matemático de procurar
generalizações, você deve estar se perguntando: existem integrais triplas?

4.1 Origem e Noção Intuitiva


Sim, se temos uma função (bem comportada, como todas as funções do
cálculo) f : R → R, onde R é uma região do R3 (ou seja, f é uma função de
três variáveis), podemos calcular a integral tripla de f na região R.
Novamente, a idéia é particionar R em “pedacinhos”, que agora serão
pequenos volumes ∆VI , onde I indexa os vários pedacinhos. Tendo uma
partição, podemos definir somas de Riemann de f subordinada a essa partição
(da mesma forma que para integrais definidas e para integrais duplas)
X
S (f, R) = f (pI ) ∆VI ,
I

onde pI é um ponto no “pedacinho” correspondente da partição. Novamente


podemos falar de somas inferiores, somas superiores e as mesmas condições
de “bom comportamento” da f que permitiam definir a integral dupla são
suficientes para mostrar o resultado análogo para integral tripla: a integral
tripla de f na região R, denotada
Z Z Z
f dV,
R

é o limite das somas de Riemann correspondentes, quando as partições são


tomadas arbitrariamente finas.
Para as aplicações do tipo cálculo de valor médio de funções, a inter-
pretação segue exatamente a mesma das integrais duplas: estamos olhando
o valor da função em um região pequena (se a função for contı́nua e a região

1
realmente pequena, este valor depende muito pouco do ponto especı́fico es-
colhido), multiplicando pelo volume do pedacinho (antes era a área, mas que
diferença faz?) e somando todas estas contribuições. Se queremos calcular
uma média, precisamos depois dividir pela soma dos pequenos volumes, que
dá o volume total da região.
Este último ponto lembra outra aplicação simples da integral tripla: do
mesmo modo que ao integrar a função constante igual a 1 em uma região do
plano estamos de fato calculando a área desta região (ou seja, a integral dupla
também serve para calcular áreas), a integral tripla da função constante igual
a 1 em uma região do espaço calcula o volume desta região:
Z Z Z
dV = V (R) .
R

Por fim, a mesma dificuldade que temos em pensar em um gráfico de


uma função de três variáveis é o que torna pouco usual nos referirmos à
integral tripla de uma função f não-negativa como um “hiper-volume” da
região acima de R no espaço tridimensional e abaixo do gráfico de f . Se você
puder visualizar um gráfico de uma função de três variáveis desta forma, a
descrição anterior fará sentido da mesma forma que a integral dupla de uma
f não-negativa pode ser vista como uma volume e a integral definida de uma
f de uma variável como uma área.
E claro, uma vez que se entenda que a passagem de duas para três
variáveis só traz novidades técnicas (que ainda discutiremos), além de uma
necessidade maior de abstração, você já estará pronto para definir por conta
própria o conceito de integral múltipla, para uma função de n variáveis, e de
pensar em possı́veis aplicações e interpretações para ela.

4.2 Como Calcular


Um primeiro caso simples de se calcular é quando a região de integração é um
paralelepı́pedo: P = [a, b] × [c, d] × [p, q] e a função escrita em coordenadas
cartesianas se mostra de fácil integração.
Neste caso, assim como para as integrais duplas, resolvemos a integral
tripla fazendo integrais iteradas. Por exemplo:
Z Z Z Z q Z dZ b
f (x, y, z) dV = f (x, y, z) dx dy dz.
P p c a

2
Naturalmente, a escolha da ordem de integração cabe a quem vai resolver
a integral. E a escolha natural é aquela que torna a integral mais fácil de
resolver.
Se para integrais duplas também havia outras regiões bem adaptadas a
coordenadas cartesianas (como aquelas entre dois gráficos de funções de uma
variável, as chamas regiões tipo I e tipo II), para integral tripla a situação
não seria outra. Não vamos ficar aqui enumerando ou descrevendo regras
de como proceder em cada caso (pois realmente achamos isso contraprodu-
cente). A melhor estratégia é: busque uma descrição da região de integração
em notação de conjuntos e ali reconheça como esta descrição se adequa a uma
ordem adequada de integrações iteradas. Por exemplo, considere que quere-
mos fazer uma integral no interior de uma esfera de raio a, e que, por razões de
simetria, basta integrarmos no primeiro octante. Uma maneira de descrever
esta região é: R = {(x, y, z) : x2 + y 2 + z 2 ≤ a2 , x ≥ 0, y ≥ 0, z ≥ 0}. Mas
essa forma não é adequada para escrevermos integrais iteradas cartesianas.
Mas se notarmos que
n √ p o
R = (x, y, z) : 0 ≤ x ≤ a, 0 ≤ y ≤ a2 − x2 , 0 ≤ z ≤ a2 − x2 − y 2 ,

aı́ sim poderemos escrever


√ √
Z Z Z Z aZ a2 −x2 Z a2 −x2 −y 2
f (x, y, z) dV = f (x, y, z) dz dy dx.
R 0 0 0

Onde, é claro, se a função f for mais bem adaptada a outra ordem de inte-
gração, devemos usar outra descrição desta mesma região (já que ela permite)
e adotar aquela que tornar a integral mais simples.
Nas próximas aulas trataremos de outros sistemas de coordenadas, da
mesma forma que utilizamos coordenadas polares para integrais duplas.

4.3 Aplicações
As aplicações das integrais múltiplas são várias, mas entre elas se destacam
aquelas relacionadas a obtenção de médias. Casos particulares destas médias
são obtenções de centros de massa. Vamos nos concentrar agora no seguinte
problema: seja T o tetraedro com vértices (0, 0, 0), (1, 0, 0), (0, 1, 0), (0, 0, 1);
considerando T um sólido homogêneo, obtenha seu centro de massa.

3
Este problema já é dado em coordenadas cartesianas, e os eixos já foram
escolhidos de maneira muito bem adaptada. Não há necessidade buscar qual-
quer outro sistema de coordenadas1 .
Há uma clara e importante simetria no problema: o papel das coorde-
nadas x, y e z são os mesmos. Assim, se em princı́pio precisamos calcular as
três coordenadas do centro de massa, na prática basta calcularmos uma vez,
pois teremos xcm = ycm = zcm . Geometricamente, isso corresponde a dizer
que o centro de massa estará no segmento que une a origem ao baricentro da
face oposta.
Como já sabemos das integrais duplas, a coordenada xcm será dada pelo
valor médio da função x na região T , assim, queremos resolver
RRR
xρ dV
xcm = R R RT ,
T
ρ dV
onde ρ é a densidade do sólido. Como ρ é constante (o sólido é homogêneo),
e aparece nas duas integrais, podemos eliminá-lo e o problema passa a ser
calcular duas integrais: Z Z Z
x dV
T
e Z Z Z
dV,
T
que reconhecermos ser o volume do tetraedro. Este volume deve ser calculado
geometricamente ( 13 Ab h) e resulta 61 . Resta então calcularmos
Z Z Z Z 1 Z 1−x Z 1−x−y
x dV = x dz dy dx
T 0 0 0
Z 1 Z 1−x
1 − x − y2
= dy dx
0 0 2
Z 1 Z 1−x 2
ξ
= dξ dx
0 0 2
Z 1
1 − x3 1
= dx = ,
0 6 24
1
de onde concluı́mos que xcm = 4
= ycm = zcm .
1
Embora possamos oferecer uma outra solução que, implicitamente, faz uso de outro
sistema de coordenadas.

4
Com um pouco mais de geometria, poderı́amos resolver esse exercı́cio
apenas com as técnicas do cálculo I. Mas isso fica como um desafio para
quem estiver interessado.

Você também pode gostar