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Contos Africanos:Duas Mulheres

HAVIA DUAS MULHERES AMIGAS, uma que


podia ter filhos __ e tinha muitos __ e a outra
não.
Um dia, a mulher estéril foi a casa da amiga e
convidou-a a visitá-la, dizendo:
__ Amiga, tenho muitas coisas novas em casa,
venha vê-las!
__ Está bem __ concordou a outra.
De manhã cedo, a mulher que tinha muitos
filhos foi visitar a amiga. Ao chegar a casa desta,
chamou-a:
__ Amiga, minha amiga!
Trazia consigo um pano que a mulher estéril
aceitou e guardou.
As duas amigas ficaram a conversar, tomando
um chá que a dona da casa tinha preparado para
as duas. Ao acabarem o chá, a dona da casa quis,
então, mostrar à amiga as coisas que tinha
comprado. Passaram para a sala e a mulher
estéril abriu uma mala mostrando à amiga
roupa, brincos, prata e outras coisas de valor.
No final da visita, a mulher que tinha muitos
filhos agradeceu, dizendo:
__ Um dia há-de ir a minha casa ver a mala
que eu arranjei.
E, um certo dia, a mulher que não tinha
filhos, foi a casa da amiga. Mal a viram, os
filhos desta gritaram:
__ A sua amiga está aqui!
Agradeceram a peneira que ela trazia na
cabeça e guardaram-na.
Começaram, então, a preparar o chá.
A mãe das crianças chamava-as uma a uma:
__ Fátima!
__ Mamã?
__ Põe o chá ao lume!
__ Mariamo!
__ Sim?
__ Vai partir lenha!
__ Anja!
__ Sim?
__ Vai ao poço
__ Muacisse!
__ Mamã?
__ Vai buscar açúcar!
__ Muhamede!
__ Sim?
__ Traz um copo!
__ Mariamo!
__ Vamos lá, despacha-te com o chá!
Assim que o chá ficou pronto, tomaram-no e
conversaram todos um pouco.
Quando a amiga se ia embora, a mulher que
tinha filhos disse:
__ Minha amiga, eu chamei-a para ver a mala
que arranjei, mas a minha mala não tem roupa
nem brincos! A mala que lhe queria mostrar são
os meus filhos!
A mulher que não podia ter filhos ficou muito
triste e, antes de chegar a casa, sentiu-se muito
mal, com dores de cabeça e acabou por morrer.
FIM
Nas sociedades matrilineares, donde provém este
conto (Norte de Moçambique), se as mulheres
não tiverem filhos, a sua linhagem não continua.
Eduardo Medeiros (org.). Contos populares
moçambicanos, 1997
A Gazela e o Caracol
Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe:
__ Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo
chão.
O caracol respondeu:
__ Vem cá no Domingo e verás!
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu:
«Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes
com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os
papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes:
__ Leiam estes papéis para que saibam o que
fazer quando a gazela vier.
No Domingo a gazela chegou à povoação e
encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos
seus amigos que se escondessem em todos os
caminhos por onde ela passasse, e eles assim
fizeram.
Quando a gazela chegou, disse:
__ Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!
O caracol meteu-se num arbusto, deixando a
gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando:
__ Caracol!
E havia sempre um caracol que respondia:
__ Eu sou o caracol.
Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de
papel que foram distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar,
esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol
venceu, devido à esperteza de ter escrito cem
papéis.
Comentário do narrador : «Como tu sabes
escrever e nós não,
nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada
sabemos!».

Eduardo Medeiros (org.). Contos populares


moçambicanos, 1997
A Menina que não Falava

Certo dia, um rapaz viu uma rapariga muito


bonita e apaixonou-se por ela. Como se queria
casar com ela, no outro dia, foi ter com os pais
da rapariga para tratar do assunto.
__ Essa nossa filha não fala. Caso consigas fazê-
la falar, podes casar com ela, responderam os
pais da rapariga.
O rapaz aproximou-se da menina e começou a
fazer-lhe várias perguntas, a contar coisas
engraçadas, bem como a insultá-la, mas a
miúda não chegou a rir e não pronunciou uma
só palavra. O rapaz desistiu e foi-se embora.
Após este rapaz, seguiram-se outros
pretendentes, alguns com muita fortuna mas,
ninguém conseguiu fazê-la falar.
O último pretendente era um rapaz sujo, pobre
e insignificante.
Apareceu junto dos pais da rapariga dizendo que
queria casar com ela, ao que os pais
responderam:
__ Se já várias pessoas apresentáveis e com
muito dinheiro não conseguiram fazê-la falar, tu é
que vais conseguir? Nem penses nisso!
O rapaz insistiu e pediu que o deixassem tentar a
sorte. Por fim, os pais acederam.
O rapaz pediu à rapariga para irem à sua
machamba, para esta o ajudar a sachar.
A machamba estava carregada de muito milho e
amendoim e o rapaz começou a sachá-los.
Depois de muito trabalho, a menina ao ver que o
rapaz estava a acabar com os seus produtos,
perguntou-lhe:
__ O que estás a fazer?
O rapaz começou a rir e, por fim, disse para
regressarem a casa para junto dos pais dela e
acabarem de uma vez com a questão.
Quando aí chegaram, o rapaz contou o que
se tinha passado na machamba. A questão
foi discutida pelos anciãos da aldeia e
organizou-se um grande casamento.
Um pouco de história sobre os contos africanos
Ao cabo de séculos, porém, descobrimos que as
histórias contadas no “chifre” da África se
parecem muito com as narradas em outros cantos
do mundo.
No leste da África localiza-se o chamado “chifre da
África”. Dizem que justamente essa região, onde
ficam hoje Eritreia, Djibuti, Somália e uma parte
do Quênia e do Sudão, é o berço da humanidade,
e que foi de lá que saíram os primeiros humanos
para dominar o mundo.
O príncipe medroso e outros contos africanos
Recontados por Anna Soler-Pont
Ilustrações de Pilar Millán
Tradução de Luis Reyes Gil

CIA DAS LETRAS


Copyright do texto © 2005 by Anna Soler-Pont
Copyright das ilustrações © 2005 by Pilar Millán
Derqui
Os dois reis de Gondar
(Etiópia)
Era um dia como os de outrora... e um pobre
camponês, tão pobre que tinha apenas a pele
sobre os ossos e três galinhas que ciscavam
alguns grãos de teff que encontravam pela terra
poeirenta, estava sentado na entrada da sua
velha cabana como todo fim de tarde. De
repente, viu chegar um caçador montado a
cavalo. O caçador se aproximou, desmontou,
cumprimentou- o e disse:
— Eu me perdi pela montanha e estou
procurando o caminho que leva à cidade de
Gondar.
— Gondar? Fica a dois dias daqui —
respondeu o camponês. — O sol já está se
pondo e seria mais sensato se você passasse a
noite aqui e partisse de manhã cedo.
O camponês pegou uma das suas três
galinhas, matou- a, cozinhou-a no fogão a
lenha e preparou um bom jantar, que
ofereceu ao caçador. Depois de comerem os
dois juntos sem falar muito, o camponês
ofereceu sua cama ao caçador e foi dormir no
chão ao lado do fogo.
No dia seguinte bem cedo, quando o caçador
acordou, o camponês explicou-lhe como teria que
fazer para chegar a Gondar:
— Você tem que se enfiar no bosque até
encontrar um rio, e deve atravessá-lo com seu
cavalo com muito cuidado para não passar pela
parte mais funda. Depois tem que seguir por um
caminho à beira de um precipício até chegar a
uma estrada mais larga...
O caçador, que ouvia com atenção, disse:
— Acho que vou me perder de novo. Não
conheço esta região... Você me acompanharia
até Gondar? Poderia montar no cavalo, na
minha garupa.
— Está certo — disse o camponês —, mas com
uma condição. Quando a gente chegar, gostaria
de conhecer o rei, eu nunca o vi.
— Você irá vê-lo, prometo.
O camponês fechou a porta da sua cabana,
montou na garupa do caçador e começaram o
trajeto.
Passaram horas e horas atravessando
montanhas e bosques, e mais uma noite inteira.
Quando iam por caminhos sem sombra, o
camponês abria seu grande guarda-chuva preto,
e os dois se protegiam do sol. E quando por fim
viram a cidade de Gondar no horizonte, o
camponês perguntou ao caçador:
— E como é que se reconhece um rei?
— Não se preocupe, é muito fácil: quando todo
mundo faz a mesma coisa, o rei é aquele que faz
outra, diferente.
Observe bem as pessoas à sua volta e você o
reconhecerá.
Pouco depois, os dois homens chegaram à cidade
e o caçador tomou o caminho do palácio. Havia
um monte de gente diante da porta, falando e
contando histórias, até que, ao verem os dois
homens a cavalo, se afastaram da porta e se
ajoelharam à sua passagem. O camponês não
entendia nada. Todos estavam ajoelhados, exceto
ele e o caçador, que iam a cavalo.
— Onde será que está o rei? — perguntou o
camponês.
— Não o estou vendo!
— Agora vamos entrar no palácio e você o verá,
garanto!
E os dois homens entraram a cavalo dentro do
palácio. O camponês estava inquieto. De longe
via uma fila de pessoas e de guardas também a
cavalo que os esperavam na entrada. Quando
passaram na frente deles, os guardas
desmontaram e somente os dois continuaram
em cima do cavalo. O camponês começou a
ficar nervoso:
— Você me falou que quando todo mundo faz a
mesma coisa... Mas onde está o rei?
— Paciência! Você já vai reconhecê-lo! É só
lembrar que, quando todos fazem a mesma
coisa, o rei faz outra.
Os dois homens desmontaram do cavalo e
entraram numa sala imensa do palácio. Todos
os nobres, os cortesãos e os conselheiros reais
tiraram o chapéu ao vê-los.
Todos estavam sem chapéu, exceto o caçador e o
camponês, que tampouco entendia para que
servia andar de chapéu dentro de um palácio. O
camponês chegou perto do caçador e murmurou:
— Não o estou vendo!
—Não seja impaciente, você vai acabar
reconhecendo- o! Venha sentar comigo.
E os dois homens se instalaram num grande sofá
muito confortável. Todo mundo ficou em pé à sua
volta.
O camponês estava cada vez mais inquieto.
Observou bem tudo o que via, aproximou-se do
caçador e perguntou:
— Quem é o rei? Você ou eu?
O caçador começou a rir e disse:
— Eu sou o rei, mas você também é um rei,
porque sabe acolher um estrangeiro!
E o caçador e o camponês ficaram amigos por
muitos e muitos anos.
a tartaruga e a lebre
Fabula

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