Psicopatologia é o ramo da ciência que trata da natureza essencial da doença
mental – suas causas, suas mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas formas de manifestação. A psicopatologia tem boa parte de suas raízes na tradição médica, mas também nutre-se de uma tradição humanística. Limites existem para a psicopatologia, pois nunca se pode reduzir por completo o ser humano a conceitos psicopatológicos, não se pode compreender ou explicar tudo o que existe em um homem por meio de conceitos psicopatológicos. Sempre resta algo que transcende à psicopatologia e mesmo à ciência, permanecendo no domínio do mistério. Quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois aspectos básicos costumam ser enfocados: a forma dos sintomas e seu conteúdo. A forma dos sintomas se refere a sua estrutura básica, relativamente semelhante nos diversos pacientes (alucinação, delírio, idéia obsessiva, labilidade afetiva, etc.); o conteúdo, àquilo que preenche a alteração estrutural (conteúdo de culpa, religioso, de perseguição, etc.), sendo geralmente mais pessoal, dependendo da história de vida do paciente, de seu universo cultural e da personalidade prévia ao adoecimento. Os conteúdos dos sintomas estão relacionados, geralmente, aos temas centrais da existência humana: sobrevivência e segurança, sexualidade, temores básicos (morte, doença, miséria, etc.), religiosidade, entre outros. O estudo da doença mental, como o de qualquer outro objeto, inicia pela observação cuidadosa de suas manifestações. Distinguem-se três tipos de fenômenos humanos para a psicopatologia: - fenômenos semelhantes em todas as pessoas: como fome, sede, sono; - fenômenos em parte semelhantes e em parte diferentes: o homem comum experimenta, mas apenas em parte são semelhantes aos que o doente mental vivencia. Ex.: tristeza, depressão. - fenômenos qualitativamente novos, diferentes: praticamente próprios apenas a certas doenças e estados mentais. Ex.: alucinações, delírios, turvações da consciência, alteração da cognição nas demências, etc.. O conceito de normalidade em psicopatologia varia em detrimento das áreas de saúde mental e também das opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional. Os principais critérios de normalidade utilizados em psicopatologia são: a) Normalidade como ausência de doença: normal (ausência de sintomas, de sinais ou de doenças) seria, do ponto de vista psicopatológico, aquele indivíduo que simplesmente não é portador de um transtorno mental definido; b) Normalidade ideal: estabelece-se arbitrariamente uma norma ideal, o que é supostamente sadio, que é socialmente constituída e referendada. Baseiam- se, por exemplo, na adaptação do indivíduo às normas morais e políticas de determinada sociedade (como o macarthismo e o “diagnóstico” de dissidentes políticos da URSS como doentes mentais). c) Normalidade estatística: o normal passa a ser aquilo que se observa com mais freqüência. d) Normalidade como bem-estar: baseado no conceito de saúde da OMS. No entanto, bem-estar é algo difícil de se definir objetivamente. e) Normalidade funcional: baseia-se em aspectos funcionais; o fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que produz sofrimento para o próprio indivíduo ou para o seu grupo social. f) Normalidade como processo: consideram-se os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e das reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários. g) Normalidade subjetiva: ênfase à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde. h) Normalidade como liberdade: a doença mental seria considerada como perda da liberdade existencial; a saúde mental poderia ser vista como a possibilidade de dispor de ‘senso de realidade, sendo de humor e de um sentido poético perante a vida’, atributos estes que permitiriam ao indivíduo ‘relativizar1 os sofrimentos e as limitações inerentes á condição humana e, assim, desfrutar do resquício de liberdade e prazer que a existência oferece. i) Normalidade operacional: define-se, a priori, o que é normal e o que é patológico e busca-se trabalhar operacionalmente com esses conceitos. A boa prática em saúde mental implica a combinação hábil e equilibrada de uma abordagem descritiva, diagnóstica e objetiva e uma abordagem dinâmica, pessoal e subjetiva do doente e de sua doença. Apesar de ser absolutamente imprescindível considerar os aspectos pessoais, singulares de cada indivíduo, sem um diagnóstico psicopatológico aprofundado não se pode nem compreender adequadamente o paciente e seu sofrimento, nem escolher o tipo de estratégia terapêutica mais apropriado. O diagnóstico de um transtorno psiquiátrico é quase sempre baseado preponderantemente nos dados clínicos, mesmo tendo procedimentos e exames auxiliares (como testes laboratoriais, exames de neuroimagem, etc.), pois o essencial de um diagnóstico psicopatológico é uma história bem-colhida e um exame psíquico minucioso, ambos interpretados com habilidade. Deve-se manter duas linhas paralelas de raciocínio clínico: uma linha diagnóstica, baseada fundamentalmente na cuidadosa descrição evolutiva e atual dos sintomas que de fato o paciente apresenta, e uma linha etiológica, que busca, na totalidade de dados biológicos, psicológicos e sociais, uma formulação hipotética plausível sobre os possíveis fatores etiológicos envolvidos no caso. Não há sintomas patognomônicos em psiquiatria. Assim, o diagnóstico psicopatológico repousa sobre a totalidade dos dados clínicos, momentâneos (exame psíquico) e evolutivos (anamnese, história dos sintomas e evolução do transtorno). É essa totalidade clínica que, detectada, avaliada e interpretada com conhecimento (teórico e científico) e habilidade (clínica e intuitiva), conduz ao diagnóstico psicopatológico.