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Universidade Federal de Sergipe – UFS

Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA


Departamento de Sociologia
Disciplina: Sociologia I – Turma: Z0
Professor: Camilo Antônio Santa Bárbara Júnior
Aluna: Deborah de Luna Santos
Data: 19/05/2009

BERGER, Peter L. A Sociologia como Forma de Consciência. In:


_____ Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística.
Petrópolis: Vozes, 1986.

A sociologia, bem como outras atividades intelectuais, não se apresenta como


imemorial ou necessária ao ser humano. Faz-se necessário investigar o que leva o
homem a ocupar-se com o seu estudo.
Diferentemente da teologia e da economia, por exemplo, que já eram
consideradas praticamente durante toda a história humana, a sociologia é uma
cogitação moderna e ocidental.
A sociedade é o objeto de estudo da sociologia, que possui uma peculiar
interpretação desse termo. Sociedade, pra o sociólogo, é um conjunto de interações,
relações humanas. Tal conceito não se vincula especificamente a critérios
quantitativos, mas à autonomia desse conjunto de interações ante outros
semelhantes.
Também o termo ‘social’ é interpretado de uma maneira particular para o
sociólogo. Este usa o termo para designar precisamente a qualidade das relações
na sociedade.
“E para darmos uma definição exata do social, é difícil melhorar a de Max
Weber, segundo a qual uma situação ‘social’ é aquela em que as pessoas orientam
suas ações umas para as outras. A trama de significados, expectativas e conduta
que resulta dessa orientação mútua constitui o material da análise sociológica.” pg.
37
A perspectiva da sociologia diante dos mais variados fatos é muito mais
peculiar do que a idéia expressa por esses dois termos supracitados. O sociólogo se
ocupa de observar que tipo de interações estão envolvidas em cada fenômeno
comum à sociedade.
Enquanto um economista atenta para o cumprimento da alocação dos
recursos em uma sociedade, o sociólogo se interessa mais pela variedade de
relações presentes nesse processo.
Um advogado lida com referências, precedentes e códigos que lhe orientam
como agir diante de determinado caso. O sociólogo considera o que levou o caso `{a
existência.
“Para o advogado, o essencial consiste em saber como a lei considera certo
tipo de criminoso; para o sociólogo, é igualmente importante ver como o criminoso
considera a lei.” pg. 39
Desse modo, percebe-se que a sociologia procura as razões extra-oficiais
para os fenômenos. Ela procura ir além do que é comumente aceito como certo,
definido. É por isso que o surgimento de questionamentos sociológicos foi inibido por
alguns períodos da história humana.
Só se concebe o surgimento da perspectiva sociológica em um momento em
que as concepções oficiais estejam em crise, desacreditadas, como ocorrido no fim
da era Medieval, a partir da Reforma e a desintegração do Estado absolutista.
“Não estaremos muito distantes da verdade se virmos o pensamento
sociológico como parte daquilo a que Nietzsche chamou de ‘a arte da
desconfiança’.” pg. 40
Mesmo sendo considerada uma ciência moderna, a sociologia tem sua
origem fundamental no ceticismo, na desconfiança, que já estavam presentes nas
mais primitivas sociedades. O modernismo ocidental só veio intensificar essa
consciência.
A curiosidade característica do sociólogo também é algo antigo do ser
humano. Pode ser percebida quando o indivíduo, por exemplo, passa a imaginar o
que esconde a fachada de uma casa, de um prédio, aparentemente comuns. O
conhecimento oportuno de atividades que contrariam o senso comum ocultas por
fachadas só tende a aguçar essa curiosidade.
É possível obter grande soma de informações pelos meios comuns e oficiais,
mas é ingênuo acreditar que toda realidade se expressa nelas. A sociologia procura
dissolver seus questionamentos de forma mais aprofundada, em fontes informais e
secundarias, não frequentemente relacionadas ao fato em questão.
Isso pode ser observado em um estudo sobre a organização política de uma
comunidade, ou mesmo na administração de uma denominação protestante. As
relações interpessoais que permeiam essas e tantas outras organizações têm tanta
influência quanto os dados oficiais informados.
“De certo modo, a mesma coexistência de organização formal e informal é
encontrada onde quer que grande número de homens trabalhem ou vivam juntos
sob um sistema disciplinar – organizações militares, prisões, hospitais, escolas – e
que remonta às misteriosas ligas que as crianças formam entre si e que só
raramente são percebidas por seus pais.” pg. 45
Mesmo considerando a idéia de amor, e de uma união baseada no mesmo
pode-se encontrar fatores nada abstratos pelos quais tais relações se orientam. Não
que o sociólogo considere falsa a sua existência, mas prefere entender que seu
surgimento está condicionado a uma gama de fatores externos.
Por essa ótica , percebe-se que a consideração sociológica do que vem a ser
um ‘problema social’ difere do senso comum. Não representa algo que acontece de
forma errada, indo de encontro ao esperado pelas pessoas, antes, o problemas é a
busca pela compreensão das relações sociais.
“O problema sociológico fundamental não é o crime, e sim a lei, não é o
divórcio, e sim o casamento, não é a discriminação racial, e sim a estratificação por
critérios de raça, não é a revolução, e sim o governo.” pg. 47
A sociologia procura analisar uma situação de forma imparcial, conhecendo
os prós e contras de todos sistemas sociais envolvidos nela. Sua consciência
recorre à desmistificação metodológica desses sistemas. O sociólogo analisa outros
níveis de realidade diferente dos já definidos, e isso se tornou viável apenas na era
moderna.
Um exemplo disso é a idéia expressa por Weber em ‘A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo’. Em seu texto, diferente do que dizem muitas interpretações,
ele não considera que os preceitos protestantes foram propositadamente criados
com a mesma intenção que a idéia capitalista conhecida hoje. Ao contrário, coloca
exatamente a ironia existente entre as intenções e suas respectivas consequências
imprevisíveis.
“Por conseguinte, a sociologia de Weber oferece-nos suma antítese radical a
quaisquer concepções que vejam a História como uma concretização de idéias ou
como fruto dos esforços deliberados de indivíduos ou coletividades.” pg. 50
Partindo dessa concepção, a sociedade e seus processos podem ser
encarados como autônomos, caracterizados não pela ação isolada dos indivíduos e
suas motivações, mas por uma consciência geral. Durkheim trata desse tema em
sua conhecida obra sobre o suicídio, na qual diz que o indivíduo, mesmo que
inconscientemente, é absorvido e age conforme uma lógica social anterior a ele. A
abordagem teórica que parte desse pressuposto é chamada de funcionalismo. Essa
abordagem considera que existem na sociedade funções ‘manifestas’ e ‘latentes’, ou
antes, conscientes e inconscientes.
A tendência desmistificadora da sociologia é observada no modo como se
entende a ‘ideologia’. Esta se apresenta na forma que o indivíduo encontra de
explicar ou justificar suas ações, mascarando-as se necessário, para serem mais
aceitáveis. O sociólogo desvenda essas ideologias em busca das fontes reais das
ações.
Na França, observou-se um período propício para o desenvolvimento do
pensamento sociológico após a Revolução Francesa, o que colaborou para as
demais transformações da modernidade. Na Alemanha, outro movimento de caráter
mais acadêmico e filosófico, trouxe a consciência sociológica à tona, com o
chamado ‘historicismo’. Ambas sociedades passaram por significativas mudanças, e
muito se deve à união da necessidade de uma ordem, o que possibilitou o
surgimento do pensamento sociológico. Diferentemente, nos Estados Unidos pode-
se dizer que o berço desse pensamento não está na busca por ordem, mas no
fascínio pelo lado obscuro da sociedade.
A observação dos setores rechaçados pela sociedade é o que instiga a
sociologia criada na América: a realidade existente na vida daqueles que de uma
forma ou de outra são excluídos ou se excluem do sistema respeitável da sociedade
e como os chamados ‘decentes’ se relacionam com essa ‘sociedade paralela’.
Esse ponto de vista sociológico representa uma pequena parcela da
sociologia Americana atualmente. Esta em geral é ligada à realidade oficial e não
aos casos escusos da chamada ‘outra América’. Um teórico que representa
claramente essa perspectiva marginal é Thorstein Veblen.
“É provável que a obtusidade e a preguiça mental estejam distribuídas com
bastante regularidade em todo o espectro social. Entretanto, onde existe inteligência
e onde ela consegue libertar-se dos tapa-olhos da respeitabilidade, podemos
esperar uma visão mais clara da sociedade do que nos casos em que a imagística
retórica é tomada como realidade.” pg. 56
A não-respeitabilidade também faz parte de outras correntes sociológicas
americanas, como a de Robert Park, na década de 20, e a chamada ‘escola de
Chicago’. Os estudos dessas correntes se fixavam naquilo que não era levado a
sério pela sociedade em geral, nos diversos ambientes em que o homem vive e suas
mais diferentes concepções que contrarias as versões oficiais.
O fato de um indivíduo se ocupar com tais estudos não significa
necessariamente que esteja vinculado a essa realidade ou se agrade dela. Ainda
sim deve lembrar-se de que como sociólogo, sua análise deve ser desvinculada de
suas opiniões e ligada ao método de estudo por ele escolhido.
Mesmo que pareça, este conceito de não-respeitabilidade não é
revolucionário, uma vez que acaba por desmistificar também os ideais e
expectativas de uma possível revolução. A concepção sociológica é sóbria e
moderada, sem levar à tolerância das fraquezas humanas. Ainda que não o queira,
o sociólogo deve sempre considerar a não-respeitabilidade, porque nela consiste a
essência da sociologia.
A relativização do mundo moderno é um campo fértil ao pensamento
sociológico. Hoje é quase impossível considerar-se um ambiente em que exista a
imposição de uma cosmovisão, sem que seja possível ou aceitável opor-se a ela,
ainda que se conheça ambientes que permanecem assim.
“Para o espírito tradicional, um homem é o que é, onde está, e se torna
impossível sequer imaginar que as coisas poderiam ser diferentes. O espírito
moderno, em contraste, é móvel, participa vicariamente das vidas de outras pessoas
localizadas em outras partes, imagina com toda facilidade uma mudança de
ocupação ou residência.” pg. 59
O homem moderno possui uma infinidade de possibilidades distintas
dispostas para sua observação do mundo e suas tomadas de decisão. Dessa forma
o indivíduo passa a compreender que sua cultura e seus valores estão vinculados a
seu tempo e espaço e não se aplicam necessariamente aos demais.
A mobilidade social alcançada na era moderna também reafirma essa
relativização de conceitos. Tal processo costuma se dar no sentido ‘ascensional’,
elevando o indivíduo a diferentes grupos e consequentemente diferentes idéias.
A fluidez de cosmovisões do mundo moderno terminou por deixar o homem
muito confuso, distante das idéias comumente aceitas, dos dogmas definidos.
Assim, sua tendência natural é retornar a esse tipo de pensamento, por uma
conversão a uma consiência que lhe pareça sólida, segura.
“Quase se poderia dizer que o homem moderno, sobretudo o homem
moderno educado, parece num perpétuo estado de dúvida quanto à sua própria
natureza e do universo em que vive.” pg. 61
Cada ponto de vista que segue essa necessidade passa a determinar como o
indivíduo compreenderá a sim mesmo e o mundo que o cerca. Algumas mudanças
de paradigmas são naturais ou espontâneas, outras são compulsórias. Estes ultimo
caso pode ser representado pela ‘lavagem cerebral’ sofrida pelos prisioneiro de
guerra americanos na China comunista.
Na sociedade moderna, o indivíduo encontra oportunidade de se converter,
ou melhor, alternar-se entre diferentes e até contraditórios sistemas de significados.
A cada nova alteração, encontrará motivos convincentes para não mais mudar de
idéias e responder suas dúvidas.
Quando o homem passa de um sistema para outro, percebe a relatividade
das idéias e das identidades, variando como tempo e o ambiente.
Compreende-se assim, que a sociologia pode resumir sua consciência nesses
três temas – desmistificação, não-respeitabilidade e relativização. Para tornar-se
uma análise completa, vale acrescentar o motivo cosmopolita. A cidade como
instituição veio colaborar com a possibilidade das viagens intelectuais do indivíduo
por outras realidades.
“Um bom sociólogo é um homem interessado em outras terras, aberto
interiormente à riqueza incomensurável das possibilidades humanas, sequioso de
novos horizontes e novos mundos de significado humano.” pg. 64

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