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FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO
Escravo liberto que conquistou respeito por sua força intelectual e pela habilidade,
como advogado, em libertar negros cativos muito antes da Lei Áurea, Luiz Gama
(1830-1882) foi o primeiro vulto abolicionista do país.
Do advogado Nelson Câmara, "Luiz Gama: O Advogado dos Escravos", com prefácio
de Miguel Reale Júnior, agrega à biografia transcrições das defesas de Gama,
garimpadas no arquivo do Tribunal de Justiça de SP.
Revela como usou com astúcia as leis do Império para libertar seus clientes, que, mostra
a pesquisa, não eram apenas negros --a estes ele atendia de graça. Previsto em lei desde
1832, o habeas corpus foi usado à exaustão pelo abolicionista, de forma pioneira,
segundo o autor.
Divulgação
Fotografia do advogado, poeta e líder abolicionista Luiz Gama tirada por volta de 1870
Referências
Ambos os autores se valem de trabalhos anteriores, como a biografia de Sud Menucci
(de 1938), o ensaio biográfico "Orfeu de Carapinha", de Elciene Azevedo, e a edição
crítica das "Primeiras Trovas Burlescas" de Gama, da professora da Unifesp Lígia
Fonseca Ferreira.
Esta última finaliza antologia de cartas e artigos de Gama, alguns inéditos, além de
preparar a tradução da sua tese de doutorado na Sorbonne sobre o personagem.
"O Brasil é tão preconceituoso que embranquece as figuras para legitimá-las. Quando
não consegue, as subestima", interpreta Santos.
Dia 30 de novembro, terça-feira, às 20h, o sociólogo Luiz Carlos Santos, autor de “Luiz
Gama” (Selo Negro Edições), fará uma palestra sobre Luiz Gama na Ponto do Livro –
Livraria, Café & Arte.
Luiz Gama
Imagem: divulgação
Gama foi um dos maiores articuladores políticos que o Império conheceu. A biografia
aborda seus grandes feitos na luta pelo fim da escravatura, destacando sua atuação, em
São Paulo, como advogado, na libertação dos negros; suas denúncias, na imprensa, dos
acordos para a manutenção do trabalho escravo; e seus poemas ácidos, que satirizavam
e, ao mesmo tempo, expunham as mazelas do poder imperial e dos senhores de
escravos.
O autor
Luiz Carlos Santos é mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Autor de “O negro em versos – Antologia da poesia negra brasileira”, é militante do
movimento negro, fez parte da direção da Sociedade de Intercâmbio Brasil África
(Sinba) e foi coordenador do Núcleo de Consciência Negra na USP. Atualmente, é
consultor de História do Museu Afro Brasil e docente em cursos de formação de
professores, nos quais ministra palestras sobre as Leis n. 10.639 e n. 11.645, que
estabeleceram as disciplinas História da África e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena
no currículo das escolas brasileiras.
Cristiano Mascaro
Ele está ali no Largo do Arouche, no canto que confronta o encontro das ruas Jaguaribe,
Vitória e do Arouche. O semblante é sisudo, a barba farta, o peito aparece envolvido
num pesado jaquetão. A expressão, calcada numa foto de Militão Augusto de Azevedo,
o primeiro fotógrafo a registrar cenas e gentes de São Paulo, não corresponde ao que se
sabe dele. Era alegre e sem cerimônia. Segundo Raul Pompéia, o autor de ‘O Ateneu’,
que foi seu grande admirador, ele tinha “um modo franco e descuidoso, com pretensões
à brutalidade, e desmaiando em doçura insinuante, paternal”. O busto naquele ângulo do
Largo do Arouche é do poeta, jornalista, advogado, republicano e abolicionista Luís
Gama (1830-1882), o primeiro grande — enorme — líder negro de São Paulo.
Luís Gama formou à sua volta uma volumosa corte de admiradores. Nela se
aglutinavam os negros, os estudantes da Faculdade de Direito (entre os quais Raul
Pompéia), a elite letrada, formada por escritores e jornalistas, e mesmo alguns membros
da crescentemente poderosa elite cafeeira. Seu enterro, no dia 24 de agosto de 1882, foi
uma apoteose que mobilizou toda a provinciana São Paulo. O cortejo teve, desde a Rua
do Brás (a atual Rangel Pestana), onde Luís Gama tinha sua modesta morada, até o
Cemitério da Consolação, um acompanhamento que incluía de negros humildes a um
membro destacado da mais rica família do período, Martinico Prado. Seu túmulo ainda
está lá, no Cemitério da Consolação, identificado por uma simples lápide:
“Abolicionista Luís Gama, ✭ 21-06-1830 ✝ 24-08-1882”. No Largo do Arouche, sobre
um pedestal que diz “Por iniciativa do progresso / Homenagem dos pretos do Brazil”,
ele vela pela dignidade dos negros de São Paulo.
GENEROSO
Filho de uma escrava, Gama não cobrava para obter a alforria de seus clientes
Ele tinha apenas 10 anos de idade quando o pai, arruinado por dívidas de jogo, vendeu-o
a um traficante de escravos, em 1840. Numa tacada só, perdeu a família, os direitos, a
dignidade, e poderia ter perdido o futuro se não fosse um predestinado a superar
dificuldades vida afora. Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) conseguiu aprender
a ler e a escrever aos 17 anos, com a ajuda de um amigo, e mudou radicalmente a
biografia que parecia ser seu destino: trabalhar, trabalhar e morrer anônimo, como
acontecera a tantos outros negros brasileiros. Luiz Gama, como ficou conhecido, deixou
de ser escravo em 1848, aos 18 anos. Para conseguir a mudança de status, comprovou,
com documentos, que era filho de pai livre, um fidalgo português, e mãe negra liberta.
Virou advogado, além de poeta, e trabalhou incansavelmente pela causa abolicionista.
Advogava de graça para escravos desesperados que batiam à sua porta e triunfou em
tribunais, onde devolveu a liberdade a mais de 500 pessoas. Nunca revelou o nome de
seu pai. Se por um lado poupou-o de ser excomungado pelo gesto vil de vender um
filho, por outro, preservou a si mesmo de ter de carregar o nome do traiçoeiro
progenitor. A leitura de sua história, agora recontada nos recém-lançados livros “O
Advogado dos Escravos” (Lettera.doc), de Nelson Câmara, e “Luiz Gama” (Selo
Negro), de Luiz Carlos Santos, só nos faz lamentar um descompasso: que ele tenha
morrido pouco antes da Abolição da Escravatura no Brasil, em 1888.
COMBATIVO
Biografias ressaltam o temperamento guerreiro de Gama, que foi vendido pelo pai aos 10 anos
A grande diferença entre as duas obras é que a primeira é uma alentada biografia com
ilustrações e documentos, se não inéditos, pouco conhecidos. Mas ambas falam do
mesmo homem que fez da advocacia um sacerdócio. Nascido em Salvador, na Bahia,
ele tinha herdado o temperamento guerreiro de sua mãe, que não aceitava a vida como
ela parecia que tinha que ser. Negra africana da nação nagô, Luiza Mahin era
revolucionária e participava de insurreições. Sumiu em 1837: não se sabe se foi
deportada para a África ou se foi morta. Sem opção, Luiza partira para o confronto.
RETRATO
Foto de escrava feita por Marc Ferrez. Gama conseguiu libertar 500 negros
Já o filho, optou pelo Judiciário. Em uma dessas batalhas para alforriar um escravo,
deparou-se com o argumento do dono do negro: “Por que queres ser infeliz sozinho? O
que é que te falta lá no cativeiro?” Gama arrematou sua vitoriosa petição explicando a
este senhor: “Falta-lhe o direito de ser infeliz onde, quando e como queira.” Luiz Gama,
personagem importantíssimo no rompimento dos grilhões da escravidão, morreu pobre,
em São Paulo. Seu velório fez a capital parar: três mil pessoas acompanharam seu corpo
até o Cemitério da Consolação, onde está enterrado.
CAPÍTULO I
Menino vendido como escravo
“[Eu] não possuo pergaminhos, porque a inteligência repele diplomas como Deus repele
a escravidão.” Luiz Gama
Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu na cidade de Salvador, Estado da Bahia em junho
de 1830, e segundo ele em carta a amigo, fora batizado em 1838 na Matriz do
Sacramento, na cidade de Itaparica, próxima à capital. Seu tataraneto Benemar França,
hoje engenheiro em São Paulo, nos informa que o endereço é rua Bângala, nº 2
(atualmente 281), no bairro de Freguesia de Sant’Ana, em Salvador, em cujo
frontispício foi colocada uma placa em sua homenagem.
Filho de negra africana livre da região da Costa da Mina, pertencente à nação nagô,
chamada Luiza Mahin. Conta a história que essa negra era magra e bonita, com dentes
muito alvos e pele reluzente. Era conhecida pelo gênio irracional e violento,
circunspecta, quitandeira, entregandose ao comércio de vendas de frutas, muito popular
em Salvador. Talvez pelos graves “problemas” étnicos e raciais de que era portadora,
nunca se converteu ao cristianismo, sendo pagã. Era revolucionária natural, sempre com
o objetivo de libertar sua raça dos grilhões da escravidão. Foi presa diversas vezes por
suspeitas de envolvimentos em movimentos de escravos.
Supostamente participou da maior rebelião negra ocorrida no Brasil no Segundo
Império, a Revolta dos Malês, em 1835.
O próprio Luiz Gama descreveu sua mãe como mulher altiva e revolucionária, da qual
certamente teria herdado o temperamento.
Arthur Ramos (1956, p. 52-53) apresenta dados sobre a liderança revolucionária da mãe
de Luiz Gama, na Bahia, bem como sua origem nobre africana: