Você está na página 1de 11

Obras resgatam habilidade do líder

abolicionista Luiz Gama


Publicidade

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Escravo liberto que conquistou respeito por sua força intelectual e pela habilidade,
como advogado, em libertar negros cativos muito antes da Lei Áurea, Luiz Gama
(1830-1882) foi o primeiro vulto abolicionista do país.

Mulato autodeclarado negro em plena escravidão, poeta satírico, líder republicano, é


intrigante que sua figura continue subestimada na galeria das personalidades históricas
do país, com reconhecimento quase restrito ao movimento negro, ao mundo jurídico e à
maçonaria, outro setor em que atuou.

No aniversário de 180 anos do nascimento de Gama, comemorados na última segunda


(21), dois lançamentos engordam a relativamente parca bibliografia a seu respeito.

Do advogado Nelson Câmara, "Luiz Gama: O Advogado dos Escravos", com prefácio
de Miguel Reale Júnior, agrega à biografia transcrições das defesas de Gama,
garimpadas no arquivo do Tribunal de Justiça de SP.

Revela como usou com astúcia as leis do Império para libertar seus clientes, que, mostra
a pesquisa, não eram apenas negros --a estes ele atendia de graça. Previsto em lei desde
1832, o habeas corpus foi usado à exaustão pelo abolicionista, de forma pioneira,
segundo o autor.

Militante do movimento negro, o sociólogo e professor Luiz Carlos Santos escreveu o


perfil biográfico "Luiz Gama", em que sintetiza a trajetória única do perfilado
ressaltando-lhe o caráter combativo na luta contra a discriminação da raça.
Traz as íntegras da carta autobiográfica que Gama escreveu a pedido do amigo Lúcio de
Mendonça e do comovente artigo em que Raul Pompéia descreve o enterro do
abolicionista, que reuniu 3.000 pessoas numa São Paulo de 40 mil habitantes.

Divulgação
Fotografia do advogado, poeta e líder abolicionista Luiz Gama tirada por volta de 1870

Referências
Ambos os autores se valem de trabalhos anteriores, como a biografia de Sud Menucci
(de 1938), o ensaio biográfico "Orfeu de Carapinha", de Elciene Azevedo, e a edição
crítica das "Primeiras Trovas Burlescas" de Gama, da professora da Unifesp Lígia
Fonseca Ferreira.

Esta última finaliza antologia de cartas e artigos de Gama, alguns inéditos, além de
preparar a tradução da sua tese de doutorado na Sorbonne sobre o personagem.

Os pesquisadores levantam hipóteses variadas sobre o desprezo a Gama no país.

Lígia Ferreira aponta a folclorização da cultura negra, o elitismo da República, as teses


pseudocientíficas da época sobre a inferioridade dos negros e até um ensaio em que
Roger Bastide desdenha da poesia de Gama.

"O Brasil é tão preconceituoso que embranquece as figuras para legitimá-las. Quando
não consegue, as subestima", interpreta Santos.

Câmara vê responsabilidade do próprio movimento negro, "que se fixou muito na figura


de Zumbi e de certa maneira ignorou Luiz Gama".

LUIZ GAMA: O ADVOGADO DOS ESCRAVOS


AUTOR: Nelson Câmara
EDITORA: Lettera.doc
QUANTO: R$ 39,90 (316 págs.)

LUIZ GAMA (COLEÇÃO RETRATOS DO BRASIL NEGRO)


AUTOR:* Luiz Carlos Santos
EDITORA:* Selo Negro/Summus
QUANTO:* R$ 21,00 (120 págs.)

ociólogo faz palestra sobre Luiz Gama, o


negro libertador de escravos
da Redação em 17/11/10

Dia 30 de novembro, terça-feira, às 20h, o sociólogo Luiz Carlos Santos, autor de “Luiz
Gama” (Selo Negro Edições), fará uma palestra sobre Luiz Gama na Ponto do Livro –
Livraria, Café & Arte.

Luiz Gama

Considerado um dos maiores abolicionistas do Brasil, Luiz Gonzaga Pinto da Gama


tornou-se o arauto da libertação dos negros e da luta contra a opressão. Advogado,
jornalista, poeta, membro da maçonaria e fundador do Partido Republicano Paulista,
Gama morreu em 1882 tendo libertado, nos tribunais, mais de 500 negros.

Sobre o livro “Luiz Gama”

Imagem: divulgação

Capa do livro "Luiz Gama".

A biografia traça o perfil de um jovem negro, autodidata, profundo conhecedor das


letras e das leis, radical na luta pela liberdade e pelos ideais republicanos, em um
império escravocrata. Incansável agitador das causas negras, Gama foi perseguido e
ameaçado de morte. Para o autor, seu espírito de superação fortaleceu a atuação
abolicionista.

Dividido em três capítulos e um anexo, o livro aborda a vida do abolicionista desde a


infância, passando pela escravidão e a luta pela liberdade, que adotou como projeto de
vida, com atuação intensa nos tribunais, na imprensa, na literatura e na política. A
biografia mostra o menino negro que nasceu livre, em Salvador, na Bahia, foi vendido
como escravo aos dez anos pelo próprio pai português e na juventude aprendeu a ler e
tomou ciência de sua condição de homem livre. “A vida de Gama sugere, sem dúvida,
um filme de enredo original e capaz de romper os paradigmas do cinema nacional da
favela trágica”, afirma o autor, para quem Gama é o pai da negritude brasileira.

Gama foi um dos maiores articuladores políticos que o Império conheceu. A biografia
aborda seus grandes feitos na luta pelo fim da escravatura, destacando sua atuação, em
São Paulo, como advogado, na libertação dos negros; suas denúncias, na imprensa, dos
acordos para a manutenção do trabalho escravo; e seus poemas ácidos, que satirizavam
e, ao mesmo tempo, expunham as mazelas do poder imperial e dos senhores de
escravos.

O autor

Luiz Carlos Santos é mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Autor de “O negro em versos – Antologia da poesia negra brasileira”, é militante do
movimento negro, fez parte da direção da Sociedade de Intercâmbio Brasil África
(Sinba) e foi coordenador do Núcleo de Consciência Negra na USP. Atualmente, é
consultor de História do Museu Afro Brasil e docente em cursos de formação de
professores, nos quais ministra palestras sobre as Leis n. 10.639 e n. 11.645, que
estabeleceram as disciplinas História da África e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena
no currículo das escolas brasileiras.

5. Luís Gama: o primeiro grande líder


negro de São Paulo
Ele nasceu em Salvador, filho de um português e da ex-escrava
Luiza Mahin, e antes de chegar a São Paulo percorreu
incríveis caminhos

Roberto Pompeu de Toledo | 27/10/2010

Monumento a Luís Gama, no Largo do Arouche: ele punha a verve a serviço da


combatividade

Cristiano Mascaro

Ele está ali no Largo do Arouche, no canto que confronta o encontro das ruas Jaguaribe,
Vitória e do Arouche. O semblante é sisudo, a barba farta, o peito aparece envolvido
num pesado jaquetão. A expressão, calcada numa foto de Militão Augusto de Azevedo,
o primeiro fotógrafo a registrar cenas e gentes de São Paulo, não corresponde ao que se
sabe dele. Era alegre e sem cerimônia. Segundo Raul Pompéia, o autor de ‘O Ateneu’,
que foi seu grande admirador, ele tinha “um modo franco e descuidoso, com pretensões
à brutalidade, e desmaiando em doçura insinuante, paternal”. O busto naquele ângulo do
Largo do Arouche é do poeta, jornalista, advogado, republicano e abolicionista Luís
Gama (1830-1882), o primeiro grande — enorme — líder negro de São Paulo.

+ 25 pessoas, parcerias e coisas que ajudaram a construir a história de São Paulo

Luís Gama nasceu em Salvador, filho de um português e da ex-escrava Luiza Mahin,


nascida na Costa da Mina, e antes de chegar a São Paulo percorreu incríveis caminhos.
Tinha 10 anos quando o pai o levou ao cais do porto e, conversa vai, conversa vem com
um conhecido que encontrou por lá, de repente o menino se deu conta do que estava
acontecendo: “Pai, o senhor me vendeu!”. Junto com outros escravos, foi embarcado no
patacho ‘Saraiva’ e despejado no Porto de Santos, de onde seguiria a pé até Campinas.
Mais tarde, em São Paulo, lavou, passou, engomou e serviu como sapateiro, mas ao
mesmo tempo aprendeu a ler, tomou gosto, estudou e enveredou pelo exercício da
advocacia, mesmo sem ser formado. Como advogado prático, ou rábula — a palavra
não é bonita, mas é isso mesmo que ele era —, obteve a primeira grande vitória
produzindo provas que o livraram da condição de escravo.

Luís Gama foi um campeão da verve a serviço da combatividade. Como poeta,


especializou-se na sátira, ou nas “trovas burlescas”, como as chamava. Numa delas,
atribuiu-se o apelido de “Orfeu de carapinha”. Noutra, jogando com a palavra “bode” no
sentido de mestiço, escreveu: “Se negro sou, ou sou bode, / Pouco importa. O que isto
pode?”. Como jornalista, tinha um lado de terrível polemista, cuja principal causa era a
luta contra a escravidão, e outro de humorista, nos semanários ‘O Polichinelo’ e ‘O
Cabrião’. Sua militância culminava na advocacia em favor dos escravos. Estampava nos
jornais anúncio que dizia: “O abaixo assinado aceita, para sustentar gratuitamente
perante os tribunais, todas as causas de liberdade que os interessados lhe quiserem
confiar. Luís Gonzaga Pinto da Gama”. Centenas, talvez milhares de causas dessa
natureza lhe chegaram às mãos, e muitas vezes ele teve êxito. Um de seus recursos era
invocar a desmoralizada lei de 1831 que teoricamente abolira o tráfico interoceânico de
escravos — a famosa “lei para inglês ver”. Se o africano fora trazido ao Brasil depois
dessa data, a escravização era ilegal.

Luís Gama formou à sua volta uma volumosa corte de admiradores. Nela se
aglutinavam os negros, os estudantes da Faculdade de Direito (entre os quais Raul
Pompéia), a elite letrada, formada por escritores e jornalistas, e mesmo alguns membros
da crescentemente poderosa elite cafeeira. Seu enterro, no dia 24 de agosto de 1882, foi
uma apoteose que mobilizou toda a provinciana São Paulo. O cortejo teve, desde a Rua
do Brás (a atual Rangel Pestana), onde Luís Gama tinha sua modesta morada, até o
Cemitério da Consolação, um acompanhamento que incluía de negros humildes a um
membro destacado da mais rica família do período, Martinico Prado. Seu túmulo ainda
está lá, no Cemitério da Consolação, identificado por uma simples lápide:
“Abolicionista Luís Gama, ✭ 21-06-1830 ✝ 24-08-1882”. No Largo do Arouche, sobre
um pedestal que diz “Por iniciativa do progresso / Homenagem dos pretos do Brazil”,
ele vela pela dignidade dos negros de São Paulo.

Tags: 2188, Veja São Paulo, 25 anos, Luís Gama


O advogado dos escravos
O poeta e jurista baiano Luiz Gama brigava nos tribunais pela causa
abolicionista. Sua trajetória exemplar é lembrada em duas
biografias
Eliane Lobato

GENEROSO
Filho de uma escrava, Gama não cobrava para obter a alforria de seus clientes

Ele tinha apenas 10 anos de idade quando o pai, arruinado por dívidas de jogo, vendeu-o
a um traficante de escravos, em 1840. Numa tacada só, perdeu a família, os direitos, a
dignidade, e poderia ter perdido o futuro se não fosse um predestinado a superar
dificuldades vida afora. Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) conseguiu aprender
a ler e a escrever aos 17 anos, com a ajuda de um amigo, e mudou radicalmente a
biografia que parecia ser seu destino: trabalhar, trabalhar e morrer anônimo, como
acontecera a tantos outros negros brasileiros. Luiz Gama, como ficou conhecido, deixou
de ser escravo em 1848, aos 18 anos. Para conseguir a mudança de status, comprovou,
com documentos, que era filho de pai livre, um fidalgo português, e mãe negra liberta.
Virou advogado, além de poeta, e trabalhou incansavelmente pela causa abolicionista.
Advogava de graça para escravos desesperados que batiam à sua porta e triunfou em
tribunais, onde devolveu a liberdade a mais de 500 pessoas. Nunca revelou o nome de
seu pai. Se por um lado poupou-o de ser excomungado pelo gesto vil de vender um
filho, por outro, preservou a si mesmo de ter de carregar o nome do traiçoeiro
progenitor. A leitura de sua história, agora recontada nos recém-lançados livros “O
Advogado dos Escravos” (Lettera.doc), de Nelson Câmara, e “Luiz Gama” (Selo
Negro), de Luiz Carlos Santos, só nos faz lamentar um descompasso: que ele tenha
morrido pouco antes da Abolição da Escravatura no Brasil, em 1888.
COMBATIVO
Biografias ressaltam o temperamento guerreiro de Gama, que foi vendido pelo pai aos 10 anos

A grande diferença entre as duas obras é que a primeira é uma alentada biografia com
ilustrações e documentos, se não inéditos, pouco conhecidos. Mas ambas falam do
mesmo homem que fez da advocacia um sacerdócio. Nascido em Salvador, na Bahia,
ele tinha herdado o temperamento guerreiro de sua mãe, que não aceitava a vida como
ela parecia que tinha que ser. Negra africana da nação nagô, Luiza Mahin era
revolucionária e participava de insurreições. Sumiu em 1837: não se sabe se foi
deportada para a África ou se foi morta. Sem opção, Luiza partira para o confronto.

RETRATO
Foto de escrava feita por Marc Ferrez. Gama conseguiu libertar 500 negros
Já o filho, optou pelo Judiciário. Em uma dessas batalhas para alforriar um escravo,
deparou-se com o argumento do dono do negro: “Por que queres ser infeliz sozinho? O
que é que te falta lá no cativeiro?” Gama arrematou sua vitoriosa petição explicando a
este senhor: “Falta-lhe o direito de ser infeliz onde, quando e como queira.” Luiz Gama,
personagem importantíssimo no rompimento dos grilhões da escravidão, morreu pobre,
em São Paulo. Seu velório fez a capital parar: três mil pessoas acompanharam seu corpo
até o Cemitério da Consolação, onde está enterrado.

Leia trecho dos livros abaixo

“O advogado dos escravos", de Nelson Câmara

CAPÍTULO I
Menino vendido como escravo

“[Eu] não possuo pergaminhos, porque a inteligência repele diplomas como Deus repele
a escravidão.” Luiz Gama

Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu na cidade de Salvador, Estado da Bahia em junho
de 1830, e segundo ele em carta a amigo, fora batizado em 1838 na Matriz do
Sacramento, na cidade de Itaparica, próxima à capital. Seu tataraneto Benemar França,
hoje engenheiro em São Paulo, nos informa que o endereço é rua Bângala, nº 2
(atualmente 281), no bairro de Freguesia de Sant’Ana, em Salvador, em cujo
frontispício foi colocada uma placa em sua homenagem.
Filho de negra africana livre da região da Costa da Mina, pertencente à nação nagô,
chamada Luiza Mahin. Conta a história que essa negra era magra e bonita, com dentes
muito alvos e pele reluzente. Era conhecida pelo gênio irracional e violento,
circunspecta, quitandeira, entregandose ao comércio de vendas de frutas, muito popular
em Salvador. Talvez pelos graves “problemas” étnicos e raciais de que era portadora,
nunca se converteu ao cristianismo, sendo pagã. Era revolucionária natural, sempre com
o objetivo de libertar sua raça dos grilhões da escravidão. Foi presa diversas vezes por
suspeitas de envolvimentos em movimentos de escravos.
Supostamente participou da maior rebelião negra ocorrida no Brasil no Segundo
Império, a Revolta dos Malês, em 1835.
O próprio Luiz Gama descreveu sua mãe como mulher altiva e revolucionária, da qual
certamente teria herdado o temperamento.
Arthur Ramos (1956, p. 52-53) apresenta dados sobre a liderança revolucionária da mãe
de Luiz Gama, na Bahia, bem como sua origem nobre africana:

“Nestes movimentos insurrecionais, especialmente no de 1835, destacaram-se algumas


figuras legítimas de líderes, entre os negros. A história guardou os nomes de Luiza
Mahin, de Belchior e Gaspar da Silva Cunha, de Luis Sanim, de Manuel Calafate e
Aprígio, de Elesbão do Carmo (Dandará), de Pacífi co (Licutan). Eram todos negros
nagôs ou haussas islamizados, que mantinham nas suas casas, também escolas e igrejas
maometanas, reuniões frequentes, onde eles falavam em nagô, difundindo os preceitos
do culto, ou articulando os movimentos de rebeldia.
Luiza Mahin, que se julga ter sido princesa na África, era mãe do poeta negro Luiz
Gama, a que nos referiremos em outro capítulo. Não há documentos precisos a seu
respeito. Sabese que seus pais eram reis no continente negro. Arrancada violentamente
do seu meio e transportada para o Brasil como escrava, Luiza Mahin foi um destacado
elemento de conspiração entre os negros oprimidos. Sua casa, na Bahia, tornou-se um
dos fortes redutos de chefes da grande revolta de 1835.
Ninguém sabe o seu fi m. Mas o seu nome permaneceu na história e na lenda como um
grande símbolo do valor da mulher negra no Brasil”. (RAMOS, 1956, p. 52-53)

“Luiz Gama”, de Luiz Carlos Santos

Introdução - Além de "bode", subversivo

“Insubmisso”, “bode” e “agente da Internacional Socialista”¹ foram alguns dos adjetivos


que Luiz Gonzaga Pinto da Gama recebeu de seus adversários, ao longo de sua vida
marcada pela luta contra a escravidão negra, em São Paulo, na segunda metade do
século XIX. Entretanto, foi como “Orfeu de carapinha”, “precursor do abolicionismo no
Brasil” e “poeta da negritude” que Luiz Gama tornou-se uma das mais importantes
personalidades da nossa história na defesa da liberdade.
A insubmissão acompanhou-o desde sempre – herança do comportamento rebelde
atribuído aos negros baianos, que não aceitavam a escravidão e resistiam com as armas
que tinham, como aconteceu em 1835, na Revolta dos Malês². “Cabra”, “bode” e
“mulato” eram as denominações pejorativas dadas aos mestiços no Brasil imperial e
escravista e, com alguma frequência, no início da República. Os mesmos insultos se
transformaram em uma das mais conhecidas poesias satíricas escritas por Gama para
ironizar aqueles que só viam na Europa as origens brasileiras.
E, na defesa dos negros africanos “criminosamente reduzidos à escravidão, Luiz Gama
foi acusado de ser agente da Internacional e organizador de uma insurreição de escravos
em um momento histórico em que a Europa se transformava. As utopias socialistas
ganhavam adeptos em todo o mundo ocidental e, na mentalidade da conservadora e
escravocrata elite paulista, o advogado que já fora escravo se tornava um subversivo.
H oje, na maior cidade do país, quem caminha pela rua Luis Gama, próximo ao Largo
do Cambuci, provavelmente não imagina quem foi o homem cujo nome aparece nas
placas. Pois é assim que a memória urbana preserva, no silêncio anônimo dos trajetos, a
história.
Passamos todos os dias diante de grandes e pequenos acontecimentos históricos sem
saber. A toponímia guarda na simplicidade das placas de ruas e avenidas histórias que o
tempo transforma em referências geográficas urbanas. São substantivos próprios que o
dia a dia se encarrega de tornar nomes comuns, desconhecidos. A memória nacional jaz
silenciosa por esquinas, avenidas, ruas, praças e largos de nossas cidades.

1. A Primeira Internacional Socialista surgiu em 1864 de uma articulação de lideranças sindicais e


ativistas socialistas. Seu objetivo era organizar e promover a libertação dos trabalhadores oprimidos em
todo o mundo.
2. Organizada por grupos negros islamizados que pretendiam tomar o poder na Bahia pela força das
armas, a Revolta dos Malês foi frustrada graças à traição de um de seus integrantes, dias antes da eclosão.
A maioria de seus organizadores foi morta, presa ou desterrada.

Você também pode gostar