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IMAGINÁRIO E DIVERSIDADE

Mundialização, cultura e diversidade*

A
RESUMO trigésima terceira Conferência Geral da Unesco,
O autor apresenta uma reflexão sobre as contribui- em Paris, adotou, no dia 20 de outubro de
ções e os limites da convenção internacional da 2005, uma convenção sobre a proteção e a
Unesco sobre a diversidade cultural. Aborda a “plu- promoção da diversidade cultural com a quase una-
ralidade dos protagonistas que surgiram na esfera nimidade dos 154 países presentes. Dois foram con-
cívica mundial”, segundo os quais “a diversidade trários: Estados Unidos e Israel. Quatro abstenções:
cultural só adquire sentido à luz de uma interroga- Austrália, Honduras, Libéria e Nicarágua. Em três
ção mais vasta sobre o modelo de sociedade”. dias, aproximadamente, o texto foi aprovado em
comissão pelos representantes dos 151 estados den-
PALAVRAS -CHAVE tre os 191 membros da Unesco. O objetivo dessa
• comunicação convenção foi o de dar força de lei à Declaração
• cultura Universal sobre a Diversidade Cultural, adotada,
• mundialização por unanimidade, após os eventos do 11 de Setem-
bro de 2001. Dando à diversidade o ranking de
ABSTRACT “patrimônio comum da humanidade”, essa declara-
The author presents a reflection on the contributions and ção se opunha aos “doentios fundamentalistas” com
the limits of the international convention of Unesco about a “perspectiva de um mundo mais aberto, mais cria-
the cultural diversity. It shows the plurality of protago- tivo e mais democrático”.1 O paradigma ético da
nists in which cultural diversity only acquires sense to “diversidade em diálogo” pegava no contrapé a tese
the light of a huge interrogation on the society model. de Samuel Huntington sobre a inelutabilidade do
“choque das culturas e das civilizações”.2
KEY WORDS Se em relação aos grandes princípios todos os
• communication estados tinham, em 2001, concordado em celebrar a
• culture pluralidade das alteridades como um instrumento
• globalization capaz de “humanizar a mundialização”, não acon-
teceu o mesmo, porém, dois anos mais tarde quan-
do da decisão tomada pela 32ª Conferência Geral da
Unesco, que dava sinal verde à discussão do texto
do anteprojeto da convenção. Entre o pequeno nú-
mero de países que se abstiveram figuraram os Es-
tados Unidos. O cenário de obstrução prosseguiu
durante as negociações do anteprojeto por causa
das cerca de 30 emendas apresentadas na tentativa
de esvaziar o conteúdo do texto. Essa discussão é
um passo simbólico, ao reconhecer a “natureza es-
pecífica das atividades, bens e serviços culturais” e
estabelecer as premissas de um direito supranacio-
nal. É, também, o resultado de um longo caminho.
Meu primeiro ponto será, pois, refletir sobre esse
percurso. Como se construiu, progressivamente, a
tese em favor do estatuto particular dos “produtos
de espírito”? Na segunda parte, irei me debruçar
sobre a convenção. Quais são suas linhas de força,
mas também os aspectos deixados em aberto?

A era pós-colonial
Dois fóruns institucionais contribuíram para forjar
os elementos de uma doutrina sobre a cultura e as
políticas culturais. O primeiro é, evidentemente, a
própria Unesco. Fundamentalmente, a partir do fim
dos anos 60 com a entrada na era pós-colonial, a era
da independência. É nessa época que a relação de
força entre os países do Norte e os do Sul afeta,
Armand Mattelart numericamente e ideologicamente, o conjunto do
Université Vincennes Saint-Denis – Paris VIII sistema das Nações Unidas. Mesmo se o peso da

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divisão geopolítica Este/Oeste continua a influenci- bremos que essa comissão pluralista tinha, entre
ar as representações dominantes de ordenamento outras personalidades, Hubert Beuve-Méry, funda-
do mundo, a ponto de provocar um curto-circuito dor do jornal “Le Monde”, e o romancista Gabriel
na relação Norte/Sul e as demandas do dito Tercei- García Márquez.
ro Mundo. A década de 1970 começou sob a proposição da
É o momento no qual se faz patente a crise de noção matricial de “direito à comunicação”. Ela ter-
uma filosofia do desenvolvimento para a qual a mina com a introdução da noção de “indústrias cul-
modernização equivalia à ocidentalização, uma ver- turais”. A primeira é defendida publicamente por
são requintada dos programas etnocêntricos de as- Jean D´Arcy, pioneiro da televisão francesa, então
similação cultural. É a falência da crença em um diretor da Divisão de Rádio e de Serviços Visuais do
progresso linear e infinito, dos paliativos sucessivos Serviço de Informação da ONU, em Nova York, em
oferecidos aos povos: a única saída para o dito sub- 1969, em um momento no qual toma forma na
desenvolvimento é percorrer, uma a uma, as etapas Unesco o debate sobre as liberdades no domínio da
pelas quais atravessaram os grandes países ditos informação. Em um artigo publicado na revista UER
desenvolvidos. De acordo com essa crença, a inova- (União Européia de Radiodifusão), ele diz que “a
ção social deve se dirigir do centro para as periferi- Declaração Universal dos Direitos do Homem que,
as. Não há lugar, pois, para as culturas locais das há 21 anos, pela primeira vez, estabelecia no seu
quais se contesta sua capacidade de invenção. Estig- Artigo 19º o direito do homem à informação, irá
matizadas como tradicionais, elas são consideradas reconhecer, um dia, um direito mais ampliado: o
pela engenharia social como um obstáculo no direito do homem à comunicação.”3
curso da modernidade segundo o padrão euro- Durante a década seguinte, balizada por numero-
estadounidense. Ao longo dos anos 70, aparece em sas reuniões de especialistas e de numerosas contro-
cena, aos poucos, um bloco de nações chamadas a vérsias, a idéia de caducidade do modelo vertical
participarem de debates, proposições, medidas e es- do fluxo deixa entrever uma representação da co-
tratégias: direito a comunicar, diversidade cultural, municação como processo dialógico e recíproco no
políticas culturais, políticas de comunicação e indus- qual o acesso e a participação se tornam fatores
triais, interdependência e diálogo das culturas. essenciais. É a recusa de uma comunicação da elite
O diagnóstico sobre o desequilíbrio das trocas em direção às massas, do centro em direção à perife-
informacionais e culturais junto a Unesco por parte ria, dos ricos em matéria de comunicação em dire-
do Movimento dos Países Não-alinhados por uma ção aos pobres. Respeito à diferença sem qualquer
Nova Ordem Mundial de Informação e de Comuni- distinção de origem nacional, étnica, de língua, de
cação (NOMIC) se articula com o pedido de uma religião é o que postulam os participantes em uma
Nova Ordem Econômica junto às outras agências primeira reunião de especialistas, organizada em
das Nações Unidas. A agenda do reequilíbrio dos 1972 pela Unesco, sobre as políticas e a planificação
fluxos constitui o pano de fundo da década. O rela- da comunicação que eles definem como “o conjunto
tório da Comissão Internacional para o Estudo dos de normas e de princípios estabelecidos para orien-
Problemas de Comunicação, nomeada em 1977 pelo tar o funcionamento dos sistemas de comunicação”.
diretor-geral da Unesco, o senegalês Mohtar M’Bow, O relatório da comissão McBride endossa a pro-
e presidida pelo irlandês Sean MacBride, prêmio blemática desse novo direito à comunicação como
Nobel da Paz, assinala um primeiro passo sobre as garantia da democratização. Direito de conhecimen-
desigualdades dos fluxos entre os países do Norte e to, direito de transmitir, direito de discutir, direito à
do Sul. Trata-se, com efeito, da primeira visão estru- vida privada. Quanto à noção de “indústrias cultu-
tural crítica sobre a ordem cultural e comunicacional rais”, ela é ratificada em 1980 como resultante de
emitida por uma instituição internacional. Também é um programa de pesquisas e de uma filosofia do
a primeira a tratar “dos problemas de comunica- desenvolvimento. Como prova, o documento redi-
ção” em sua dimensão histórica. gido pelo Secretariado da Unesco durante a reunião
A comissão legitima as demandas de uma nova de especialistas organizada em Montreal, lugar sim-
ordem mundial da informação e da comunicação. bólico, já que a comunidade francófona da Bélgica, a
Ela alfineta as lógicas de concentração do poder França, o Canadá – e o Québec em particular –
informacional e a falta de eqüidade nas transferên- foram os primeiros a introduzir, desde a segunda
cias de tecnologia. Ela formula uma série de propo- metade dos anos 70, a noção de indústrias culturais
sições sobre as políticas públicas. Aprovado pela (imprensa, livro, revistas, cinema, disco, rádio, tele-
Conferência Geral da Unesco que se reúne em Bel- visão, publicidade, etc.) na linguagem de suas polí-
grado em 1980, o relatório MacBride é publicado ticas culturais.
sob o título simbólico de “Vozes múltiplas”. Um só Um programa prioritário de pesquisas: “Entre as
mundo traduz uma tomada de consciência política. questões fundamentais que interpelam a reflexão
O importante é que, com ele, as noções de cultura e socioeconômica se encontram os fenômenos de con-
comunicação penetram no campo de batalha para o centração econômica e financeira da internacionali-
reconhecimento dos direitos sociais do homem. Lem- zação das indústrias culturais”. “Em qual ação é

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preciso se engajar para que os grupos sociais pos- ra dá um sentido às noções de diversidade cultural,
sam controlar as indústrias culturais a fim de asse- de identidade cultural e de assuntos interculturais.
gurar seu próprio desenvolvimento?”. “As análises Não de imediato, pois 20 anos irão se passar antes
econômicas deverão, entretanto, permanecer no cen- que uma nova configuração de atores tente conver-
tro de um programa de reflexão que gostaria de ser ter essa definição abstrata de cultura em um instru-
exaustivo. Elas deveriam aprofundar os problemas mento jurídico. É, de fato, sobre essa definição de
de conjunto e os aspectos setoriais das indústrias cultura que irá acontecer, em outubro de 2004, a
culturais. Também é evidente nessas análises que os negociação sobre o anteprojeto da convenção. Sim,
poderes públicos e os setores privados se apoiarão 20 anos. Pois, nesse meio tempo, haverá uma glacia-
para criar ou desenvolver as indústrias culturais ção dos debates. Em 1984–85, a retirada dos Estados
nacionais”. Uma filosofia geral de desenvolvimen- Unidos e da Grã-Bretanha da Unesco coincide, gros-
to: “Em todo o estado de coisas, o embate é a instau- so modo, com o início do processo internacional de
ração ou a restauração de um diálogo que não seria desmantelamento das regulações públicas e o avan-
mais somente entre produtores e consumidores, mas ço dos quadros jurídicos favoráveis ao desdobra-
que daria as condições de uma criação coletiva e mento do espaço de racionalidade mercantil – o que
verdadeiramente diversificada, fazendo do receptor se denominou impropriamente “desregulamenta-
um emissor e assegurando que o emissor institucio- ção” – e a marginalização de um regulamento públi-
nalizado reaprenda a se tornar receptor. O embate co em nome da defesa do interesse coletivo. O mo-
final é o desenvolvimento harmonioso dentro da delo de capitalismo mundial integrado denominado
diversidade e o respeito recíproco”. A Unesco reco- “globalização”, inspirado pela visão ultraliberal de
nhece que é “importante refletir em termos de polí- ordenamento do planeta, é teorizado e visto como
ticas culturais sobre as relações entre as indústrias uma fatalidade.
culturais propriamente ditas e as outras formas de
criação e de animação culturais de origem pública e Princípio de exceção cultural
privada”.4 A segunda fonte doutrinal que procura submeter a
A Conferência Mundial sobre Políticas Culturais cultura e a comunicação à regra do funcionamento
(Mondiacult), que ocorreu em 1982 na Cidade do do mercado se origina na experiência de certos paí-
México, coroa um processo iniciado 12 anos antes ses europeus e do Canadá. A idéia de uma “exce-
na Conferência de Veneza sobre o mesmo tema e ção” é fruto da decantação de um longo processo de
espalhado por conferências regionais tanto sobre as maturação que não é isento de ambigüidades. Des-
políticas culturais quanto as políticas de comunica- de os anos 1920, a idéia inspira a criação de serviços
ção.5 O Mondiacult sublinha o elo entre economia e públicos de radiodifusão nos países membros da
cultura, entre desenvolvimento econômico e cultu- Europa ocidental. O postulado é que os imperativos
ral e esboça o princípio de uma política cultural da preservação do pluralismo, o primado da missão
fundada no reconhecimento da diversidade. O pro- cultural e pedagógica (educar, informar, dsitrair), a
pósito dessa conferência é de, sobretudo, sugerir defesa da identidade e a soberania nacional reque-
uma definição antropológica de cultura: “O conjun- rem a formação de um espaço que escapa às lógicas
to dos traços distintivos espirituais e materiais, inte- imediatistas econômicas e financeiras do mercado.
lectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade Bem cedo, o princípio do serviço público se opõe ao
ou um grupo social e que engloba, além das artes e de “interesse público” que faz valer o modelo co-
das letras, os modos de vida, as maneiras de se mercial, aquele adotado pelos Estados Unidos. Fu-
viver junto, os sistemas de valores, as tradições e as turamente, os partidários incondicionais do setor
crenças”. Concebendo o papel da cultura de forma privado nos debates internacionais não irão hesitar
ampla global, faz ligação entre a idéia universal dos em traçar uma equivalência entre serviço público e
direitos fundamentais e os traços particulares dos autoritarismo de estado, entre regulação e censura,
modos de vida que permitem aos membros de um bem como entre nacionalismo e universalismo.
grupo estabelecer a ligação que os une aos outros. O Nos anos do entre-guerras, é, sobretudo, em tor-
segundo propósito é o conceito de política cultural e no da questão cinematográfica que toma corpo a
o de política de comunicação, duas temáticas que idéia de um estatuto de exceção, avant la lettre, para
explodiram na década de 1970, ora de modo parale- os “produtos de espírito”. O que é normal, pois o
lo, ora em sinergia através das numerosas conferên- cinema antecipa as relações de força que irão marcar
cias regionais, por continente. A reabilitação da de- a internacionalização da produção e da circulação
finição antropológica de cultura, mal-direcionada dos produtos das indústrias culturais. Em resposta
desde a fundação da Unesco, é uma ampliação em ao desafio da concorrência dos filmes holywoodia-
relação à idéia de uma concepção instrumental da nos, as primeiras políticas públicas centradas sobre
comunicação e da informação – cortada da história e a imposição de cotas de filmes importados são to-
da memória dos povos – que reagiu à elaboração madas não somente para os grandes países euro-
das estratégias de desenvolvimento pelos planifica- peus, como a Alemanha da República de Weimar, a
dores sociais dos anos 1960. Essa definição de cultu- Inglaterra, a França e também o Canadá, primeiro

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país a refletir sobre o seu mercado cinematográfico, blemas globais de trocas tratados pelo GATT. É a
mas também sobre o conjunto de seu sistema de última a ser tratada no contexto do ciclo de negocia-
comunicação em função de uma confrontação direta ções do Uruguai, aberto em 1986. É a última, igual-
com o dispositivo industrial dos Estados Unidos em mente, antes que o GATT se metamorfoseie em Or-
seu próprio território. ganização Mundial do Comércio (OMC), em 1994.
Desde o fim da Segunda Guerra mundial, o Plano O que está em jogo é não só a liberação do audio-
Marshall abrandou as políticas de cotas dos países visual, mas também do conjunto das indústrias cul-
europeus, uma condição de outorga da ajuda ameri- turais, como o livro e o disco, por exemplo. É na
cana para a reconstrução das economias devastadas queda-de-braço com os Estados Unidos que uma
pela guerra. A França é, sem dúvida, o país europeu doutrina de “exceção cultural” se formaliza. Depois
que melhor resiste. A mobilização de rua, em 1947, de negociações e compromissos entre seus mem-
de atores, cineastas, produtores e técnicos, respon- bros, a Comunidade Européia obtém êxito em fazer
dendo ao apelo da Federação Nacional do Espetá- valer a causa da exceção. O princípio das políticas
culo, obriga o governo francês, que, num primeiro nacionais e comunitárias de apoio à produção de
momento, havia capitulado conforme o que fora filmes e de programas é homologada. Pouco antes,
ditado pelo Departamento de Estado (acordos Blum- quando das negociações do Acordo de Livre-Co-
Byrnes), a dar marcha-à-ré. A proteção do filme mércio Norte-Americano (Alena), o governo cana-
francês se desdobra para uma política de ajuda de dense conseguiu dos Estados Unidos uma cláusula
produção. Essa política pública fez com que a Fran- de “exceção cultural”. Aqui, também, as políticas
ça seja o país europeu, e um dos raros no mundo, a públicas foram legitimadas.
conservar uma variedade de ofertas em suas telas. Depois de sua derrota diante da União Européia,
A continuidade dessa política se explica por uma os Estados Unidos não pararam de tentar contornar
configuração cultural específica: um imaginário e a decisão do GATT. Os megagrupos europeus não
um pensamento sobre o cinema como arte e indús- são menos hostis à exceção que seus colegas ameri-
tria e a valorização de um autor; o papel do Estado canos, já que eles querem convencer que a estratégia
dito cultural; uma organização sindical das funções de mercado responde à expressão de diversidades
do espetáculo. culturais pois alargam a oferta e a gama de produ-
Só nos anos 1980, no contexto da edificação do tos. Vê-se que em torno do léxico “diversidade” se
mercado único e em um contexto marcado pela ex- disputa uma guerra semântica cuja importância não
plosão dos canais transfronteiras por satélite e a deve ser subestimada, pois ela tem uma incidência
desestabilização do modelo nacional de serviço pú- nos argumentos de lobbies industriais em todos os
blico pelos primeiros processos de desregulamenta- lugares nos quais se discute o estatuto da diversida-
ção e de privatização em escala internacional, é que de cultural e midiática. Viu-se em 2000 quando a
a Comunidade Européia começa a debater os prin- União Européia trocou a noção de “exceção cultu-
cípios jurídicos para a construção de um espaço ral” por “diversidade cultural ”, sob o pretexto, se-
audiovisual europeu. O consenso sobre a necessida- gundo alegações dos países membros céticos sobre
de de reservar um status especial ao audiovisual a idéia de um estatuto à parte para os “produtos de
está longe de ser obtido. E não o será jamais, aliás, espírito”, que a primeira tinha por conotação uma
de forma plena, pois nem todos os membros da posição muito defensiva. O papel interpretado por
Comunidade estão de acordo com a mesma idéia de países como o Canadá ou a França nos processos
cultura e de identidade européia. Primeira fase de conduziu ao reconhecimento da exceção cultural. A
elaboração da política européia em matéria de audio- França mobilizou os países francófonos. O Canadá
visual: em 1989, o guia sobre a televisão sem frontei- promoveu uma Rede Internacional sobre a Política
ras convida os países da comunidade a reservarem Cultural (RIPC), conseguindo mobilizar cerca de 60
às produções européias (ficção e documentários) a ministros responsáveis pela cultura a discutirem de
maior parte do tempo de antena. É nesse contexto maneira informal os meios de reforçar a diversida-
que é criada a primeira fronte de resistência ao pro- de com a sociedade civil organizada. Junto com o
jeto de desregulamentação. Particularmente ativos governo do Québec, Ottawa dá, a partir de setem-
na promoção do projeto de orientação são os esta- bro de 2001, apoio financeiro a uma coalizão inter-
dos gerais da cultura. Criada na França na seqüên- nacional de organizações profissionais da cultura.
cia da privatização da primeira rede de televisão
(1987), este reagrupamento das organizações pro- Linhas de força
fissionais da cultura irá se reencontrar a cada mobi- O campo de aplicação do projeto da convenção se
lização contra as tentativas nacionais, intra ou estende à “multiplicidade de formas pelas quais as
extra européias de submeter a cultura à lei do culturas dos grupos e das sociedades encontram sua
livre-comércio. expressão”. Formas concernentes tanto às políticas
No final de 1993, a questão da arquitetura da da língua, às políticas de apoio ao artesanato e às
nova paisagem audiovisual sai do círculo puramen- artes plásticas quanto à valorização dos sistemas de
te europeu e encontra outros dossiês sobre os pro- conhecimento dos povos autóctones ou às medidas

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em favor das culturas minoritárias. Os exemplos das O resultado é este: um conjunto de regras gerais
indústrias da imagem ilustram os riscos de uniformi- que concernem os direitos e as obrigações dos esta-
zação que a globalização liberal provoca à diversida- dos. Diz o artigo 5º: “As partes reafirmam, confor-
de cultural. Assim, o Departamento de Estado e a me a Carta das Nações Unidas, os princípios do
Motion Picture Association (MPA), porta-voz dos in- direito internacional e os instrumentos universal-
teresses das majors, pressionaram governos como o mente reconhecidos em matéria de direitos do ho-
Chile, a Coréia do Sul, o Marrocos ou os antigos paí- mem, seu direito soberano de formular e implantar
ses comunistas, a fim de, no quadro de acordos bilate- suas políticas culturais e adotar as medidas para
rais, fazer com que eles renunciassem aos seus direi- proteger e promover a diversidade das expressões
tos de colocar em execução políticas cinematográficas culturais bem como reforçar a cooperação internaci-
em troca de compensações em outros setores. onal, a fim de alcançar os objetivos desta convenção”.
Gênese não quer dizer filiação direta. Entre os Pivô do edifício jurídico, o princípio de soberania,
debates euro-americanos sobre a exceção cultural que reconhece o papel do estado na adoção de polí-
no início dos anos 1990 e os que conduziram à ado- ticas culturais. Para que a convenção adquira um
ção da convenção, há uma diferença: o repatriamento caráter normativo em caso de litígio, crucial é a
da cultura em direção a um circuito internacional definição dos termos em relação aos outros instru-
que tem por competência administrativa precisa- mentos internacionais que determinam os direitos e
mente esse domínio. O debate sobre a exceção to- as obrigações dos estados. É esse o embate da reda-
mou corpo no campo institucional no qual ele se ção do artigo 20. Confirma que as relações da con-
desenrolou: o GATT, cujo campo de competência venção com os outros tratados deverão ser guiadas
são as relações comerciais. Para esse organismo, a pela idéia de “apoio mútuo, de complementaridade
cultura é apenas uma rubrica da nomenclatura dos e de não-subordinação”. O calcanhar-de-Aquiles da
“serviços”. É difícil esse fórum abrir um verdadeiro convenção é a questão das sanções em caso de infra-
debate sobre a cultura e as expressões culturais, ção, a fragilidade dos mecanismos da resolução dos
mesmo se as organizações profissionais da cultura litígios se comparada às da OMC.
reunidas nos estados-gerais da cultura, por exem- O princípio de soberania é enquadrado por um
plo, “costuraram” a ocasião para fazê-lo. Para o conjunto de outros princípios norteadores: respeito
conjunto dos negociadores internacionais, a “cultu- dos direitos do homem, igual dignidade e respeito
ra européia” e os “valores europeus” são caixas- de todas as culturas, solidariedade e cooperação
pretas, objetos politicamente não-identificados. internacionais, complementaridade dos aspectos eco-
A União Européia escolheu negociar e exprimir nômicos e culturais de desenvolvimento, desenvol-
em uníssono seu apoio à convenção, apesar das reti- vimento sustentável, acesso eqüitativo, abertura e
cências e hesitações de alguns dos seus membros, equilíbrio. A maioria desses princípios, de agora em
entre os quais a Grã-Bretanha. Para a União, as ne- diante, faz parte dos preâmbulos de todos os gran-
gociações sobre a diversidade cultural em uma or- des planos de ação das nações unidas sobre os pro-
ganização como a Unesco constituem uma novidade. blemas ditos globais. Para colocar em prática o prin-
As visões de cultura, de identidade e de heterono- cípio de acesso eqüitativo, o de solidariedade e o de
mias culturais, interpelam a visão conservadora e cooperação internacional, os artigos 14º e 19º prevê-
patrimonial dos “valores europeus” que marcou a em, entre outros, um “tratamento preferencial para
construção” do mercado único. Três sessões de reu- os países em desenvolvimento” e a criação de um
niões intergovernamentais, a última em junho de “fundo internacional para a diversidade cultural”,
2005, foram necessárias para polir o texto submeti- financiado pelas contribuições voluntárias públicas
do à Conferência. ou privadas.
Os redatores do anteprojeto tentaram a mediação Ainda seria conveniente questionar a experiência
de duas posições. Uma, majoritária, defendendo o de projetos semelhantes, como o da Cúpula Mundi-
princípio de um direito internacional que homologa al sobre a Sociedade da Informação, organizada por
o tratamento especial dos bens e serviços culturais uma outra agência das Nações Unidas, a União In-
para os “portadores de identidade, de valores e de ternacional das Telecomunicações (UIT), cuja pri-
sentidos”. Outra, sustentada por governos como os meira fase aconteceu em Genebra, em dezembro de
Estados Unidos, a Austrália ou o Japão, que se incli- 2003, e a segunda na Tunísia, em novembro de
na a ver nesse texto apenas uma expressão a mais 2005. A dificuldade foi mobilizar recursos públicos
do “protecionismo”. Entre eles, um conjunto de ar- junto aos grandes países industrializados, a fim de
gumentos disparatados, entre os quais os formulados financiar um “fundo de solidariedade digital” que
por estados exprimindo seu temor em ver esboroar- permitiria lutar contra a desigualdade de acesso ao
se a coesão nacional pela contaminação do princípio ciberespaço. Esforço das fundações filantrópicas das
de diversidade por causa de filosofias sociopolíticas transnacionais da indústria da informação a preen-
contrastadas e histórias culturais particulares. Desse cher o vazio deixado pela falta de vontade política
ponto de vista, o texto também resulta em uma por parte dos estados. A Fundação Microsoft pro-
proteção intercultural. pôs à Unesco ceder seu pessoal especializado, e não

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apenas seus computadores, para estancar a “fratura Não é por nada que em 1998 os participantes da
digital” nos países do Terceiro Mundo, prejudican- Conferência Intergovernamental sobre as Políticas
do os defensores dos softwares livres. De fato, a Culturais para o Desenvolvimento, organizada em
experiência realmente inovadora é aquela vinda da Estocolmo, deploraram a “ausência relativa de cla-
rede mundial das cidades e das autoridades locais. reza conceitual no domínio das políticas culturais”.
Uma inovação de cooperação descentralizada que Eles imputaram esse estado de coisas a uma combi-
contrasta com a frieza de vários estados. Por inicia- nação de fatores, entre os quais: imaturidade relativa
tiva das cidades de Lyon (France) e Genebra (Suíça) das políticas culturais como domínio interdiscipli-
aconteceu, na semana anterior à primeira reunião nar de estudo e de pesquisa; a frágil prioridade
da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, acordada para financiamento de pesquisa pelas ins-
em dezembro de 2003, uma primeira Cúpula das tituições encarregadas de definir e colocar em práti-
Cidades e das Autoridades Locais contra a fratura ca essas políticas; o caráter privado ou privatizado
digital. Reivindicando-se abertamente como “parte de numerosos trabalhos; a pouca ligação entre as
da sociedade civil”, os numerosos agentes se enga- universidades e os setores culturais; a falta de recur-
jaram em participar da luta contra a exclusão, ali- sos para financiar as pesquisas sistemáticas por par-
mentando os fundos de solidariedade. Essa vontade te das instituições e organizações da sociedade civil;
política foi ratificada em novembro de 2005, às vés- a exagerada focalização sobre o nacional e desigual-
peras da reunião da Cúpula Mundial da Sociedade dade na repartição internacional das capacidades
da Informação na Tunísia. O ministro da Cultura do de pesquisa. Enfim, assinalam o fato de que “certos
governo do país basco enviou ao Secretário-geral das aspectos das políticas culturais tocam pontos sensí-
Nações Unidas as proposições da segunda Cúpula veis, o que conduz à tomada de decisões muito
Mundial das Cidades e Autoridades Locais contra a políticas”. Para ilustrar, esses especialistas das polí-
fratura digital, que aconteceu na cidade de Bilbao. ticas culturais e midiáticas citam o caso dos “grupos
de pressão influentes que pesam sobre o exame dos
Zonas de sombra embates cruciais das políticas culturais – a maneira
A redação do anteprojeto da convenção seguiu um de se repartir propriedade da mídia, por exemplo”.6
percurso sinuoso após a batalha sobre conceitos. O Cerca de 20 anos depois da introdução da noção de
título da convenção passou de “diversidade cultu- indústrias culturais nas referências da instituição, a
ral” para “diversidade de conteúdos culturais e de Unesco é incitada a se engajar no reconhecimento
expressões artísticas”, depois para “diversidade de das indústrias culturais. Eis um vasto programa que
expressões culturais”. A palavra “proteção” foi ob- conviria retomar e aprofundar.
jetada por suas conotações protecionistas. Foi preci- A construção de políticas culturais é, dificilmente,
so, para legitimá-la, invocar seu uso recorrente em concebível sem o desvio para a questão das políticas
várias convenções internacionais promovidas pelas de comunicação. Pois a convenção é, fundamental-
Nações Unidas sobre a proteção de categorias dis- mente, a filosofia mesmo de ação da Unesco no que
criminadas ou vulneráveis. Em matéria de direitos diz respeito à diversidade cultural, com tendência a
da criança, por exemplo. A definição antropológica não apenas dissociar as duas problemáticas, mas
de cultura da Declaração Universal sobre a Diversi- também de ignorar a segunda. Na convenção figu-
dade Cultural de 2001, que figurou na primeira ses- ram duas alusões à “diversidade da mídia”. Uma
são das negociações intergovernamentais, inspirou no preâmbulo, que lembra que “a liberdade de pen-
numerosos compromissos que repercutiram na for- samento, de expressão e de informação, assim como
mulação de artigos estratégicos, deixando o campo a diversidade da mídia, permitem o desenvolvi-
livre para interpretações diametralmente opostas. mento das expressões cultuais no seio das socieda-
O artigo 20º, celebrado pela diplomacia francesa des”. A segunda, no artigo 6º, entre as medidas a
como uma vitória contra a visão mercantil da cultu- serem tomadas, enumera (ponto h): “Aquelas que
ra, para os britânicos, por outro lado, parece signifi- visam a promover a diversidade da mídia, incluin-
car que a convenção possa subtrair os bens e servi- do o meio de serviço público de informação”. O que
ços culturais de competência da OMC. A própria será essa “diversidade da mídia”, não se sabe ain-
definição de “políticas culturais” flerta com a tauto- da.7 Suficiente para amedrontar os Estados Unidos
logia: “As políticas e medidas culturais remetem às (em desacordo com as demandas do Movimento
políticas e àas medidas relativas à cultura, em nível dos Países Não-alinhados em favor do reequilíbrio
local, nacional, regional ou internacional, quer se- dos fluxos através de uma Nova Ordem Mundial da
jam centradas na cultura enquanto tal ou destinadas Informação e da Comunicação – NOMIC), que con-
a ter um efeito direto sobre as expressões culturais tribuem com 20% do orçamento da Unesco? Certa-
dos indivíduos, grupos ou sociedades, incluindo a mente. Compartimentação das taxas entre divisões
criação, a produção, a difusão e a distribuição das de uma grande máquina burocrática? Certamente,
atividades, dos bens e dos serviços culturais e o ainda. Mas há mais.
acesso a eles”. A instituição internacional criou sua própria len-
A febre de conceitos está longe de ser conjuntural. da sobre esse período dos anos 1970, no qual o

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Armand Mattelart • 12–19

debate sobre as políticas culturais ia ao lado do das sobre a convenção e os debates que se desenrolaram
políticas de comunicação. A reflexão socioeconômica na Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informa-
sobre as indústrias culturais situava no ranking das ção, fazendo convergir a tese pelos “direitos à co-
questões fundamentais os fenômenos de concentra- municação” às problemáticas da diversidade cultu-
ção econômica e financeira no contexto da inter- ral e midiática. Diversidade de fontes de informação,
nacionalização. E essas questões encontraram as da propriedade da mídia e dos modos de acesso a
exigências do “diálogo das culturas” e do “desen- eles, apoio do serviço publico e à mídia livre e inde-
volvimento harmonioso na diversidade o respeito pendente. Os segundos, compostos de cerca de 30
recíproco”. A visão cultural se tornou autônoma na coalizões nacionais formadas em menos de quatro
medida em que refluía a reflexão estratégica sobre anos, mostraram que se podiam conjugar funções
as políticas de comunicação enquanto conjunto de da cultura e da cidadania, sem se fechar na defesa
princípios, de disposições constitucionais, de leis, de interesses corporativos. Elaboração de diagnósti-
regramentos e instituições estatais, públicas e priva- cos, de proposições, campanhas de sensibilização,
das que compunham o quadro normativo da televi- encontros organizados sucessivamente em Montre-
são, do cinema, do rádio, da internet, da publicida- al, Seul e Paris. Quando do último organizado em
de, da produção editorial, da indústria fonográfica, Madri, em maio de 2005, participaram cerca de 170
das artes e espetáculos. Uma definição das políticas organizações oriundas de todas as regiões do mun-
de comunicação em direção das quais convergem do para debater o tema “Diversidade cultural: um
tanto as ciências políticas, a economia política da novo elemento do sistema jurídico internacional”.
comunicação e da cultura quanto os estudos cultu- A extrema variedade dos centros de interesse, de
rais, na sua versão crítica. proveniências lingüísticas e culturais dos novos e
Será vã a tentativa de encontrar algum traço de antigos sujeitos sociais e culturais, assim como suas
“acumulação intelectual” realizada pela Unesco so- formas de ação demonstram que se há uma fonte de
bre os dispositivos e as políticas de comunicação uma nova diversidade é a da pluralidade dos prota-
entre seus documentos oficiais para que possamos gonistas que surgiram na esfera cívica mundial a
ilustrar o caminho da questão da diversidade cultu- partir do final do século passado. O que eles procu-
ral nas estratégias desde sua fundação.8 O mesmo ram nos dizer é que os combates pela diversidade
mutismo se verifica em relação ao relatório MacBride cultural só adquirem sentido à luz de uma interro-
de 2005, data do aniversário de sua aprovação pela gação mais vasta sobre o modelo de sociedade: qual
Conferência Geral de Belgrado. Esse silêncio institu- é o estatuto para o conjunto dos bens públicos co-
cional contrasta com as numerosas iniciativas feitas, muns? Os bens que têm o nome de cultura, informa-
nessa ocasião, um pouco em todo o mundo, por ção, comunicação e educação, mas também a saúde,
pesquisadores que revisitam o documento funda- o meio ambiente, a água, o espectro de freqüências
dor, o reavaliam e o confrontam com as novas ques- de radiodifusão, etc., todos esses domínios que de-
tões suscitadas pelos desafios de construção de uma veriam constituir as exceções em relação à apropria-
sociedade do conhecimento para todos.9 ção privada. Todos esses bens que deveriam ser
produzidos e repartidos em condições de eqüidade
Mobilização das redes de cidadãos e de liberdade segundo os princípios constitutivos
A convenção irá se impor como referência através da própria definição de serviço público, qualquer
da qual os interventores privados e públicos deve- que seja o estatuto das empresas que asseguram
rão, de qualquer forma, compor. Aí reside sua perti- essa missão. Mas a definição desse patrimônio co-
nência. Donde a necessidade de novos sujeitos, não mum é sempre, e mais do que nunca, objeto de
apenas para colocá-la em prática, mas também para disputas nas instituições internacionais, do Banco
estender sues limites. O artigo 11º os convida: “As Mundial ao Programa das Nações Unidas para o
partes reconhecem o papel fundamental da socieda- Desenvolvimento. Lá, também, se disputa uma ba-
de civil na proteção e na promoção da diversidade talha em torno de um conceito que discute a liberali-
das expressões culturais. As partes encorajam a par- zação excessiva de todos os interstícios da vida.
ticipação ativa da sociedade civil em seus esforços Essa filosofia dos bens públicos comuns os movi-
para alcançar os objetivos desta convenção”. De fato, mentos cidadãos procuram fazer valer dentro e fora
ao longo do processo de elaboração do anteprojeto, dos circuitos internacionais nos quais se debate o
da aprovação da idéia mesmo como um instrumen- novo sentido do mundo. Ao criarem sua própria
to jurídico e em vários lugares do planeta, seus tribuna, os fóruns sociais, em todos os níveis, nos
protagonistas tomaram consciência das responsabi- lugares de reflexões e de proposições, intervêm em
lidades públicas que os incitaram a a se posicionar. múltiplas frentes, por onde quer que se decida a
É uma lição de intensa mobilização, nacional e inter- sorte de questões ditas globais. Essas frentes podem
nacionalmente falando, tanto de redes ligadas ao ser até motivadas pelo cidadão ordinário. Na reali-
movimento social como de redes dos coletivos naci- dade, e é essa a nova sistemática, eles são indissociá-
onais das organizações profissionais da cultura. veis. Eles são até convergentes. É preciso juntar os
Os primeiros criaram um elo entre os debates fios. Costurar o elo orgânico que os une no combate

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Mundialização, cultura e diversidade • 12–19

contra a privatização do mundo, reconhecendo em recherche et de la coopération internationale en


cada um deles a especificidade de seus respectivos matière de politiques culturelles ”, Conferência
embates. A tomada de consciência sobre as contro- intergoverna-mental sobre as políticas culturais
vérsias de temas mobilizadores como a diversidade para o desenvolvimento, Estocolmo, 30 março–
cultural, a propriedade intelectual, etc. esbarra, fre- 2 abril de 1998, Paris, dezembro de 1997.
qüentemente, nas questões processuais e técnicas. Original inglês.
Ora, o que ensinam as negociações sobre a con-
venção é que esses debates dizem respeito a todos 7 Ver, por exemplo, as proposições da rede
nós. Partilhar os saberes, incluindo os cidadãos no mundial CRIS (Derechos a la comunicacion en
debate sobre as grandes escolhas da sociedade, se la Sociedad de la informacion), Comentarios al
tornou um imperativo categórico da vida democrá- “ Ante-proyecto de Convencion sobre la
tica. Só sob essa condição é que a nova utopia da Proteccion de la Diversidad de los Contenidos
partilha de conhecimentos pode vir a ser a premissa culturales y las expresiones artisticas ”,
de uma sociedade pensada não apenas em termos www.crisinfo.org, 11 de novembro 2004.
de identidades múltiplas, mas à luz da igualdade
social.„FAMECOS 8 Divisão das políticas culturais, L’Unesco et la
question de la diversité culturelle, Bilan et
NOTAS stratégies, 1946–2003, Paris, Unesco, versão
revisada, 2005.
* Texto traduzido do francês por Eduardo
Portanova Barros (doutorando PUCRS/bolsista 9 Ler o dossiê da Revista Eptic on line (Economia
CNPq). politica de tecnologias de informaçao e da
comunicaçao), vol. VIII, n°VI, octobre 2005 ;
1 Koïchiro Matsuura, Diretor-geral da Unesco, “A igualmente : Institut de la comunicacio (Incom/
diversidade cultural do mundo”, prefácio da UAB) e Consell de l’Audiovisual de Catalunya,
publicação da Unesco, Declaração universal “XXV aniversario del Informe MacBride.
sobre a diversidade cultural, Paris, 2002, Série Comunicacion internacional y polticas de
Diversidade Cultural n°1, p. 3. comunicacion ”, Quaderns del Consell de
l’Audiovisual de Catalunya, Barcelone, n°21,
2 Huntington Samuel. The Clash of Civilizations janeiro–abril de 2005.
and the remaking of World Order. New York,
Simon and Schuster, 1996.

3 D’Arcy J. (1969), “ Direct Broadcast Satellites


and the Right to Communicate ”, in Right to
Communicate. Collected Papers, L. S. Harms
(ed), Honolulu, University of Hawaii Press,
1977. Ver também : Unesco, Relatório da
reunião de especialistas sobre a política e a
planificação da comunicação, Paris, 1972.

4 Comitê de especialistas sobre o lugar e o papel


das indústrias culturais no desenvolvimento
cultural das sociedades, Montreal (Canada), 9–
13 juin 1980, Documento do Secretariado da
Unesco, As indústrias culturais, Paris, Divisão
de Desenvolvimento Cultural, p. 14. Ver
também As indústrias culturais. Um embate
para o futuro da cultura, Paris, Unesco, 1982.
(Há uma versão em espanhol e em inglês).

5 Voir Mattelart A. et M. et Delcourt X., La


culture contre la démocratie ? L’audiovisuel à
l’ère transnationale, Paris, La Découverte, 1984.
(Cultura contra democracia ? O audiovisual na
época transnacional, Sao Paulo, Edidora
Brasiliense, 1987).

6 Bennett T. et Mercer C., “Amélioration de la

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