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PSICÓPIO
psicópio

REVISTA VIRTUAL DE
PSICOLOGIA HOSPITALAR
E DA SAÚDE

Editor
Susana Alamy

Ano 1 - Volume 1 - Número 1 - Janeiro a Junho-2005


Edição Semestral - Distribuição Gratuita
PSICÓPIO – REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE
Revista Semestral – Distribuição Gratuita
Ano I, Volume 1, Número 1, Janeiro a Junho-2005

Editor: Susana Alamy


Idealização e Realização; Capa , Editoração, Diagramação e Arte Final: Susana Alamy
Revisão: Glenda Rose Gonçalves-Chaves
WebMaster: Carlos Alexandre de Melo Pantaleão

Conselho Editorial:
Susana Alamy – psicoterapêuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia hospitalar e
supervisora de estágios. CRPMG 6956
Elisângela Lins – psicoterapêuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia do CESUR – Centro
de Ensino Superior de Rondonópolis. CRPMT 1281-2

Direitos Autorais
Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem ao Editor de Psicópio: Revista Virtual de Psicologia
Hospitalar e da Saúde, Susana Alamy. Copyright © Susana Alamy. Todos os direitos reservados. Esta revista
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expressa dos autores dos artigos e do editor da revista.

Para citação da revista na bibliografia:


ALAMY, Susana (Ed.). Psicópio – Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.1,
v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em:
(dia em números) (mês abreviado em letras minúsculas) (ano).

Para citação de artigos da revista na bibliografia - modelo:


(Sobrenome do autor em letras maiúsculas), (nome do autor com a 1ª. letra maiúscula e as demais
minúsculas). (Nome do artigo em letras comuns). Psicópio – Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da
Saúde, Belo Horizonte, a.1, v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponível em:
<http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em números) (mês abreviado em
letras minúsculas) (ano).

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. i
PSICÓPIO – REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE
Revista Semestral – Distribuição Gratuita
Ano I, Volume 1, Número 1, Janeiro a Junho-2005

SUMÁRIO

Editorial .............................................................................................................................................. iii

Nota Introdutória ................................................................................................................................. iv

História do Psic ópio ............................................................................................................................. v

O sujeito, o desamparo e o analista ....................................................................................................... 06


Lucinda Moreira dos Santos Mendonça (Belo Horizonte/MG)

Reflexões sobre a dor do paciente infantil oncológico’ ............................................................................ 10


Lauren Beltrão Gomes (Florianópolis/SC)

Diferenças entre o atendimento psicológico em meio hospitalar e em consultório ..................................... 14


Vanina Ribeiro (Angola/África)

A prática hospitalar – como é a atuação do psicólogo? ........................................................................... 17


Susana Alamy (Belo Horizonte/MG)

Uma experiência malograda de atendimento infantil .............................................................................. 18


Priscila Said Saleme (Belo Horizonte/MG)

Sentir na pele ....................................................................................................................................... 22


Michele Costa e Silva (São Paulo/SP)

A importância da psicologia para a humanização hospitalar .................................................................... 25


Leida Mirian Hercolano Pinheiro (Cachoeiro do Itapemirim/ES)

Psicólogo hospitalar: um espelho de reflexão ......................................................................................... 36


Andréia Santiago Sobreira Santos (Cuiabá/MT)

Estudo de caso
Acompanhamento da mãe de um paciente de dois anos de idade com diagnóstico de asma ....................... 37
Andréia Santiago Sobreira Santos (Cuiabá/MT)

Depoimento de paciente
Lugar de igualdade .............................................................................................................................. 39
Gabriela Lima (Belo Horizonte/MG)

Modelo de anamnese / protocolo


Protocolo – doenças respiratórias / anamnese infantil .............................................................................. 40
Susana Alamy (Belo Horizonte/MG)

Links – Bibliotecas virtuais .................................................................................................................. 44

Eventos ............................................................................................................................................... 45

Normas para envio de artigos ................................................................................................................ 46

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. ii
EDITORIAL

Pretendemos com este espaço ampliar o diálogo entre professores e alunos, profissionais e leigos, no âmbito
da psicologia hospitalar e da saúde.

Temos a pretensão de alcançar um número significativo de contribuições através das produções científicas e
dos relatos pessoais de pacientes e familiares, pois objetivamos que também seja um lugar de incentivo à
escrita.

Constitui-se nossa base editorial a comunicação ética e moral, hoje tão disvirtuada em sua condução, e o
respeito às opiniões, mesmo que divergentes das nossas.

Sejam bem-vindos!!!

Susana Alamy
Verão 2005

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. iii
NOTA INTRODUTÓRIA

Falar de psicologia hospitalar remete-me originariamente a pacientes e familiares e por isso não posso abster-
me de citar Tolstoi, in: Ana Karenina 1 :

“Todas as famílias felizes se parecem entre si;


as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.”

E é dentro desse contexto que se posicionarão os psicólogos hospitalares, quando essa maneira própria de
cada um lidar com o adoecimento e a internação hospitalar se interpuser à sua felicidade, sem caber ao
psicólogo julgamentos de valores e escalas de gravidade da doença. Ao paciente cabe a avaliação do seu
sofrimento e da significação da sua patologia e como os sentem merece o respeito e a solidariedade de todos.

Entendo que a psicologia hospitalar vem funcionar como um catalizador do paciente consigo mesmo, no
contexto específico do adoecimento, quando permite que o paciente e seus familiares encontrem uma
maneira satisfatória de continuar a vida, mesmo diante do enfrentamento de percalços e encausos tão
exaustivamente sofridos.

Traz sua contribuição também aos profissionais de saúde, vializando o espaço das emoções tão
condicionadamente racionalizadas, permitindo assim um atuar mais autêntico e menos estressante.

A razão de existir da Psicologia Hospitalar? Podemos responder simploria mente com Léo Buscaglia, in: A
História de Uma Folha 2 :

“- Uma razão para existir – respondeu Daniel. – Tornar as coisas mais


agradáveis para os outros é uma razão para existir.” (...)

E não me tomem tão simplista, pois é imperioso o estudo da psicopatologia, da sociologia, da antropologia e
de tantas outras ciências, para que nos situemos e tenhamos o cabedal necessário e indispensável para o
“pleno” exercício da nossa profissão, pois

“- Tudo depende da habilidade e da prudência com que se fazem as coisas...” (Tolstoi, p. 84).

O Editor

1
Tolstoi, Leão. Ana Karenina, p. 13. Obra Completa. José Aguilar, Rio de Janeiro, 1961.
2
Buscaglia, Léo. A História de Uma Folha. Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2003.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. iv
HISTÓRIA DO PSICÓPIO

Psicópio é o nome da presente revista que vem, na realidade, mais uma vez, representar, por meio de um
símbolo (e também de um significante), o que Susana Alamy buscou ao pensar no significado da psicologia
hospitalar, constituindo em um logotipo que acompanha seus trabalhos e, agora, dá nome também a esta
revista, cujo objetivo é difundir conhecimento e experiências profissionais no âmbito da psicologia hospitalar
e da saúde.

E por detrás deste símbolo está um uma história que demonstra a fusão de significantes, num almálgama
que é capaz de espelhar o símbolo e fazer ressaltar o significado. O símbolo primeiramente foi criado por
1
Susana Alamy e da inspiração de Maria Beatriz Machado Alamy surgiu o nome, proveniente da letra grega
psi ( ψ ), que representa a psicologia e do estestocópio (aparelho com o qual se faz a ausculta dos pulmões,
corações), símbolo vinculado à medicina. Essa junção conduziu a pensar justamente em psicologia,
medicina, pacientes, doença, saúde, comportamentos e sentimentos, levando pois a esta unidade que
representa a psicologia hospitalar. Afinal: psi mais (estetos)cópio:Psicópio. Instrumento do psicólogo capaz
de ascultar a alma.

Dessa maneira, é que o Psicópio, a partir do seu nascimento, já se figura como um logotipo capaz de
exprimir a grandeza desse trabalho, que vem sendo executado ao longo de anos, com a mesma dedicação e
afinco. Hoje , o mesmo torna-se nome também desta revista e, no esteio de sua trajetória, já se pode
vislumbrar um caminho aberto para debates e crescimento profissional.

Glenda Rose Gonçalves-Chaves


E-mail: glendarose@uol.com.br

1
Bacharel em Letras Clássicas, musicista e folclorista.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. v
O SUJEITO, O DESAMPARO E O ANALISTA*
Lucinda Moreira dos Santos Mendonça**

A LAGOSTA melhor, ser escutado e se escutar, é sobre algo


relacionado a sua vida antes de sua hospitalização.
Não somos diferentes de um crustáceo E de novo ele se sente desamparado, pois não há
particularmente duro. A lagosta cresce formando e quem lhe dê ouvidos, quem o repare, dando-lhe,
largando uma série de cascas duras, protetoras. Cada assim, amparo.
vez que ela se expande, de dentro para fora, a casca
confinante tem de ser mudada. A lagosta fica exposta e
A pessoa internada ou o seu acompanhante não
vulnerável até que, com o tempo, um novo revestimento
é apenas um número de leito, uma doença (um
vem substituir o antigo. CID) ou um mau prognóstico, é ser humano que
A cada passagem de um estágio de crescimento deve ser escutado e amparado, ou seja, que
humano para outro, também temos de mudar uma necessita da intervenção de um terceiro.
estrutura de proteção. Ficamos expostos e vulneráveis, O analista pode e deve colocar-se no lugar deste
mas também efervescentes e embriônicos novamente, Outro. Ele será capaz de escutar e, principalmente,
capazes de nos estendermos de modo antes ignorado. de fazer com que o sujeito se escute e consiga
Essas mudanças de pele podem durar vários anos; refletir sobre seu desamparo radical, e, a partir daí,
entretanto, se sairmos, de cada uma dessas passagens, fortalecer-se para enfrentar seus problemas e suas
entramos num período mais prolongado e mais estável,
angústias, dando-lhes reais significados.
no qual podemos esperar relativa tranqüilidade e uma
sensação de reconquista de equilíbrio. Aprendendo assim sobre si mesmo e conseguindo
Fonte: Passagens de Gail Sheehy lidar melhor com situações que podem lhe causar
Contribuição: Cecília Caram angústias.

INTRODUÇÃO O DESAMPARO RADICAL NA


CONSTITUIÇÃO DO SER HUMANO
A internação hospitalar pode levar o sujeito a
deparar-se com angústias que antes não eram O sujeito, ao nascer, necessita do amparo do
percebidas e ele se vê incapacitado de administrá- outro, ele precisa que o outro cuide dele e quando
las. Este encontro com algo que o machuca, que o isto não ocorre, não há como sobreviver. Por isso,
faz sofrer, é na verdade uma conseqüência do pode-se dizer que o indivíduo é um ser faltante. O
desamparo radical, ou seja, é algo que vem com o desamparo radical faz com que o sujeito busque
sujeito desde o seu nascimento, mas que só se dá incessantemente sua satisfação. Através desta
conta dele quando algo lhe falta. O desamparo trás busca, o sujeito conquistará pequenas satisfações
consigo vários sentimentos como os de: solidão, que o constituirá como tal.
invalidez, raiva, tristeza etc. e com isso o paciente Inic ialmente o objeto de satisfação do sujeito é
se vê necessitado do acolhimento e da ajuda do oferecido pelo Outro, que interpretará, a seu modo,
outro. os sinais que o sujeito enviar-lhe. Será através deste
É comum que estes sentimentos apareçam após terceiro que o sujeito começará a tornar-se humano,
uma reflexão sobre vivências passadas, ainda não reconhecendo suas necessidades, seus desejos e
cicatrizadas ou não re-experimentadas. E é com o suas demandas, deixando de ser objeto de
aparecimento destes que a necessidade de um satisfação do outro.
acompanhamento profissional do paciente, e,
muitas vezes também do seu acompanhante, torna- “... A incapacidade em que a criança se encontra de
se de extrema importância. satisfazer por si mesma a essas exigências orgânicas
É preciso que o paciente seja escutado, pois, requer e justifica a presença de um outro. Como se dá
normalmente, este é calado e quieto e, muitas esse cuidado da criança pelo outro? Uma primeira coisa
que se deve observar é que essas manifestações
vezes, a equipe que o atende não percebe o seu
corporais tomam imediatamente valor de signos para
sofrimento e o vê como um ótimo paciente, pois esse outro, uma vez que é ele que alivia e decide
não reclama das intervenções a submeter-se, dos compreender que a criança está em estado de
exames que tem que fazer, enfim, não interroga necessidade. Dito de outra forma, estas manifestações
sobre seu cotidiano no hospital ou até mesmo sobre corporais só fazem sentido na medida em que o outro
sua doença. Mas para que fazer estas interrogações, lhes atribui um sentido... não existe nenhuma
se, na verdade, o que ele realmente precisa falar, ou intencionalidade da criança no sentido de mobilizar o
estado de seu corpo em manifestações que teriam valor

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 6
de mensagem destinada ao outro...”. 1
O desamparo radical está presente durante toda
Esta incompletude do homem é que faz com que a vida do sujeito, mas pelo fato de este estar sempre
ele busque, sempre, objetos que possam realizar procurando objetos que o satisfaça e de contentar-se
seus desejos. Mas, sabe-se que esta realização é quando há uma pequena satisfação, faz com que o
impossível de ocorrer, pois, não há objetos reais indivíduo trabalhe bem com suas faltas. Mas,
que o satisfaça. Portanto, a primeira experiência de quando o sujeito vive alguma experiência que o
satisfação do sujeito, nunca mais será alcançada ou coloca em estado de choque, como por exemplo, a
repetida. perda de um amor ou a perda da saúde, a presença
do desamparo é sentida na forma de angústia, com
“... É graças à primeira associação produzida no a qual ele, provavelmente, não conseguirá lidar, e,
psiquismo que o reinvestimento da imagem mnésica pela mais uma vez ele se vê necessitado do auxilio do
moção pulsional torna-se possível. O reinvestimento de Outro.
uma tal imagem é um processo dinâmico, visto que, por É, exatamente, neste momento em que o
outro lado, pode antecipar a satisfação de um modo
alucinatório. Assim também, a essência do desejo deve
desamparo radical aparece, nesta forma tão visível,
ser procurada neste dinamismo. Ele tem por modelo a que a presença do analista se faz indispensável.
primeira experiência de satisfação e, para além desta
experiência, permite orientar dinamicamente o sujeito O PAPEL DO ANALISTA FRENTE AO
na busca de um objeto suscetível de proporcionar esta DESAMPARO
satisfação”.2
Como já foi visto, quando o sujeito se vê frente
Sabe-se que o objeto do desejo, ou objeto a, a alguma sit uação que o desagrade profundamente,
segundo Lacan, é eternamente faltante, sendo este necessariamente, ele precisará de um Outro que ele
suscetível de ser preenchido por qualquer outro julga ser capaz de resolver esta situação. E por isso
objeto durante a existência do sujeito. Por isso, os o analista é chamado, pois é visto como alguém que
objetos a serem alcançados variam durante toda a detém a resolução imediata para angústia vivida
vida e cada pessoa procurará um objeto diferente do neste momento.
da outra, o que prova a particularidade de cada um. Quando o sujeito chega até ao analista, ele está
Sabe-se que estes objetos não permitem a atrás de um Outro que seja completo e, por causa
satisfação plena, pois são objetos da pulsão, mas disso, que seja capaz de lhe dar todas as respostas
eles já permitem uma pequena satisfação, fazendo que procura, ou seja, que seja colocado no lugar do
com que o sujeito se contente com este pouco para sujeito suposto saber. Inicialmente o analista deve
garantir a sua sobrevivência. Não quer dizer que, ao aceitar este lugar para que ocorra a análise, pois é
se contentar com isto, o sujeito pare de procurar de extrema importância que o paciente esteja
outros objetos, pelo contrário, ele inic iará mais uma integrado com o seu tratamento e com o analista. A
busca, novamente. análise é uma construção que deve ser feita
A falta em que o homem está inserido é a grande conjuntamente pelo paciente e pelo analista. O
responsável pela inserção deste na linguagem. Esta primeiro passo desta construção, é, exatamente, a
aparecerá quando o outro já não for mais capaz de transferência.
nomear as necessidades, as demandas e os desejos
do sujeito. Mas, mesmo com a introdução da “‘No começo da psicanálise é a transferência’, nos
linguagem o sujeito não conseguirá nomear diz Lacan, e seu pivô é o sujeito suposto saber. O
precisamente seus desejos e, por causa dessa falha surgimento do sujeito sob transferência é o que dá sinal
da linguagem, o sujeito continuará sendo um ser da de entrada em análise, e esse sujeito é vinculado ao
falta. saber... A resolução de se buscar um analista está
vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no
sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se
“O surgimento do desejo fica, pois, suspenso à
desvencilhar”.4
busca, ao re-encontro da primeira experiência de gozo.
Mas já a partir da segunda experiência de satisfação, a
criança, é tomada no assujeitamento do sentido, é O analista deve ter o enorme cuidado de não
intimidada a demandar para fazer ouvir seu desejo. É, tomar para si esta posição de saber, pois ele nada
portanto, conduzida a tentar significar o que deseja”.3 sabe de seu paciente, e, ao colocar-se nesta posição,
ele não deixará espaço para a falta, pois, estará
1 respondendo às demandas do sujeito.
DOR, 1992. cap. 20, p.144.
2
DOR, 1992. cap. 20, p.141.
3 4
DOR, 1992. cap. 20, p. 146. QUINET, 1991. cap. I, p. 30

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 7
radical.
“Se o analista empresta sua pessoa para encarnar Durante a minha experiência no Hospital da
esse sujeito suposto saber, ele não deve de maneira Baleia tive a oportunidade de presenciar este
alguma identificar-se com essa posição de saber que é sofrimento em uma mãe que acompanhava seu filho
um erro, uma equivocação... Sua posição, muito mais do de dois anos e que estava com câncer generalizado.
que a posição de saber, é uma posição de ignorância, Ela estava no hospital há mais ou menos um mês, e
não a simples ignorância, mas a ignorância douta. Esse
é um termo de Nicolau di Cusa (século XV) que é
seu filho tinha um prognóstico muito sombrio.
definido como ‘um saber mais elevado e que consiste em Atendi-a algumas vezes e ela sempre se mostrou
conhecer seus limites’. A ignorância douta é um convite aberta aos atendimentos, mas, normalmente, estes
não apenas à prudência, mas também a humildade; um giravam em torno da doença e do prognóstico de
convite a se precaver contra o que seria a posição de um seu filho.
saber absoluto: contra a posição do analista de aceitar
a imputação de saber que o analisante lhe faz. O saber Atendimento feito no dia 02/09/2002
é, no entanto, pressuposto à função do analista”.5 - Estava atendendo a uma outra paciente, quando
pr. se aproximou e disse que queria muito
A demanda que o sujeito traz para a análise não conversar comigo. Disse-lhe que, assim que
deve ser pega exatamente como ele a coloca. O acabasse aquele atendimento, eu iria atendê-la.
analista tem o dever de questioná-la para descobrir - Terminei o atendimento e logo depois me
o que está por detrás dela. Inicialmente o sujeito aproximei do leito do filho de pr. e antes mesmo
quer desvencilhar-se do seu sintoma, mas, o coloca de perguntar-lhe algo ela me disse:
como algo externo a si mesmo e só com o tempo é - Ontem briguei por sua causa lá na oncologia.
que este conseguirá ver que ele é o próprio - Então lhe perguntei por quê? E ela me
causador de seu sintoma. E isto só ocorrerá quando respondeu:
o sujeito perceber que o analista não detém todo o - Estava com o meu filho lá na quimioterapia e
saber e que quem o detém é ele mesmo. tinha uma outra mãe também, então, chegou
A frustração é algo que deve estar presente na uma estagiária da psicologia oferecendo
análise, pois, será através dela que o sujeito atendimento para esta mãe e ela não aceitou e
começará a lidar com o não ao seu gozo, e assim falou que psicólogo só quer saber da vida da
passar a conviver com as faltas, suas e dos outros, gente e que por isso não presta. Então eu lhe
de uma melhor maneira. falei que não era nada disso, que eles não
Frente ao desamparo radical, o analista deve ser queriam saber da nossa vida, mas sim nos ajudar
capaz de acolher o sujeito, com toda a sua angústia a resolver os nossos problemas.
e fazer com que este consiga falar livremente sobre Antes mesmo de eu falar qualquer coisa pr. me
aquilo que o incomoda, permitindo que o sujeito perguntou:
elabore seu sofrimento, mas que, mesmo sabendo - Lu (era assim que ela me chamava) você vem
trabalhar com aquele sofrimento, ele continuará aqui para escutar só os problemas relacionados
sendo um ser da falta. ao hospital ou eu posso lhe contar outros
problemas que eu estou passando?
O DESAMPARO, O ANALISTA E O Disse-lhe que eu estava ali para escutar aquilo que
PACIENTE NO HOSPITAL... ela quisesse me falar. Então ela começou:
- Lu, estou pensando em me separar do meu
No hospital, a questão do desamparo radical marido. Ele não ajuda em nada com o nosso
está muito presente, pois é um lugar onde o sujeito filho. Não quer saber de pagar as contas lá de
se vê freqüentemente em situações que o “colocam casa e eu estou pensando em me separar dele, o
em xeque”. É um lugar em que o sofrimento é que você acha?
iminente e a angústia aparece a todo instante. A - Como é a relação de vocês?
presença do analista no hospital é de extrema - Ela é boa, mas eu não sei se gosto dele, aliás, eu
importância por causa deste caráter de sofrimento sei que eu gosto, mas não sei se eu amo. Aliás,
que o hospital por si causa. eu acho que eu...
No hospital, o sujeito se volta totalmente para si - Você acha que você...
e esta retração pode levá-lo a re-experimentar - Eu acho que eu não sei amar (alguns segundos
vivências que lhe causem um certo incômodo, pois de silêncio). Lá em casa eu não aprendi isso. Fui
o colocará frente a sua falta, frente ao desamparo abandonada pelo meu pai quando eu era muito
nova, e, por causa disso, minha mãe teve que
5
QUINET, 1991. cap. I, p. 31
ficar muito tempo ausente trabalhando para nos

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 8
sustentar, então eu não aprendi o que é amar. Eu Esta experiência foi muito rica, pois foi a minha
amo minha mãe e meus irmãos, mas eu não faço primeira oportunidade de escrever sobre a
nada para estar com eles, para conviver com psicanálise, conseguindo condensar a teoria e a
eles. Para mim tanto faz se eu os encontro ou prática no hospital.
não. E foi assim também com o meu primeiro Conheci novos conceitos e aperfeiçoei-me em
marido, eu não o amava, e não fiz nada para que outros. Consegui alia r uma entrevista com o
o nosso relacionamento desse certo. E, para falar conceito de desamparo radical, que não conhecia e
a verdade, eu não sei nem se eu deixo... tive o maior prazer em estudá-lo, pois o ser humano
- Você não sabe se você deixa... só consegue constituir-se como tal sob a presença
- Na verdade, eu acho que eu não deixo ninguém deste.
me amar, eu não sei deixar as pessoas me Através deste trabalho cheguei a conclusão que
amarem. Sabe Lu, eu tenho medo de começar a o ser humano é um ser da falta e que esta, muitas
amar alguém e depois ser abandonada de novo e vezes, não é percebida por ele, mas quando há algo
por isso eu acabo não deixando ninguém me que o coloque frente ao desamparo radical, além de
amar também, pois, assim, eu não sentirei que o sujeito sentir-se angustiado, ele não consegue
estou abandonando-as, quando deixá-las... Eu lidar com isso, e, necessariamente, precisará do
estou pensando numa coisa: eu acho que, muitas auxílio de uma outra pessoa, de preferência um
vezes, sou eu quem abandono as pessoas e não profissional da área psi.
elas que me abandonam. Nossa, como eu falei
hoje... você me fez pensar muita coisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Já que você pensou muita coisa, eu vou deixar
você pensando mais um pouco e volto aqui 1. CARAM, Cecília Andrés. Caderno de Contos.
quarta-feira. Tudo bem? Belo Horizonte: projeto convivendo com arte.
- Tudo. Eu realmente tenho muita coisa para
pensar e tomar alguma atitude. Até quarta então! 2. DOR, Joel. Introdução à leitura de Lacan. 3.ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 203p.
Após este atendimento, seu filho teve alta.
Encontrei-a um dia, no estacionamento do hospital, 3. FRANÇA, Júnia Lessa. Manual para
e disse-lhe que estaria a sua disposição para atendê- normalização de publicações técnico-ciêntificas.
la, para isso bastava me procurar. Ela não me 5.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 211p.
procurou.
Depois de um mês da alta o paciente teve que 4. FREUD, Sigmund. Publicações pré-
retornar ao hospital para tomar alguns psicanalíticas e esboços indtitos. 2.ed. Rio de
medicamentos e pr. veio acompanhando-o. Janeiro: Imago, 1987. 441p.
Aproximei-me dela e ela mostrou-se receptiva,
mas, quando perguntei como estava, ela disse-me 5. QUINET, Antônio. As 4+1 Condições da
que não era para eu ficar brava, mas não queria Análise. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
mais ser atendida. Disse que não estava preparada 125p.
para se conhecer melhor e que, se ela voltasse outra
vez, então ela me chamaria. 6. TENDLARZ, Silvia Elena. De que sofrem as
A falta na vida dessa paciente é algo constante e crianças? Rio de Janeiro: Sete Letras, 1997.
visível, o ser abandonada e o abandonar está
sempre cercando-a, assim, com a apresentação
desta entrevista tive como objetivo mostrar o _________________________________________
desamparo radical desta acompanhante frente à * Trabalho apresentado no curso “A Intervenção
situação de internação de seu filho, que fez com Psicanalítica no Hospital Geral” como requisito para a
que ela refletisse sobre si mesma e sobre esse finalização deste. Orientadora: Maria Helena Libório B.
sofrimento que carrega desde sua infância. Melo.
** Estagiária de Psicologia no Hospital da Baleia,
CONCLUSÃO Fundação Benjamim Guimarães – Belo Horizonte/MG,
2002.
Com a realização deste trabalho tive a E-mail: lumsm@superig.com.br
oportunidade de aprofundar meus conhecimentos
sobre a psicanálise e fazer uma junção desta com a
minha prática no hospital.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 9
REFLEXÕES SOBRE A DOR DO PACIENTE INFANTIL ONCOLÓGICO*
Lauren Beltrão Gomes**

Inerente à condição humana, a dor vem As dores podem ser classificadas e


acompanhando todo o existir do homem. categorizadas. A classificação mais amplamente
Tradicionalmente, foi apenas considerada em sua usada é a que utiliza a duração da dor como
dimensão sensorial sendo os aspectos psicológicos referencial. Segundo GUIMARÃES (1999), essa
estudados apenas no século XX. classificação considera a dor ao longo de um
Em 1979, a Associação Internacional para o continuum de duração e inclui dor aguda, crônica e
Estudo da Dor (IASP) propôs uma conceituação recorrente. A aguda tem duração relativamente
para dor que é usada até os dias de hoje: curta, de minutos a algumas semanas e decorre de
lesões teciduais, processos inflamatórios ou
A dor é uma experiência desagradável, sensitiva e moléstias. A dor crônica tem uma longa duração,
emocional, associada com lesão real ou potencial dos podendo estender-se por meses ou anos.
tecidos ou descrita em termos dessa lesão. (MERSKEY, Geralmente é acompanhada de alguma doença ou
apud LOBATO, 1992, p.165) está assoc iada a alguma lesão já tratada. A dor
recorrente tem características dos dois tipos citados
Mesmo que a dor esteja ancorada em uma anteriormente. É aguda, por ocorrer em episódios
experiência sensorial real, a percepção desta de curta duração, mas também é crônica, pois se
sensação e a forma de expressão da dor variam repete ao longo de muito tempo.
conforme a cultura e conforme a personalidade do Ao se pensar no que a dor expressa, SZASZ
indivíduo. Sendo assim, possui um caráter (apud LOBATO, 1992) coloca que a simbolização
subjetivo. da dor se dá em três níveis:
Os fatores emocionais podem aumentar ou
diminuir a experiência da dor. O medo, por No primeiro ela constitui um sinal registrado pelo ego
exemplo, causa uma contração, tanto física quanto de que se acha em curso uma ameaça à integridade
psíquic a, que aumenta a sensação dolorosa. O estrutural ou funcional do organismo. Num segundo
sentir-se abandonado, isolado, ou não nível, ao verificar-se que a experiência pode ser
compreendido, também são fatores que aguçam a repartida, isto é, comunicada a outra pessoa, faz da dor
dor. Quando a dor se torna intolerável, desorganiza um meio básico de pedir ajuda. Num terceiro e último
o aparelho psíquico, afetando a capacidade de plano, a dor não mais denota uma referencia ao corpo,
desejar e atividade do pensamento. mas pode, isso sim, expressar queixa, ataque, aviso de
A dor é entendida como uma sensação de causas perda iminente do objeto. Neste último nível de
simbolização, a dor pode ser ‘utilizada’ como forma de
múltiplas, o que dificulta a precisão de sua origem.
manipular os outros, ganhar o controle sobre eles, ou
Segundo GUIMARÃES (1999), a dor possui então, já um outro plano, como forma de aliviar a culpa
determinadas características que contribuem para a por alguma falta real ou imaginária cometida
sua particularidade: a localização, a qualidade, a anteriormente. (Lobato, 1992, p.166)
intensidade, a freqüência, a natureza orgânica ou
psicogênica (associada ao funcionamento ou A criança passa por experiências dolorosas
momento psicológico da pessoa), etiologia e desde o nascimento. Suas vivências, bem como a
duração. Não existem medidas objetivas para observação de pessoas em seu cotidiano, fazem
mensurar a dor, que nos afirmem que uma dor deva com que ela aprenda a julgar a intensidade da
doer mais do que a outra e não há relação direta sensação dolorosa. Assim, a percepção da dor pela
entre o tamanho da lesão e a intensidade da dor. criança envolve aprendizagem e discriminação e
A função da dor no organismo é a de alertá-lo depende do seu nível de desenvolvimento. Além
sobre algo que está sendo danoso a ele. Assim, a disso, o estado emocional da criança constitui-se
dor cumpre a função protetora sendo essencial para um relevante influenciador quanto à percepção da
a sobrevivência. Sem ela, o ser humano não tomaria dor (GUIMARÃES, 1999).
conhecimento dos processos patológicos aos quais MCGRAFTH (apud GUIMARÃES, 1999)
o organismo está suscetível. No entanto, algumas relata que o recém nascido chora e movimenta-se
dores são persistentes, tornando-se crônicas. Assim, bastante ao sentir dor. Aos dez meses, a criança,
a dor torna-se a própria patologia, um problema a além de movimentar-se intensamente, passa a tocar
resolver. no local dolorido e procura o acolhimento materno.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 10
De dois a seis anos, as crianças definem a dor em ansiedade e a lidar com a dor. Este processo
termos perceptivos, pois já percebem o mundo de acontece freqüentemente com crianças portadoras
forma concreta, embora dificilmente relacione a dor de doenças crônicas como é o caso do câncer, que
com sua possível enfermidade. Com quatro anos, precisam submeter-se sistematicamente a
busca fugir e evitar situações dolorosas e já possui a procedimentos terapêuticos invasivos e dolorosos.
capacidade de verbalizar a rejeição pelas mesmas. Segundo GUIMARÃES (1999),
É na faixa etária dos sete aos nove que a
necessidade de alguns procedimentos dolorosos ...uma sessão de coleta de sangue para exames, por
começa a ser compreendida, quando o conceito de exemplo, provoca dor aguda de curta duração e tem
dor pode ser entendido conforme seu estado pouca probabilidade de se tornar um evento estressor.
emocional. O entendimento relacionado aos Mas este mesmo procedimento repetido diariamente ou
mecanismos fisiológicos da dor e da patologia só mais de uma vez ao dia, sem treino especial, pode se
tornar muito traumático e estressante para a criança.
inic ia-se na adolescência.
(p.252).
Alguns autores propõem a inclusão da dor do
câncer como uma categoria diferente na Segundo MCGRAFTH (apud GUIMARÃES,
classificação das dores com vista às especificidades 1999), durante procedimentos médicos
desta doença. Dentre as dores advindas da desagradáveis como a aspirações de medula óssea,
neoplasia encontram-se a dor da punção lombar, da o receio do que está ocorrendo, gerado pelo fato de
punção venosa, do mielograma, do desconforto não se ter controle algum sobre a situação, pode
durante e depois da quimioterapia, de ficar sem exacerbar a percepção da dor. Utilizando os
cabelos ou longe de casa e da família. LORDELLO recursos lúdicos, a preparação psicológica para
(1999) fala da origem da dor no câncer: essas ocasiões procura desmistificar as fantasias
?Dor associada ao tumor, provocada por dos pacientes acerca dos procedimentos,
compressão nervosa, infiltração ou metástase; garantindo-lhes, além de conforto e segurança, um
?Dor decorrente dos procedimentos terapêuticos certo controle da situação que os possibilita
antineoplásicos, como quimioterapia ou assumirem uma postura mais ativa frente à dor
radioterapia e dor pós-cirurgia; lidando com ela de forma menos traumática.
?Dores não relacionadas ao câncer ou à terapia A utilização adequada da orientação
anticâncer, mas coincidentes com a patologia, como antecipatória tem como efeitos principais reduzir a
dor de cabeça ou ferimentos. insegurança e a ansiedade derivadas do medo do
Sobre as especificidades do câncer infantil, desconhecido e facilitar a ativação de mecanismos
TORRES (1999) comenta: adaptativos da personalidade. Compreender a
criança para obter sua colaboração nos
O câncer pediátrico requer um tratamento prolongado procedimentos é fundamental. Para tanto, é preciso
no tempo, que exige a utilização de procedimentos que se mostre à criança, utilizando uma linguagem
médicos altamente aversivos, os quais, em muitos casos, que seja entendida por ela, o que vai de fato
provocam sensações dolorosas mais perturbadoras do
que a própria doença. Portanto, ao se falar de dor em
acontecer respeitando-a e entendendo seus
oncologia pediátrica, é necessário distinguir entre a dor sentimentos.
ocasionada pela enfermidade - originária da invasão do Portanto, faz-se importante que em todo
tumor - e aquela gerada pelo diagnóstico e tratamento - processo de tratamento, a Psicologia possa atuar no
dor pós-cirúrgica, dor posterior à radioterapia, etc. sentido de acolher os sentimentos da criança que
(p.132). sente dor, respeitando-a em sua fase de
desenvolvimento. Visto isso, percebe-se a
Ao que se refere a dor advinda da doença, sabe- relevância em se preparar o paciente infantil diante
se que a invasão direta da medula óssea pelo tumor, dos procedimentos dolorosos aos quais será
por depósitos metastáticos ou por células submetido.
leucêmicas é a causa mais comum de dor em
crianças com câncer. Da mesma forma, alguns A familiaridade com a situação potencialmente dolorosa
tumores podem ser inicialmente indolores, pela compreensão do procedimento, previsão dos
passando a doer com a progressão da doença. acontecimentos e relativo controle da situação são
É importante ressaltar, todavia, que, diante da facilitadores que reduzem a ansiedade com que a
dor e de eventos estressantes, é bastante comum a criança antecipa a experiência e minimiza sua
regressão a níveis de desenvolvimento anteriores, percepção de dor. (GUIMARÃES, 1999, p.256).
fazendo com que a criança utilize mecanismos de
defesa que possam auxiliá -la a controlar a

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 11
É importante que os familiares estejam dos fatores e/ou dos efeitos desencadeantes da
suficientemente preparados para enfrentar a dor do reação de forma a conduzí-la para o ideal adulto,
filho. Os sentimentos demonstrados por eles em principalmente o masculino: o de uma pessoa capaz
relação à doença e ao tratamento são sentidos pela de controlar os afetos e as manifestações dolorosas.
criança e exercerão grande influência na maneira Pode-se exemplificar esta conduta por afirmações
como ela vai lidar com a realidade da sua doença. tão corriqueiras do adulto frente às reclamações da
Segundo BERGMANN e ANNA FREUD criança como “não vai doer nada” ou “você já é um
(1978), havia uma crença de que não se devia falar homenzinho, não pode ter medo”.
às crianças dos procedimentos dolorosos ou Tais dificuldades em lidar com as manifestações
cirúrgicos a que seriam submetidas, pois isto iria infantis da dor são sentidas pelos profissionais da
excitar suas expectativas receosas, assim como área da saúde em geral. O cotidiano de tais
também não falar depois de acontecido para que a profissionais é permeado pela preocupação com
criança esquecesse mais facilmente. possíveis danos orgânicos secundários à sedação e
Entretanto, hoje se sabe que este tipo de atitude analgesia e pela concepção de que as crianças não
pode ser profundamente prejudicial e traumático percebem nem registram os estímulos dolorosos na
para o desenvolvimento da criança, pois esta não mesma intensidade que os adultos.
tem ainda bem estabelecidos os limites entre A experiência da dor, além de possuir caráter
realidade/fantasia e os seus medos arcaicos e suas único, complexo e subjetivo é sempre expressa,
ansiedades primitivas juntam-se com os perigos comunicada. As dificuldades do adulto de
reais e ocultam os verdadeiros fatos, onde os interpretar sinais infantis são ampliadas se a
procedimentos são vistos como ataques, castigos e fluência verbal da criança for muito pequena. O
ameaça de castração. profissional de saúde se vê obrigado a deduzir a
É natural e até mesmo esperado a vivência presença, a duração e a intensidade da dor na
conflituosa desta situação vivida pela criança. Mas criança sendo pertinente aqui nos referirmos ao
tal conflito pode ser amenizado por informações perigo da dessensibilização desses profissionais
dadas dentro de um ambiente que permita o diante do sofrimento do paciente.
continente de todas as ansiedades e medos Entendendo dessa forma, a dor passa a ser
decorrentes da dor/tratamento. A criança sente-se assunto para diversos profissionais. Portanto, o
reconfortada, segura, menos confusa e mais atendimento a pacientes que sentem dor deve ser
saudável enquanto vivência do seu feito por uma equipe multiprofissional. Da mesma
desenvolvimento emocional e cognitivo quando lhe forma, inúmeras técnicas vêm sendo desenvolvidas
é fornecido um quadro de realidade dos para minimizar a dor, incluindo aqui não apenas
acontecimentos que vive, tão honesto e completo recursos analgésicos. Assim,
conforme ela possa compreender. Suas fantasias,
ansiedades e medos não são negados, mas sim ...há dores de origem psicológica para as quais os
acolhidos e aproximados da realidade. medicamentos não surtem efeito; a dor pode tornar-se
REDD (apud LORDELLO, 1999) coloca que, refratária a medicação, ou o organismo pode
atualmente, o tratamento da dor do câncer tem sido desenvolver tolerância e requerer doses gradualmente
feito segundo uma abordagem biopsicossocial, maiores e mais fortes de analgésicos agressivos como
morfina ou codeína; o organismo pode apresentar
onde os programas desenvolvidos nos hospitais
reações clínicas adversas decorrentes de efeitos
sugerem intervenções multifacetadas para o secundários da droga; ou a medicação pode ser ineficaz
controle e manejo da dor. A Organização Mundial para aliviar certos tipos de dor como ‘dor fantasma’ em
de Saúde tem estabelecido, como prioridade no membros amputados. (GUIMARÃES, 1999, P.28).
atendimento a pacientes oncológicos, o alívio da
dor. Os pacientes oncológicos devem ser tratados Entretanto, cabe lembrar que grande parte dos
com fármacos analgésicos e orientação psicológica profissionais da saúde não está preparada para lidar
para o manejo adequado da dor, objetivando com a dor de seus pacientes. Dessa forma, ocorrem
capacitar a criança e a família para entender o que avaliações inadequadas dos quadros de dor e de
está acontecendo e minimizar a dor. suas conseqüências. Pode-se subestimar o
A criança costuma ser vista pelo adulto com um sofrimento das crianças, acreditar que a dor é
ser frágil, que desperta comportamentos protetores necessária para elucidar alguns diagnósticos ou
e agressivos. Tentado fugir das próprias emoções, o submedicar o paciente infantil com analgésicos,
adulto busca meios de diminuir ou de manter sob temendo viciá -lo. É assim que, inúmeras vezes, não
controle as manifestações emocionais intensas das há um controle satisfatório da dor.
crianças, por meio da minimização ou da negação

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGMANN, T.; FREUD, A. A criança, a doença


e o hospital. Lisboa – Portugal: Moraes, 1978.

GUIMARÃES, S. S. Introdução ao Estudo da Dor.


In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um
estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999.

LOBATO, O. O problema da dor. In: MELLO


FILHO, J. Psicossomática hoje. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1992.

LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Saúde e a


Percepção do Câncer Infantil. In: CARVALHO, M.
M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo
multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999.

TORRES, W. da C. A Criança diante da Morte:


desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Saúde e a


Percepção do Câncer Infantil. In: CARVALHO, M.
M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo
multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999.

_________________________________________
* Parte do trabalho de conclusão de curso (estágio em
psicologia clínica). Orientadora: Jadete Rodrigues
Gonçalves
** Psicóloga. CRPSC 04747
E-mail: laurenbeltrao@yahoo.com.br

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 13
DIFERENÇAS ENTRE O ATENDIMENTO PSICOLÓGICO
EM MEIO HOSPITALAR E EM CONSULTÓRIO*
Vanina Ribeiro**

Nas duas situações, em meio hospitalar e em os medos, as dúvidas que daí emergem, bem como
consultório, o psicólogo tem como objectivo dar assistência aos familiares do paciente, que
escutar os sentimentos, as emoções, isto é, o estado participam do seu adoecer e do seu
interior do sujeito que está diante de si e que desta restabelecimento. Uma vez que, as reacções
forma busca alívio para o seu sofrimento. O que as psicológicas podem interferir directamente na
caracteriza, portanto, não é o seu objectivo, mas o recuperação do sujeito.
objecto, ou seja, aquilo que as leva a actuar. Isto, Em consultório, atendemos à compreensão dos
partin do do reducionismo de que, em consultório conflitos (com o mundo, com os outros, consigo
não são abordadas, pelo menos, com frequência, as próprio) de cada sujeito, que de acordo com a
questões relativas ao processo de adoecer. escola psicanalítica resultam de traumas ocorridos
Desta forma, “a psicologia hospitalar intervém ao longo do seu desenvolvimento. Não temos, deste
na forma do paciente conceber e vivenciar os modo, presentes, questões orgânicas e uma ameaça
problemas gerados pela patolo gia orgânica, pela clara à continuidade da existência, tal como
hospitalização, pelos tratamentos e pela acontece na psicologia hospitalar.
reabilitação.” (Alamy, p.15)
Poderemos, então, concluir que o que as SEGUNDO EIXO
diferencia é a forma como actuam, uma vez que
agem em contextos diferenciados. Faremos referência às diferenças existentes ao
Assim, relativamente, as diferenças na actuação nível do setting, entre as duas situações de
do psicólogo num contexto hospitalar e num atendimento psicológico.
contexto de consultório basear-nos-emos em três Em consultório, temos um espaço físico
eixos, por nós definidos: o do sujeito, o do setting e constituído por uma sala estruturada de modo
o da iminência da morte. singular e neutro onde decorrerão as sessões entre o
sujeito e o psicólogo. Há dias, horários, bem como
PRIMEIRO EIXO um tempo de duração definidos, para as sessões.
Não se prevendo, desta maneira, quaisquer
Neste eixo, abordaremos aqueles que nos interrupções. O tempo durante o qual durará o
parecem ser os principais aspectos que caracterizam tratamento está dependente das situações em si,
os sujeitos e, desta forma, os assuntos abordados sendo definido pela resolução da problemática. E,
nos diferentes contextos. outro aspecto a realçar é o facto de ser o sujeito a ir
No meio hospitalar estamos diante de um ao encontro do psicólogo. É ele que, de alguma
indivíduo que se encontra despojado do seu meio forma, reconhece a sua necessidade e procura
familiar, que tem que se adaptar a uma nova rotina ajuda.
diária que lhe é imposta (horário de refeições, de No hospital, o sujeito é encaminhado pelo
estar com os familiares...); que passa, muitas vezes, médico e/ou é o psicólogo que se dirige às
a ser um número de cama ou um indivíduo com tal enfermarias e aborda os pacientes detectando, deste
órgão comprometido; e, ao qual não é dada modo, aqueles que precisam de apoio psicológico.
alternativa face as intervenções a que é sujeito (até Assim, na grande maioria das vezes, o atendimento
porque estas são, supostamente, para o seu bem). ocorre na enfermaria (por falta de um espaço mais
Estamos, deste modo, perante um sujeito que para privado), onde estão outros doentes (que com
além de ter que lidar com as alterações físicas da frequência se mostram curiosos), e onde as
doença, também, tem que lidar com as que resultam interrupções, pelos mais variados motivos, como
da inserção num meio diferente e, em que a sua por exemplo, por parte do pessoal de enfermagem,
identidade pessoal parece ser anulada, ignorando-se dos médicos e até dos familiares, são frequentes.
os seus direitos e as suas necessidades. “Outra particularidade decorrente da internação
Assim, o internamento provoca uma ruptura na em enfermaria é que sempre há a presença de
trajectória do indivíduo (impede-o de trabalhar, de enfermeiros, auxiliares de enfermagem, faxineiras,
se divertir, tira-o do convívio familiar e dos amigos, visitas, médicos, fisioterapêutas e outros; sendo
isola-o) e, cabe ao psicólogo trabalhar as fantasias, que alguns são discretos e não interferem no

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 14
atendimento. No entanto, existe uma curiosidade a vista como um tabu, como algo que nem deve ser
respeito do que o psicólogo faz e, muitas vezes, comentado” (Campos, p.64). Para além disso,
podemos perceber que funcionários, ou mesmo também existe em nós o sentimentos de que ela só
visitas, ficam rondando o leito do paciente que está existe para os outros e nas outras famílias, sendo
sendo atendido, gerando constrangimento e nós e a nossa família salvaguardados dessa
fazendo-o se calar. Neste caso o que podemos fazer realidade. Só com a morte do meu pai é que a
é pedir que se retirem ou esperar que terminem o morte passou a ser real para mim e tomei clara
trabalho que não pode ser deixado para depois ou consciência da minha finitude e daqueles que amo.
que estão executando à nossa volta ” (Alamy, p.62). “Na morte, o que nos assusta, não é simplesmente
Não devemos esquecer a própria condição física a perda, mas a irreversibilidade de tal perda”
do sujeito, por exemplo, pode estar com dores, (Alamy, p.153).
sonolento devido à medicação, entubado, nas “No nosso inconsciente, a morte nunca é
crianças, o soro pode estar colocado na mão direita possível quando de trata de nós mesmo. É
e, sendo elas destras, não conseguem fazer inconcebível para o inconsciente imaginar um fim
desenhos, etc. São todos estes aspectos que vão real para a nossa vida na terra e, se a vida tiver um
ditar os dias, os horários e o tempo de duração de fim, este será sempre atribuído a uma intervenção
cada atendimento. maligna fora do nosso alcance. Portanto, a morte
O processo de tratamento está, ainda, em si está ligada a um acontecimento medonho, a
condicionado ao tempo de internamento. O que algo que em si clama por recompensa ou castigo”
levanta em nós outro cuidado, o de fechar o assunto (Kübler-Ross, p.6).
na respectiva sessão não deixando emergir angústia Desta forma, acabamos, todos, por sentir
a ser trabalhada no próximo encontro. Ou seja, ao necessidade de fugir a essa situação; até que, sem
contrário do que acontece em consultório, aqui escolha, tenhamos que encará-la. Kübler-Ross
procuramos resolver na sessão o aspecto que está a (2002), considera que “deveríamos criar o hábito
ser abordado, pois não há certeza quanto ao tempo de pensar na morte e no morrer, de vez em quando,
que teremos para “trabalhar” com o paciente as antes que tenhamos de nos defrontar com eles na
suas questões e, na maioria das vezes, não sabemos vida.” (p.33) Pois, só encarando a morte com
se o encontraremos no dia do nosso retorno serenidade é que poderemos ajudar os nossos
(Alamy, 2003). pacientes e os seus familiares a lidarem com esse
Também, em meio hospitalar, a nossa facto. (Kübler-Ross, 2002)
abordagem deverá ser mais diversificada, pois “Aqueles que tiverem a força e o amor para
deparamo-nos com doentes diversificados, quanto ficar ao lado de um paciente moribundo, com o
às limitações que lhes são impostas pela doença. E, silêncio que vai além das palavra, saberão que tal
é importante fazermo-nos valer dos mais variados momento não é assustador nem doloroso, mas um
métodos (por exemplo, cartões com figuras), para cessar em paz do funcionamento do corpo”
comunicarmos com pacientes que estão (Kübler-Ross, p.282). Trata -se de um momento em
impossibilitados de fazê-lo verbalmente. O que a nossa presença física, emocional e espiritual
conhecimento de técnicas de relaxamento, também valem só por si (Kübler-Ross, 2002).
ocupa um lugar particular, pois é, mais uma forma
de ajudar-mos a minimizar o sofrimento do CONCLUSÃO
paciente.
“O psicólogo tem uma atuação dentro do
TERCEIRO EIXO hospital, como um profissional da saúde,
envolvendo o indivíduo e as áreas social e da saúde
Neste último eixo, abordaremos a diferença nos pública, buscando sempre o bem estar individual e
atendimentos, quanto à presença da morte. social, utilizando também informações das áreas de
Em consultório, a questão da morte não é tão Medicina, Enfermagem, Serviço Social, Nutrição e
iminente como o é em contexto hospitalar. “Toda a outras áreas afins” (Campos, p.14). Criando, deste
doença é uma ameaça à vida e, com isso, é um modo, “condições para que o paciente consiga
aceno para a morte, ou até um primeiro ou um reflectir sobre o significado do seu adoecer”
último passo em direcção à morte” (Boss apud (Campos, p.60).
Campos, 1995, p.42). Sendo a morte “a mais certa Como elemento integrante de uma equipa
de todas possibilidades do ser humano” (Boss apud multidisciplinar, deve “intervir nas situações
Campos, 1995, p.42). “Nascemos com a certeza de relacionadas à complexidade dos fatores psíquicos
que vamos morrer um dia, mas a morte é temida e que emergem durante o processo de tratamento da

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 15
doença e da internação hospitalar” (Alamy, p.19). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Dando oportunidade para que o paciente expresse
as suas emoções, quer através da palavra, da Alamy, S. (2003). Ensaios de Psicologia: a ausculta
dramatização, do desenho ou da mímica (Alamy, da alma. Ed. Autor: Belo Horizonte.
2003). Assim, torna-se indispensável “ouvir o
apelo e sentir a angústia, para então poder Campos, T. C. P. (1995). Psicologia Hospitalar: a
responder com a ação adequada.” (Campos, p.61). actuação do psicólogo em hospitais. EPU: São
E, deste modo, contribuir “efectivamente no Paulo.
processo de sua plena reintegração física,
psicológica e socia .” (Campos, p.61). Kübler-Ross, E. (2002). Sobre a Morte e o Morrer:
Portanto, no meio hospitalar, o psicólogo, acaba o que os doentes terminais têm para ensinar a
por ter um papel muito mais activo, que vai, muitas médicos, enfermeiros, religiosos e aos seus próprios
vezes, além do apoio psicológico que é prestado em parentes. Martins Fontes: São Paulo.
consultór io. Somos, muitas vezes um dos poucos
que de entre o corpo clínico, olha para o sujeito
como um todo, como uma “pessoa” e não como _________________________________________
uma “doença”, que fazemos companhia e, que * Este texto, resulta de um processo de reflexão, acerca
estamos humana e “espiritualmente” presentes. das diferenças que envolvem o atendimento psicológico
Pois, há momentos em que não só as palavras são em meio hospitalar e em consultório, por mim exercidos.
importantes, mas sim a presença real e ** Psicóloga Clínica – Angola/África - Formada em
participativa. A exemplo relatarei uma experiência Portugal/Lisboa, pelo Instituto Superior de Psicologia
com um paciente em fase terminal de sua doença, Aplicada (ISPA). Professora de Psicologia no Instituto
que estando dispenéico e com o corpo de Superior Privado de Angola.
enfermagem à sua volta, estendia a mão, E-mail: vaninaribeiro@portugaulmail.pt
procurando quem o confortasse naquele momento
angustiante : - Dei-lhe a minha mão e assim
ermanecemos por longo tempo. Muitas vezes me
perguntou se já estava de saída. Só me retirei
quando chegaram as filhas, que foram chamadas a
seu pedido. Mais tarde regressei à enfermaria e
verifiquei que o Sr. tinha recuperado da crise e se
encontrava mais tranquilo. Também, foi dada
assistência psicológica às filhas.
Desta forma, o psicólogo, contribui em grande
medida para o processo de humanização do hospital
e da saúde, permitindo que se veja o paciente como
um todo, como uma unidade integrada, nos seus
aspectos físic o, psíquico e sócio-económico. Torna-
se, assim, indispensável a “familiarização com os
fundamentos da sociologia e da antropologia
cultural, do uso e significado de estatísticas
médicas e da investigação científica de problemas
médicos. Deve entender o significado dos
princípios e técnicas de administração aplicados à
saúde, ao bem estar da comunidade, havendo
necessidade de conhecer a patologia, inclusive”
(Campos p.65).
Portanto, o psicólogo, atuando no hospital,
busca a promoção, a prevenção, a recuperação do
bem-estar do paciente, no seu todo, o que implica
que os aspectos físicos e sociais são considerados
em interação contínua na composição do psiquismo
desse mesmo paciente (Campos, p.83).

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 16
A PRÁTICA HOSPITALAR – COMO É A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO?*
Susana Alamy**

Para falarmos da atuação do psicólogo hospitalização, compreendendo a natureza do


hospitalar é necessário conhecermos alguns sujeito doente, seus desejos, esperanças, medos,
conceitos de psicologia hospitalar. Então podemos aptidões, dificuldades e limitações, seja através da
conceituá-la como “o ramo da psicologia destinado observação ou da linguagem verbal e não-verbal.
ao atendimento de pacientes portadores de alguma A prática hospitalar impõe-nos alguns cuidados
alteração orgânica/física, que seja responsável pelo que são fundamentais para um bom atendimento,
desequilíbrio em uma das instâncias bio-psico- sendo importante que não confundamos a
social” (Alamy, 1991) 1 , bem como “uma psicologia psicologia hospitalar com a psicologia clínica;
dirigida a pacientes internados em hospitais gerais, portanto, não podemos fazer clínica dentro do
sem deixar de se estender aos ambulatórios e hospital. Na psicologia hospitalar estaremos
consultórios, com sua atenção voltada para as lidando com o tempo de internação do paciente,
questões emergenciais advindas da doença e/ou bem como com sua patologia orgânica e seus
hospitalização, do processo do adoecer e do efeitos iatrogênicos, com questões de ordem
sofrimento causado por estas, visando o minimizar prática, como dificuldades do paciente e da família
da dor emocional do paciente e da sua família” em relação ao sustento da casa, ausência do
(Alamy, 1998) 2 . trabalho e outros, fatores que não poderão ser
Temos, então, a atuação do psicólogo no desconsiderados na prática hospitalar.
hospital considerando o ambiente psicológico, onde A atuação do psic ólogo hospitalar objetiva dar
o mesmo deve observar os doentes, seus familiares, oportunidade para que o doente expresse suas
a atuação das pessoas naquele lugar, informando-se emoções, descubra a melhor maneira de lidar com
do diagnóstico médico, do prognóstico e as limitações impostas pela doença/hospitalização,
propedêutica, grau de risco de vida, previsão do dê significado à sua doença dentro do seu contexto
tempo de internação e cuidados especiais de vida e trabalhe suas questões emergenciais, onde
requeridos naquele caso, para, então, planejar seu os objetivos principais são o reconhecimento do
atendimento psicológico e suas técnicas auxiliares, paciente enquanto um todo provido de emoções e
pois, na maioria das vezes, não será o paciente a sentimentos que interferem em seu comportamento,
chegar no psicólogo, mas o inverso. Para ajudando-o a tratar/minimizar, o sofrimento
exemplificar podemos imaginar o atendimento de provocado pela doença e/ou hospitalização.
um paciente com insuficiência renal crônica e
compará-lo com o atendimento de um paciente
oncológico. Seria possível atendê-los da mesma _________________________________________
maneira? Claro que não, pois são patologias * Resumo da aula ministrada no I Encontro de
diferentes, com estigmas diferentes e conseqüências Psicologia da UFSJ (Universidade Federal de São João
diferentes na vida do paciente. Cada patologia leva Del Rei), 28/11/2003.
a uma repercussão única em cada paciente e em ** Psicoterapeuta, psicóloga habilitada em psicologia
clínica, especialista em psicologia hospitalar, professora
cada família considerando suas peculiaridades
de psicologia hospitalar e supervisora de estágios, autora
anteriormente existentes.
do livro “Ensaios de Psicologia Hospitalar” (2003).
A atuação do psicólogo hospitalar inclui, além CRPMG 6956.
dos seus atendimentos dos pacientes, a burocracia Home page:
da feitura dos relatórios dos atendimentos, uma vez http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar
que somente a partir dos mesmos é possível que se E-mail da autora: susanaalamy@uol.com.br
obtenha um feed-back do seu trabalho. Os relatórios
devem obedecer à ética, sendo absolutamente
sigilosos, técnicos e diferentes do que se poderia
escrever em um prontuário médico.
Sua atuação é dirigida para os problemas
psicoafetivos oriundos da doença e/ou da

1
ALAMY, Susana. Ensaios de Psicologia Hospitalar - a
ausculta da alma. Belo Horizonte: [s.n.], 2003. p. 18.
2
Ibidem. p. 19.

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UMA EXPERIÊNCIA MALOGRADA DE ATENDIMENTO INFANTIL
Priscila Said Saleme*

I - INTRODUÇÃO esquecido. E é nesse momento de encontro com a


realidade sob uma nova óptica, que o psicólogo
Tendo em vista as inúmeras publicações de depara-se com seus limites humanos. Ciente dessa
casos de atendimentos bem-sucedidos, gostaria de, inevitabilidade de dificuldades que perdurarão ao
por meio deste, registrar a existência daqueles que longo da prática de todos os profissionais
se encontram em seu extremo oposto. Estes deslizes psicólogos, portanto, que me proponho a registrar
são pouco relatados na literatura, apesar de sua minhas dificuldades iniciais, ou melhor, o momento
grande importância, pois tais experiências mal inicial da construção de minha identidade
sucedidas não apenas antecedem as demais, como prof issional. Digo dificuldades iniciais por estar
servem de condição fundamental para a sua ciente de que a cada contato com um paciente,
ocorrência já que, inevitavelmente, os erros novos desafios haverão de surgir.
consistem de partes do acerto. “Se o erro faz parte Com essa finalidade, pois, serão relatados dois
do processo, se pode ser analisado de diferentes atendimentos realizados por mim durante um
ângulos, então não se trata de negá-lo ou justificá-lo estágio feito em um hospital infantil quando eu
de maneira complacente, nem de evitá-lo por meio ainda cursava o sexto período de psicologia. Ambos
de punições, mas de problematizá-lo (grifo meu), consistem de bons exemplos em que a escuta torna-
transformando-o em uma situação de se impossível quando a ansiedade encontra-se
aprendizagem. O importante é sabermos a serviço presente. Fato comum, sobretudo, em atendimentos
do que está a correção e qual o seu sentido...” infantis. Nestes, além das próprias dificuldades que
(Macedo, 1994, p.75). toda situação de escuta em si oferece, é exigido do
Nesse sentido, gostaria de aproveitar o registro psicólogo uma habilidade de decodificação de
de meus dois primeiros casos de atendimento várias outras linguagens além da fala. Dentre elas
infantil e transformá-los num breve artigo no qual podemos citar os desenhos, brincadeiras, gestos,
pretendo expor minhas angústias e frustrações olhares, além de uma, em especial, o silêncio.
sentidas diante de contextos nos quais teoricamente Diferentemente dos demais atendimentos, na
verificaríamos a presença de erros. No entanto, se clínica infantil é necessária uma postura mais ativa
pudermos avaliar tal conteúdo sob uma perspectiva do profissional. Por meio dessa, é possível que haja
construtivista, verificaremos a importância de tais uma maior interação com o paciente de modo a
publicações enquanto registros da construção de um facilitar sua expressão. Assim, dificuldades de
processo pessoal do terapeuta. Afinal, Amatuzzi interação com crianças podem inviabilizar a escuta
(2000, p.122) bem esclareceu a importância do do que é dito por nossos pequenos pacientes. Esse
processo pessoal do terapeuta , “O que faz um talvez tenha sido o meu caso.
terapeuta? Ele proporciona oportunidade para que
restabeleçamos o contato perdido com nosso centro 2 - REGISTROS
pessoal. Mas ele só pode fazer isso a partir de seu
próprio centro pessoal. O que nos abre CASO 1
profundamente é uma relação verdadeira, de centro
a centro, de coração aberto a coração que vai se O seguinte caso trata-se de meu primeiro
abrindo (...). O verdadeiro terapeuta é uma pessoa atendimento. Além da alta ansiedade, foi meu
treinada para isso, mesmo em situações onde essa primeiro contato com um paciente. Minha grande
relação, assim tão pessoal, fica difícil”. inibição diante de crianças consistiu no principal
A dificuldade em aceitar nossos erros ou elemento da trama que será brevemente relatada.
incapacidades de escuta torna-se uma justificativa Devo frisar que o relatório original foi conservado.
plausível para compreendermos tamanha escassez Dessa forma, poderemos observar equívocos não
de seus relatos, sobretudo por profissionais. Falar apenas em minha atuação, como também em minha
da importância da verdadeira escuta do paciente, própria avaliação dos fatos naquele momento.
sob o âmbito teórico, é algo extremamente distinto
de sua execução, já que, na prática, o processo de Segundo o relatório da enfermeira, a paciente
aprendizado parece sofrer um retrocesso. Tudo o de quatro anos e oito meses de idade, chegou às 21
que fora aprendido formalmente é aparentemente horas do dia 29 de janeiro de 2003 em companhia

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da mãe e da tia. No entanto, por motivos em que ele se encontrava e a garota iniciou um
desconhecidos, apenas a segunda permaneceria novo desenho. Olhou para a televisão e começou a
com a criança. Dois dados foram considerados copiá-la. Em seguida, um armário foi feito por
relevantes na papeleta médica além do baixo dela. Averigüei se havia uma
diagnóstico: o fato de a garota encontrar-se correspondência com o aparelho do hospital.
chorosa e em soroterapia. Quanto à patologia Indaguei acerca da origem da televisão.
apresentada, assim como a maioria das crianças Respondeu-me que era de sua casa e que, abaixo
daquele andar, aquela tinha pneumonia. Minutos dela, havia um guarda-roupa. Posteriormente, fez
depois de chegar à enfermaria, observei que uma um retângulo com dois quadradinhos. Disse-me
garota chorava desesperadamente. Tratava-se do que eram duas televisões e traçou uma reta
momento em que a enfermeira deveria aplicar a ligando-as à anterior. Mais uma vez circulou o
injeção no cateter. Logo, nada doeria. A menina, desenho e acrescentou-lhe um chão. Achei
no entanto, gritava e esperneava muito. Apesar de pertinente (agora ciente de que se tratava apenas
meu receio em atender crianças pequenas, diante de meu desejo) perguntar-lhe sobre o chão. Uma
da situação de urgência, vi-me obrigada a fazer resposta mais pertinente ainda foi-me devolvida:
alguma coisa. Apresentei-me ao pai da criança e “O chão é para andar, ué!”. Confesso que a cada
ofereci meu caderno e caneta à pequena. Esta logo desenho procurava por oportunidades para que a
se prontificou a desenhar. criança falasse algo e não me dava conta de que
A princípio Joaquina começou a desenhar um ela já estava me dizendo muito e eu não estava
retângulo com uma bola. Nesta, esboçou um rosto conseguindo escutá-la. Ela não me pareceu
feliz. Pensei que se tratava do desejo de ir embora incomodada com isso, ao contrário. Acredito que
do hospital, no entanto, uma intervenção do pai sentiu que eu realmente estava interessada em seus
desviou o assunto. Indaguei-lhe acerca do desenho desenhos e lhe dando atenção. Tal aspecto pode ser
e ela respondeu-me que se tratava de uma porta. considerado relevante para o fortalecimento do
Questionei a localização da porta e o pai interviu: vínculo estabelecido, o que poderá ser confirmado
“É da escolinha, filha?”. Ela pensou um pouco e posteriormente.
concordou. Depois desenhou um X sobre a porta. O guarda-roupas e a televisão transformaram-
No momento não pensei na possibilidade de a se num avião. “Um avião que leva a gente até o
garota estar discordando do pai e somente céu” (sic). A garota fez uma analogia entre este
perguntei se ela não queria mais voltar lá. veículo e o carro que lhe trouxera ao hospital.
Respondeu-me negativamente. A partir daí, o pai Quando repeti o que ela me havia dito, corrigiu -me
enfatizou algumas vezes que a tiraria da escola já afirmando que viera de ambulância e não de carro.
que a garota demonstrava não gostar de lá. A Posteriormente mencionou a injeção tomada no
menina não respondia. Desenhou quatro bolinhas momento de sua chegada. “ Doeu muito” (sic).
e afirmou que não era mais uma porta, mas uma Aproveitei a oportunidade para retomar o assunto
janela. Posteriormente, algumas alças foram da injeção na sonda. Procurei mostrar-lhe que
acrescentadas. Indaguei-lhe sobre o que o desenho nada doeria espetando-lhe a pele com a unha e
havia se transformado. Sacolas, respondeu. Após depois tocando o cateter. “Viu? Aqui (pele) você
pedir-lhe para contá-las e reforçá-la por tê-lo feito sente meu dedo, mas aqui (cateter), não” (sic).
corretamente, questionei sua finalidade. “Para ir Demonstrei com a caneta posteriormente. A garota
trabalhar” (sic). O pai demonstrou-se surpreso e aparentou compreender a diferença, mas continuou
somente nesse momento percebi que ele estava me ansiosa. Mudou de assunto mais uma vez pedindo-
atrapalhando; induzia constantemente as respostas me que desenhasse uma sombrinha sobre a T.V. “É
da garota. Após alguns instantes, sugeri que ele para proteger da chuva”, disse. Pediu -me para
passeasse um pouco enquanto eu ficava com também desenhar a chuva.
Joaquina. Esta afirmou que trabalhava na Na terceira folha, vários elementos foram
escolinha. Custava a desenvolver o assunto e, com introduzidos. A criança começou a falar da nuvem.
muita dificuldade, me olhava nos olhos. Por Pediu -me para desenhá-la novamente. Disse-me
instantes suspeitei que havia algo de errado por lá. que esta nos deixa no escuro. Depois acrescentou
Circulou seu desenho e desenhou uma bolinha na um sol. Por cima deste, uma enorme boca. Disse
parte inferior do papel. Em seguida, fez o mesmo ser uma boca má, do BOCUDO. Indaguei quem
na superior. “O sol faz xixi e cocô” (sic). Igual a seria o dono da boca. Afirmou ser do sol. Contou-
quem?, indaguei. “Igual ao sol, uai” (sic). Depois me uma história sobre o bicho-papão. Este viera à
fez um X em cada buraco. noite, quando seu pai não estava presente e
Após a saída do pai, acomodei-me na cadeira colocou uma espada em seu peito. “Aí eu peguei a

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espada dele e esfaqueei ele” (sic). Falou-me de seu atendimento. Num dado momento, a garota
desejo em dar à mãe e irmã uma faca para se apresentou-se ansiosa pela espera do pai que lhe
protegerem do bicho. Assim como ela própria visitaria naquela tarde. Retomando o fato inicial do
pretende adquirir uma. Quando indagada sobre atendimento, apontei a contradição de seu discurso:
onde o pai estaria, afirmou que também lhe daria “Mas se você quer tanto ver o seu pai que vai
uma faca para se proteger do “bocudo” (bicho de chegar daqui a pouco, por que falou que queria
boca grande). Olhos grandes que, segundo ela, tanto ir embora?” A garota não respondeu. Sugeri
pertenciam ao bicho-papão. Acrescentou um que ela desenhasse em meu caderno. Começou
penico abaixo do sol. Explicou-me que era para ele desenhando alguns círculos. Pedi que me contasse o
fazer xixi. Em seguida, desenhou um vaso e o que estava fazendo. Disse que era o “bola 7”. Na
suporte para o penico. Voltou a fazer referência ao seqüência delineou um tronco e esboçou um rosto.
ser assustador por meio de olhos grandes que, Deduzi que se tratava de uma pessoa gorda. Falou,
segundo ela, pertenciam ao bicho-papão. Mais então, de um amiguinho na escola. Voltando ao
uma vez citou a história das facas. Entretanto, 50 desenho, rabiscou sua parte direita que
minutos já haviam se passado e eu já estava correspondia ao membro direito da pessoa.
esgotada. Fechei o caderno, encerrando o Imediatamente fiz uma infeliz intervenção: “Você
atendimento. se arranha, Carolina?”. Ela olhou-me concordando.
Perguntei-lhe a razão e ela me disse que gostava.
CASO 2 Lamentavelmente, é perceptível a presença de uma
resposta induzida nesse caso, dado o caráter da
O segundo caso, assim como no anterior, trata- pergunta. Continuou dizendo outras coisas que tive
se de uma paciente de quatro anos e oito meses de muita dificuldade de compreender. Pareceu-me que
idade. No entanto, a garota parecia estar bem. ela também arranhava as outras pessoas.
Como procedimento de rotina, passei pelo leito de Insisti em continuar o atendimento, mesmo não
modo a averiguar a veracidade daquela boa compreendendo quase nada. Até que seu pai
aparência. Visto assim, apresentei-me à avó da chegou. Quis ficar por algum tempo de modo a
criança que logo me informou o desejo da neta. esclarecer o que a garota relatara. Observei que ele
“Ela quer voltar para casa agora” (sic). Voltei-me, portava uma aliança e que se referia à mãe da
portanto, à pequena procurando compreender garota enquanto sua esposa. Preocupei-me em
melhor o que se passava. Esta, sorridente e esclarecer isso de modo a compreender a dinâmica
comunicativa, logo começou a conversar. Todavia, familiar da paciente. Ademais, atentei-me ao
não conseguia compreendê-la. Ela apresentava comportamento de ambos que expressaram uma
alguma dificuldade para pronunciar as palavras, grande alegria naquele reencontro. Num dado
parecia ter a língua presa. Por várias vezes lhe pedi momento, após escutar o pai, perguntei se ela
que repetisse suas frases, o que me fez sentir ainda gostava também de arranhar o pai. Este se
mais desconfortável. Diante disso, sugeri que demonstrou surpreso e perguntou se ela tinha
desenhássemos. inventado aquilo. Movimentei a cabeça indicando
Ela preferiu desenhar em seu caderno. Em que sim. Somente naquele momento consegui
várias páginas esboçou figuras diferentes. No admitir que o atendimento nem sequer havia
entanto, não conseguia identificar nem as formas, começado. Percebi que não havia lhe escutado em
tampouco suas explicações. À medida que o tempo nenhum momento. Meu desejo estava
passava, ficava mais ansiosa e escutava menos constantemente presente, o que pode ser
ainda a garota. Em um dado momento, a ponta de confirmado pela necessidade em compreender a
seu lápis quebrou. Era um dos poucos que ainda lógica do que estava sendo relatado.
escrevia. Sua avó perguntou-lhe do apontador e a
garota disse que aquele havia sumido e ela ia “levar 3 - CONCLUSÃO
couro”. Em seguida, completou que gostava de
levar couro. Muito assustada com aquela frase, Um equívoco central presente em qualquer
procurei confirmar se havia ouvido direito. A espécie de atendimento consiste na necessidade do
garota indicou que sim e logo mudou de assunto. psicólogo em compreender o paciente . Tal
Ao longo do atendimento continuou a trazer outros compreensão é, essencialmente, um fator inibitório
conteúdos que não mais me recordo. Não obstante a da escuta. Durante o atendimento infantil, em que
minha dificuldade em apreender o conteúdo que ela os conteúdos são pouco expressos por palavras, é
trazia, fixei-me no fato de ela gostar de levar couro. necessária uma maior atenção a diversos outros
O que determinou o total fracasso de meu detalhes. Após tais experiências, pude observar que

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a atividade do psicólogo durante o atendimento não sermos pessoas, e nosso instrumento de trabalho
consiste numa condução do conteúdo a ser consistir de nossa própria subjetividade, é
abordado. Atentando-nos mais à criança, como um impossível vislumbrar a possibilidade de
todo, é possível perceber que ela livre associa ainda padronização de atendimentos.
que não apenas por meio da linguagem verbal, o Ciente de todas as limitações, no entanto, afirmo
que pode parecer confuso sob um olhar leigo ou com muita alegria que, enquanto meu desejo de
desatento. Por outro lado, quando avaliamos o que escutar ainda estiver presente, persistirei. Afinal,
é expresso sob a perspectiva do inconsciente, como diria alguém que não entende apenas de
percebemos que a confusão é necessária quando se poesia, mas daquilo que está além dela:
objetiva uma eficácia no atendimento.
A atuação do profissional prescinde, sobretudo, “Para entrar em estado de árvore é preciso
da escuta flutuante. Ao contrário do que se costuma partir de um torpor animal de lagarto às três horas
pensar, na clínica infantil, a agilidade em devolver da tarde, no mês de agosto.
as questões levantadas e a tentativa de acompanhar Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em
um raciocínio extremamente rápido consistem de nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato
habilidades dispensáveis diante da inexistência de sair na voz.
uma escuta. Numa situação como esta, grandes Hoje eu desenho o cheiro das árvores.”
equívocos acabam ocorrendo de modo a (Manuel de Barros; O LIVRO DAS IGNORÃÇAS)
comprometer a atuação de um profissional. Tudo o
que se deve buscar num momento de escuta é um
sentimento essencial de conforto perante aquele que 4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
pretende ser escutado, sendo a habilidade de fazer
interpretações algo que requer um grande estudo e 1 - AMATUZZI, Mauro Martins. Por uma
reflexão diante daquele caso.. Por várias vezes psicologia humana, Campinas: Alínea, 2000.
questionei se deveria desistir de tais tipos de
pacientes concluindo que não conseguiria jamais 2 - BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças.
escutá-los. Pensava nisso, sobretudo, por já ter 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
realizado bons atendimentos com adultos. No
entanto, percebi que se trata de uma forma não 3 - LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, J. B.;
convencional de atendimento, o que requer um LAGACHE, Daniel. Vocabulário da psicanálise.
intenso aprendizado. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Pensando nesse aprendizado, portanto, encerro
aqui a primeira etapa do registro de meu processo 4 - MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas.
enquanto terapeuta, na esperança de que outras 4.ed. São Paulo: Casa do Psicologo, 1994.
pessoas se disponham a fazer o mesmo. Digo isso
por ter plena consciência da importância de que os
psicólogos não se envergonhem de seus impasses _________________________________________
clínicos, ao contrário, que os vejam enquanto * Priscila Said Saleme é estudante do 6o . período de
possibilidades de imensas contribuições e reflexões, psicologia na UFMG. Na época em que o artigo foi
sobretudo, àquelas pessoas que estejam prestes a redigido, ela fazia estágio num hospital infantil sob
lançar-se em suas primeiras experiências. Afinal, a supervisão de Susana Alamy.
possibilidade de identificar previamente a E-mail: pricasaleme@uol.com.br
existência de dificuldades comuns é um importante
meio de se evitar uma repetição dos mesmos pelos
estagiários atentos.
O único equívoco presente na postura de um
psicólogo é a incapacidade de compreender suas
limitações ou contra-transferências1 enquanto
possibilidades de crescimento profissional. Por

1
Termo utilizado por Freud para apontar, segundo
Laplanche, Pontalis e Lagache (2001), a existência de
“Conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa
do analisando e, mais particularmente, à transferência
deste”.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 21
SENTIR NA PELE
Michele Costa e Silva*

Este artigo tem como finalidade estimular paciente e sua família são privados de afeto, de
reflexões à cerca da psicologia hospitalar no carinho, do lado psíquico de tudo que é essencial a
ambiente de CTI (Centro de Tratamento Intensivo). um ser humano, para viver além do lado biológico,
Vêm chamar a atenção de todos os profissionais que está bem assistido. Local onde realmente mora
desse setor principalmente no psicólogo hospitalar a morte ou onde ela ronda.
e toda a equipe multidisciplinar. Fazer com que eles
consigam ou não somente centralizar todo o
tratamento do paciente exatamente no biológico A VIVÊNCIA
(sabe-se que é o foco do CTI), não se esquecendo o
lado psíquico, afetivo e emocional do paciente pois No hospital um familiar, no caso, meu pai, e o
mesmo estando sedado não morreu. Que dêem médico chega com toda sua frieza e jactância e me
atenção maior, apoio necessário e assistência diz: - Seu pai tem que ir para o CTI daqui a alguns
psicológica a este paciente mas também aos seus minutos e logo o enfermeiro vem buscá-lo. E dá as
familiares que se encontram fragilizados com a costas e sai. O paciente está consciente e escutando
doença, num cenário mórbido e cheio de fantasias tudo o que o médico está me falando mas não
a respeito do CTI; e lá do lado de fora, naquele direcionou a fala instante algum a ele.
corredor frio a espera de uma noticia, seja ela qual Nesse momento, os familiares desesperam-se, o
for, um algo que os tirem da “ignorância” com grau de angústia eleva de maneira súbita. E você
relação ao seu familiar lá dentro. ali, uma profissional de psicologia, que tem como
função minimizar a angustia, a dor e dar suporte
Palavras Chave: CTI, Paciente, Família, Psicólogo principalmente para o paciente e sua família. Mas
hospitalar, Onipotência. como ser profissional, se na realidade, antes de tudo
você é a família desse paciente? A família todinha
com o nível de stress e um sofrimento indescritível
CTI – CENTRO DE TRATAMENTO e verbalmente expressando seus sentimentos:
INTENSIVO “CTI, ele está morrendo, vai morrer”.
E, nesse caso, você é profissional ou familiar?
Sabe-se muito bem o significado desta sigla CTI Então, eu respirei fundo, peguei a mão dele e fiz
racionalmente temos a certeza que este é o local meu papel, dei a noticia fazendo com que ele
adequado a um paciente que necessita de cuidados compreendesse o que é de fato o CTI, o porque de
especiais, que o foco é o paciente biológico, tendo, sua transferência e estada lá, e sem deixar
24h. por dia, enfermeira, médicos e toda uma transparecer o meu enorme sofrimento e desespero:
grande equipe multidisciplinar; atenta a qualquer Naquela hora, tive que fazer o papel do psicólogo,
movimento do paciente; esse que está naquele local porque no ambulatório do hospital não tem este
e não sabe onde, e o porquê. serviço e não tinha outro que fizesse; se não fosse
E o lado emocional desse paciente e eu, ele iria sem saber o que estava acontecendo e
principalmente dos seus familiares? O medo, o com um grau de angustia e medo altíssimos.
desespero, as fantasias que se têm em relação ao Levantei-me da poltrona sentei na beira da cama
CTI? Familiares, na maioria das vezes, verbalizam: e disse-lhe: - Pai, você vai para o CTI, porque você
“Se está no CTI não tem mais recurso”. não está conseguindo respirar sozinho por
É exatamente nessa hora que verificamos um enquanto, por isso necessita de aparelhos, o CTI é o
buraco, uma falha de milhares de hospitais e de melhor lugar para você ter um atendimento
vários profissionais de psicologia que atuam em especializado. Então ele verbalizou com
hospitais, especificamente em CTI, pois acabam dificuldade: “Então estou morrendo”. Eu disse-lhe:
centralizados no biológico e equiparando, - CTI significa Centro de Tratamento Intensivo, ou
igualando, exatamente, aos médicos e sua equipe e seja, lá você terá uma enfermeira 24 horas para
se esquecem da psicologia, do seu objetivo. você, um médico e toda a aparelhagem necessária.
CTI, lugar gela do tanto no físico como no Mas, infelizmente, não posso ficar lá com você. Ele
afetivo, ausência de contato com o mundo, de todos balançou a cabeça, estendeu a mão e disse-me com
estímulos, do toque, o qual, principalmente, o um tom, mais forte que o anterior: “então vamos

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filha”. Nesse instante, chega o enfermeiro e diz: - Sabe-se que o CTI é o melhor para o paciente,
Vamos senhor. mas, e para os familiares? Esses, ali, sem
Sinceramente, acho que consegui fazer meu informações, na pura ignorância do diagnostico do
papel, dei a noticia e consegui diminuir o grau de paciente lá dentro. Longe, castrado do carinho, do
angustia e ansiedade, mas como filha queria chorar, apoio familiar, de tudo que é essencial para o
extravasar meus sentimentos de medo, desespero, restabelecimento do próprio.
insegurança; colocar tudo para fora, como todo ser Fomos para casa com a ignorância dos
humano, mas não podia, tinha, com muito carinho, acontecimentos.
que passar segurança para o papai, essa segurança São 21h., hora do boletim médico. Eu ligo e a
que ninguém da família conseguiria por tanto telefonista atende, peço para falar no CTI, ela
desespero. pergunta o nome do paciente, e ela mesma diz: “o
O enfermeiro diante do leito, eu, de mãos dadas paciente está gravíssimo e estável”, e logo desliga o
com papai, ajudei a colocá-lo na maca e disse: - telefone na minha cara. Deus, que noticia é esta,
Vamos pai. Meu coração dilacerado, fui ao seu que informação! Que informação é essa!? Ao invés
lado, de mãos dadas, até a porto do CTI. Chegando de acalmar a família, de dar um apoio, eles
na porta, paramos, aí disse: - Vai papai, estou aqui desesperam-nos ainda mais.
com a certeza que estarão fazendo o melhor para Resultado: noite em claro, desesperada e
você e estarei aqui te esperando sair, seja o tempo vivendo na terrível ignorância.
que for. Horário de visita no CTI, com todas as regras
Meu DEUS, uma parte de mim entrou com ele, que são necessárias para preservar o paciente. O
despedaçada. Imediatamente veio a psicóloga do médico vem, fala do boletim médico do dia, mas
CTI explicar-me como era tudo e disse tudo que não te prepara para a entrada no CTI coletivo.
deveria ter falado para o paciente, ou seja, fez seu Entrei. Eu, uma pessoa que já conhecia um CTI,
papel na hora errada e com a pessoa errada. Quando que tem vivência em um hospital, mas que nunca
terminou de falar perguntou-me se eu tinha teve um familiar lá. Anteriormente, disse que o
entendido, disse que sim, ela ainda insistiu duas corredor do CTI era o corredor do inferno, mas
vezes se eu tinha entendido mesmo (por favor, quando entrei e vi todos aqueles doentes, aparelhos
nunca subestimem a sabedoria do outro). Nesse e principalmente o papai inconsciente, contido,
momento, disse: “olha, sou sua colega e sei de tudo amarelo, super magro, cheio de aparelhos; naquele
que você esta falando, obrigada.” Ela sorriu e disse lugar impessoal, tive a certeza que ali é o próprio
então: “você não precisa de mim.” Nesse instante, inferno (o inverno é gelado). Mesmo que você
perguntou sobre a minha família, eu lhe disse que consiga pegar na mão do paciente (sabendo que
estavam aguardando no ambulatório. Então ela mesmo este não se manifesta por estar sedado, ele
disse que se caso eles precisassem dela para que a está sentindo sua presença familiar, tenho certeza),
procurassem. Essa profissional não teve o tato, a tem-se a impressão de despedida. E para mim é
sensibilidade de enxergar que eu estava ali sozinha muito clara a enorme importância da presença da
e que era a família do paciente; que estava sentindo família,mesmo que essa família sofra é essencial
tudo e todos tipos de sentimentos misturados como para o paciente.
qualquer outra pessoa, naquele corredor frio e E a família quando sai do CTI e deixa seu ente
impessoal. querido lá? A impressão que se tem é que o restante
Na seqüência apareceu o médico chefe do CTI, de força e de esperança ainda existentes são
com todos aqueles termos técnicos e com toda a sugadas por uma força inexplicável, não só pelo
onipotência. Falou que não poderia dar maiores sofrimento do seu familiar, mas pelo lugar, pelo seu
informações e que estava fazendo vários exames sofrimento, o sofrimento dos outros, pela
nele, que às 21h. haveria o boletim médico, era para proximidade da morte. Como fica essa família,
ligar e tomar conhecimento, e isso eram exatamente ainda necessitando de um apoio psicológico,
15h.25min. A psicóloga veio e entregou-me os enquanto a psicóloga só serviu de dama de
pertences do papai e despediram-se (médico e companhia?
psicóloga). Minha vontade era de entrar como uma Acredito, respeito e sou uma admiradora amante
louca naquele lugar e ver tudo o que estava da psicologia hospitalar, mas ela ainda, em alguns
acontecendo e ficar grudadinha com o papai. lugares, tem que dar uma atenção maior à família,
Peguei os pertences dele, ainda quentes com o calor nos seus medos, na ignorância do diagnostico, na
do seu corpo, abracei, mas aquele corredor gelado frieza dos médicos e da sua equipe, e, o mais
em instantes me tirou o calor do corpo dele, então, importante, na falta de informação que se tem ou
tive certeza que aquele é o corredor do inferno. quando se tem incompleta e fria. E, principalmente,

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fazer com que o hospital, ou qualquer outro órgão psicológico nenhum???
da área de saúde, reconheça o INDISPENSÁVEL
papel do profissional de psicologia no âmbito
hospitalar. Temos a cada dia que conquistar ________________________________________
efetivamente o nosso espaço com a eficiência do * Psicóloga clínica
nosso trabalho realizado com ética e E-mail: michalycosta@hotmail.com.br
profissionalismo.

PROFISSIONAL/FAMILIAR

O psicólogo, aquele que é realmente um


“profissional”, em uma situação delicada de CTI,
age com prudência, tranqüilidade, firmeza,
responsabilidade e realiza seu papel da maneira
mais adequada e ética possível. É claro que, às
vezes, aparecem alguns sentimentos inexplicáveis
como: mal-estar, impotência, tristeza, o
envolvimento com o paciente, vontade de chorar e
medo da perda. Só que ele tem que manter a sua
postura profissional, elaborar suas questões diante
dos sentimentos “proibidos”, para representar seu
papel de maneira adequada.
Mas, e quando esse profissional vive, sente na
pele, e do papel do profissional passa a ser o
familiar do paciente? O que se espera desse
profissional? Todos enxergam-no como uma rocha
que consegue segurar a barra tranqüilamente, não
podendo se dar o “luxo” de ser um ser humano
como outro qualquer. É obvio inicialmente, para
não decepcionar o outro, e até nós mesmos
tentamos ser realmente uma pedra, mas como diz o
ditado: “água mole em pedra dura tanto bate até que
fura”, então desmoronamos.
Além do sofrimento do familiar, dos medos, da
angustia, nós ainda sofremos com criticas do tipo:
que profissional é esse que não consegue segurar a
barra? Ao invés de dar suporte para família, ele
necessita extremamente da ajuda de um outro
profissional da sua área?
Então, deixo, aqui, uma reflexão a ser feita por
nós psicólogos e principalmente “hospitalar”:
somos preparados para proporcionarmos qualidade
e dignidade de vida, dar apoio aos pacientes
internados e seus familiares e não “robôs”, sem
sentimento e envolvimento algum.. E que
principalmente podemos, sim, deixar de ser
profissional e ser “paciente ou familiar de paciente”
e permitir que cuidem da gente.
Finalizo este artigo deixando uma questão: -
Como fica o paciente e a sua família
psicologicamente? Paciente e família que sentiram
na pele uma experiência dessa, como eu
vivenciei, que acontece todos os dias nos hospitais
e que infelizmente não recebem apoio

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A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA PARA A HUMANIZAÇÃO
HOSPITALAR*
Leida Mirian Hercolano Pinheiro**

A dor do outro não é a minha dor, mas ela me dói. essencialmente coletivo onde transitam, trabalham,
(Coppe) recebem cuidados ou fornecem cuidados, pessoas
das mais variadas individualidades. Se voltarmos
RESUMO um pouco no tempo e pensarmos num Brasil de
séculos passados, poderíamos deparar com uma
Com este trabalho pretendemos tratar do empenho desordem higiênica provocada pelos velhos hábitos
que se tem visto na Humanização dos Hospitais, quer coloniais impondo novas formas de agir e
seja pela própria Instituição, pela equipe e até pelo provocando o surgimento da medicina higiênica
Governo, pois , talvez, seja esse desafio até maior que
Estamos vivendo no século XXI! Já vimos
construir ou equipar hospitais, uma vez se tratar de um
processo contínuo, envolvendo toda equipe de tantas evoluções, tantas mudanças!
profissionais da saúde. Fala-se hoje sobre Humanização Hospitalar. É
Pretendemos também mostrar como a atuação do um avanço tão grandioso que nos apaixonamos pelo
psicólogo no contexto hospitalar pode influenciar na tema a ponto de nos atrever a desenvolvê-lo em
Humanização, proporcionando ao indivíduo, fragilizado nosso trabalho!
pelo adoecer físico e pela hospitalização, uma maior É um tema polêmico? Sim, realmente é.
compreensão e aceitação da sua doença, colaborando Utópico? Não, se todos quiserem colaborar. Já
desta forma para o seu restabelecimento, abandonando a saímos do período colonial, das parteiras, do
sua passividade, assumindo a responsabilidade pelo seu médico da família que atendia em casa, de altas
existir e desenvolvendo o desejo de cura.
Palavras-chave: adoecer, hospitalização,
taxas de mortalidade infantil e chegamos a hospitais
humanização, cura, atuação psicológica. dotados de novas e altas tecnologias.
Porém, apesar dos avanços, o homem continua
ABSTRACT sendo humano, subjetivo, que sofre, que sente dores
e, acima de tudo, finito. E o Hospital, o que seria?
The present work intends to talk about the effort that Um instrumento terapêutico, de produzir cura ou
it had been seeing in the sense of the Humanization of um lugar para se morrer?
the Hospitals, for the own Institution, for the team and Por que se fala em Humanização? Já não estaria
even for the own Government, because maybe it is that o Hospital Humanizado? Qual o papel que o
challenge even larger than to build or to equip hospitals, psicólogo pode desempenhar neste contexto?
for being a continuous process involving every team of Estas questões despertaram em mim o desejo de
health professionals. ampliar meus conhecimentos teóricos, conhecer as
We also intend to show as the psychologist’s propostas do governo e o projeto de Humanização
performance, in the hospital context, can influence in the
Hospitalar do Ministério da Saúde, uma vez que
Humanization, providing to the fragile individual for
physical getting sick and for the hospitalization, a larger simultaneamente a este trabalho estive em contato
understanding and acceptance of his disease, com Hospitais e notei o desejo e a garra de todos os
collaborating for his re-establishment, abandoning his profissionais no sentido de promover um Hospital
passivity, taking the responsibility for his existence and melhor.
developing the cure desire. Com esse objetivo tomamos como suporte
Key-words: to get sick, hospitalization, teórico-metodológico o material bibliográfico
humanization, cure, psychological performance existente sobre tal assunto, incluindo o Projeto do
Ministério da Saúde sobre Humanização
INTRODUÇÃO Hospitalar.
Lançando mão, então, dessa pesquisa
O ser humano é um ser social. Para a construção bibliográfica, foi como se pudéssemos estar
de uma sociedade há um envolvimento de vidas de presentes onde os projetos são implantados, ver
inúmeros indivíduos. Vidas humanas, com suas sonhos se tornando realidade e esperanças cada vez
particularidades e subjetividades. Não se pode maiores, uma vez termos tomado conhecimento dos
pensar num sujeito sem uma coletividade nem grandes avanços e resultados, através do vasto
numa sociedade sem sujeitos. material encontrado.
Um Hospital constitui-se por um espaço À Psicologia , então, passamos a atribuir-lhe

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papel importantíssimo dentro de um Hospital, uma para definir um programa hospitalar. (...) nenhum plano
vez que ela é um atalho, ou seja, um caminho mais arquitetônico abstrato pode dar a fórmula do bom
curto, que faz com que o grito de dor do paciente hospital. Este é um objeto complexo de que se conhece
seja, se não compreendido em toda a sua extensão, mal os efeitos e as conseqüências, que age sobre as
pelo menos escutado. Isso porque acreditamos que doenças e é capaz de agravá-las, multiplicá-las ou
atenuá-las (Foucault, 2004, p.80).
ao paciente pode lhe ser oportunizado o direito da
fala e da escuta. Os relatórios de Howard e Tenon davam poucos
Por que não usarmos todos os saberes detalhes sobre a parte externa do hospital ou sobre a
canalizados para um só fim, para um bem estar de estrutura geral da obra. Não se tratavam mais de
todos? Afinal, Humanizar é também
relatos e descrições de monumentos como os dos
viajantes clássicos dos séculos XVII e início do
Conhecer as limitações do ser humano e a sua finitude
(..) e conviver com essa finitude(...) possibilita recriar e
XVIII. Agora, eram descrições de funcionamento:
transformar. Transformar especialmente dois estigmas número de doentes por hospital, a relação entre o
com os quais o psicólogo hospitalar convive: “o hospital número de leitos e de doentes com a área útil do
é o lugar do médico” e “o médico é o dono do doente” hospital, a taxa de mortalidade e a de cura, o
(Leitão, 1993, p.100). movimento no interior do hospital, a trajetória da
roupa branca, entre outras. Esses relatores não são
Assim, o presente trabalho divide-se em três mais arquitetos. Tenon era médico e Howard
momentos principais : no primeiro capítulo, pertencia à categoria dos filantropos.
procuramos dar uma breve visão do histórico da Portanto, surge um novo olhar sobre o hospital.
Instituição Hospitalar e da Psicologia Hospitalar no Se este, produz efeitos patológicos, estes devem ser
Brasil; no segundo capítulo, discorremos sobre o modificados. Se há milênios existiam hospitais para
processo de Humanização em si; e no terceiro curar, no final do século XVIII, descobriu-se que
capítulo , sobre o papel do psicólogo nesse processo. não curavam tão bem. O hospital que funcionava na
Europa, desde a Idade Média, não era um meio de
CAPÍTULO 1 cura e não era conhecido para curar. Era uma
BREVE HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO instituição de assistência aos pobres. Aliadas a essa
HOSPITALAR COMO INSTRUMENTO DE assistência vinham a separação e a exclusão. O
CURA E OS PRIMÓRDIOS DA PSICOLOGIA pobre doente era contagioso e o hospital o recolhia
HOSPITALAR NO BRASIL e protegia os outros desse perigo.
Até o século XVIII, o usuário ideal do hospital
A saúde é um valor e um bem tão extraordinário, que era o pobre que estava morrendo e não o doente que
seu conceito se torna complexo, porque sua abrangência precisava curar-se. A função do hospital era então
parece não ter limites e, no entanto, é um direito e um dar os últimos cuidados e o último sacramento.
dever de cada um. (Mezzomo et alii 2003, p.23) Nesta época, o hospital era visto como um lugar
onde morrer. Um morredouro.
Quando o hospital surge como um instrumento Desta forma, o pessoal da área hospitalar não
terapêutico? Um instrumento de intervenção sobre tinha como objetivo curar o doente, sua atividade se
a doença e o doente? Um instrumento para produzir resumia em serem caridosos para conseguir a sua
a cura? própria salvação e garantir a salvação da alma do
Nestes termos o hospital só surge no final do pobre doente. Não seria, então, a função do hospital
século XVIII. Houve nessa época, na Europa, em a transição entre a vida e a morte, de salvação
diversos países, entre 1775 e 1780, uma série de espiritual e de separar os indivíduos perigosos para
longas observações sistemáticas e comparativas, a saúde da população? Onde estaria a função
realizadas através de “viagens-inquéritos” pelo médica?
inglês Howard e pelo francês Tenon, a pedido da A prática médica não era uma medicina
Academia de Ciências. hospitalar. A medicina dos séculos XVII e XVIII
A finalidade dessas “viagens-inquéritos” era era individualista. Compreendia conhecimento de
definir um programa de reconstruções dos hospitais textos e prescrições de receitas. A experiência
e essa época foi marcada pelo slogan “São os hospitalar era excluída da formação do médico. Ele
hospitais existentes que devem se pronunciar sobre era qualificado pela transmissão de receitas e não
os méritos ou defeitos de um novo hospital” pelas experiências que ele havia passado e
(Foucault, 2004, p.79). assimilado.
Nada na prática médica dessa época permitia a
(...) nenhuma teoria médica por si mesma é suficiente

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organização de um saber hospitalar, como também Para organizar e implantar o Serviço de
nada na organização do hospital permitia a Psicologia do Instituto do Coração do Hospital das
intervenção da medicina. Hospital e medicina, Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em
então, permanecem separados até meados do séc. 1974, Bellkiss Romano é convidada e já em 1976 é
XVIII. responsável pelo primeiro curso de Atuação do
Como pôde o hospital ser medicalizado e a Psicólogo em Hospital oferecido pela PUC-SP.
medicina tornar-se hospitalar? Os eventos não param e em 1983 foi realizado
Procurou se anular os efeitos negativos do em São Paulo, promovido pelo Hospital das
hospital e introduzir normas disciplinares. Podia se Clínicas da USP-SP e também sob a
ver em hospitais marítimos de Londres, Paris e responsabilidade de Bellkiss Romano o I Encontro
outras cidades, um grande tráfico de mercadorias, Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar.
objetos preciosos, especiarias, peças raras etc. O A Psicologia Hospitalar vem crescendo e
traficante fazia -se de doente e era levado ao ganhando espaço nas universidades, publicações e
hospital com o material escondido, livrando-se eventos científicos. Ganhou reconhecimento da
desta forma da alfândega. A formação de uma comunidade científica e notoriedade das diversas
medicina hospitalar foi devido à disciplinarização profissões.
do espaço hospitalar e à transformação do saber e
da prática médica. CAPÍTULO 2
Esses dois processos, ajustados, deram origem POR QUE HUMANIZAR OS HOSPITAIS?
ao hospital médico e ao surgimento de uma
disciplina hospitalar que teria como função segundo Quem tem do doente, uma visão holística e o aceita
Foucault (2004): como ser humano em todas as suas dimensões, encontra
muitos e sólidos motivos, força e apoio para uma
(...) assegurar o esquadrinhamento, a vigilância, a assistência digna, realmente humanizada. (Mezzomo et
disciplinarização do mundo confuso do doente e da alii 2003, p.52)
doença, como também transformar as condições do meio
em que os doentes são colocados (...) de modo que o Humanizar significa “elevar à altura do
quadro hospitalar (...) seja um instrumento de homem”. Humanitarismo significa “amor à
modificação com função terapêutica. (Foucalt, 2004, humanidade” e Humanitário significa “aquele que
p.81) tem sentimento de humanidade, bondoso”
(Koogan/Houaiss, 1993, p.445).
Com o decorrer do tempo, o hospital, além do Não parece um paradoxo falar em Humanização
seu objetivo de tratar as doenças, expandiu-se e Hospitalar quando o hospital já se trata de uma
passou a abranger outras atenções que não fossem instituição para humanos? Por que um programa de
apenas físicas, mas também sociais, psicológicas e humanização nos hospitais? Já não estaria o
outras. hospital, humanizado?
Assim, a psicologia passou a fazer parte do Na verdade, em um hospital pessoas atendem
contexto hospitalar. No Brasil, temos nomes pessoas, humanos são atendidos por humanos.
pioneiros como os de Matilde Neder e Bellkiss Mesmo que o doente precise de uma máquina no
Wilma Romano. seu tratamento, ele é encaminhado a ela por
No ano de 1954, Matilde Neder foi convidada a humanos. Todavia, isso não significa a
acompanhar psicologicamente os pacientes humanização em sua totalidade. Não é porque nele
submetidos à cirurgia de coluna da Clínica convivem seres humanos que é humanizado.
Ortopédica e Traumatológica da USP, atualmente A razão de existência de um hospital, como o
Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital entendemos hoje, é cuidar da saúde da comunidade.
das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-SP. Este cuidar acontece dentro de um campo que nem
O seu trabalho consistiria tanto em preparar os tudo pode ser codificável e previsível, nem tudo
pacientes para a intervenção cirúrgica como para a pode ser respondido com técnicas objetivas que se
recuperação após a cirurgia. repetem sempre da mesma forma. Há portanto, os
Em 1957, ela se transfere para o Instituto de aspectos subjetivos do cuidador e de quem é
Reabilitação da USP, atualmente divisão de cuidado como também modos singulares de
Reabilitação do Hospital das Clínicas da USP , onde existência.
o seu trabalho teve grande repercussão passando a A dimensão humana e subjetiva está na base de
figurar além da Psicologia Hospitalar na Psicologia toda intervenção em saúde, das mais simples às
do Brasil propriamente dita. mais complexas, não importa se para intervir numa

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cirurgia do coração ou no simples ato de fazer um esquecer que o paciente está fragilizado em seu
curativo, se o paciente é um adulto ou uma criança, físico e no seu emocional. Na humanização,
se é um homem ou uma mulher. portanto, competência e cortesia, técnica e
Também pintar o hospital com cores mais vivas, educação, saberes e humanidade, andam de mãos
uniformes de cores mais alegres, mais áreas verdes, dadas, ou deveria m...
mais quadros nas paredes não significa humanizar. Na construção da Humanização Hospitalar ou
É claro que tudo isso contribui, torna o ambiente do Hospital Humanizado, necessário se faz agir
mais alegre, menos frio, mas faz parte de um como um artesão que “toma a matéria em suas
contexto. mãos para moldar as formas nascentes do que deve
O termo Humanizar toma então uma forma mais ser criado” (Cembranelli-2003, p. 2).
abrangente. Seria o posicionamento do Hospital Assim como ele (o artesão), é preciso exercer a
frente ao seu principal objeto de trabalho - a vida, o criatividade, a reflexão, a ação e o cuidado. E por
sofrimento e a dor de um ser humano fragilizado que não quebrar modelos e paradigmas trocando-os
pela doença ou da sua família pelo desgaste, perda por novos hábitos e buscando soluções úteis para
ou luto. O melhor hospital em tecnologia, sem cada realidade singular?
éticas, sem delicadezas, sem amor, não produz bem A humanização é entendida como valor a partir
estar ou curas, “pelo contrário, desertifica o ser do momento em que se resgata o respeito à vida
humano” (Cembranelli, 2003, p.2). humana. Envolve circunstâncias sociais, éticas,
Não estaria aqui a chave da questão? educacionais, religiosas, culturais e psíquicas
Os extraordinários progressos da ciência e da presentes em todo e qualquer relacionamento
tecnologia não dão conta de produzir satisfação no humano. “Humanizar seria então resgatar a
atendimento. É muito bom, tanto para o doente importância dos aspectos emocionais,
quanto para os seus familiares, saber que em um indissociáveis dos aspectos físicos na intervenção
hospital trabalham equipes altamente qualificadas, da saúde” (Ministério da Saúde-2001, p.7).
de igual modo, é tranqüilizante saber que o Indo um pouco mais além, Humanizar “é adotar
atendimento é pronto e competente às demais uma prática em que profissionais e usuários
necessidades. consideram o conjunto dos aspectos físicos,
subjetivos e sociais que compõem o atendimento à
A competência é requisito pressuposto e exigido de todos saúde” (Ministério da Saúde-2001, p.9).
por todos. Na prática porém, o paciente não se satisfaz Humanizar refere-se, portanto, “à possibilidade
apenas com a competência profissional (...), o que se de assumir uma postura ética de respeito ao outro,
verifica, se avalia e se aprecia ou detesta, é a forma de de acolhimento do desconhecido e de
atendimento, a maneira como as ações técnicas são reconhecimento dos limites” (Ministério da Saúde-
praticadas (Mezzomo et alii 2003, p.53).
2001, p.11).
Fica tão complexa a sua definição porque a sua
Em toda área profissional, ou toda área de
natureza é subjetiva e os aspectos que a compõem
ralações humanas, o bom atendimento é
imprescindível. Quem não já dispensou um têm um caráter singular.
profissional por mais simples que seja pelo modo O “x” da questão do trabalho de Humanização
está em fortalecer o comportamento ético, de
como foi atendido? Não precisamos ir muito longe,
articular o cuidado técnico-científico já conhecido e
podemos considerar até um vendedor de batatas
dominado com o cuidado à necessidade de explorar
numa feira livre. Ou uma vendedora numa loja de
e acolher o imprevisível, o incontrolável, o
um shopping, onde estaríamos saudáveis, alegres e
diferente e o singular. É um agir baseado numa
felizes, fazendo compras! Desta forma, imaginemos
o doente fragilizado! vontade de acolher e de respeitar o outro como um
A maioria dos pacientes, por que não dizer, a ser autônomo e digno.
grande maioria, não sabe avaliar se os A Humanização é então uma utopia?
Acreditamos que não. A Humanização nada mais é
procedimentos e técnicas utilizados em qualquer
que uma esperança, e como tal deve ser vista. Uma
tratamento hospitalar, mesmo que seja em um
esperança que além de necessária tem condições de
simples curativo, são as mais corretas, porém,
ser realizável. É só uma questão de querer. Todos
qualquer pessoa, por mais rude que seja, sente e
precisam querer querer. Todos precisam ser
percebe a maneira humana ou não com que está
sendo atendida e cuidada. mobilizados e conscientes. Todos precisam
Os profissionais da saúde, de todos os níveis, colaborar, desde o Governo até o mais simples
funcionário.
independentes da sua função, nunca poderão se
Em 1974, foi criado, nos EUA, o Instituto para o

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estudo da Medicina Humanizada. É um tanto Aspectos físicos, recursos humanos, dispositivos
quanto recente e aqui no Brasil, no dia 24 de maio organizacionais e tecnologia são importantes para a
de 2000, foi apresentado, em Brasília -DF, um qualidade de um sistema, mas, sobretudo, numa
Projeto Piloto de Programa de Humanização da área como a da saúde, não funcionam sozinhos.
Assistência Hospitalar, para pessoas representativas A eficiência desse sistema, é altamente
da área de saúde, possibilitando a oportunidade de influenciada pela qualidade do fator humano e do
propor, discutir e empreender um processo de relacionamento estabelecido entre o profissional e o
mudanças na cultura de atendimento em vigor nos usuário do atendimento. A qualidade técnica e
hospitais, tendo como objetivos principais: científica e a racionalidade de uma administração,
se desacompanhadas de valores e princípios como a
Deflagrar um processo de humanização dos serviços de solidariedade, o respeito e a ética na relação entre
forma vigorosa e profunda provocando mudanças profissionais e usuários, não são suficientes para a
progressivas, sólidas e permanentes na cultura de conquista da qualidade no atendimento à saúde.
atendimento à saúde, beneficiando tanto os usuários Em qualquer atendimento à saúde, é necessário
quanto os profissionais. agregar à eficiência técnica e científica uma ética
Produzir um conhecimento específico acerca destas
instituições sob a ótica da humanização do atendimento
que considere e respeite a singularidade das
para disseminar experiências para os demais hospitais...
necessidades do usuário e do profissional, que
(Ministério da Saúde 2001, p.9). acolha o desconhecido e imprevisível, que aceite os
limites de cada situação. Trata-se de um ser e fazer
Após o programa ter sido aprovado pelo então inspirado numa disposição de abertura e de respeito
ministro da saúde, JOSÉ SERRA, foi escolhido um pelo outro como um ser autônomo e digno.
grupo de profissionais para desenvolver o Projeto, A proposta de humanização da assistência à
que veio regulamentado pela Portaria nº 681, saúde é um valor para a conquista de uma melhor
GM/MS de 19.08.2001 e Portaria nº 202 SAS de qualidade de atendimento à saúde do usuário e de
19.08.2001, sob a denominação de PNHAH – melhores condições de trabalho para os
PROGRAMA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO profissionais.
DA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR (Ministério da Com certeza, um hospital com bons diretores,
Saúde-2001, p.5). boa equipe de trabalho, funciona muito bem, mas,
Mas, o que levou o Ministério a ver essa bons e melhores resultados surgem quando, aliados,
necessidade? Segundo o ministro, José Serra: houver o compromisso de oferecer um atendimento
humanizado à população, pelos profissionais da
A criação deste programa expressa uma decisão firme área de saúde, não só médicos e enfermeiros, mas
do Ministério de enfrentar os grandes desafios de todas as pessoas que trabalham nas unidades de
melhoria da qualidade do atendimento público à saúde saúde. Para tanto, é necessário cuidar desses
(...). É um direito de todo cidadão receber um profissionais , capacitando-os a promover a
atendimento público de qualidade na área de saúde, e humanização do serviço.
para garantir esse direito, é preciso empreender um O PNHAH propõe um conjunto de ações
esforço coletivo de melhoria do sistema de saúde no
integradas visando mudar o padrão de assistência
Brasil, uma ação com potencial para disseminar uma
ao usuário dos hospitais públicos do Brasil,
nova cultura de atendimento humanizado (Ministério da
Saúde-2001, p.5). melhorando a qualidade e eficácia dos serviços
prestados, aprimorando as relações entre o
Vale ressaltar que o então ministro José Serra, profissional da saúde e o usuário, dos profissionais
por ser médico, possuía experiências do dia a dia entre si e do hospital com a comunidade.
no atendimento a pessoas. E, observou que na Valorizando a dimensão humana e subjetiva,
avaliação do público, a forma do atendimento, a presentes em toda ação de assistência à saúde, o
capacidade demonstrada pelos profissionais de PNHAH direciona-se para uma requalificação dos
saúde para compreender as demandas e suas hospitais públicos, tornando-os mais modernos,
expectativas, são itens que chegam a ser muito mais dinâmicos e solidários em atender às expectativas
valorizados que a falta de médicos, a falta de dos que os gerem e dos que os usam. Para tanto,
espaço ou a falta de medicamentos. tem como objetivos principais:
Desta forma, identificando um número grande e
significativo de queixas desses usuários, referentes Fortalecer e articular todas as iniciativas de
aos maus tratos nos hospitais, chegou-se à iniciativa humanização já existentes na rede hospitalar pública.
Melhorar a qualidade e a eficácia da atenção
de elaborar uma proposta de trabalho voltada para a
dispensada aos usuários da rede hospitalar brasileira
humanização.

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credenciada ao SUS. (Mezzomo et alii, 2003, p. 86)
Modernizar as relações de trabalho no âmbito dos Quebrar paradigmas, rever e reformular
hospitais públicos, tornando as instituições mais conceitos, adotar novas posturas tanto pessoais
harmônicas e solidárias, de modo a recuperar sua quanto éticas e morais, podem se considerar um
imagem pública junto à comunidade. grande desafio, talvez seja um desafio até muito
Capacitar os profissionais dos hospitais para um novo
maior do que projetar e construir novos hospitais e
conceito de atenção à saúde que valorize a vida humana
e a cidadania. implantar serviços e tecnologia.
Conceber e implantar novas iniciativas de humanização
nos hospitais que venham a beneficiar os usuários e os É fácil perceber que o assunto é extremamente amplo e
profissionais de saúde. complexo. O ser humano é uma realidade tão
Estimular a realização de parcerias e trocas de diversificada em sua essência e manifestações que as
conhecimentos e experiências nesta área. ciências ainda não conseguiram decifrar em forma
Desenvolver um conjunto de indicadores/parâmetros de definitiva nenhum de seus aspectos (Mezzomo et alii-
resultados e sistema de incentivos ao tratamento 2003, p.101).
humanizado.
Difundir uma nova cultura de humanização na rede Se considerarmos também as dificuldades dos
hospitalar credenciada ao SUS (Ministério da Saúde, profissionais, poderemos ver que a questão é mais
2001, p.14). abrangente e mais complexa. Não se trata apenas da
relação médico/paciente. Quando dissemos que a
Assim, ganhariam todos. O usuário , que humanização é abrangente é porque envolve toda a
receberia um tratamento mais digno, mais solidário realidade hospitalar, da administração à limpeza, do
e mais acolhedor, que seria além do seu direito, médico ao porteiro, do serviço de enfermagem à
uma etapa fundamental na conquista da sua cozinha, da assistência social à lavanderia, à
cidadania ; e os profissionais dos hospitais, sem recepção, enfim...
distinção, que teriam a oportunidade de resgatar o Qualquer uma das unidades que deixe de
verdadeiro sentido de sua prática, sentido e valor de funcionar à contento quebra o processo. Um atrito
se trabalhar numa organização de saúde. ou desentendimento, uma crise qualquer, em
Não há humanização da assistência sem cuidar qualquer que seja a área prejudicam as atividades.
da realização pessoal e profissional dos que a Desta forma não poderão ser esquecidos fatores
praticam. Não haverá humanização sem que se desencadeantes como o excesso de trabalho, o
abrace o projeto. Projeto este, coletivo, em que toda cansaço, a falta de tempo, o número pequeno de
a organização se reconheça e nele possa profissionais por plantão, as dificuldades
revalorizar-se. financeiras tanto das instituições como pessoais, os
A Humanização Hospitalar requer URGÊNCIA. problemas familiares, a baixa remuneração, as
O ideal da Humanização da Assistência Hospitalar greves, a desmotivação,...
é indispensável, maravilhoso e necessita, como O tema central do PNHAH é o ser humano, com
ressalta Mezzomo: especificidade, o relacionamento entre as pessoas.
O foco essencial é o atendimento à pessoa quando
Uma análise sólida do conceito de ser humano e suas sua saúde está em crise, ou quando doente procura
manifestações. Um estudo sério do relacionamento um hospital. E, o sujeito desse objeto primordial do
humano, ou seja, das relações humanas, envolvendo a PNHAH é a pessoa.
relação médico/paciente, a relação trabalhadores da
Tudo na vida tem um projeto, um percurso, um
saúde/paciente, a relação interprofissional e uma visão
holística do ambiente. Uma atenção especial às rumo, uma história...
dimensões biofísicas, psíquico, emocional, mental, Estamos no século XXI! Um novo século que
espiritual (...) para se promover qualidade e buscar a acaba de se inic iar e nele já podemos ver hospitais
excelência na assistência hospitalar (Mezzomo et alii, reconstruídos, projetos elaborados, iniciativas
2003, p.64). tomadas, propostas levadas à diante, equipes mais
conscientes (além de multidisciplinares procurando
Toda mudança é difícil porque encontra reações. ser interdisciplinares), profissionais mais
O novo gera insegurança, é uma questão cultural. empenhados e um desejo, um grande desejo, de ver
Mudar a cultura é um ato mais do que complexo, os nossos hospitais humanizados.
necessária se faz uma conversão de valores, uma Muita coisa já foi feita. Vitórias e conquistas já
educação permanente. “A mudança só é aceita se foram alcançadas. Governo, Igreja, Comunidade,
for bem entendida pela inteligência, assimilada pela Voluntários e Profissionais da Saúde, no empenho
mente, aceita pela vontade e acolhida pelo coração” de ver o ser humano na fragilidade do seu adoecer,

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ser tratado com mais dignidade. Quem ainda não para se acalmar (...) respeitem o meu (...)!
teve a oportunidade de ver no rosto de uma mãe, Se a anestesia for local ou regional,(...) por favor,
um sorriso, por mais triste que seja, só pelo fato de evitem conversas que possam demonstrar desinteresse
poder ser acompanhante do seu filho internado pelo meu tratamento (...), piadas, (...) futebol, política ou
numa enfermaria? Trata -se de uma grandiosa programa de TV (...) isso fica traduzido para mim como
um grande desinteresse pelo que estão operando em meu
conquista, entre outras.
corpo...
(...) se a anestesia for geral (...) por favor, façam (...)
CAPÍTULO 3 silêncio. Naquele momento de passagem da consciência
O PAPEL DO PSICÓLOGO NO PROCESSO para a inconsciência , tudo o que acontecer na sala será
DE HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR. de extrema importância para mim (...), poderei dormir
com segurança e tranqüilidade ou totalmente agitado e
A humildade do não saber ou do compreender que transtornado, com medo de não voltar a reencontrar
erramos, nos torna mais sólidos em nossa experiência, minhas pessoas queridas (...). Mesmo anestesiado e
nesse campo profissional cheio de surpresas. (Sigmund inconsciente, continuo merecendo todo o respeito como
Freud, 1926) quando acordado (...). Fazer piadas com meu ronco,
com meu corpo, será pouco ético e humano, algo difícil
Para iniciar este capítulo transcreverei uma carta de aceitar da equipe para qual entreguei minha vida
que foi publicada no jornal do Conselho Federal de (...).
Medicina, edição bimestral setembro/outubro 1991 Finalmente, quero pedir-lhes que respeitem minha
condição de ser humano, independentemente de ser um
sob o título “Apelo do paciente à equipe médica”,
paciente particular, rico ou um anônimo qualquer (...).
de Evaldo D’Assumpção: Afinal, sou filho do mesmo Pai, criatura do mesmo
Criador, e, mesmo que não acredite nesse Deus de que
- (...) então, faça estes exames e com esta cartinha lhes falo, façam por mim o mesmo que gostariam que lhe
interne-se no Hospital.........dia...às...horas, que iremos fizessem (...) Muito obrigado!!
operá-lo”. Evaldo D’Assumpção—1991
- Mas Dr... por favor... eu queria... (Mas ele não me
olha... continua escrevendo e não me vê... não vê a Como fica claro ao lermos este apelo, que a
minha angústia. Não sou apenas um corpo doente... vou doença para o ser humano se constitui numa
tentar novamente...)
ameaça de dor, invalidez e de morte! Quando uma
- Mas Dr...
- Fique tranqüilo, vai correr tudo bem... pessoa se dispõe a cuidar de alguém há de se
- Dr., por favor... ouça-me !!!!!!!!! considerar a fragilidade diante da doença. Uma
... quando me levarem à sala de cirurgia, não me verdadeira relação equipe-paciente estabelece-se
deixem sozinho e sem qualquer informação sobre o que quando há o respeito além das técnicas.
será feito em seguida. Para vocês o Centro Cirúrgico é Além disso, a compreensão médica dos
bastante familiar, mas, para mim, mesmo não sendo numerosos significados simbólicos de ordem
minha primeira vez, tudo é novo e assustador. Porém, se psíquica que se manifestam no corpo, permite uma
o senhor ou um dos membros da sua equipe (...), estiver leitura de que além do sofrimento físico, o paciente
ao meu lado, me sentirei mais seguro e temerei menos pode ter sentimentos como: desamparo, confusão,
enfrentar tudo o que vier em seguida.
Lembrem-se de cobrir-me (...) quando me passarem
medo, vergonha, culpa e derrotismo por não ter
para a mesa de cirurgia, pois a sala é muito fria (...) e sido suficientemente forte, por ter adoecido...
vocês nem percebem, pois ficam com aqueles aventais Se o médico ou a equipe não tiver a
longos, com luvas e máscaras que os impedem de sensibilidade e tempo de escutar o paciente
imaginar quanto se treme de frio e medo ...)! hospitalizado para fazer essa leitura, o psicólogo
Por favor, se possível, poupem-me de ver aqueles estará assim preparado para escutar a sua fala, o seu
instrumentos que serão usados na cirurgia... sei que a corpo e até o seu silêncio, colocando, desta forma,
utilidade e a intenção são boas, mas... só de pensar neles em prática um dos preceitos maiores da psicologia
corre-me um frio gelado pela espinha (...) que é o da cura através da palavra. A palavra cura o
Evitem comentar sobre defeitos nos equipamentos ou
sofrimento emocional e espiritual como também a
falta de medicamentos (...)
dor provocada pelo sofrimento físico.
Quando forem me preparar, respeitem o meu pudor
(...), afinal é muito desagradável ver-se despido (...) De igual valor é a linguagem entre essa equipe.
mesmo sabendo que são profissionais (...). Todos devem falar uma mesma linguagem para
Respeitem também o meu medo (...), afinal, tudo é evitar distorções na comunicação não só com o
estranho, diferente e (...) ameaçador. Se pedir para paciente, como também com a sua família.
esperarem um pouco, tenham paciência comigo (...)
Se me explicarem em linguagem compreensível (...) E incidentalmente não desprezemos a palavra. Afinal de
certamente entenderei. (...) cada pessoa tem o seu tempo

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 31
contas ela é um instrumento poderoso: é o meio pelo indica a intervenção possível para determinada
qual transmitimos nossos sentimentos a outros,(...). As doença que se instala em um organismo. Lida, desta
palavras podem fazer um bem indizível e causar terríveis forma, com variáveis orgânicas e com
feridas (Freud, 1926, p.180). probabilidades referentes a certo tipo de paciente, o
psicólogo é que se interessará pelo indivíduo
Também para o combate a doença é de vital enquanto indivíduo, com o doente e não com a
importância resgatar a vontade de viver e a auto- doença.
estima. Os pacientes em estados depressivos e de No processo de humanização, o psicólogo, ao
angústia são mais vulneráveis às infecções e não lidar com o doente, dá ao mesmo a possibilidade de
respondem bem ao tratamento. As condições colaborar na sua própria cura, pois vê o doente
psicológicas dos mesmos poderão ser trabalhadas como um todo, com menos técnica e com maior
para que se tornem adequadas. poder de escuta.
A Psicologia fornece condições, recursos e O psicólogo tratará das representações que o
técnicas para possibilitar as relações interpessoais indivíduo tem da sua doença em particular e da
que são a mola mestra da Humanização Hospitalar doença em geral. Poderíamos dizer que o médico
e esta só será autêntica se os saberes forem trata dos aspectos concretos da doença e o
redirecionados, tornando com isso a instituição psicólogo dos aspectos simbólicos. O psicólogo
hospitalar “um lugar do profissional da saúde e não cria, desta maneira, as possibilidades para o
apenas o lugar do médico” (Leitão, 1993, p.100). surgimento de um novo ser.
O psicólogo, na medida em que traz no seu
contexto de atuação a condição de análise das O paciente ao ser hospitalizado sofre um processo de
relações interpessoais, torna-se indispensável no total despersonalização. Deixa de ter o seu próprio
processo de humanização. Proporciona ainda um nome e passa a ser um número de leito ou então alguém
saber cuidar de tudo o que adoece na pessoa. Na portador de uma determinada patologia. O estigma de
simples fratura de um dedo as dores podem ser doente (...), irá fazer com que exista a necessidade
tanto físicas quanto emocionais, por exemplo. permanente de uma total reformulação até mesmo de
Imagine então uma hospitalização! seus valores e conceito de homem, mundo e relação
A contribuição do psicólogo também se dá para interpessoal em suas formas conhecidas (Angerami-
elucidar determinadas manifestações de Camon, 2001, p.16).
somatização, cada vez mais aceitas nos critérios de
intervenções médicas. Muitas patologias têm seu Como se sentiria um paciente hospitalizado,
quadro agravado a partir de complicações após ter sofrido inúmeras perdas, perder a sua
própria identidade? Quem nunca deparou com
emocionais do paciente e a intervenção do
algum médico tratando o seu paciente apenas no
psicólogo neste momento é fundamental até mesmo
seu quadro clínico? Onde ficaria a humanização?
nos diagnósticos, nas interconsultas e,
“O paciente em muitos dos nossos hospitais passa a
conseqüentemente, na compreensão da patologia de
ser mais um leito ou o nome da sua patologia. Não
uma forma mais humanizada.
Desta forma, não se pode negar as variáveis é raro que escutemos os médicos se referirem ao
emocionais num quadro de AIDS, câncer, AVCs, doente como o “rim do leito 21” (Alamy, 2003, p.
ou em patologias e internações não diagnosticadas 31).
Com o projeto de Humanização Hospitalar abre-
com a devida precisão até pela falta de sintomas
se a possibilidade do psicólogo atuar nos hospitais
físicos específicos.
ajudando a visionar o doente e não apenas o
sintoma, visto que, uma doença não tem apenas
Os exames clínicos nesses casos não conseguem fazer
um diagnóstico preciso e absoluto, pois a própria uma etiologia, mas um ciclo vital ligada à
alternância de sintomas do paciente é algo singularidade do indivíduo que traz consigo
diagnosticado quando se tenta compreender, além dos sentimentos.
sintomas, a dor d’alma (..) de tais pacientes (Angerami- O psicólogo promove também para o não
Camon, 2001, p.28). surgimento de iatrogenias 1 e hospitalismo2 tão
comuns em pessoas hospitalizadas.
O papel do psicólogo nas instituições de saúde
pode ser identificado a partir das conclusões que
corpo e psiquê formam um todo e nele as partes 1
Iatrogenia é o “efeito negativo das medidas de tratamento no
mutuamente se influenciam e também que a ajuda processo de internação” (Dorsch, 2001, p.465).
2
do psicólogo nada tem a ver com a loucura. Hospitalismo é o “conjunto de todos os danos e deficiências
relacionados com a internação em hospitais” (Dorsch, 2001,
Em um hospital, o médico faz um diagnóstico e p.463).

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 32
O paciente com a hospitalização sente-se atrás. Suas angústias, (...) medos, fantasias, fragilidades
assustado, desamparado e conseqüentemente e exposições (...). Não podemos nos furtar de sermos seu
fragilizado. Além da angústia do momento interlocutor (Romano, 1999, p. 22 e 23).
vivido ele traz a dúvida da recuperação.
O psicólogo ao ajudá-lo elaborar seus medos, Dependendo da patologia, o paciente internado
perdas e lutos, o ajuda também a renascer, lidando terá que se submeter a exames necessários e
melhor desta forma, com a própria doença. variados, invasivos e dolorosos, cabe então ao
psicólogo encontrar um caminho que o paciente
O indivíduo não é um ser isolado (...) não vem sozinho possa enfrentar a dor, o sofrimento e quem sabe a
ao hospital, com ele vem a doença, seus familiares e própria morte mais dignamente e com menos
todas as implicações com relação a papéis e sofrimento.
necessidades adaptativas (...) o psicólogo tem duas No consultório, é o cliente que procura os
tarefas: a de compreensão de que é um conjunto de serviços psicológicos, diferente do hospital, onde o
pessoas que adoecem e que se apresentam ao hospital... psicólogo já estará e onde o mal estar é real e vai
(Romano, 1999, p.21). além da cura do sintoma. A hospitalização não é
uma opção, é uma necessidade e, muitas vezes, de
Podemos a partir da fala da autora nos reportar a emergência. O clima é de expectativas e até de
um outro grande papel do psicólogo neste processo medo.
de Humanização Hospitalar. A sua atuação deve Neste contexto o atendimento prestado pelo
abranger também a família do paciente, psicólogo dependerá de um conhecimento prévio da
contribuindo desta forma para uma inter-relação realidade deste hospital. Isso implica em o
família, paciente e profissionais da saúde, desta psicólogo conscientizar-se também que atuará em
forma, amenizando a sua internação e suas dores. equipe e em interação com a mesma, além de
Tanto a família quanto a equipe poderão ser passar a conviver com inúmeras interferências e
ajudadas pela psicologia diante das dificuldades em variáveis marcantes.
lidar com a dinâmica da vida, quer no processo de A relação psicólogo-paciente deverá ser a
reabilitação ou na eminência de perda ou morte. questão central, mesmo que o local do atendimento
seja na enfermaria, num corredor, no bloco
É importante que o psicólogo (...) tenha a capacidade de cirúrgico ou na UTI. O gesto do psicólogo acolhe o
trabalhar conjunta e interagidamente com o médico (...)
paciente, algumas palavras falam muito e o silêncio
e toda equipe de saúde. Trabalhar conjuntamente
implica em respeitar a ciência de cada um e dos seus fala por si. O estar presente é a certeza de um apoio,
limites e ter espaço para serem colocadas todas as e “para alguns pacientes o psicólogo passa a ser
opiniões e divergências para que se possa chegar a um seus olhos e seus ouvidos (...), o paciente se entrega
denominador comum em relação ao paciente. A atuação em confiança, outorgando-lhe seus direitos de
conjunta com o médico é muito rica quando possibilita vida...” (Leitão, 1993 p. 74).
ao paciente ser atendido em seus aspectos subjetivos e Atuando numa equipe multidiscip linar, o que
concretos sem que seja fragmentado por cada diríamos da ética de cada profissional?
profissional, oferecendo a ele também uma outra escuta A ética pode ser entendida como um
para seus sofrimentos (Alamy, 2003, p.42). fundamental requisito para a convivência humana
em qualquer setor.
Não estaria aqui neste texto da autora,
fundamentos essenciais e indispensáveis ao Nossa convicção é, que a ética, com sua preocupação
processo de Humanização Hospitalar? com valores e normas para orientar nosso
Uma outra autora nos dá uma valorosa comportamento, com direitos e deveres, é uma dimensão
contribuiç ão para entendermos o quanto é fundamental da busca da humanização hospitalar
importante o psicólogo no processo de (Mezzomo et alli, 2003, p.250).
Humanização Hospitalar:
Como Humanizar Hospitais se cada profissional
O Ministério das Relações Exteriores, cita a busca da não souber ser ético? O psicólogo defronta-se não
qualidade total (...) e nomeia as regras do jogo: (...) raramente, com problemas que envolvem
trabalhar em equipe (demonstrando solidariedade), posicionamentos éticos, quer seja no trato com os
poder falar e saber ouvir (ter liberdade), dividir seus pacientes ou no convívio com os demais
responsabilidades (com participação) e ter profissionais. E saber reconhecer os seus limites e o
oportunidades para aprender e melhorar sempre
seu papel o dará mais autenticidade e domínio do
(princípio de equidade). E lá perdido num canto, o ser
humano. Ainda acuado pelo adoecer como mil séculos seu saber. “É necessário que a relação com os
outros profissionais (...) se dê num patamar de

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 33
respeito e consideração dos valores de cada desenho ou da mímica,
especificidade profissional” (Oliveira, M.F. e 2. Permitir ao paciente descobrir a melhor forma de
Ismael, S.M., 1995, p.52). lidar com as limitações impostas pela
doença/hospitalização,
3. Dar significado, a partir das interpretações e análises
CONSIDERAÇÕES FINAIS
durante o processo terapêutico à sua doença dentro do
seu contexto de vida,
Observamos no decorrer do trabalho que o tema 4. Trabalhar as questões emergenciais trazidas pelo
apresentado é muito vasto. Ao chegar a esta etapa, paciente ou doença,
não temos condições de concluí-lo. Percebemos 5. Contribuir para o atendimento do doente e não
com clareza que estamos apenas começando. Não somente o tratamento da doença
estamos encerrando um processo, demos o primeiro 6. Dar suporte ao doente e sua família, seja na
de muitos passos. internação ou no ambulatório,
Todavia, o que nos deixa radiantes, é a certeza 7. Decodificar o não-dito, avaliando as demandas, sejam
de que há sim muito a ser feito, longo caminho a do paciente, médico, etc,
ser percorrido, mas há muitas esperanças de 8. Totalizar o paciente,
9. Restabelecer “totalmente” e/ou preventivamente a
sucessos, uma vez já haver muita vontade de ação, sua saúde psíquica ao ponto de origem do desequilíbrio,
uma grande conscientização e muito já colocado em ou seja, no momento do diagnóstico médico ou da
prática. internação.
O nosso contato com os hospitais, aos quais (Alamy, 2003, p.21-2).
dedico este trabalho, permitiu a aproximação com
essa realidade. O empenho de todos os profissionais No dia-a-dia, no vai-e-vem nos corredores do
é de proporcionar um atendimento mais hospital, em meio das urgências e emergências,
humanizado. Um novo olhar pode ser percebido corremos o risco de perder nossa humanidade, de
com muita clareza. A escuta ao paciente já é tão nos tomarmos mecânicos e frios. Isto é fato! Por
importante quanto à prescrição de um isso entendemos o valor de se falar em
medicamento. As família s são vistas como Humanização, hoje, na tentativa de nos
colaboradoras no processo de recuperação do encontrarmos com nós mesmos e de identificar
paciente, participando de reuniões e palestras onde foi que nos perdemos em meio a tanta
promovidas pela Instituição e interagindo com o tecnologia.
tratamento. Realizar este trabalho, mais que um desafio, foi
Observa-se também uma preocupação de uma oportunidade de ampliar nosso conhecimento
inclusão do paciente , sem torná-lo estigmatizado sobre o tema que, como argumentamos
pela enfermidade, permitindo-o participar do seu anteriormente, tanto desperta nosso interesse.
processo de recuperação. Quanto às crianças, além Acreditamos que o que nos fará amadurecer
de poder contar com um acompanhante profissionalmente é pautar nossa prática diária o
diuturnamente, usufruem, na maioria das vezes, de mais próxima possível da realidade e do
uma brinquedoteca, onde podem, através do lúdico, sofrimento, da dor e do adoecer, a fim de evidenciar
amenizar a sua hospitalização e o seu sofrimento, a importância de nossa profissão para a promoção
permitindo-as contato com recursos audiovisuais e da saúde.
literários. Isto requer uma visão do ser humano como um
Gratificante também é sentir o reconhecimento à todo, de um atendimento mais humano, de humanos
atuação do psicólogo no contexto da Humanização mais humanizados, de uma Humanização real,
Hospitalar, mesmo que ainda tímida, conceitos que são para nós não chavões utópicos,
principalmente devido ao fato de uma não cultura mas ideais pelos quais pretendemos lutar e
da Psicologia neste contexto. Mas, entendemos e conquistar.
reafirmamos a importância da inserção do
psicólogo numa equipe multi e interdisciplinar, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
colaborando de forma grandiosa para uma realidade
tão urgente e tão necessária. ADAMS, R.W. Patch. O amor é contagioso. 7.ed. Rio de
Desta forma, não podería mos deixar de incluir Janeiro: GMT, 1998.
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emoções, seja através da palavra, da dramatização, do http://www.psicologia.cl/psicoarticulos/articulos/psicolo

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 35
PSICÓLOGO HOSPITALAR: UM ESPELHO DE REFLEXÃO1
Andréia Santiago Sobreira Santos2

Uma compreensão sobre a importância da comprometer sua reflexão. A neutralidade é mais


neutralidade do psicólogo hospitalar. importante do que eu podia imaginar. Ela começa
Palavras-chave: neutralidade, valores, agora a fazer parte da minha prática porque
contratransferência. finalmente faz sentido. Quando me refiro a todas as
formas e tamanhos de espelho, refiro-me a todos os
O que uma estagiária de psicologia hospitalar profissionais da psicologia, que têm sua
poderia contribuir com um tema há tanto tempo individualidade e formas diferentes de compreender
estudado? A neutralidade do profissional de e atuar com o paciente. No entanto, vejo que a
psicologia é assunto escrito por vários autores, que limpeza do espelho é de responsabilidade de todos,
embasam nossos estudos universitários. Eis aqui, independente da forma de trabalho. Ainda que
um relato de uma estudante que tornou vivência, a muito se tenha escrito sobre a neutralidade, o
experiência desta neutralidade, na sua primeira fantástico é acharmos sentido nas coisas que nos
atuação em um hospital. são ensinadas, é não estar mais atuando no escuro.
Quando falamos em espelho, logo nos Ser um espelho de reflexão: esta conclusão para
lembramos da nossa imagem refletida neste objeto, mim só foi possível quando olhei primeiro para o
que possui várias formas e tamanhos. O objetivo é paciente e aí percebi coisas em mim que não
de que a imagem seja vista. Nos primeiros anos da permitiriam a ele se olhar por completo, são as
faculdade, este tema da neutralidade ainda parecia sujeiras do meu espelho. É o paciente que nos ajuda
obscuro para mim. Afinal, trata-se apenas de uma a enxergar essas sujeiras. Agora, com o espelho
defesa para profissionais que trabalham com limpo, posso permitir a ele que se olhe, que se veja
pessoas? Faltava alguma coisa ainda. No meu e, o melhor, que se compreenda e possa decidir
primeiro estágio em Psicologia Hospitalar, desejava sobre sua vida. No ambiente hospitalar, isso se
experimentar a neutralidade de forma que fizesse configura em como este paciente vai lidar com o
sentido para mim e foi o que aconteceu. Atendendo seu sofrer, entendendo-o como ser bio-psico-social.
os primeiros pacientes, senti a responsabilidade de A neutralidade permite esse trabalho tão importante
ajudá-los a enxergar novas perspectivas que de alívio ou tentativa de amenização do sofrer.
pudessem aliviar o seu sofrer, ocasionado ali pela Deixo a responsabilidade que sinto hoje, com todos
doença e internação. Isto envolve o doente em si, os os que, como eu, ingressam no caminho da
familiares e demais acompanhantes presentes. psicologia hospitalar ou qualquer outra área da
Depois do primeiro atendimento, veio-me à mente, Psicologia ... Limpem seus espelhos. Sejam
então, esta figura de um espelho. Eu deveria ser um espelhos de reflexão.
espelho para as pessoas que atendia , no sentido de
que a minha presença e as intervenções fizessem
com que a pessoa olhasse para si mesma. Vejo que _________________________________________
não é um espelho qualquer, mas sim, um espelho de 1
Texto produzido durante o Curso de Verão de
reflexões. O ambiente hospitalar propicia às Psicologia Hospitalar 2004, ministrado pela psicóloga
pessoas que nele estão a reflexão sobre sua vida. Susana Alamy.
2
Agora eu vejo a neutralidade não só como proteção, Psicóloga, formada pela UNIC, Universidade de
como todos me falam, mas também como atitude e Cuiabá/MT, jan. 2005.
responsabilidade para com a pessoa atendida. É E-mail: santandreia@hotmail.com
claro que este poderia ser um fator básico para a
psicoterapia como um todo. E a nossa
responsabilidade como espelho é que este fique
limpo. As sujeiras do espelho, percebo claramente,
são nossos valores, pré-conceitos, falta de
humanidade, nossa contratransferência e outras
mais que se grudam em nós e não percebemos.
Todos esses elementos mancham o espelho,
impossibilitando a imagem pura que deveríamos
refletir, da pessoa mesma, e corremos o risco de

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 36
ESTUDO DE CASO

ACOMPANHAMENTO DA MÃE DE UM PACIENTE DE DOIS ANOS


DE IDADE COM DIAGNÓSTICO DE ASMA
Andréia Santiago Sobreira Santos*

1ª SESSÃO: 23 DE JANEIRO DE 2004 B, já havia vomitado uma primeira vez. Por isso,
não havia mais previsão de alta. No momento do
B é um garoto de 2 anos de idade, que fora encontro a criança dormia, mas ao longo da
internado, pela primeira vez, no dia 21 de janeiro de conversa, acordava um pouco para deitar no colo da
2004, com diagnóstico de asma. No primeiro mãe e depois deitava no berço novamente.
encontro, o paciente estava dormindo no leito. Sua A estagiária perguntou à mãe do paciente como
mãe acompanhava-o desde a sua entrada hospital. passara a noite. C responde que passou a noite
A estagiária perguntara do estado atual do paciente chorando, disse que era muito ruim ver o filho
e a mãe respondera que havia tido melhoras, que a daquele jeito. Na tentativa de compreender C e esta
respiração estava melhor. Foram feitas algumas aparente sensibilidade, a estagiária perguntou sobre
perguntas sobre a mãe e a família do paciente. C, a família do paciente e tentou trazer novamente a
mãe do paciente, não trabalha, somente seu marido. questão do “mais ou menos” na vida desta mãe.
Ela está com 26 anos, tem mais um filho de 8 anos Pediu-se então que ela falasse do seu
e é casada também há 8 anos. Foi perguntado à mãe relacionamento com o esposo e ela relatou: “ Ele
como estava se sentindo naquele momento e ela ficava atrás de mim direto, era muito insistente, até
disse que estava se sentindo muito cansada. que eu cedi. Sabe, eu estava com dó. Não tem
Também fora questionado a ela, como se sentia quando você namora uma pessoa por dó? Foi isso
quanto à internação do filho e esta relatou que que eu fiz. (pausa). Aí eu casei. (pausa) Casei por
desmaiou no pronto socorro quando viu o aparelho dó também.” A estagiária pergunta como o marido
de soro ser colocado no menino, mas que, agora, se dá com os filhos e a mãe responde: “Ele é bom,
neste hospital estava bem. A estagiária perguntou mas não tem muita paciência para ficar direto com
sobre o comportamento do paciente quando está as crianças. Por exemplo, agora, o meu mais velho
acordado e a mãe respondeu que ele anda para está com a minha mãe. Eu fico mais com os
todos os lados, mas só tem liberdade mesmo com a meninos. Minha vida é mesmo só com as crianças.”
mãe quanto à comida, banho e outras coisas. Em C relata que se sente sozinha e chora muito, não
casa, diz que o garoto é bem mais apegado a ela. A tem ninguém para conversar. O marido trabalha o
estagiária tentou explorar mais a questão do sentir dia inteiro e quando chega em casa, vai dormir e
da mãe, de acordo com o momento atual e não fica afim de conversar. Ela diz que o marido
perguntou como estava sua vida, ao que C não é muito de conversar. Ela fala que sua
respondeu que com ela estava tudo mais ou menos, companhia são os filhos. E quando a casa fica
mas não quis entrar em maiores detalhes. Foi cheia, é quando os filhos trazem outras crianças
perguntado o que ela precisaria naquele momento, para brincar. Então relata: “Pois é, eu só fico
para estar “mais”, e ela respondeu que, para isso era rodeada de crianças. Gosto de conversar com minha
necessário que o filho melhorasse e saísse do mãe e irmã, mas elas moram longe e eu não posso
hospital. A criança ainda não tinha previsão de alta incomodá-las sempre, né?” A estagiária pergunta se
e a estagiária achou por bem ir encerrando a sessão, C não tem vizinhos com quem possa conversar,
perguntando para a mãe se ela achava interessante mas ela disse que não, segundo ela, todos gostam
conversar outra vez. A resposta foi sim. A de fazer fuxico. A estagiária pergunta se ela sente
estagiária se prontific ou a voltar no dia seguinte. falta de pessoas com quem possa conversar no
hospital e ela responde que nem tanto, pois tem
outras pessoas ali para conversarem com ela e que,
2ª SESSÃO: 24 DE JANEIRO DE 2004 de certa forma, gostava disso. Ainda sim, ela conta
que sente muita vontade de chorar. A estagiária
No segundo encontro com B, sua mãe relatara perguntou se haveria algum problema sobre C falar
uma melhora do estado da criança, disse que os das gestações e como se sentiu. Ela disse que
médicos estavam aguardando a aceitação do poderia falar e compartilhou que, na primeira
organismo de B, dos remédios ministrados via oral. gravidez, ficou enjoada do marido e que ele nem

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 37
podia chegar perto dela. Na segunda gravidez, a de OBSERVAÇÕES
B, relata que, quando o bebê nasceu, ela não queria
ver a criança. Pediu para as enfermeiras levarem o Com esta sessão, percebeu-se uma abertura maior
bebê. Só no dia seguinte ela viu a criança. Disse de C para falar do seu sinto, depositando na
que, por algum motivo, tinha raiva, mas que depois estagiária uma confiança, que não conseguiu
passou. Foi perguntado se ela gostaria que, na estabelecer, por exemplo, com seus “vizinhos
época, algum psicólogo tivesse conversado com fuxiqueiros”. Pode-se inferir um choro de solidão, o
ela, prestando algum apoio. Ela responde que isso que poderia refletir sua vida fora do hospital. Seu
poderia tê-la ajudado. sofrer no ambiente hospitalar se intensifica com a
C estava com a aparência abatida e o cansaço doença do seu filho. A companhia das demais mães
sobre o qual falara estava exposto nela. Com base para ela parece confortante. Dentro do hospital, ela
nisso, a estagiária pergunta se não havia alguém tem com quem conversar, o que tira um pouco a
com quem pudesse revezar nos cuidados com B. impressão de ser um lugar frio. A sessão foi
Ela responde: “Tem minha mãe, ela gosta do B, encerrada com um ponto de reflexão para C ao
mas ela já está com o outro. Eu tenho vergonha de perceber-se que sua queixa se relacionava com a
pedir e ela brigar comigo. Também tenho dó dela. doença do filho, não necessariamente com o
Tenho dó do B também, eu me sinto responsável e ambiente hospitalar. Sua demanda mais profunda
fico com culpa de sair de perto dele. Eu fico teria de ser atendida em trabalho psicoterápico
achando que só eu é que tenho de cuidar dele. A clínico. Contudo, pode-se inferir que os momentos
estagiária, utilizando a história de C, pergunta no hospital tenham permitido uma oportunidade de
incisivamente: “Você disse que tem dó do seu pensar em sua vida e como esta se dava, e por isso
marido, dó da sua mãe, dó do seu filho. Quando o choro contínuo. Claro, não excluindo em hipótese
você terá dó de si mesma? Quando você se alguma, o sofrimento do filho. A rejeição deste
preocupará com você mesma? Ela disse: “É, eu não bebê, no passado, poderia ser outro fator a ser
sei, me importo mais com os outros.” Na tentativa explorado, visto que este sentimento (infere-se),
de ver possibilidades, a estagiária pergunta se C hoje, é substituído por um forte dó do seu filho e
freqüentava alguma igreja, e esta reponde que cuidado extremo, como uma responsabilidade
freqüentava a Igreja Quadrangular. Pergunta como exclusiva desta mãe, que sofre muito pelo
são as pessoas lá e ela responde que são muito adoecimento desta criança.
legais, que lá tem bastante atividade boa, mas não
participa sempre, por causa das crianças e tem dó
de pedir à mãe para cuidar e também medo dela _________________________________________
ficar brava por isso. A estagiária pergunta se não * Psicóloga – formada pela UNIC, Universidade de
valeria a pena alguma aproximação com as pessoas Cuiabá/MT, jan. 2005.
da igreja, para ela ter com quem conversar, e C E-mail: santandreia@hotmail.com
disse que seria muito bom, mas ela tem vergonha
de chegar nas pessoas. Daí segue o diálogo:
Estagiária: Mas você teve vergonha de contar
todas essas coisas para mim? Alguém que você não
conhece!
C: É diferente. Você é quem chegou em mim
primeiro.
Estagiária: Você acha que foi bom conversar?
C: Sim, acho que foi.
Estagiária: Quem sabe você poderia começar a
pensar em exercitar isso ao sair daqui? Por que não
começar com o pessoal da igreja? Pensar em você.
C: Acho que sim. Sabe, eu choro muito mesmo
quando estou sozinha aqui. Não agüento ver meu
filho desse jeito.
Estagiária: Você pode pensar mais no que
conversamos?
C: Posso tentar sim.

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 38
DEPOIMENTO DE PACIENTE

LUGAR DE IGUALDADE
Gabriela Lima

Vamos falar de igualdade.


Não é um discurso sobre a necessidade, a conquista da humanidade deste direito fundamental.
Vamos narrar a igualdade e celebrá-la.
Qual foi mesmo o momento em que nos perdemos dela?
Vamos caminhar juntos. Feche os olhos. Entregue-se ao que possa sentir ou não. Não é proibido não sentir.
Estamos nós. Vários de nós. Não importa o nome. Num mesmo lugar.
Várias camas. Vários aparelhos. Roupas de cama da mesma cor, não importa a cor. Olhe para o lado. Aquele
senhor tem muitos aparelhos ligados a seu corpo. Não se mexe.
A sua frente, uma mulher de idade avançada. Está agitada. Excesso de remédios, cateteres, enfermeiros,
luzes ...
Do outro lado. Este companheiro está melhor. Veja , ele fala. Conversa com o médico. Esse não tem a cara
tão boa assim, parece que está sem lugar.
Alguém podia fazer uma prece. É, uma prece, pedir a Deus que proteja a todos nós de qualquer mal. Que
todos somos seus filhos. Que não queremos ver a dor.
Mais uma olhada. Todos temos aparelhos à disposição. Enfermeiros a postos. Soro dependurado.
Mangueiras, seringas, dispostas em locais estratégicos.
Alguém precisa de ajuda. Eu preciso de ajuda para fazer algo que, geralmente, faço sozinha.
Chega mais alguém, inconsciente. Idade, cor, temperatura, pressão, eletrocardiograma, quadro geral narrado.
Hora de dormir. Sem exceções. Remédios, água, luz apagada. Todo mundo, dormir.
Amanhece, sem sol, mas há luz.
Camas, lençóis, café da manhã. Banho, cada um com seu enfermeiro. Quem pode, chuveiro. Demais, leito.
Mais uma vez: que Deus abençõe a todos. Que todos nós tenhamos um bom dia.
O passeio acabou.
Hora de voltar. E a igualdade onde está? Quem viu? Quem verá?
Alguns já a percebem.

_________________________________
* E-mail: CCarneiroLima@aol.com

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 39
MODELO DE ANAMNESE / PROTOCOLO1

PROTOCOLO – DOENÇAS RESPIRATÓRIAS / ANAMNESE INFANTIL


Susana Alamy2

Data: __/__/____ Psic ólogo/estagiário: __________ 12. OUTRAS DOENÇAS:


Encaminhado por: __________________________ p Não p Sim – descrevê-las e localizá-las
temporalmente):
1. PACIENTE: _____________________________
Idade: ____ a _____ m Data nasc: __/__/___ 13. Tem animais dentro de casa:
Sexo: p Masc p Fem p Não p Sim – quais?
Escolaridade: ______________________________
Endereço: (rua, n., bairro, cidade. estado e CEP): 14. DIFICULDADES encontradas no tto da
criança:

Tel.: ( ) _____________________ 15. Os pais moram juntos:


p Não p Sim
2. INFORMANTE (nome e grau de parentesco): Relacionamento deste (um com o outro – investigar
_________________________________________ como é):
1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O)
3. ID: ____________________________________
Médico: __________________________________ 16. A GRAVIDEZ foi planejada:
p Não p Sim
4. Exames complementares: p RX p Sangue Como decorreu o período da gravidez?
p Urina p Fezes p TC p EEG p Outros: Ordem na criança nas gestações:
______________
17. N. de IRMÃOS e idades:
5. DATA DA INTERNAÇÃO ATUAL: __/__/___ Falecimento de algum irmão:
Motivo da internação: p Não p Sim (quando, idade da criança, motivo):

6. INTERNAÇÕES ANTERIORES: Relacionamento da cr com os irmãos (investigar


p É a 1a. vez como é):
p Outras internações (período, hospital e motivo da 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O)
internação):
18. A mãe da criança teve algum ABORTO
7. 1a. CRISE – sintomas: (investigar em todas as respostas positivas):
p Não
8. Momentos em que piora e/ou tem crises: p Sim: p Naturais p Provocados
p Mudança de temperatura p Briga dos pais e/ou p Tentou mas não obteve sucesso
outros familiares p Ausência da figura materna
p Não sabe informar p Outros: 19. A criança faz amizades facilmente:
p Não p Sim
9. DOENÇA / INTERNAÇÃO (reação da criança e Prefere brincar p Sozinho p Com outras crianças
dos pais): Distrações preferidas:
A criança briga muito: p não p Sim (investigar):
10. Tratamento farmacológico:
p Não p Sim – quais medicamentos? 20. NASCIMENTO da criança:
p Em casa p No hospital – qual?
11. A criança já consultou psicólogo antes: Assistido por pediatra? p Não p Sim
p Não p Sim – quando e motivo: Parto: p Normal p Cesariana p Fórceps

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 40
21. Há presença de (investigar em que situações como é):
específicas ocorrem e desde quando): 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O)
p Distúrbios do sono:
p Insônia 24. Relacionamento da cr com os AVÓS (investigar
p Acorda no meio da noite presença dos avós na vida da criança e discriminar
p Sonambulismo entre avós paternos e maternos):
p Bruxismo 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O)
p Fala dormindo
p Pesadelos 25. EM CASA
p Sono agitado A cr reside com: p Os pais p Mãe p Pai p
p Enurese: p Noturna p Diurna Avó p Irmãos p Outros:
p Chupa dedos Quantas pessoas moram juntas?
p Gagueja Renda familiar mensal (em salários mínimos):
p Tem dificuldades para falar p 1 p 1 a 3 p 3 a 5 p Mais de 5:
p Dificuldade de compreensão A criança ajuda em casa trabalhando (investigar
p Roe unhas que trabalho faz e se é remunerado): p Não p
p Baba enquanto dorme Sim
p Sudorese durante o sono
p Convulsões 26. Parentes próximos (investigar grau de
p Desmaios parentesco, patologia, como foi realizado
p Cefaléia tratamento etc.):
p Um sonho que se repete: p Problemas respiratórios
p Estados depressivos p Alergias
p Ansiedade p “Nervoso”
p Angústia p Débil mental
p Desesperos p Alcoolista
p Medos p Usuário de drogas
p Timidez p Fumante
p Perfeccionismo p Suicídio
p Tensão p Homicídio
p Dores de estômago p Outros:
p Labilidade de humor
p Stress (físico e emocional?) 27. Como a mãe percebe a criança (qualidades e
p Outros: defeitos que atribui à criança):

22. RELIGIÃO da criança:


De quem recebe orientação religiosa? 28. Como a mãe percebe a si mesma (qualidade e
Como a cr percebe Deus na sua vida? defeitos que atribui a si mesma):
A cr tem o hábito de rezar / orar?

23. FILIAÇÃO – RELACIONAMENTO 29. Como a criança ocupa o seu tempo (descrever
Pai: ______________________________________ um dia comum na vida da criança):
Idade: ____________
Grau de instrução e profissão: _________________
Tem trabalho: p Não p Sim 30. Acontecimentos importantes na vida da criança:
Óbito: p Não p Sim
Relacionamento da cr com o pai (investigar como
é): 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O) 31. História sexual (investigar se necessário):

Mãe: _____________________________________ 32. TRAUMAS (situações traumáticas na vida da


Idade: ____________ criança):
Grau de instrução e profissão: _________________
Tem trabalho: p Não p Sim 33. PERSPECTIVAS (ideais, desejos da criança):
Óbito: p Não p Sim
Relacionamento da criança com a mãe (investigar 34. Outras queixas e/ou informações:

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 41
PARA O ENTREVISTADOR PROTOCOLO MORADIA
1. Exame psiquiátrico:
Data: __/__/___
2. Informante durante a entrevista:
1. Residência:
3. Exames psicológicos complementares: p Própria
p Aluguel
4. PARECER DO ENTREVISTADOR: p Outros – especificar:

5. Procedimento psicológico a ser adotado: 2. N. de cômodos – especificar quais cômodos:


p Somente anamnese
p Psicoterapia para a mãe 3. Teto:
p Acompanhamento para a mãe p Laje
p Ludoterapia / acompanhamento individual para a p Telhas
criança p Forro
p Ludoterapia / acompanhamento em grupo para a p Outros – especificar:
criança
4. Parede da sala:
6. Início do atendimento / acompanhamento p Reboco
psicológico: __/__/_ __ p Cimento
Fim do atendimento / acompanhamento p Tinta
psicológico: __/__/___ p Papel de parede
p Mofo
7. Alta hospitalar: __/__/___ Óbito: __/__/___ p Rachaduras
p Outros – especificar:
Se necessário acrescentar observações
complementares. 5. Parede do cômodo onde dorme a criança:
FAZER O PROTOCOLO MORADIA EM p Reboco
ANEXO. p Cimento
p Tinta
__________________________________ p Papel de parede
Assinatura do entrevistador p Mofo
p Rachaduras
p Outros – especificar:

6. Piso:
p Chão batido
p Concreto
p Ardósia / outras pedras
p Carpete
p Taco
p Outros – especificar:
p Desnível – descrever:

7. Luz:
p Natural p Artificial

8. Janelas:
p Não
p Sim – quais cômodos?
p Outra resposta:

9. Cortinas / persianas / painel:


p Não
p Sim – onde e qual tipo?

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 42
10. Plantas:
p Não
p Sim – onde?

11. Localização da cama da criança no cômodo:

12. Árvore perto da casa?


p Não
p Sim – onde?

13. Criança toma sol regularmente:


p Não
p Sim – quando?

14. Sol bate na casa:


p Não
p Sim – onde?

15. Em qual cômodo da casa a criança permanece


mais tempo?

16. A criança permanece mais tempo:


p Dentro de casa
p No quintal

___________________________________
Assinatura do entrevistador

_________________________________________
1
Com o objetivo de ajudar aos leitores na confecção de
uma anamnese, disponibilizamos um modelo completo
para entrevista na pediatria, a partir do qual poderão
adptar à realidade dos seus pacientes e à sua necessidade.
Aos leitores que quiserem colaborar, poderão enviar-
nos sua anamnese ou protocolo, pois assim estaremos
cumprindo nosso objetivo de troca de informações e
ampliando o espaço de conhecimento de todos os
estudantes e profissionais da saúde.

2
Psicoterapeuta, psicóloga habilitada em psicologia
clínica, especialista em psicologia hospitalar, professora
de psicologia hospitalar e supervisora de estágios, autora
do livro “Ensaios de Psicologia Hospitalar” (2003).
CRPMG 6956.
Home page:
http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar
E-mail: susanaalamy@uol.com.br

Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 43
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al.html&2 Portal Periódicos CAPES
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saObraForm.jsp otecas/

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EVENTOS

CURSO: PSICOLOGIA HOSPITALAR EM III CONGRESSO INTERAMERICANO DE


HOSPITAL GERAL – 1º. semestre 2005 PSICOLOGIA E SAÚDE: TERRITÓRIO E
Período das aulas: 01 de abril a 24 de junho de 2005 PERCURSOS DO PSICÓLOGO HOSPITALAR
Matrícula: 15 de fevereiro a 29 de março de 2005 9 a 11 de junho de 2005
Belo Horizonte/MG São Paulo/SP
Tel.: (31) 9141-9106 Tel.: (11) 3064-3186 e 3069-6459
E-mail: psicologiahospitalar@uol.com.br E-mail: dipichc@hcnet.usp.br
Site: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar/ Site: http://www.cepsic.org.br/

3O. CONGRESSO DA SOCIEDADE VI ENCONTRO BRASILEIRO DE TRANSTORNOS


INTERNACIONAL DE MEDICINA FÍSICA E DE ALIMENTARES E OBESIDADE
REABILITAÇÃO 24 a 26 de junho de 2005
10 a 14 de abril de 2005 São Paulo/SP
São Paulo/SP E-mail: silvia@inoeeventos.com.br e cordas@usp.br
Tel (11) 3168-3538
Site: http://www.adtevento.com.br/isprm/site/

30º. CONGRESO INTERAMERICANO DE


PSICOLOGIA
XX CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE 26 a 30 de junho de 2005
ONCOLOGIA PEDIÁTRICA Buenos Aires/ARGENTINA
19 a 22 de abril de 2005 http://www.sip2005.org.ar/
Campo Grande/MS
Site: http://www.slaop2005.com/principal.htm

CURSO DE INVERNO DE PSICOLOGIA


HOSPITALAR 2005
I CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE Período das aulas: 18 a 29 de julho 2005
PSICOLOGIA – ULAPSI Matrícula: 10 de maio a 08 de julho de 2005
20 a 23 de abril de 2005 Belo Horizonte/MG
São Paulo/SP Tel.: (31) 9141-9106
Site: http://www.ulapsi.org/congresso E-mail: psicologiahospitalar@uol.com.br
Site: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar/

III CONGRESSO BRASILEIRO DE TANATOLOGIA


E BIOÉTICA IV CONGRESO MUNDIAL DE PSICOTERAPIA
27 a 30 de abril de 2005 27 a 30 de agosto de 2005
São Paulo/SP Buenos Aires/ARGENTINA
E-mail: tanato2005@4estacoes.com http://www.4cmp.org.ar/
Site: http://www.4estacoes.com/tanato2005/

7º CONGRESSO INTERNACIONAL DE
V CONGRESSO DO NESME – NÚCLEO DE PSICOTERAPIA CORPORAL
ESTUDOS EM SAÚDE MENTAL 12 a 16 de outubro de 2005
IV ENCONTRO PAULISTA DE PSIQUIATRIA E São Paulo/SP
SAÚDE MENTAL http://www.cipc2005.org/
VII JORNADA DA SPAGESP – SOCIEDADE DE
PSICOTERAPIAS ANALÍTICAS
GRUPAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO __________________________________
12 a 15 de maio de 2005 Para divulgar seu evento contacte-nos pelo e-mail:
São Paulo/SP
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Site: http://www.spagesp.hpg.com.br ou psicologiahospitalar@uol.com.br

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