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necessidade de se transmitirem saberes ganhou dimensões materiais. É nesse
sentido que existe uma ponte entre o pensamento antigo e o moderno, na
medida em que é detectado em contextos sociais e históricos tão distantes
“uma atitude orientada para a analise de casos individuais, reconstruíveis
somente através de pistas, sintomas, indícios” (p. 154).
Discutindo também a arte indiciária no contexto da Grécia antiga, o autor
atenta para a transformação significativa, que desembocará em uma maior
sofisticação, dessa forma de pensamento, na medida em que, na Grécia, “o
corpo, a linguagem e a história dos homens foram submetidos pela primeira
vez a uma investigação sem preconceitos, que por principio excluía a
intervenção divina” (p. 155).
O saber conjetural, exercido por vários segmentos sociais, que o
aplicavam para solucionar os problemas cotidianos e exercerem ofícios
específicos, levam Ginzburg a discutir o lugar ocupado pelo historiador no
âmbito da ciência moderna, a partir de Galileu. Para o autor, a atitude
cognoscitiva do historiador é individualizante, diferente do método
epistemológico generalizante, das ciências naturais, apresentando
semelhanças com a postura do médico diante do paciente que “utiliza os
quadros nosográficos para analisar o mal especifico de cada doente. E, como o
do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural” (p.157).
As tentativas de se equiparar às ciências humanas as naturais, são
palco para diversas crises de ordem filológicas. Ginzburg também atenta para a
questão de que o saber individualizante foi quase sempre aplicado de forma
antropocêntrica e etnocêntrica quando destinado a sistematizar o controle
social na aurora das sociedades tecnocráticas. É nesse contexto, a partir do
século XVIII, que ocorre uma apropriação dos saberes populares por parte da
burguesia, desembocando em um processo de aculturação, cujo maior símbolo
é a Enciclopédia de Diderot e D´Alembert.
Comparando a forma que o paradigma indiciário adquire na
modernidade com a forma de um tapete, cujos fios epistemológicos
entrecruzam-se formando figuras interligando o antigo e o moderno que
constroem essa aparência mórfica para o saber indiciário, Ginzburg começa a
“desfiar” esse tapete, pois “uma coisa é analisar pegadas, astros, fezes (...),
catarros, córneas, pulsações, campos de neve ou cinzas de cigarro. Outra é
analisar escritas, pinturas ou discursos” (p. 171). A partir daí, Ginzburg recorre
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a diversos conceitos cunhados por Marx para pensar os modos que o saber
individualizante foram usados pela ordem dominante, durante a consolidação
do capitalismo industrial, para dar inicio a “criminalização da luta de classes”,
colocando em prática um “projeto geral, mais ou menos consciente, de controle
generalizado e sutil sobre a sociedade” (p. 173).
Assim, nesse contexto, surgem os métodos policiais dedutivos como a
elaboração dos retratos falados, e os de identificação individualizante, como a
analise das impressões digitais que sintetizam o intuito coercitivo desse projeto,
justificado por um discurso científico, pois, durante o colonialismo, “nas
colônias britânicas, e não somente na Índia: os nativos eram analfabetos,
litigiosos, astutos, mentirosos e, aos olhos de um europeu, todos iguais entre
si” (p. 176). Ginzburg procura assim, partindo de exemplos históricos,
evidenciar o caráter etnocêntrico com que o saber indiciário foi
institucionalizado e exercido pela ordem burguesa.
Finalizando suas reflexões com uma indagação sobre a flexibilidade do
paradigma indiciário, Ginzburg considera que o saber indiciário é volúvel, tendo
de adaptar-se a cada circunstância em que é aplicado, seja na analise
morelliana da arte, nas elucidações detetivescas de Holmes, na interpretação
analítica da psique de Freud, durante a consolidação da ordem burguesa ou no
gesto do caçador que quer encontrar sua presa seguindo suas pegadas em
uma floresta. Assim, a intuição indiciária “une estreitamente o animal homem
as outras espécies animais” (p. 179).
Referência Bibliográfica: