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Conta-se que um dia Deus chamou um rei ao alto de uma montanha e lhe ordenou
construir uma grande arca. O rei solicitou detalhes, disse que precisaria de pelo menos 6
meses de prazo para cumprir a ordem. Deus compreensivo lhe deu um ano. Desceu o rei
da montanha e voltou ao palácio. Em lá chegando chamou seu velho conselheiro e
pediu-lhe sugestões de como se desincumbir da tarefa. Foi informado de que numa
cidade vizinha havia um velhinho, artesão de primeira, perito na construção de barcos.
O rei imediatamente mandou que a ele se encomendasse a arca, que deveria ser tão
grande quanto a vontade de Deus.
Em poucos dias a notícia vazou e o conselho dos sábios solicitou ao rei audiência
urgente para opinar sobre o assunto. Audiência concedida.
- “Majestade, Vossa Alteza não acha temeridade delegar a ordem de Deus a um velho
sem cultura, que mal sabe ler, talvez nem saiba fazer contas e, por certo tem
conhecimentos arcaicos tão ultrapassados quanto sua velhice? Não seria prudente
convocar os intelectuais do reino, os grandes construtores cuja qualidade é
reconhecida até pelos países vizinhos, os executivos de primeiro escalão, os mestres
de renome para assumir tarefa de tal envergadura? Mesmo que não tenham lá
experiência tão específica, este é detalhe sem importância. Já construíram obras
monumentais, pontes, estradas, poderosíssimas armas de guerra, inclusive catapultas
gigantescas, sobra-lhes cultura e, a competência de muitos construtores tem
inclusive a certificação “OSI” ÓTIMO SISTEMA IMPLEMENTADO.
O rei não resistiu aos argumentos. Pra cumprir ordem de Deus, zelo nunca era
excessivo. Nomeou os interlocutores diretores do empreendimento. Facultou-lhes
convocar para assessorá-los as celebridades que julgassem necessárias e da confiança de
cada um. Autorizou ainda que seus arautos procurassem por todo o reino candidatos à
seleção para o segundo terceiro e quarto escalões. Os sábios saíram orgulhosos, estava a
seu cargo o mais ambicioso projeto do reino, o PROJETO ARCA desde logo
batizado de “Projarca”.
Passados dois meses o rei reconvocou os diretores do “Projarca” para saber das
novidades. As notícias não foram das melhores. As equipes encarregadas da construção
não estavam falando a mesma linguagem. Haviam muitas ordens e contra-ordens, pouco
se fazia e muito se desfazia. Dizia-se que era comprado mais do que o necessário mas
que havia escassez de material de construção com suspeitas de desvio. Fazia-se
necessária uma urgente auditoria. Imediatamente o rei ordenou a criação de uma equipe
permanente de auditores da arca a “Auditarca” que no máximo em trinta dias deveria
enviar relatórios detalhados da situação.
Ao cabo dos trinta dias chega o relatório alarmante. Havia um rombo enorme nos custos
do projeto. Muitas das obras terceirizadas haviam sido super faturadas, desvios haviam
e muito maiores do que se temia e se não bastasse, entre os envolvidos com a
roubalheira haviam até monarquistas. O custo ultrapassara em muito as previsões, o
aporte de mais verbas era indispensável. O rei que já estava com os cofres quase vazios
radicalizou. Convocou equipe de consultores impolutos e de altíssimo nível e constituiu
uma superintendência de consultoria e controle da arca a “Superconsultarca” com
supremos poderes sobre tudo e sobre todos.
Mal decorreu um mês e chegou ao rei o boato de que a politicagem imperava entre os
gênios da “Superconsultarca”. Cada um se achava mais competente que os outros,
todos discordavam de todos havendo até alguns com idéias republicanas. Os impasses
se sobrepunham às soluções e o “Projarca” vagava sem rumo. O medo de não
conseguir cumprir os prazos de Deus se destituísse todo o alto escalão e a
impossibilidade de encontrar substitutos à altura, levou o rei a subordinar toda a
“Superconsultarca” a um súdito de sua inteira confiança que ganhou o cargo de
Gerente Geral da Arca “Gerarca”.
O rei foi cedinho à montanha falar com Deus. Foi recebido, mas Deus foi bem claro.
Todos os prazos pedidos tinham sido dados e em dobro. Não haveria mais prazo.
Quando o rei desceu da montanha caia uma chuva fininha. Quando chegou à cidade
chovia aos cântaros. Ao fim do dia a água no palácio já chegava aos joelhos. Choveu
toda a noite. O sol que veio acordar o reino se espantou ao ver o palácio submerso,
como submersa estava toda a cidade. Emersas somente as torres do palácio,
inteiramente recobertas por um enxame de mestres, consultores, auditores, gênios tantos
e tão brilhantes que até o sol com pontinha de ciúme sentiu-se ofuscado. Entre os
encarrapatados às torres, agarrados com dentes e unhas, até as dos pés, estava também o
rei. Nisto vislumbrou-se no horizonte algo em movimento.
- “O que é aquilo? Um barco? Não... é uma arca. Chamem urgente aquela arca”!!!
gritou o rei.
- “Conheço aquele tipo de arca. É Noé aquele velhinho construtor de barcos, ele está
muito distante para nos ouvir, não vai parar”.
E sob a tempestade que não parava, a arca de Noé que no seu interior só levava bichos,
sumiu, tragada pelo horizonte.