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Blog da Psicologia da Educação | A psicologia da Gestalt nos dias atuais - Köhler

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A psicologia da Gestalt nos dias atuais - Köhler

Fragmento de: "A psicologia da Gestalt nos dias atuais" de Wolfgang Köhler
Fonte: KOHLER, Wolfgang. Wolfgang Köhler: Psicologia. São Paulo: Ática, 1978. p. 148-154.
Publicação original: Köhler, Wofgang. Gestalt Psychology Today. In HENLE, M. (org.).
Documents of Gestalt Psychology. Berkeley e Los Angeles, Califórnia, University of California
Press, 1961. pág. 1-15. Tradução de Sylvio Uliana. A seguir, fragmentos do texto integral.

(...)

Gostaria de começar com algumas observações sobre a história da Gestalt – pois nem todos os
capítulos dessa história são conhecidos de modo geral. No século passado, na década dos oitenta, os
psicólogos europeus se viram profundamente confusos com a afirmação de von Ehrenfels de que
milhares de impressões perceptivas possuem características que não podem ser obtidas das
características de seus componentes últimos, as chamadas sensações. Como exemplos, foram
usadas cordas e melodias na audição, características de forma dos objetos visuais, aspereza ou
maciez nas impressões tácteis etc. Todas essas "qualidades próprias da Gestalt" têm uma coisa em
comum. Quando os estímulos físicos em questão sofrem considerável variação, sendo mantidas
constantes as suas relações, as qualidades características da Gestalt permanecem quase as
mesmas. Mas, na época, era pensamento geral que as sensações envolvidas são determinadas
individualmente pelos seus estímulos individuais, e deviam, por isso, variar quando estes sofriam
grande variação. Como poderiam, então, permanecer constantes quaisquer características da
situação perceptiva sob tais condições? De onde vinham as qualidades próprias da Gestalt? As
qualidades descritas por Ehrenfels não são ingredientes fantasiosos desta ou daquela situação em
particular, que podemos ignorar tranqüilamente. Pertencem a essa classe as características
estéticas tanto positivas como negativas do mundo que nos cerca, quer se trate de ornamento,
pintura, escultura, música etc., ou de árvores, paisagens, casas, carros -- e outras coisas do tipo.
Nem é preciso ressaltar que as relações entre os sexos dependem, em grande parte, de espécimes
da mesma classe. Por isso, não é seguro lidar com problemas da Psicologia como se não existissem
tais qualidades. E, no entanto, a começar do próprio Ehrenfels, os psicólogos ainda não foram
capazes de explicar a natureza delas.

Isso se aplica também àqueles que, mais tarde, foram chamados psicólogos da Gestalt, incluindo-se
este autor. As idéias e investigações de Wertheimer se desenvolveram em direção diferente. Seu
modo de pensar era também mais radical que o de Ehrenfels. Ele não indagava: Como são possíveis
as qualidades da Gestalt, quando, basicamente, o cenário de percepção consiste de elementos
separados? Ele, antes, objetava a essa premissa, a tese de que a reflexão do psicólogo deve
começar pela consideração de tais elementos. Achava ele que, de um ponto de vista subjetivo, pode
ser muito atraente pressupor que todas as situações de percepção consistem de componentes
independentes, muito pequenos. Pois, com base nessa suposição, obtemos um quadro
extremamente claro daquilo que se situa por trás dos fatos observados. Mas, como sabemos que
uma clareza subjetiva desse tipo está de acordo com a natureza daquilo que temos diante de nós?
Talvez paguemos o preço da clareza subjetiva do quadro costumeiro, ignorando todos os processos,
todas as inter-relações funcionais, que possam ter operado antes de haver um cenário de percepção,
e que influenciem, dessa forma, as características deste. Ser-nos-á permitido impor à percepção
uma extrema simplicidade, que ela, objetivamente, pode não possuir?

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Lembramos que Wertheimer começou a raciocinar desse modo, na ocasião em que fazia
experimentos não com situações de percepção estacionárias -- e, portanto, comparativamente
mudas --, mas com objetos visuais em movimento, quando os estímulos correspondentes ficavam
estáticos. Diríamos, então, que tais "movimentos aparentes" ocorrem, quando vários objetos visuais
aparecem ou desaparecem em certas relações temporais. Usando novamente nossa linguagem
atual, ocorre, em tais circunstâncias, uma interação que faz, por exemplo, com que um segundo
objeto apareça demasiado próximo ou em coincidência com um primeiro, que está desaparecendo,
de sorte que, somente quando se apaga realmente o primeiro objeto e, portanto, a interação, pode o
outro mover-se para a sua posição normal. Se isso é interação, ela não ocorre, como tal, no cenário
de percepção. Nesse cenário, nós apenas observamos um movimento. Só podemos descobrir que
movimentos desse tipo não correspondem àqueles reais dos objetos-estímulo, devendo, portanto,
ser produzidos por uma seqüência dos dois objetos, se examinarmos a situação física. Segue-se que,
se o movimento observado é o resultado perceptivo de uma interação, esta ocorre fora do campo
perceptivo. Assim, o movimento aparente confirmava a suspeita mais geral de Wertheimer: não
podemos pressupor que o cenário perceptivo seja um agregado de elementos desconexos, só
porque certos processos subjacentes já estejam funcionalmente inter-relacionados, quando aquele
cenário aparece à tona e exibe, então, efeitos correspondentes.

Wertheimer não ofereceu explicação fisiológica mais específica. Na época, isso teria sido impossível.
Voltou-se ele, em seguida, para o problema de verificar se as características dos campos perceptivos
estacionários também são influenciadas por interações. Não é preciso relembrar a maneira como ele
investigou a formação de unidades molares de percepção e, de modo mais particular, a formação de
grupos de tais objetos. Padrões por ele usados, para esse fim, encontram-se agora reproduzidos em
muitos compêndios. Demonstram, claramente, que são as relações entre os objetos visuais que
decidem quais os que se tornam membros do grupo e quais os que não se tornam, e onde, dessa
maneira, um grupo se separa de outro. Há, nesse fato, a forte sugestão de que os grupos
perceptivos são estabelecidos por interações; e, como o observador ingênuo toma consciência
apenas do resultado, os grupos percebidos, mas não de sua dependência de relações particulares,
tais interações ocorreriam mais uma vez entre os processos subjacentes em vez de dentro do campo
perceptivo.

Permitam-me acrescentar uma outra observação sobre esse primeiro estágio do desenvolvimento.
Sem dúvida, naqueles tempos, os psicólogos da Gestalt não se satisfaziam com uma simples
apreciação dos fatos disponíveis. Parece que isso se dá com toda tendência nova importante dentro
da Ciência. Ficamos entusiasmados com o que descobrimos, e ainda mais entusiasmados com a
perspectiva de encontrar novos fatos reveladores. Além disso, não era apenas a novidade
estimulante de nossa empresa que nos inspirava. Sentíamos, também, como que uma grande onda
de alívio -- como se estivéssemos fugindo de uma prisão. A prisão era a Psicologia como era
ensinada nas universidades, quando ainda éramos estudantes. Naquela época, ficamos chocados
com a tese, segundo a qual todos os fatos psicológicos (não apenas os relativos à percepção)
consistem de átomos inertes não-relacionados, e segundo a qual os fatores quase únicos que
combinam esses átomos, introduzindo assim a ação, são as associações formadas sob a influência
da mera contigüidade. O que nos perturbava era a completa falta de sentido desse quadro e a
implicação de que a vida humana, aparentemente tão colorida e cheia de dinamismo, é, na verdade,
horrivelmente maçante. Isso não se dava com o nosso novo quadro, e sentíamos que novas
descobertas viriam destruir o que restara do velho. Outras investigações, nem todas realizadas pelos
psicólogos da Gestalt, logo vieram reforçar a nova tendência. Rubin chamou a atenção para a
diferença entre figura e fundo. David Katz encontrou amplas evidências para o papel dos fatores da
Gestalt no campo do tacto, bem como da visão a cores e assim por diante. Por que tanto interesse
apenas pela percepção? Simplesmente porque, em nenhum outro campo da Psicologia, os fatos são
tão acessíveis à observação. Todos esperavam que, assim como alguns princípios funcionais

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importantes haviam sido revelados nessa parte da Psicologia, outros semelhantes mostrar-se-iam
relevantes para mais partes, tais como a memória, a aprendizagem, o pensamento e a motivação.
De fato, foi precisamente desse ponto de vista que eu e Wertheimer iniciamos nossos primeiros
estudos sobre os processos intelectuais. Algum tempo depois, Kurt Lewin começava suas
investigações sobre a motivação que, em parte, seguia as mesmas linhas. E também aplicamos o
conceito de Gestaltung (ou organização) à memória, à aprendizagem e à retenção. Provavelmente
todos estão familiarizados com o desenrolar dos acontecimentos na América, com a análise de
Wertheimer mais aprofundada sobre o pensamento, as investigações de Asch e Heider sobre a
Psicologia Social, nosso próprio trabalho sobre efeitos figurais posteriores e, afinal, sobre as
correntes cerebrais.

(...)

Que é o insight? Em seu sentido restrito, o termo se refere ao fato seguinte: quando tomamos
consciência de uma relação, qualquer relação, ela não é experimentada como um fato em si mesmo,
mas, antes, como algo que se conclui das características dos objetos que estão sendo considerados.
Ora, quando os primatas tentam resolver um problema, seu comportamento muitas vezes
demonstra que eles estão cientes de uma certa relação importante. Mas, agora, quando eles põem
em uso esse insight, e assim resolvem o seu problema, deve essa realização ser chamada solução
por insight? Não, de modo algum ficou claro que também o insight que fez emergir aquela relação
em particular. Em uma dada situação, nós ou um macaco podemos tornar-nos conscientes de
inúmeras relações. Em determinado momento, se nós ou o macaco atendermos a relação certa, isso
pode acontecer por diversas razões, algumas que não têm qualquer relação com o insight.
Conseqüentemente, não é válido denominar o processo inteiro de "solução por insight" . Isso se
tornará particularmente óbvio, quando a solução do problema for arbitrariamente escolhida pelo
experimentador. Tomemos os excelentes experimentos de Harlow, nos quais se espera que os
macacos escolham o objeto ímpar de um grupo de objetos. A "condição de ímpar" é um fato
particular de relação. Uma vez que o macaco o atenda, percebê-lo-á com insight. Mas por que
deveria faze-lo nas primeiras tentativas? Suas primeiras escolhas serão determinadas por um ou
outro fator, até que, casualmente, atenda, uma vez ou repetidamente, a relação "condição de
ímpar", quando escolher (ou deixar de escolher) o objeto certo. Aos poucos, então, atenderá a essa
relação particular em todas as tentativas, e poderá fazê-lo, mesmo quando são mostrados objetos
inteiramente novos. Sem dúvida, tal processo não pode ser chamado simplesmente "aprendizagem
por insight". Se Harlow dissesse que, nessas circunstâncias, a aprendizagem de um tipo ou de outro
é que dá à relação certa e, ao insight correspondente, a chance de operar, eu concordaria
imediatamente. Creio que os macacos não aprendem é o insight de qual objeto é o ímpar em dado
grupo; mas eles precisam, em primeiro lugar, aprender a prestar atenção ao fator "condição de
ímpar". Espero que isso esclareça as coisas. Nem sempre me foram tão claras.

Quando a solução de um problema não é arbitrariamente escolhida pelo experimentador e, sim,


mais diretamente relacionada à natureza de dada situação, o insight pode desempenhar um papel
mais importante. Mas, mesmo nessas circunstâncias, não é apenas o insight que faz surgir a
solução. O simples fato de que, muitas vezes, as soluções surgem com surpresa para os próprios
sujeitos de experiência, é prova clara de que não pode ser o insight apenas o responsável pela
origem delas.

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Wolfgang Köhler, juntamente com Max Wertheimer e Kurt Koffka, são os


fundadores e principais autores da Psicologia da Gestalt ou Psicologia da Forma.

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