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Biotecnologia aplicada à

CULTURA DE TECIDOS PRODUÇÃO DE MUDAS


Produção de mudas micropropagadas de abacaxi

1. Importância da portadores de abacaxi são os Estados


cultura do abacaxi Unidos, a França, Alemanha e Holan-
da, que importaram, em 1998,
O abacaxi (Ananas comosus (L.) 1.370.025, 181.449, 162.479 e 136.002
Merril) é uma fruta tropical apreciada toneladas, respectivamente (FAO,
mundialmente pelo seu aroma e sabor 2000).
acentuados. Além de apresentar pro-
priedades medicinais, tem alto valor 2. Métodos de propagação
nutritivo, sendo particularmente rico do abacaxizeiro
em sais minerais e vitaminas. O consu-
mo pode ser feito in natura ou proces- A planta do abacaxi pode ser pro-
sado na forma de compota, geléia, pagada de diversas formas, contudo
sorvete, diferentes tipos de sobremesa sua propagação é predominantemen-
e na indústria de confeitaria. te assexuada. A produção de mudas
Essa cultura ocupa o nono
lugar no ranque mundial das
frutas, com uma produção
de 13.444.203 toneladas de
frutos. O maior produtor
mundial de abacaxi é a Tai-
lândia, com uma produção
de 2.353.037 toneladas, em
1999. O Brasil está em se-
gundo lugar, com uma pro-
dução de 1.740.840 tonela-
das de frutos, numa área
João Batista Teixeira, plantada de 51.191 ha (FAO,
Ph.D., Biologia Celular
batista@cenargen.embrapa.br 2000).
O mercado mundial de
Andréa Rachel Ramos Cruz, exportação de abacaxi mo-
M.Sc., Fruticultura
rachel@cenargen.embrapa.br vimentou, em 1999, um vo-
lume de recursos da ordem
Francisco Ricardo Ferreira, de um bilhão de dólares,
D.Sc. Fruticultura
fricardo@cenargen.embrapa.br sendo as Filipinas, a Tailân-
dia e a Costa Rica os princi-
Embrapa-Recursos Genéticos e
Biotecnologia,
pais países exportadores,
Brasília, DF. com um volume de exporta-
ção de 582.691; 398.626 e
José Renato Santos Cabral,
M.Sc., Melhoramento de Plantas
276.680 toneladas, respecti-
jrenato@cnpmf.embrapa.br vamente. O Brasil ocupou o
sétimo lugar, com um volu-
Embrapa Mandioca e Fruticultura,
Cruz das Almas, BA me exportado de 15.796 to- FIGURA 1. Tipos de mudas produzidas
neladas. pela planta de abacaxi, utilizadas na
Fotos cedidas pelos autores Os principais países im- propagação convencional

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via semente, embora possível, é utili- brevipes, a broca do fruto (Thecla Smoth Cayenne, Jupy e Pérola, são
zada basicamente por melhoristas para basalides), a broca do talo (Castnia suscetíveis, essa doença constitui uma
fins de obtenção de híbridos entre icarus) e o ácaro Dolichotetranychus ameaça constante à abacaxicultura na-
diferentes genótipos, em programas floridanus são as pragas que têm cau- cional. O fungo Fusarium subgluti-
de melhoramento genético. sado maiores danos à cultura (San- nans (Wollenw. & Reinking) Nelson,
O método convencional de propa- ches, 1999). Tousson & Marasas comb. Nov. (Nel-
gação do abacaxizeiro é feito por meio Outras pragas como insetos, nema- son et al., 1983), causador da fusario-
de mudas formadas a partir de brota- tóides e sínfilos podem atacar o abaca- se, é capaz de atacar diferentes partes
ções laterais da planta, denominadas xizeiro causando danos nas raízes, da planta do abacaxizeiro. No material
filhote, filhote-rebentão ou rebentão hastes, folhas e frutos, que contribuem propagativo (coroa, filhote, filhote-
(Figura 1). A coroa dos frutos pode para a redução da produtividade e/ou rebentão e rebentão), o ataque ocorre
constituir material propagativo, embo- depreciação do fruto. Entre as princi- na haste caulinar, causando lesões,
ra não seja muito utilizada, já que pais, podem ser citadas o sínfilo (Han- exsudação de goma e infecção na base
acompanha o fruto na época da co- seniella sp.), nematóides (Meloidogy- das folhas. Entretanto, em sua fase
mercialização. É possível também ob- ne javanica, Meloidogyne incognita, inicial, a fusariose pode passar desper-
ter mudas através de cebida e ser introdu-
métodos de secciona- zida em áreas novas
mento do caule, des- de plantio com mu-
truição do meristema das contaminadas.
apical, tratamento quí- Assim, a movimenta-
mico durante a dife- ção de mudas infec-
renciação floral e por tadas constitui a prin-
cultura de tecidos (Rei- cipal forma de disse-
nhardt & Cunha, 1999). minação da doença
dentro de uma mes-
3. Demanda por ma região ou mesmo
mudas de alta entre regiões distan-
qualidade tes (Matos, 1987).
Uma vez introduzido
O uso de mudas numa determinada
convencionais de bai- região, o patógeno é
xa qualidade pode acar- disperso pelo vento,
retar problemas para a FIGURA 2. A-Haste caulinar de muda tipo filhote sem as folhas, pela chuva, por im-
lavoura a ser estabele- com diâmetro da base de 3 cm e comprimento de 5 cm, aproxi- plementos agrícolas e
cida em conseqüência madamente; B-Segmentos da haste contendo uma gema cada; C- veículos, pelo próprio
do baixo vigor, ocasio- Gemas em desenvolvimento, após 1 a 2 meses de cultivo homem, e também
nado principalmente por insetos, que, ao
pela contaminação por pragas e doen- Pratylenchus brachyurus, Rotylenchu- visitarem uma planta infectada, aca-
ças. lus reniformis), cupins (Cornitermes bam por levar em seu corpo o fungo e,
A cochonilha (Dysmicoccus brevi- striatus, Syntermes silvestrii), formigas ao posarem em outras plantas, por
pes) representa a principal praga da (Atta bisphaerica), percevejo (Lybin- inocular a doença. O solo, felizmente,
cultura em todo o mundo e sua infes- dus dichrous), broca do colo (Paradi- não constitui um repositório de persis-
tação leva ao aparecimento da mur- ophorus crenatus), caruncho (Parisos- tência do Fusarium, uma vez que o
cha-do-abacaxizeiro. Embora a associ- choenus ananasi) e cochonilha pe- fungo não produz clamidosporos, o
ação dessa cochonilha com a murcha quena (Diapsis bromeliae) (Sanches, que restringe a sobrevivência naquele
tenha sido detectada no começo dos 1999). ambiente por períodos relativamente
anos 30 (Carter, 1933), somente no Entre as enfermidades, a fusariose, curtos (Maffia, 1980; Matos & Cunha,
início dos anos 60 foi que a etiologia da por sua vez, é considerada a principal 1980). Além disso, não tem sido cons-
doença começou a ser esclarecida (Car- doença do abacaxizeiro no Brasil, ten- tatada infecção de mudas sadias quan-
ter, 1963). Esse autor demonstrou que do sido relatada inicialmente em frutos do plantadas em solo contaminado
apenas cochonilhas retiradas de plan- da cultivar Smooth Cayenne (Kimati & pelo Fusarium (Matos & Cunha, 1980).
tas doentes eram capazes de induzir os Tokeshi, 1964). Há evidências de que Várias outras doenças atacam o
sintomas de murcha. Mais recente- a fusariose tenha sido introduzida no abacaxizeiro, como a mancha negra
mente, foi isolado um virus a partir de Brasil através de mudas vindas do do fruto (Penicillium funiculosum),
plantas com sintomas de murcha e Uruguai e da Argentina (Laville, 1980). podridão negra do fruto, podridão da
acredita-se que esse virus associado à Atualmente, a doença causa danos base da muda e mancha branca das
cochonilha seja o agente causal da elevados à cultura nas principais regi- folhas (Chalara paradoxa); podridão
murcha (Gunasinghe & German, 1986; ões produtoras do país, com exceção do olho (Phytophthora nicotiana var.
1987; 1989; Ullman et al., 1989; San- do Tocantins, onde ela ainda não foi parasitica), podridão das raízes e po-
ches & Matos, 1999). introduzida. Considerando que as prin- dridão do fruto verde (Phytophthora
Além da cochonilha Dysmicoccus cipais cultivares plantadas no Brasil, cinnamomi); mancha amarela da plan-
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e das gemas. Caso haja contaminação
elevada, além da desinfestação super-
ficial recomenda-se adicionar antibió-
ticos e/ou fungicidas ao meio de cultu-
ra para se obterem gemas livres de
contaminação.
Eventualmente, altos índices de
contaminação bacteriana e/ou fúngica
podem ser indícios de presença de
contaminantes endógenos, o que é um
indicador de que a qualidade da muda
é insatisfatória, ou seja, a muda foi
colhida de plantas matrizes doentes,
debilitadas, excessivamente úmidas ou
cuja manipulação e estocagem após a
colheita tenham sido inadequadas. As
mudas devem ser colhidas após um
período de estiagem suficiente para
que a água presente na superfície das
folhas evapore, permitindo melhor ar-
mazenamento sem que ocorra prolife-
ração superficial de fungos e bactérias.
Caso o crescimento de fungos e bacté-
FIGURA 3. Gemas em meio de multiplicação na presença de rias seja muito intenso e as condições
benzilaminopurina e ácido naftaleno acético, após três meses de cultivo de umidade e temperatura, adequa-
dos, os feixes vasculares podem ser
contaminados, o que irá dificultar ou
ta e do fruto (vírus denominado Toma- O processo envolve várias etapas, mesmo impossibilitar o processo de
to Spotted Wilt Virus, transmitido por começando com a coleta das mudas assepsia das hastes e gemas. Nesse
várias espéceis de Thrips); podridão de plantas selecionadas no campo, caso, é preferível utilizar outras fontes
rósea (causada por várias espécies de passa pela extração das gemas axila- de mudas, associando a uma melhora-
bactérias, como Acetobacter aceti, Erwi- res, cultivo e regeneração das plântu- ra no processo de colheita, manipula-
nia herbicola e Gluconobacter oxy- las, as quais são, numa segunda etapa, ção e estocagem do material antes do
dans); colapso do fruto e podridão inoculadas em meio de multiplicação. processamento em laboratório.
bacteriana da roseta foliar (Erwinia Após essa fase, os brotos são cultiva- A desinfestação é feita em duas
chrysanthemi), e “marbling desease” dos em meio próprio para alongamen- etapas: primeiramente com álcool etí-
(Acetobacter sp.) (Matos, 1999). to/enraizamento. Finalmente, as plân- lico comercial, na concentração de
Em 2001,o Brasil deverá ter uma tulas são transferidas para casa de 50% a 70%, por 1 a 2 minutos. Em
área plantada de, aproximadamente, vegetação para aclimatação, cresci- seguida, o álcool é drenado e adicio-
55 mil ha, o que resultará numa de- mento e desenvolvimento. Os deta- na-se uma solução de hipoclorito de
manda aproximada de 2 bilhões de lhes desse processo são descritos a sódio na concentração de 0,5% a 1%,
mudas, para uma densidade de plantio seguir. por um período de 10 a 20 minutos.
de 36.000 mudas por ha. Mudas do tipo filhote, filhote-re- Não se deve utilizar água sanitária
O sucesso da cultura do abacaxi bentão, rebentão ou coroa, retiradas comercial por ela apresentar alto teor
depende, entre outros fatores, da qua- da planta mãe, passam por uma poda de hidróxido de sódio e, conseqüente-
lidade da muda utilizada pelos agricul- das folhas e são levadas para o labora- mente, alto pH, o que pode acarretar
tores. A sanidade do material propaga- tório, onde podem ser armazenadas a morte das gemas. Após a drenagem
tivo constitui num dos pré-requisitos por vários dias até o momento da dessa solução, o material é lavado com
básicos para que possam ser obtidas extração das gemas. água destilada estéril por 3 a 5 vezes,
altas produtividades e frutos de exce- Para retirada das gemas, faz-se um por um período mínimo de 5 minutos
lente qualidade. poda de dois a três centímetros da por lavagem. Ao final da última lava-
base da haste. Em seguida, são retira- gem, o material é deixado imerso em
3.1. Produção de mudas das as folhas, deixando apenas a haste, água estéril até o momento da excisão
via cultura de tecidos a qual contém de dez a quinze gemas das gemas, a qual é feita sob microscó-
axilares bem visíveis (Figura 2-A). As pio estereoscópico ou mesmo a olho
A produção de mudas de abacaxi hastes são colocadas em frasco auto- nu. Com a ajuda de pinças e bisturis
via cultura de tecidos consiste na rege- clavado e imediatamente levadas para devidamente estéreis, é feita a retirada
neração de plantas completas (caule, a câmara de fluxo laminar de ar estéril de um tetraedro irregular de 2 a 4 mm
folhas e raízes) a partir de gemas onde se procederá à desinfestação de aresta de tecido da haste contendo
axilares de plantas matrizes seleciona- superficial para eliminar fungos e bac- a gema (Figura 2-B). Esse fragmento é
das no campo em plantios comerciais. térias presentes na superfície da haste imediatamente colocado sobre a su-
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perfície do meio de cultura em um e entre seis a dez plântulas estabeleci- de abacaxi, com comprimento que
recipiente que pode ser um tubo de das. Portanto, a taxa de multiplicação varia entre 5 e 7 cm (Figura 4). Nessa
ensaio ou qualquer outro tipo de fras- nesse processo é de seis a dez por fase, as mudinhas estão aptas a ser
co de vidro ou plástico autoclavável. muda tipo filhote. transferidas para telados ou casa de
O meio de cultura tem a função de Essa taxa de multiplicação é muito vegetação. Para isso, as mudas são
nutrir a gema e é constituído de macro baixa e não compensa os custos de tratadas com uma suspensão de Ben-
e micronutrientes, vitaminas, aminoá- manipulação via laboratório. Dessa late a 0,1% por 1 h e imediatamente
cidos, sacarose, agente gelificante e forma, é necessário lançar mão de um plantadas em substratos adequados
reguladores de crescimento vegetal. O processo adicional, no qual as plântu- em telados ou casa de vegetação.
meio básico utilizado é o de Murashige las existentes no estoque in vitro pos- Diferentes tipos de substratos podem
& Skoog (1962), suplementado com sam ser multiplicadas centenas ou mes- ser utilizados como mistura de solo e
dois reguladores de crescimento, ben- mo milhares de vezes. areia na proporção de 2:1, vermiculita
zilaminopurina (BAP), também cha- O processo de multiplicação con- pura, substratos comerciais do tipo
mada benziladenina (BA), na concen- siste na poda das folhas e raízes das Plantmax, solo turfoso ou qualquer
tração de 0,5 mg/L, e ácido naftaleno- plântulas estocadas in vitro, com con- outro tipo de substrato que seja propí-
acético (ANA), na concentração de seqüente redução do porte da haste cio ao crescimento das mudas. Duran-
0,125 mg/L. A primeira substância per- para um a dois centímetros de compri- te essa fase, a luminosidade máxima
tence ao grupo das citocininas e está mento. Esse material é inoculado em deve ser de 40% da luz solar direta e a
relacionada com a diferenciação celu- meio nutritivo gelificado ou líquido e umidade relativa entre 70% e 80%. A
lar, formação e multiplicação de ge- mantido aí por vários meses para mul- adubação deve ser adequada, com um
mas e crescimento da haste caulinar e tiplicação das gemas pré-existentes na nível maior de fósforo e potássio em
folhas; enquanto que a segunda, o plântula (Figura 3). Para que ocorra comparação com o nitrogênio. A adu-
ANA, faz parte das auxinas e age na uma intensa multiplicação das gemas, bação foliar com macro e micronutri-
mitose, formação e crescimento das o meio nutritivo é enriquecido com entes pode dar bons resultados princi-
raízes. Em combinação, essas substân- BAP e ANA, na concentração de 2 e 0,5 palmente quando empregada de for-
cias são benéficas ao pegamento e mg/L, respectivamente, o que corres- ma complementar. Após 6 a 8 meses
desenvolvimento das gemas (Figura 2- ponde a quatro vezes a concentração em casa de vegetação, as mudas estão
C). Após de dois a três meses de do meio de estabelecimento. O inter- prontas para ser levadas para o campo
cultivo in vitro, há formação de uma valo de tempo de cultivo nessa fase (Figura 5).
plantinha de abacaxi completa, ou varia de três a seis meses, com renova- A taxa de multiplicação do abacaxi
seja, folhas, haste e raízes, com tama- ção do meio nutritivo a cada quatro varia, principalmente, em função da
nho aproximado de 8 a 10 cm de semanas. Após esse período, procede- cultivar, bem como do tipo de meio de
altura. se à transferência das gemas para meio cultura utilizado. Na Embrapa Recur-
A gema, inicialmente colocada em sem reguladores de crescimento, de- sos Genéticos e Biotecnologia, foi de-
meio de cultura, permanece em sala nominado meio de alongamento/en- senvolvida uma metodologia de pro-
de crescimento com temperatura em raizamento. Nesse meio, as gemas, dução de mudas in vitro para oito
torno de 24 o C durante a noite e 28 o C que se encontravam em processo ati- genótipos, sendo quatro comerciais,
durante o dia, sob a luminosidade vo de multiplicação vão dar origem, ‘Pérola’, ‘Perolera’, ‘Smooth Cayenne’
correspondente a quatro lâmpadas flu- após 45 a 60 dias, a pequenas mudas e ‘Primavera’ e quatro não comerciais
orescentes de 40 W, tipo luz do dia. O
fotoperíodo, i.é., o período diário de
iluminação, deve ser de 14 a 16 horas.
FIGURA 4. Mudas de abacaxi com 5 a 7 cm de comprimento após
A cada quatro semanas, o material
cultivo em meio de alongamento/enraizamento por 45 a 60 dias
é transferido para meio fresco, até que
se obtenha número desejado de plân-
tulas, com três a cinco folhas, com raiz
bem desenvolvida e um diâmetro do
talo de 0,5 a 0,8 cm. Essas plântulas
podem ser mantidas em meio de cul-
tura por tempo indeterminado, desde
que, a intervalos de quatro a seis
meses, seja feita a renovação do meio
nutritivo.
Para cada cem gemas inoculadas,
são obtidas, na melhor das hipóteses,
o mesmo número de plântulas no final
do processo. Entretanto, isso é raro
acontecer, uma vez que ocorrem per-
das por morte e contaminação. Nor-
malmente, uma muda tipo filhote re-
sulta em dez a quinze gemas isoladas
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te a fase de multiplicação conduzidos
em nosso laboratório mostraram que
é possível reduzir o período de mul-
tiplicação para três meses, o que
representa uma substancial redução
do tempo total do processo.
A produção de mudas de abacaxi
em laboratório apresenta vantagens
e desvantagens. Entre as vantagens,
podemos citar as seguintes:
- alto vigor e uniformidade;
- ausência de pragas e doenças;
- mudas enraizadas e prontas para
ser cultivadas no campo;
- disponibilidade de acordo com
a demanda em termos de época e
local de plantio;

FIGURA 5. Mudas de abacaxi micropropagadas medindo entre 20 a Entre as desvantagens, as mais


25 cm de comprimento após 6 a 8 meses em casa de vegetação, importantes são as seguintes:
prontas para ser levadas ao campo
- o custo da muda, algo entre 20
(FRF-820, FRF-168, FRF-632 e Comum), rando uma perda próxima de zero a 30 centavos, é bem superior ao
clones procedentes do banco de ger- durante a fase de aclimatação. Caso as da muda convencional, que está
moplasma da Embrapa Mandioca e 6.000 mudas sejam mantidas in vitro entre 3 a 5 centavos;
Fruticultura. A fase de indução de para uma nova rodada de multiplica- - a produção depende de infra-
multibrotação das gemas foi feita em ção, algo próximo a 6.000.000 de mu- estrutura relativamente sofistica-
meio gelificado enquanto o alonga- das podem ser obtidas num período da;
mento/enraizamento foi conduzido em aproximado de 2 anos. Portanto, o - o investimento inicial para mon-
dois diferentes tipos de meio, apenas potencial de multiplicação in vitro é tagem do laboratório, casas de
variando o grau de consistência, i. é, muito elevado comparado com os vegetação e telados é alto;
em meio líquido e em meio gelificado, métodos tradicionais. - o processo requer mão-de-obra
para fins de comparação. A taxa de O cronograma do processo é outro especializada, conseqüentemen-
multiplicação média para os oito ge- ponto muito importante e pode ser te melhor remunerada;
nótipos ao longo de cinco meses de resumido da seguinte forma: - a metodologia está em constante
cultivo em meio de multiplicação geli- evolução, o que requer atualiza-
ficado, seguido de dois meses em A. estabelecimento do estoque de ção freqüente do processo de
meio de alongamento/enraizamento plântulas a partir das gemas axila- produção.
gelificado foi de 482, i.é, foram produ- res – 2 a 3 meses;
zidas 482 mudas a partir de cada B. multiplicação das gemas em Embora as mudas de abacaxi ob-
plântula estabelecida in vitro. Quando meio rico em BAP e ANA – 3 a 5 tidas via cultura de tecidos ainda
a fase de alongamento/enraizamento meses; tenham preços elevados, principal
foi conduzida em meio líquido, a taxa C. alongamento/enraizamento – 2 fator que tem limitado a sua utiliza-
subiu para 1.676, um aumento de meses; ção em lavouras comerciais, esse tipo
348%. D. aclimatação e crescimento em de muda pode ser recomendado com
O uso de meio líquido na fase de casa de vegetação – 6 a 8 meses. os seguintes objetivos:
alongamento/enraizamento tem ou-
tras vantagens adicionais como maior Assim o processo pode demorar de 1. na introdução da cultura em
facilidade para retirar as mudas do 13 a 18 meses para se obter mudas novas regiões de plantio, onde ainda
meio de cultura por ocasião da trans- com 20 a 30 cm de altura, prontas para não existem problemas fitossanitári-
ferência das mudas para a casa de serem transferidas para o campo, par- os;
vegetação. tindo do início da fase de estabeleci- 2. na introdução/substituição de
Portanto, considerando-se que, de mento do estoque de plântulas in novas cultivares, quando não se dis-
10 a 15 gemas inoculadas inicialmente vitro. põe de mudas convencionais dessas
a partir de cada muda tipo filhote, Da mesma forma que o meio líqui- cultivares para iniciar de grandes
apenas 6 se desenvolvem e que a taxa do foi muito superior ao meio gelifica- plantios;
de multiplicação seja apenas de 1.000 do na fase de alongamento/enraiza- 3. na multiplicação rápida de ge-
plântulas por gema, serão obtidas, ao mento, é provável que o emprego do nótipos selecionados pelos progra-
final do processo, algo em torno de meio líquido na fase de multiplicação mas de melhoramento genético, an-
6.000 mudas micropropagadas por poderá acelerar o processo. Testes tes do lançamento de novas cultiva-
muda convencional utilizada, conside- preliminares com meio líquido duran- res;
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4. na produção de material básico tos no primeiro ciclo e 250.000, no 8. Kimati, H.; Tokeshi, H. Nota
para atender a programas de produ- segundo), numa área de cinco a sete sobre a ocorrência de Fusarium sp.
ção de mudas certificadas de abaca- hectares e num período de tempo causando resinose fúngica em abaca-
xi; aproximado de trinta e seis meses. xi. Revista de Agricultura, v.39, n.3,
5. no intercâmbio de germoplas- Portanto, a presente metodologia p.131-133, 1964;
ma para se evitar a introdução de poderá contribuir, em futuro próximo, 9. Laville, E. La fusariose de
pragas e doenças exógenas. para melhorar a qualidade da muda l´ananas au Brésil. I-synthèse des con-
para cultura do abacaxi, em âmbito naissences actuelles. Fruits, v.35, n.2,
Conclusão nacional, o que resultará num aumen- p.101-113, 1980;
to de produtividade e qualidade do 10. Nelson, P.E.; Tousson, T.A.;
A produção comercial de mudas fruto produzido. Pelas características Marasas, W.F.O. Fusarium species na
de laboratório das variedades mais da planta, que pode suportar períodos illustrated manual for identification.
comuns de abacaxi plantadas no Bra- temporários de seca, adapta-se a dife- [S.l.]:The Pennsylvania State Universi-
sil, como “Smoth Cayenne”, Pérola e rentes condições de clima e solo, e ty Press, University Park and London,
Jupy, tem sido inviabilizada, como já pelas características do fruto, quanto a 1983. 193p;
foi dito, pelo alto custo de produção. sabor, aroma, riqueza nutricional, a 11. Maffia, L.A. Sobrevivência de
Embora a taxa de multiplicação pos- cultura do abacaxi deverá se firmar Fusarium moniliforme Sheld. var.
sa estar próxima a 10.000 por muda como a terceira mais importante fruta subglutinans WR & RG. no solo e em
convencional, o custo final da muda para o mercado interno, depois da restos culturais e sua erradicação de
é muito superior ao da muda con- laranja e da banana, com excelentes mudas de abacaxi (Ananas comosus
vencional, cerca de 4 a 5 vezes. Na condições para se tornar mais um L.) Merril) através de tratamento térmi-
composição desse custo, estima-se importante produto de exportação da co. Fruits, v.35, n.4, p.217-243, 1980;
que a maior parte, entre 60% a 70%, agricultura brasileira. 12. Matos, A.P. de. Pineapple fusa-
seja devido ao gasto com mão-de- riosis in Brazil: an overview. Fruits, v.
obra. Desta forma, para viabilizar Referências 41, n.7/8, p.417-422, 1987;
este tipo de muda, protocolos mais 13. Matos, A.P. de. Doenças e seu
eficientes no uso de mão-de-obra 1. FAO. Disponível no site da controle. In: Cunha, J.R.S. & Souza,
precisam ser desenvolvidos. FAO (2000): http://apps.fao.org/page/ L.F. da S., eds. O Abacaxizeiro. Culti-
Deve-se levar em consideração, form? collection = Production. Crops. vo, Agroindústria e Economia. Brasí-
entretanto, que, para outras aplica- Primary&Domain= Production & serv- lia: Embrapa Comunicação para Trans-
ções listadas anteriormente, o proto- let = 1&language = EN&hostname= ferência de Tecnologia, p.269-305,
colo está pronto para ser utilizado, apps.fao.org&version=default; 1999;
como, por exemplo, para produção 2. Carter, W. A wilt of pineapple 14. Matos, A.P. de; Cunha, G.A.P.
de mudas de novas variedades deri- similar to mealybug wilt but caused by Persistência e capacidade infectante
vadas do melhoramento genético. drought. Pineapple Quarterly, v.3, de Fusarium moniliforme no solo.
Mesmo para variedades tradicio- p.181-184, 1933; Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.
nais, é possível aplicar esta tecnolo- 3. Carter, W. Mealybug wilt of 15, n.2, p.163-165, 1980;
gia através da comercialização de pineapple a reappraisal. Annals of the 15. Murashige, T. & Skoog, F. A
mudas de laboratório para estabele- New York Academy of Science, v.105, revised medium for rapid growth and
cimento de jardins clonais, em regi- n.13, p.741-764, 1963; bioassays with tobacco tissue cultures.
ões e locais estratégicos para essa 4. Reinhardt, D.H.R.C. & Cunha, Physiol. Plant., n.15, p.473-497, 1962 ;
finalidade. Nesse caso, as mudas G.A.P.da. Métodos de Propagação. In: 16. Sanches, N.F. Pragas e seu con-
poderiam ser adquiridas por viveiris- Cunha, J.R.S. & Souza, L.F. da S., eds. trole. In: Cunha, J.R.S. & Souza, L.F. da
tas, que multiplicariam as matrizes O Abacaxizeiro. Cultivo, Agroindús- S., eds. O Abacaxizeiro. Cultivo, Agro-
no campo, sob condições de contro- tria e Economia. Brasília: Embrapa indústria e Economia. Brasília: Embra-
le rigoroso de pragas e doenças. As Comunicação para Transferência de pa Comunicação para Transferência
mudas matrizes adquiridas de labo- Tecnologia, p.105-138, 1999; de Tecnologia, p.307-341, 1999;
ratórios credenciados poderiam re- 5. Gunasinghe, U.B. & German, 17. Sanches, N.F. & Matos, A.P.
sultar em uma taxa de multiplicação T.L. Association of virus particle with Murcha associada à Cochonilha Dys-
mínima de 5 vezes por ciclo, além da mealybug wilt of pineapple. Phytopa- micoccus brevipes (Cockerel, 1893).
produção de um fruto por planta. thology, v.76, p.1073 (Abstract), 1986; In: Cunha, J.R.S. & Souza, L.F. da S.,
Desde que se tomem os devidos 6. Gunasinghe, U.B. & German, eds. O Abacaxizeiro. Cultivo, Agroin-
cuidados, o material poderia passar T.L. Further characterization of a virus dústria e Economia. Brasília: Embrapa
ainda por, pelo menos, uma segunda associated with mealybug wilt of pine- Comunicação para Transferência de
multiplicação no campo. Dessa for- apple. Phytopathology, v.77, p.1776 Tecnologia, p.343-366, 1999;
ma, por exemplo, 50.000 mudas ma- (Abstratct), 1987; 18. Ullman. D.E.; German, T.L.;
trizes de laboratório renderiam, ao 7. Gunasinghe, U.B. & German, Gunasinghe, U.B.; Ebesu, R.H. Serolo-
longo de dois ciclos de multiplicação T.L. Purification and parcial characte- gy of a closteroviruslike particle asso-
no campo, algo em torno de 1.250.000 rization of a virus from pineapple. ciated with mealybug wilt of pineap-
mudas, além de produzir, no mesmo Phytopathology, v.79, n.12, p.1337- ple. Phytopathology, v. 79, n.12, p.1341-
período, 300.000 frutos (50.000 fru- 1341, 1989; 1345, 1989;
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