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Imprensa Local

Beatriz Dornelles1

Para discorrer sobre mídia local no Brasil do século 21 é necessário também passar
por conceitos e peculiaridades da mídia comunitária, pois, acreditamos que, em um
movimento paralelo, ao longo dos últimos 40 anos, a primeira adotou especificidades que
surgiram com maior expressividade na segunda (a comunitária), através das ações das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) junto às comunidades carentes, resultando em
manifestações de comprometimentos sociais de ambas em maior ou menor grau e na
disseminação da diversidade cultural, através da mídia local e comunitária.
A mídia local difere-se, essencialmente, por estar inserida no contexto da cultura
capitalista, ou seja, por visar lucro e pretender aumentar seu tamanho, sempre que possível,
abrangendo áreas maiores, enquanto a mídia comunitária limita sua ação em determinada
área ou junto a determinado grupo, objetivando garantir uma forma de comunicação à
comunidade, de divulgação das reivindicações e protestos da comunidade.
O fenômeno de crescimento da mídia local no Brasil em quantidade e qualidade
possui diversas características, resultantes de vários fatores, dentre eles o cultural, o
econômico, o político, o ideológico e o educacional. O mesmo pode se observar ao
analisarmos a história da imprensa no Brasil, onde surgiram diversas iniciativas pessoais,
motivadas por diferentes fatores, geralmente apoiada numa forte ideologia e na cultura do
profissional e da sociedade onde ele vive. Com a mudança dos tempos, o avanço da
tecnologia, o crescimento das cidades, as descobertas, as inovações, esta realidade foi se
alterando e o “jornalismo ideológico, romântico ou de características pessoais e culturais,
presente em grandes veículos de comunicação, foi dando espaço a uma prática jornalística
empresarial”. Desta forma, para se compreender o avanço da mídia local e comunitária
também é preciso compreender as transformações históricas da área.
A imprensa local surge com características próprias da cultura interiorana, ou seja,
decorrente de uma iniciativa individual, interessada no sucesso econômico do
empreendimento, onde se manifestam originalidade e pluralidade de identidades que
caracterizam os mais diferentes grupos e sociedades que compõem o Brasil.
Além dessas particularidades, a imprensa local interiorana garante a circulação de
diferentes idéias, que circulam nas diferentes classes sociais, fazendo conhecer e disseminar
variadas culturas do país. Junta a essas, destacam-se a garantia da liberdade de expressão, o
pluralismo dos meios de comunicação, as diversas forma de manifestação da língua
portuguesa, das artes, do conhecimento científico e tecnológico e a garantia da presença de
todas as culturas nos meios de difusão da comunicação.
Em termos de data, a imprensa interiorana estabeleceu-se em bases sólidas em fins
do século 19 e até a segunda metade do século 20. Como reflexo de uma campanha de
qualificação da imprensa local e regional, ocorrida praticamente em todo o país, mas
especialmente nos Estados que aceleraram a industrialização, na última década do século
20, tornou-se senso comum chamar os jornais do Interior de “jornais comunitários”,
indicação dos proprietários dos periódicos.

1
Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. E-mail: biacpd@pucrs.br
Para entender esse “jornalismo comunitário” partimos, em primeiro lugar, para a
definição do que se entende por “jornal interiorano”, produto impresso de uma empresa ou
microempresa jornalística, tendo por objetivo o lucro, através da comercialização
publicitária, venda de assinaturas e quase inexpressiva representatividade da venda avulsa.
A filosofia editorial do jornal pretende ser voltada para comunidade como um todo, ou seja,
as matérias produzidas para o jornal devem atender aos anseios e reivindicações da
comunidade (neste caso representada pelos moradores da cidade onde circula o jornal) que,
dentro do possível, determinará quais as notícias que devem ser divulgadas pelo jornal,
desde que não atendam a nenhum interesse partidário. O diretor e/ou o jornalista do
periódico devem, também, participar ativamente das atividades promovidas pela
comunidade, ajudando a buscar soluções da forma como se fizer necessária e contribuindo
para o crescimento e progresso do município.
O jornal interiorano, autodefinido por seus proprietários de “jornal comunitário”, é
mais uma concepção ideológica que se fortaleceu, especialmente, nos anos 90, a partir de
uma campanha pública realizada pelos proprietários de jornais. Os empresários esforçaram-
se para criar uma cultura onde a população reconhecesse o jornal como “seu representante”,
e não como representante das elites dominantes, política e economicamente.
Essa filosofia surgiu como alternativa a um mercado invadido pelos veículos de
comunicação de massa, que satisfizeram a necessidade de informação do público em
âmbito estadual, nacional e internacional, de maneira mais imparcial em relação ao que era
feito anteriormente, deixando o cidadão mais exigente em termos de qualidade de
informação. Isto provocou a concentração de verbas publicitárias na grande imprensa.
Paralelamente, as prefeituras, que costumavam patrocinar os veículos menores, a prática
que se estendeu até os anos 80, entraram em fase de empobrecimento generalizado,
retirando as verbas destinadas aos jornais de menor porte econômico.
Os partidos políticos, que também financiavam esse segmento, condicionavam o
apoio financeiro à dependência editorial dos jornais, o que foi rechaçado pelo público,
quando este teve opção de escolher seu veículo. Assim, para continuar existindo, os jornais
tiveram que buscar uma alternativa de sobrevivência.
Os empresários do setor jornalístico detectaram, então, a necessidade do público em
ser informado sobre os acontecimentos locais ou próximos à comunidade, e, também, em
contarem com um veículo onde pudessem manifestar suas reivindicações e realizar
denúncias, o que não possui o respaldo da imprensa de grande porte.
Então, para conquistar esse público e sua credibilidade, e, em conseqüência, o
anunciante, que garante a existência da empresa, os proprietários de jornais interessados em
se manterem neste ramo de negócio passaram a utilizar seus veículos como instrumento de
luta das comunidades, através de um trabalho associativo, que visa o bem comum. Para
tanto, aqueles que tinham posicionamento político partidário tiveram que abrir mão de seus
comprometimentos e adotar uma postura imparcial e neutra, mas engajada nas lutas da
comunidade, buscando, assim, atender a todos os segmentos da sociedade. Outros
continuaram mantendo o jornal como instrumento de comunicação político-partidário, o
que pode ser verificado até os dias atuais, especialmente em municípios que possuem
pequeno setor econômico, portanto insuficiente para garantir a independência econômica
do veículo. Esses, porém, não conquistaram credibilidade junto ao público.
Essa estratégia levou os jornais a adotarem normas do jornalismo informativo,
através da produção de matérias objetivas, imparciais e neutras, que buscam contemplar a
posição de todos os lados envolvidos na notícia, e da divulgação ampla dos fatos que
ocorrem nos mais variados segmentos que compõem uma comunidade, pois esta,
independente da localidade, revelou-se contrária à omissão dos veículos em torno de
determinados fatos, o que, no passado, era uma constante.
Entendendo por comunidade uma área geográfica caracterizada pela afinidade de
valores e ambições de uma determinada população, com a mesma tradição, costumes e
interesses, além da consciência da participação em idéias e valores comuns, os jornalistas
da mídia local interiorana procuram diariamente informar-se e participar das ações da
comunidade, não só divulgando os fatos que a envolvem, mas decidindo e buscando
recursos para que as reivindicações se concretizem, bem como para que essa mesma
comunidade aumente gradativamente sua qualidade de vida, nos mais variados aspectos,
sua consciência de cidadania e a preservação de sua cultura. Assim, constatamos que o
jornalista interiorano é também um líder comunitário, respeitado e fortalecido pelas ações
de outras lideranças e do próprio cidadão comum.
De forma geral, a prática do jornalismo local revela que existe um forte sentimento
de vizinhança e bairrismo. Há uma cumplicidade entre a comunidade e o jornalista no que
diz respeito à defesa de interesses da comunidade. Observa-se que o jornalista local precisa
ter “espírito comunitário e político”, bem como afinidade com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, o que significa envolver-se na luta de reivindicações da comunidade,
acompanhando seus líderes em audiências públicas, participando de passeatas, protestos,
seminários, congressos, promovendo encontros culturais, sociais e educacionais, garantindo
a prática da cidadania em todas as camadas sociais, buscando a inclusão dos excluídos,
entre outras iniciativas.
Quanto aos objetivos políticos dos empresários da mídia local, observa-se um
comprometimento com o bem comum da comunidade, o que significa apoiar as
reivindicações de todos os partidos políticos, desde que em prol da comunidade. Assim,
dificilmente os jornais realizam um bom trabalho, reconhecido pela população, envolvendo
preferência partidária.
Sobre a cultura, a mídia local reflete várias características. Pode-se compreender a
localidade a partir da linguagem utilizada pelo jornal, representada por gírias, jargões,
provérbios e lugares-comuns, identificação dos valores morais e éticos, da arte, do folclore,
da tradição, da ideologia, do nível de educação e de prática de cidadania de cada
comunidade. Verifica-se uma importante cooperação e solidariedade dos comunicadores
para com o desenvolvimento e valorização da cultura local.
Com características bastante semelhantes, representando a mídia local comunitária,
há os jornais de bairro, diferenciados, por apresentarem maiores características de mídia
participativa. O desenvolvimento deste setor acontece, especialmente, a partir dos anos 60,
em todo o país, marcando um momento cultural, presente na América Latina. A crença
dominante na época, conforme registra Santos (2002), era a de libertação de todo o
continente oprimido pelas ditaduras militares e pelo imperialismo econômico e cultural
exercido externamente pelos Estados Unidos e por alguns países da Europa Ocidental.
Internamente, acreditava-se na possibilidade de libertar as classes populares urbanas e
rurais, operários e camponeses, os excluídos de todas as camadas da sociedade.
O modelo de comunicação participativa, então, tem origem em um paradigma que
combina princípios do marxismo com os do cristianismo, através da Igreja Católica, cuja
metodologia de trabalho é inspirada na pedagogia de Paulo Freire. Conforme Santos:
Da teoria marxista, a comunicação participativa incorpora as noções de luta de
classe, a existência da relação dominante/dominado na sociedade e a crença na
necessidade de uma transformação radical para construção de uma sociedade
igualitária. Da pedagogia de Freire, de inspiração marxista-cristã, a comunicação
participativa privilegia o diálogo como forma de comunicação capaz de
desenvolver a ‘consciência crítica’ das classes ‘dominadas’ através da
valorização do saber dessas classes na luta pela transformação da realidade.

Dentro desta cultura, observamos na comunicação participativa a consciência plena


da realidade. Com esses ideais, há exemplos de ações da mídia local, em todo o país,
mesmo que com pequena representatividade, que revelam a ampliação de esforços
populares na luta pelas liberdades democráticas. Jornalistas envolvidos nessas práticas
buscam a mudança social, objetivando aumentar as condições de igualdade, dignidade,
justiça e liberdade.
Essas referências se fizeram necessárias para se apresentar diferentes subgrupos de
jornais de bairro que surgiram ao longo da segunda metade do século 20, em vários Estados
do Brasil, como Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, tendo sua
explosão nos anos 80 e 90.
Podemos identificar, pelo menos, seis subgrupos dentro da mídia local comunitária,
mais especificamente relativos à mídia de bairro. O primeiro grupo seria o idealista, com
fins sociais, preocupado com a inclusão dos excluídos, com a garantia da prática da
cidadania, com a participação de todos nos processos de comunicação, com a inclusão de
todas as culturas no processo de disseminação do tema, com o intercâmbio do
conhecimento, dos saberes, com a disseminação da prática da solidariedade e da
cooperação para uma sociedade melhor, mais digna e humanitária, mais justa e com menos
desigualdades.
O segundo grupo classificamos como “mercenário da comunicação”, não-
preocupado com nenhuma questão social, nem com qualidade da informação, nem com
cidadania, nem com garantias de igualdade. Um grupo que possui jornal apenas porque tem
talento para a comercialização de anúncios e isso passa a ser o objetivo de vida: quanto
mais vender, não importa o que, melhor. Salienta-se que neste grupo não aparece no
comando do jornal a figura do jornalista, e sim de profissionais de outras áreas que
acabaram no ramo em função do talento para comercialização.
O terceiro grupo é composto por profissionais que praticamente reproduzem, numa
escala menor, todas as práticas administrativas e editorias dos grandes jornais brasileiros.
Têm um discurso de se manterem neutros, distantes, “objetivos” e imparciais em relação às
reivindicações da comunidade. Eles não querem envolvimento nenhum com as carências da
população, e argumentam que seu trabalho é “informar” o que acontece na região.
O quarto grupo é composto por representantes de Associações de Moradores, que
possuem jornais de bairro, que não visam lucro, destinados a difundir os acontecimentos do
bairro, fortalecer as reivindicações da comunidade, tornar pública a atividade de diversos
líderes da região, fortalecer a cidadania, usar a participação direta dos moradores do bairro
na produção do veículo, incluindo, se possível, na administração do mesmo, contribuir para
o desenvolvimento da região, disseminar a cultura local, as artes, as problemáticas, o
entretenimento, e colaborar para educação da população.
Há, ainda, um quinto grupo, reduzidíssimo, que pratica um jornalismo alternativo,
de contestação aos governos municipal, estadual e federal. O objetivo destes profissionais é
basicamente divulgar, disseminar, difundir toda e qualquer ação negativa do Executivo,
bem como sua omissão frente a problemas da comunidade.
O sexto grupo é totalmente político-partidário. Apenas mantém o jornal em
circulação para fins eleitoreiros. Em anos que não há eleição, o jornal é editado com
qualquer tipo de matéria, geralmente copiada da Internet ou de revistas. Não há
preocupação jornalística nem comunitária neste caso. O diretor do jornal aspira a cargos
políticos, utiliza o veículo para propagar idéias político-partidárias, abre espaços para
apoiar correligionários e, próximo às eleições, faz campanhas políticas abertas, utilizando-
se das páginas do jornal que se diz, hipocritamente, “comunitário”.
Acredita-se que o crescimento da mídia local de bairro tenha várias origens, dentre
elas, redução das vagas no mercado formal de jornalismo, oportunidades mercadológicas,
valorização da liberdade, crescimento da consciência social, melhora do nível educativo,
reflexos da globalização e valorização da democracia.
Quanto às características da mídia comunitária, conforme já foi observado por
Peruzzo e registrado em 20022, na prática, algumas se misturam com as de outro tipo de
mídia, especialmente a local, com quem apresenta pontos em comum, gerando dificuldade
de compreensão e de diferenciação entre os processos de mídia comunitária e local. A
confusão ocorre tanto na Academia quanto no mercado de trabalho. A principal causa está
na apropriação e uso do termo comunitário para denominar segmentos da mídia de forma
indiscriminada.
A dificuldade de definir fronteiras precisas entre espaços comunitários, local e
regional é secundária e quase insignificante no que tange à diferenciação entre a mídia local
e comunitária. Aliás, as definições apresentadas por diversos teóricos e adotadas por outros
não se adequam em muitos casos, ou, ainda, as que são utilizadas para definir o local
servem para o comunitário, que também servem para o regional ou interior.
Conforme Peruzzo3, ao mesmo tempo em que o local indica possuir as dimensões
de proximidade e de familiaridade, ele não permite ser tomado em contornos territoriais
precisos, pelo menos não como conceito universal, principalmente na perspectiva dos
meios de comunicação que, com os avanços tecnológicos, podem se deslocar do local ao
universal num mesmo processo comunicativo. Desse modo, os elos de proximidade e
familiaridade ocorrem muito mais pelos laços de identidades de interesses e simbólicas, do
que por razões territoriais, ainda que, em algumas situações, a questão geográfica seja peça
importante na configuração da localidade.
Outra observação importante, também apontada por Peruzzo4, é que, do ponto de
vista prático, o local e o regional só são compreendidos quando colocados na relação de um
com o outro, ou com outras referências, como o nacional e o internacional. O local é
compreendido tendo como referência o regional. Por outro lado, o global só acontece se
partir do local. Por isso a valorização do local na sociedade globalizante. Até os veículos de
massa, que historicamente dão mais valor noticioso à cobertura de longa distância,
passaram a regionalizar seus conteúdos, abrindo cadernos para municípios, regiões e até
para bairros da capital do Estado a que pertence.

2
O tema foi refletido em capítulo do Anuário Unesco/Unesp de comunicação Regional, ano 6, nº 6, jan-dez
2002, São Bernardo do Campo, São Paulo:Umesp, intitulado Mídia Local e suas Interfaces com a Mídia
Comunitária.
3
Ibid.
4
Ibid.
O interesse pelo local volta a ser trabalhado pela mídia em função do conhecimento
de que o que está mais próximo recebe maior atenção do leitor, pois os fatos locais
interferem no seu dia a dia.
A imprensa local e comunitária, caracterizada por diferentes segmentos dos jornais
de bairro de grandes cidades, destacando-se, do ponto de vista de conteúdo, o grupo que se
configura pela transmissão de informações, acontecimentos que dizem respeito a interesses
específicos da comunidade para quem se dirige, objetivando, além da transmissão da
informação, a mobilização social, educação informal e o apoio à cultura local.
Os jornais, em alguns casos, não realizam essas tarefas com grande eficiência, mas é
o que norteia as atividades e ações dos jornalistas de bairro. É, pelo menos, a intenção dos
profissionais que mantêm circulando, com grande dificuldade, os jornais de bairro, sem
retorno financeiro, sem visarem lucro e, muitas vezes, financiando a produção do veículo,
de maneira a garantir o veículo de manifestação da comunidade. Essa característica, aliás, é
a principal diferença entre a mídia local interiorana e a de bairro.
Quanto ao conteúdo, praticamente não há diferenças. Há disseminação de fatos
relacionados ao trânsito, clima, economia, política local, saúde, qualidade dos serviços
públicos, educação, problemas da cidade, bem como o destaque à atividade de líderes
comunitários, como presidentes de instituições sem fins lucrativos, educadores, assistentes
sociais, profissionais liberais de destaque. A mídia de bairro diferencia-se pelo fato de
pretender mobilizar e educar a comunidade.
Peruzo5 apresentou características da mídia comunitária e da local, as quais
reproduzo, apresentando algumas modificações a título de contribuição, de maneira que a
prática de algumas regiões do Brasil seja contemplada nesta lista de características.
Primeiramente, destaca-se que três aspectos caracterizam o local: a proximidade do
lugar (em contraste com o distante); a familiaridade, associada à questão das identidades e
das raízes históricas e culturais, e a diversidade, plural, opondo-se ao global ou ao nacional
apenas como abstração.
O comunitário caracteriza-se pelas “coisas” em comum, pelos laços fortes entre os
membros, pelo movimento em torno do coletivo, que supera o individualismo, sendo os
principais protagonistas as pessoas da comunidade.
O comunitário ajuda a construir uma prática social em que se desenvolvem aptidões
associativas e solidárias, vontade de juntar-se a outros, de contribuir para superar os
problemas dos segmentos sociais excluídos, de ampliar o exercício da cidadania, de fazer
valer o interesse público mediante uma interação baseada na proximidade, não
necessariamente só de lugar, mas de interesses e identidades.
Não basta falar de coisas do lugar para que um meio de comunicação possa ser
considerado comunitário. É preciso compromisso com a realidade concreta de cada lugar. A
mídia local, no entanto, apropriou-se de conteúdos e estratégias de envolvimento das
pessoas na comunidade, criando uma falsa ilusão de mídia comunitária.
A mídia local apresenta uma tendência de reproduzir o modo de administrar das
empresas de comunicação, grande semelhança na ideologia capitalista, e só se imagina
viável com a garantia do lucro. Tem interesses mercadológicos e quer ser rentável. Quanto
à política editorial, dá destaque aos acontecimentos locais, praticamente desprezando o
noticiário estadual, nacional e internacional.

5
Ibid.
Tendo em vista as semelhanças dos jornais comunitários com os locais e com os de
bairro, entendemos que, como definição “jornal comunitário”6 é aquele que representa uma
grande série de atividades, valores e aspirações presentes na comunidade e que não são
expressas na imprensa diária. Ele fornece um fluxo de notícias específicas para ajudar na
adaptação às instituições e comodidades da vida urbana e interpretar, num contexto
significativo e afetivo, os acontecimentos externos que são importantes para a comunidade
alvo. Caracteriza-se, também, por possuir distribuição gratuita, apesar de ser crescente a
tendência da venda de assinaturas. Não é comum a venda avulsa.
Caracterizam os jornais locais e comunitários a dificuldade na comercialização dos
anúncios, o que ocorre especialmente junto aos pequenos e médios comerciantes do bairro.
Dificilmente as agências de publicidade investem nesse segmento do jornalismo, assim
como os órgãos públicos de governos estaduais.
Este segmento da mídia funciona na residência do jornalista, que não costuma ter
funcionários. Em decorrência da pequena receita dos jornais, quando há necessidade, free-
lanceres são contratados. Pela mesma razão, é grande o número de colaboradores.
Também recebem bastante apoio dos jornais de bairro os acontecimentos que
envolvem a área cultural, especialmente a música e a literatura. Infelizmente, muitas
assessorias de imprensa ainda não despertaram para essa realidade e não incluem em suas
listas de divulgação os jornais de bairro. Lutam, apenas, pela publicação de seus releases na
imprensa diária.
Do ponto de vista administrativo, de maneira geral esse segmento é muito
desorganizado. A maioria dos jornais não foi registrada no Cartório de Registros Especiais,
como determina a lei, por desconhecimento da mesma. Também é uma característica dos
jornais de bairro de Porto Alegre a periodicidade irregular e o fechamento temporário de
vários impressos. A atualização deste setor deve ser feita, pelo menos, a cada três meses.
Nesse período muitos podem fechar, muitos podem abrir e muitos podem voltar a circular.
Mudanças de endereços e telefones também são constantes e comuns.
Alguns jornais de bairro têm autonomia e independência editorial em relação ao
governo do Estado e aos órgãos públicos e privados, porém não usufruem desta condição
para denunciar irregularidades administrativas, políticas ou econômicas por falta de
condições financeiras. Ou seja, não podem contratar um bom jornalista para realizar
reportagens de peso, a exemplo do que fez o jornal Já, do bairro Bom Fim, de Porto Alegre,
capital do Rio Grande do Sul, em 2005, que venceu o Prêmio Esso na categoria reportagem,
concorrendo com os “leões” do jornalismo brasileiro.
A mesma independência não se observa em outro grupo de jornais que recebem
verba publicitária de prefeituras. Os jornais, salvo raras exceções, evitam publicar matérias
que possam descontentar o Executivo Municipal.
Outra característica desse segmento é não ter êxito em campanhas de assinatura do
jornal. Os leitores demonstram apreço pelas publicações, elogiam, pedem que continuem,
mas, conforme pesquisa, não pagariam a assinatura do jornal para tê-lo em casa.
No Rio Grande do Sul, todos os jornais de bairro trabalham com a entrega gratuita
residencial ou em pontos comerciais e locais de alta movimentação, como praças e clubes.
A quase totalidade dos proprietários não possui sede própria. A administração dos jornais e
produção são feitas nas suas casas. Todos trabalham com computadores de última geração.
A tiragem varia conforme a população do bairro ou região onde circula.

6
Conceito estabelecido por JANOWITZ (1971).
Peculiaridade gaúcha

A cidade de Porto Alegre, sede do Fórum Social Mundial em 2001, 2002 e 2005, a
partir da conquista da administração municipal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em
1989, implantou o Orçamento Participativo, modalidade de gestão pública baseada na
participação direta da população nas diversas fases que compõem a elaboração e a
execução do orçamento público municipal, especialmente na indicação das prioridades para
a alocação dos recursos de investimentos.
Essa modalidade de administração resulta de um complexo cenário sociopolítico
local e da interação de múltiplas variáveis na relação entre os governantes do Executivo e
Legislativo e a população local, especialmente os cidadãos participantes de movimentos
comunitários.
Portanto, não é necessário destacar a importância deste modelo para a
democratização da relação do Estado com a sociedade. Conforme sociólogos,
administradores e políticos da esquerda brasileira, a experiência do Orçamento
Participativo rompe com a visão tradicional da política, onde o cidadão encerra a sua
participação política no ato de votar e os governantes eleitos agem conforme suas visões de
mundo particulares, normalmente, como mostra a história, com políticas tecnocráticas ou
populistas e clientelistas. Este novo modelo participativo abre as portas para que o cidadão
deixe de ser um expectador da política tradicional para ser, se desejar, protagonista ativo da
gestão pública.
Outra vantagem do Orçamento Participativo, conforme estudiosos do setor, é a
criação de uma esfera pública, não-estatal, em que a sociedade pode controlar o Estado. De
que forma? A população estabelece, de maneira autônoma e por meio de um processo de
democracia direta, a forma de funcionamento do Orçamento Participativo, escolhe suas
prioridades temáticas, de obras e serviços e elege o Conselho do Orçamento Participativo.
“Cria-se, dessa forma, uma esfera pública não-estatal, em que a sociedade institui tanto o
processo de co-gestão da cidade, quanto mecanismos de controle social sobre o Estado”7.
Ocorre que, nessa escolha, a população deixa de fora itens importantes para o
aperfeiçoamento da democracia e de participação de diferentes setores da sociedade, que,
em conseqüência, deixam de ter relevância para administração do município. Foi ocaso, por
exemplo, da tema “comunicação”, que esperou quase 15 anos por ações concretas no
sentido de pôr em prática o Conselho Municipal de Comunicação.
No entanto, foi a própria população, através do Orçamento Participativo, que
manifestou interesse em receber apoio para poder desenvolver a comunicação comunitária
das mais variadas formas, mas, especialmente, através do apoio às rádios comunitárias.
Durante a I Conferência Municipal de Comunicação, realizada em 2000, foram
aprovadas três resoluções sobre Comunicação Social. A primeira deliberou a constituição
de formas de financiamento público e privado para a comunicação comunitária sob gestão
pública do Conselho Municipal de Comunicação; a segunda, defendeu amplo acesso dos
cidadãos a informações sobre a Administração Popular; e a terceira incentivou o debate
público sobre a qualidade da programação e das informações produzidas pelos meios de
comunicação.

7
GENRO e SOUZA, Orçamento Participativo. A experiência de Porto Alegre, São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 1997, 4ª ed.
É interessante destacar que importantes resoluções foram tiradas da II Conferência
Municipal de Direitos Humanos, realizada em 2000, dirigida especificamente para área de
Comunicação, dentre elas, o desejo dos cidadãos que os meios de comunicação social
incentivem a participação popular e a cidadania; que o município, junto aos segmentos
sociais, crie um fórum de defesa da democratização e fiscalização dos meios de
comunicação sociais para não haver difusão e/ou reprodução de preconceitos,
discriminação de raça, gênero, idade, etnia e orientação sexual; que se implemente formas
alternativas de comunicação e informação nas 16 regiões da cidade e em outros espaços que
o solicitem; que se incentive a proliferação de rádios comunitárias por toda a cidade; que os
meios de comunicação social estejam a serviço da vontade popular, tendo por objetivos a
divulgação e promoção dos direitos humanos; que seja garantido a todos o direito de
expressão; que se evite o monopólio da informação dos meios de comunicação, no âmbito
municipal, estadual e federal; que se apóie financeira, técnica e pedagogicamente os meios
de comunicação comunitários, como TV, rádio, jornal, revistas, etc., e que o poder público
municipal fortaleça os mecanismos de solidariedade que visem à utilização dos espaços nos
meios de comunicação, garantindo o acesso dos segmentos populares sem discriminação,
entre várias outras propostas.
Como se pode verificar, o cidadão comum aspira uma maior democratização da
imprensa e acusa a existência de discriminação e preconceito, uma vez que, em vários itens,
pede interferência do governo no sentido de evitar tais práticas. No entanto, o
posicionamento dos participantes da Conferência de Direitos Humanos diz respeito,
prioritariamente, à imprensa de massa, ou seja, dos programas da televisão, das emissoras
de rádio e dos jornais diários. A imprensa local e comunitária, formada pelos jornais de
bairro de empresas privadas e de associações de moradores, esteve excluída das resoluções
tiradas na conferência municipal dos direitos humanos.

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