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Abdome agudo

Autores
1
Gaspar de Jesus Lopes Filho
Publicação: Ago-2007

1 - Qual o conceito de abdome agudo?


As dificuldades na abordagem do abdome agudo começam com a sua conceituação, que varia
de autor para autor e de serviço para serviço. Assim, o conceito de abdome agudo vai desde
“toda situação abdominal alarmante” (Annes Dias) até “os casos intra-peritoneais, de natureza
cirúrgica, de evolução para a morte, apenas evitada pelo êxito da intervenção” (Vieira Romero).
Temos adotado, desde muitos anos, o conceito de Z. Cope, que considera abdome agudo
“toda dor abdominal que acomete um paciente que estava bem anteriormente e que dura mais
de seis horas”, enfatizando, portanto, a necessidade urgente de pronto diagnóstico e de
tratamento ativo. Vale ressaltar, no entanto, que essa ainda não é a definição ideal, pois exclui
quadros que, claramente, constituem abdome agudo. É necessário tornar claro, ainda, que não
consideramos como fazendo parte dessa entidade os traumatismos abdominais por
apresentarem aspectos etiopatogênicos, fisiopatológicos e clínicos diversos do abdome agudo.
2 - Quais são os mecanismos da dor abdominal?
Em uma anamnese cuidadosa, o elemento mais importante é, sem dúvida, a caracterização da
dor abdominal, que está quase sempre presente, a não ser em raros casos de pacientes muito
idosos ou psicóticos. Em relação ao seu mecanismo, existem três tipos de dor abdominal:

Dor visceral
Tem origem nas vísceras e é transmitida pelas fibras C (viscerais aferentes) que acompanham
os troncos simpáticos. Tem distribuição difusa e imprecisa, é acompanhada, freqüentemente,
de fenômenos autonômicos, como náuseas, vômitos, diarréia, constipação, sudorese e palidez.
Leva o doente a uma atitude de inquietude, procurando uma posição que diminua a dor.
Dor referida (víscero-cutânea)
É a dor sentida em locais distantes da sede real do fenômeno doloroso, sendo transmitida
pelas fibras A (cérebro-espinhais) e C (viscerais aferentes). É geralmente bem localizada e
percebida sobre a pele ou estruturas parietais. Costuma acompanhar as dores visceral e
parietal, mas pode aparecer isolada, como único sintoma.
Dor parietal (somática profunda ou reflexo peritônio-cutâneo de Morley)
Tem origem no peritônio parietal (de inervação abundante e lateralizada) e é transmitida pelas
fibras A (cérebro-espinhais). Tem localização precisa e se acompanha, freqüentemente, de
contratura da musculatura abdominal, determinada por reflexos medulares do segmento
correspondente. Leva o doente a permanecer quieto, evitando a movimentação ou a tosse que
aumentam a dor. Nos quadros abdominais agudos em que há peritonite difusa ou localizada,
entram em atividade os três mecanismos acima citados.
3 - Na anamnese, como é caracterizada a dor abdominal?
Na avaliação clínica da dor abdominal, é fundamental a análise de suas características
principais: modo de início, caráter, intensidade, localização, irradiação, fatores de melhora e de
piora e sintomas concomitantes. É pela definição precisa dessas características e de um
exame físico geral e abdominal minucioso (inspeção, palpação, percussão, ausculta, toque
retal e vaginal) que poderemos enquadrar o diagnóstico em um dos tipos sindrômicos de
abdome agudo, como veremos adiante.
4 - Quais são os exames complementares mais comumente utilizados no diagnóstico do
abdome agudo?
Dependendo de cada caso em particular e das disponibilidades locais, diversos exames
complementares podem ser realizados. Os métodos clássicos empregados no estudo dos
quadros dolorosos abdominais incluem uma rotina laboratorial mínima (hemograma,
hemossedimentação, bilirrubinas séricas, aminotransferases séricas, amilasemia e urina tipo I)
e exames radiológicos simples (tórax e abdome) e contrastados, conforme a doença que se

1
Professor Livre Docente e Chefe da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Universidade Federal
de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
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queira estudar (seriografia esofagogastroduodenal, trânsito intestinal, enema opaco,
colangiografias, angiografias etc).

Mais recentemente, novos métodos propedêuticos passaram a ser utilizados, aumentando a


precisão e a rapidez diagnóstica e reduzindo os índices de laparotomias desnecessárias. O
advento dos endoscópios flexíveis abriu um enorme campo propedêutico e terapêutico, tanto
em relação às doenças agudas do tubo digestivo, como em relação às doenças agudas
hepatobiliopancreáticas. Os modernos métodos de imagem, particularmente a ultra-sonografia,
em virtude da sua facilidade operacional e baixo custo, permitiram a visibilização de estruturas
e a definição de suas características com precisão incomparavelmente superior à radiologia
convencional, além de tornarem factível a utilização terapêutica de técnicas dirigidas de punção
e/ou drenagem de coleções abdominais.

É importante mencionar a punção abdominal, advogada para casos de hemoperitônio, de


peritonites difusas ou de abdome agudo vascular, em que a obtenção de líquidos ou secreções
peritoneais, através da parede anterior do abdome ou através do fundo-de-saco de Douglas,
permite, muitas vezes, o diagnóstico etiológico do processo ou, pelo menos, estabelecer uma
conduta para aquele momento.

5 - Existe abdome agudo de origem extra-abdominal?


Sob o diagnóstico genérico de abdome agudo podem estar incluídas diversas entidades
mórbidas, tanto abdominais como extra-abdominais, e que podem ter origem tanto em
processos patológicos de competência clínica quanto cirúrgica. Os recursos diagnósticos mais
importantes, portanto, continuam sendo uma anamnese pormenorizada e um exame físico bem
feito.

Diante de um quadro de abdome agudo, devemos considerar o paciente como um todo, jamais
nos fixando somente no exame abdominal, sob pena de cometermos graves erros diagnósticos
e, até, de submetermos o doente a laparotomias desnecessárias, na vigência de outras lesões
extra-abdominais capazes de ocasionar quadros dolorosos abdominais. É o caso, por exemplo,
do infarto do miocárdio, das pneumonias, da embolia pulmonar, de algumas colagenoses, da
insuficiência supra-renal aguda, do diabetes descompensado, da porfiria, da uremia, das
radiculites, da tabes, da intoxicação pelo chumbo, arsênico ou tálio, da anemia falciforme, da
púrpura de Henoch-Schonlein, entre outros.

6 - Como podemos classificar o abdome agudo?


Considerando-se o tipo de dor, sua instalação, o quadro geral e abdominal do paciente,
podemos classificar o abdome agudo em cinco tipos fundamentais:
• Inflamatório
• Obstrutivo
• Perfurativo
• Hemorrágico
• Vascular

7 - Quais são os principais dados da anamnese do abdome agudo inflamatório?


Neste tipo de abdome agudo, a dor é insidiosa, inicialmente difusa, mal caracterizada (dor tipo
protopática) e torna-se localizada com a evolução do quadro (dor epicrítica). A dor é contínua e
vai aumentando de intensidade com o decorrer das horas. A localização da dor, geralmente,
sugere o diagnóstico etiológico.

O paciente apresenta, ainda, náuseas, vômitos, mau estado geral e febre. A febre é um sinal
muito importante e freqüente neste tipo de abdome agudo. Inicialmente, ela é baixa e eleva-se
com a evolução do quadro ou com a presença de complicações. Com o evoluir do quadro,
ocorre parada de eliminação de gases e fezes, conseqüente ao íleo paralítico secundário à
peritonite que sempre acompanha o abdome agudo inflamatório.

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8 - Quais são os principais dados do exame físico geral do abdome agudo inflamatório?
São eles:
• alteração do estado geral (regular ou mau estado geral),
• febre,
• taquisfigmia,
• desidratação (mais intensa quanto maior o tempo de história e quanto maior for a
extensão da peritonite),
• palidez cutâneo-mucosa,
• níveis pressóricos tendem a abaixar devido à desidratação e à sepse.
9 - Quais são os principais dados do exame físico abdominal do abdome agudo
inflamatório?
São eles:
• dor à palpação superficial e profunda (localizada ou generalizada),
• resistência abdominal à palpação voluntária e involuntária,
• descompressão brusca dolorosa,
• diminuição ou ausência dos ruídos hidroaéreos,
• palpação de um “plastrão”, que representa o bloqueio inflamatório que geralmente
acompanha o abdome agudo inflamatório,
• a percussão abdominal determina a mesma reação dolorosa que a descompressão
brusca.
É preciso enfatizar que todos esses sinais têm o mesmo significado, qual seja, são sinais de
irritação peritoneal, conseqüentes à peritonite. Existem inúmeros sinais que expressam
peritonite: sinal de Blumberg, sinal de Murphy, ponto cístico doloroso, sinal de Lapinsky, sinal
de Rowsing etc. Todos esses sinais significam, direta ou indiretamente, o mesmo, ou seja,
peritonite aguda (localizada ou generalizada).

Nas peritonites pélvicas (apendicites, moléstias inflamatórias pélvicas, diverticulites etc) o toque
retal é doloroso e pode-se notar abaulamento do fundo-de-saco. Nessas situações, a
temperatura retal costuma ser mais elevada do que a temperatura axilar.
10 - Quais são as principais causas de abdome agudo inflamatório?
Existem inúmeras entidades que determinam o abdome agudo inflamatório, tais como
apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite aguda, moléstia
inflamatória pélvica, entre outras. A seguir descrevemos algumas particularidades das três
principais causas.

Apendicite aguda
• Paciente habitualmente jovem.
• Dor abdominal epigástrica ou periumbilical, incaracterística, que se torna precisa e se
localiza na fossa ilíaca direita.
• Febre e sinais de irritação peritoneal na fossa ilíaca direita.
Colecistite aguda
• História anterior de colelitíase.
• Dor em cólica no hipocôndrio direito, que passa a ser contínua.
• Febre e sinais de irritação peritoneal no hipocôndrio direito.
Pancreatite aguda
• História anterior de colelitíase.
• Dor epigástrica contínua, irradiada para ambos os hipocôndrios, acompanhada de
vômitos.
• Febre e sinais de irritação peritoneal no epigástrio e hipocôndrios.
11 - Quais são os exames complementares mais utilizados no abdome agudo
inflamatório?
O quadro clínico, geralmente, é suficiente para definir o diagnóstico e, muitas vezes, a conduta.
Porém, em muitas situações, existe a necessidade de utilizar exames subsidiários, tanto

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laboratoriais quanto de imagem. Fazemos uso desses exames quando há dúvida diagnóstica e
para avaliação geral do paciente.

O hemograma revela, na maioria das vezes, leucocitose com desvio à esquerda,


caracterizando um processo infeccioso. A radiografia simples de abdome pode demonstrar a
presença de algumas alças de intestino delgado distendidas (alças “sentinelas” ao processo
peritonítico). A ultra-sonografia abdominal tem trazido inúmeras e valiosas informações quanto
à natureza do processo abdominal e à ocorrência de complicações, confirmando, em muitas
situações, o diagnóstico etiológico (por exemplo, na colecistite aguda) e sinalizando as
complicações do quadro. Não deve ser esquecido, no entanto, que os exames laboratoriais
devem ser interpretados à luz do quadro clínico do paciente e não como armas definitivas para
o diagnóstico.

12 - Como é feito o tratamento do abdome agudo inflamatório?


Feito o diagnóstico do abdome agudo inflamatório, inicia-se a hidratação e a antibioticoterapia,
além da correção hidroeletrolítica. O tratamento cirúrgico está indicado na maioria dos
pacientes.

13 - Quais são os principais dados da anamnese do abdome agudo obstrutivo?


Neste tipo de abdome agudo, a dor é em cólica e difusa em todo o abdome. Além da cólica, o
paciente apresenta distensão abdominal, que é tão mais intensa quanto mais distal, no trato
digestivo, for a obstrução. Encontram-se, ainda, parada de eliminação de gases e fezes,
náuseas e vômitos conseqüentes à obstrução.

14 - Como é classificado o abdome agudo obstrutivo?


Pode-se classificar o abdome agudo obstrutivo em alto ou baixo e a caracterização desses
tipos é feita pelos aspectos clínicos do paciente e não exatamente pelo local da obstrução.

Abdome agudo obstrutivo alto


Náuseas e vômitos precedem a parada de eliminação de gases e fezes, pois o paciente
continua a eliminar o conteúdo intestinal à jusante do obstáculo.
Abdome agudo obstrutivo baixo
A parada de eliminação de gases e fezes precede os vômitos, pois esses só acontecem
quando todo o intestino delgado à montante da obstrução estiver distendido. A distensão
abdominal é maior quanto mais baixo for o bloqueio.
Quanto à distensão, ela pode ser simétrica ou assimétrica. Na obstrução do cólon esquerdo, se
a válvula ileo-cecal for continente, teremos a distensão somente do cólon, determinando um
abaulamento assimétrico do abdome. Se, no entanto, a válvula íleo-cecal for incontinente, a
distensão será universal e, portanto, o abaulamento abdominal será simétrico.

O abdome agudo obstrutivo pode ser, ainda, complicado ou não complicado, na dependência
da obstrução ter determinado (ou não) isquemia ou perfuração de víscera intra peritonial.

15 - Quais são os principais dados do exame físico geral do abdome agudo obstrutivo?
São eles:
• Alteração do estado geral.
• Desidratação, fundamentalmente, devida aos vômitos e ao seqüestro de líquidos nas
alças intestinais. Os vômitos podem acarretar, além da perda líquida, perda
hidroeletrolítica, determinando, às vezes, alcalose hipocalêmica.
• Taquisfigmia, devida à desidratação.
• Geralmente, o abdome agudo obstrutivo não é acompanhado de febre; ela aparece
quando temos uma complicação do quadro (peritonite bacteriana).
• Hipotensão arterial pode estar presente em quadros prolongados.

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16 - Quais são os principais dados do exame físico abdominal do abdome agudo
obstrutivo?
São eles:
• Distensão abdominal (simétrica ou assimétrica).
• Discreto desconforto à palpação, não caracterizando sinais de irritação peritoneal, a
não ser quando há complicação do quadro.
• Ruídos hidroaéreos aumentados em número e com alteração do timbre (timbre
metálico). Com o evoluir do processo e, portanto, com a isquemia da alça intestinal
envolvida, os ruídos tendem a diminuir e até tornam-se ausentes.
17 - Quais são a s causas de abdome agudo obstrutivo?
As causas mais freqüentes de abdome agudo obstrutivo são:
• aderências pós-operatórias (bridas),
• hérnias encarceradas,
• neoplasias de cólon,
• volvo de sigmóide,
• na infância: intussuscepção intestinal, bolo de ascaris.
18 - Quais são os principais exames subsidiários utilizados no diagnóstico do abdome
agudo obstrutivo?
Quanto aos exames subsidiários, a radiografia simples de abdome mostra, geralmente,
distensão de alças de delgado com níveis hidroaéreos. Nas obstruções de cólon esquerdo com
válvula íleo-cecal continente, podemos ter distensão importante do ceco, que, quando maior ou
igual a 12 cm de diâmetro, significa risco iminente de ruptura. O hemograma revela,
habitualmente, hemoconcentração, devida à desidratação, e os demais exames costumam
demonstrar alcalose com hipopotassemia.
19 - Como é feito o tratamento do abdome agudo obstrutivo?
Inicialmente, são tomadas algumas medidas, como a correção hidroeletrolítica e a aspiração
gástrica e/ou intestinal, que visam o preparo do paciente e o alívio ou a correção da obstrução.
Alguns casos, como as aderências pós-operatórias, o “bolo” de Ascaris, a invaginação
intestinal, o fecaloma, o volvo de sigmóide, os corpos estranhos, a carcinomatose peritoneal, a
pseudo-obstrução colônica (síndrome Ogilvie), o íleo adinâmico metabólico, entre outros, são
situações em que as medidas clínicas acima referidas podem reverter o quadro obstrutivo e
evitar uma cirurgia naquele momento.

Uma vez decidido pelo tratamento cirúrgico, deve-se enfatizar a importância das seguintes
medidas intra-operatórias:
• via de acesso ampla e adequada,
• controle da contaminação peritoneal,
• aspiração gástrica e intestinal,
• tratamento da causa da obstrução.
20 - Quais são os principais dados da anamnese do abdome agudo perfurativo?
Caracteriza-se por dor abdominal de forte intensidade que, rapidamente, atinge todo o abdome
(dor em facada). O paciente assume posição antálgica e respiração superficial.
Concomitantemente, surgem náuseas, vômitos e febre. Parada de eliminação de gases e fezes
também estão presentes. Geralmente o paciente tem história anterior de moléstia ulcerosa,
embora essa possa faltar, sendo a perfuração a primeira manifestação daquela doença.
21 - Quais são os principais dados do exame físico geral do abdome agudo perfurativo?
São eles:
• comprometimento do estado geral,
• facies toxêmica,
• taquisfigmia,
• desidratação,
• febre e sudorese fria,
• hipotensão arterial.

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22 - Quais são os principais dados do exame físico abdominal do abdome agudo
perfurativo?
São eles:
• Dor à palpação superficial e profunda de todo o abdome.
• Resistência abdominal involuntária em todo o abdome (abdome “em tábua”)
• Ruídos hidroaéreos diminuídos ou ausentes.
• Percussão dolorosa em todo o abdome, com desaparecimento da macicez hepática
(sinal de Jobert), devida à interposição de ar entre a parede abdominal e o fígado.
• A pesquisa da dor à descompressão abdominal fica prejudicada pela intensa
resistência que o paciente apresenta.
A dor abdominal é intensa e a resistência é importante porque a peritonite causada pelos sucos
gástrico, biliar e pancreático é intensa. Esses são irritantes fortes do peritônio, ao contrário do
sangue e urina que são irritantes fracos. A reação é geral, porque essas secreções banham
toda a cavidade abdominal. Ocorrem situações, no entanto, em que a lesão perfurada é
rapidamente tamponada e há, apenas, um pequeno extravasamento para a goteira parieto-
cólica direita, determinando um quadro localizado e obrigando o cirurgião a considerar
diagnósticos diferenciais, tais como apendicite ou colecistite aguda.
23 - Quais são as principais causas do abdome agudo perfurativo?
A causa mais freqüente de abdome agudo perfurativo é a úlcera duodenal perfurada. Entre
outras causas há a úlcera gástrica perfurada e a perfuração de alças de delgado por doenças
específicas ou inespecíficas. Porém, qualquer perfuração, em qualquer parte do tubo digestivo,
do esôfago abdominal ao reto intra-peritoneal, pode acarretar um quadro perfurativo.
24 - Quais são os principais exames subsidiários utilizados no diagnóstico do abdome
agudo perfurativo?
A radiografia simples de abdome costuma apresentar um sinal que, praticamente, define o
diagnóstico, o pneumoperitônio. O hemograma, quando solicitado, demonstra
hemoconcentração e leucocitose com desvio à esquerda. Algumas vezes, pode ser utilizada a
punção abdominal.
25 - Como é feito o tratamento do abdome agudo perfurativo?
Deve-se ressaltar que a peritonite, causada, por exemplo, pela úlcera duodenal perfurada, é,
de início, química, mas com o passar das horas torna-se também bacteriana, fato esse
importante, tanto nas alterações que pode causar ao paciente quanto na modificação na
conduta operatória. Portanto, quando a peritonite já é bacteriana com secreção purulenta em
grande quantidade, deve-se, apenas, promover a rafia da úlcera. A cirurgia definitiva deve ser
realizada quando as condições locais e gerais do paciente assim o permitirem.
26 - Quais são os principais dados da anamnese do abdome agudo hemorrágico?
Neste tipo de abdome agudo, a dor não é intensa, pois o sangue é um irritante fraco do
peritônio. Predominam as alterações hemodinâmicas, secundárias à perda sanguínea, levando
o paciente às síndromes hipovolêmica e anêmica.

A etiologia mais freqüente deste tipo de abdome agudo é a prenhez ectópica rota. Aneurisma
da aorta roto, sangramento proveniente de malformações vasculares, rupturas espontâneas de
fígado ou baço, sangramento desencadeado por discrasias sanguíneas, também são causas
de abdome agudo hemorrágico.

O paciente apresenta dor abdominal contínua, pouco intensa, mal estar geral, escurecimento
da visão, sudorese fria, palidez, pulso acelerado e apresenta perda da consciência.
Habitualmente, dá entrada no pronto socorro sentado ou deitado, visto que a posição supina
piora substancialmente o quadro. Pode, ainda, referir dor no ombro (sinal de Lafont), devido à
irritação do peritônio que reveste a cúpula diafragmática. Além disso, podem existir dados que
dão indícios da etiologia do quadro, tais como atraso menstrual e sangramento genital, história
de massa abdominal pulsátil e arteriopatia crônica.

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27 - Quais são os principais dados do exame físico geral do abdome agudo
hemorrágico?
São eles:
• mau estado geral,
• palidez cutâneo-mucosa intensa,
• pulso fino e rápido,
• hipotensão arterial severa,
• sudorese fria,
• rebaixamento do nível de consciência.

28 - Quais são os principais dados do exame físico abdominal do abdome agudo


hemorrágico?
São eles:
• Dor difusa à palpação superficial e profunda do abdome, de fraca intensidade.
• Descompressão brusca dolorosa difusa.
• Palpação de massa abdominal pulsátil (no aneurisma de aorta abdominal).
• Ruídos hidro-aéreos diminuídos.
• Toque vaginal pode revelar, na prenhez ectópica, abaulamento doloroso do fundo-de-
saco posterior (fundo-de-saco de Douglas), dor à mobilização do colo do útero e massa
palpável parauterina.

29 - Quais são os principais exames subsidiários utilizados no diagnóstico do abdome


agudo hemorrágico?
Durante a investigação diagnóstica, pode-se utilizar a paracentese abdominal e o lavado
peritonial diagnóstico, que serão positivos quando recuperarem sangue incoagulável da
cavidade peritoneal. O ginecologista tem, geralmente, preferência pela punção do fundo-de-
saco posterior ao invés da punção abdominal. A ultra-sonografia abdominal revela líquido livre
na cavidade abdominal, além de fornecer dados para o diagnóstico etiológico. A dosagem de
hemoglobina revela anemia aguda acentuada. Na suspeita de prenhez ectópica, o teste para
detecção da gravidez torna-se imperioso.

30 - Como é feito o tratamento do abdome agudo hemorrágico?


Feito o diagnóstico, deve-se providenciar venóclise de grosso calibre, para infusão rápida de
líquidos. Inicialmente, trata-se a síndrome hipovolêmica com solução cristalóide e, logo após,
se necessário, o quadro anêmico com a reposição de concentrado de hemácias. Durante os
cuidados de ressuscitação do quadro hemodinâmico, colhe-se sangue para tipagem sanguínea
e para dosagem de hemoglobina/hematócrito. A seguir, o paciente é conduzido ao centro
cirúrgico para laparotomia exploradora.

31 - Quais são os principais dados da anamnese do abdome agudo vascular?


Pode-se considerar este abdome agudo como sendo o mais confuso do ponto de vista
diagnóstico. Diz-se, até, que ele pode simular qualquer outro tipo de abdome agudo. O quadro
caracteriza-se por dor abdominal, geralmente em cólica, que passa a ser contínua,
generalizada e de pouca intensidade. Poucas horas depois, surgem mal estar geral e sudorese
fria. Freqüentemente, o paciente é portador de diabetes e hipertensão arterial. Geralmente,
existe história anterior de arteriopatia crônica, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular
cerebral ou claudicação abdominal (dor abdominal crônica após refeições copiosas).

32 - Quais são as principais causas do abdome agudo vascular?


As etiologias do abdome agudo vascular são a trombose arterial mesentérica (mais freqüente),
a embolia arterial mesentérica e a trombose venosa mesentérica. Na embolia arterial
mesentérica, identificamos, quase sempre, uma fonte emboligênica, geralmente cardíaca. A
trombose venosa mesentérica acomete com maior freqüência pacientes do sexo feminino, que
estão fazendo uso de contraceptivos orais.

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33 - Quais são os principais dados do exame físico geral do abdome agudo vascular?
São eles:
• Mau estado geral.
• Hipotensão arterial intensa, chegando ao choque, que, de início, é hipovolêmico,
devido ao seqüestro de líquido intra-abdominal, mas que depois passa a ser séptico,
em decorrência da invasão bacteriana da corrente sangüínea, facilitada pela quebra da
barreira mucosa intestinal necrosada.
• Pulso fino e rápido, muitas vezes arrítmico.
• Alteração do ritmo respiratório, devido à acidose metabólica que se instala.
• Cianose de extremidades.
• Febre pode estar presente, porém as extremidades estão frias.
34 - Quais são os principais dados do exame físico abdominal do abdome agudo
vascular?
São eles:
• dor à palpação superficial e profunda,
• descompressão brusca dolorosa nem sempre presente,
• distensão abdominal,
• ruídos hidroaéreos ausentes ou muito diminuídos,
• toque retal com saída de líquido necrótico,
• temperatura retal mais baixa do que a axilar.
35 - Quais são os principais dados para o diagnóstico do abdome agudo vascular?
O paciente pode apresentar vômitos de líquido escuro e de odor necrótico, evacuar esse
mesmo líquido e, durante a investigação abdominal com paracentese, ser recuperado líquido
necrótico da cavidade peritoneal. Essa situação é, praticamente, patognomônica de abdome
agudo vascular.

Deve-se procurar fazer o diagnóstico na fase inicial, quando há apenas isquemia intestinal sem
necrose. Fazer o diagnóstico após a necrose ter sido estabelecida, limita o cirurgião a apenas
realizar ressecções intestinais, que, na maioria das vezes, são muito extensas e pioram o
prognóstico do paciente. É também por isso que o índice de mortalidade desta entidade é
extremamente elevado.
36 - Quais são os principais exames subsidiários utilizados no diagnóstico do abdome
agudo vascular?
Quando existe a suspeita diagnóstica de que se trata de um quadro abdominal vascular em
fase de implantação, deve-se tentar confirmar ou afastar rapidamente o diagnóstico. Nessa
situação está indicada a arteriografia seletiva do tronco celíaco, mesentérica superior e
mesentérica inferior. A tomografia computadorizada (TC) também pode ser utilizada e traz
importantes elementos para o diagnóstico. A TC com contraste endovenoso permite
diagnosticar isquemia e sofrimento de alça por meio de sinais tomográficos como a
hipoperfusão ou realce persistente da parede intestinal, pneumatose intestinal, espessamento
segmentar parietal e gás no sistema porta (sinal do aeroportograma, também identificado à
radiografia simples).
37 - Como é feito o preparo pré-operatório no abdome agudo vascular?
Feito o diagnóstico, prepara-se o paciente para o ato operatório, corrigindo-se as graves
alterações metabólicas e respiratórias, instituindo-se antibioticoterapia de amplo espectro,
visando atingir as bactérias gram-negativas e os anaeróbios, além de uma avaliação clínica
completa. O hemograma revela, geralmente, leucocitose importante. À gasometria, temos
acidose metabólica grave. Todas essas alterações devem ser corrigidas ou, pelo menos,
minimizadas para a realização do ato operatório em melhores condições.
38 - Como é feito o tratamento do abdome agudo vascular?
Confirmado o diagnóstico, indica-se imediatamente a intervenção cirúrgica, que pode ser feita
com a participação concomitante de um cirurgião vascular, para que possa ser realizada a
correção vascular necessária. Muitas vezes, o diagnóstico da fase inicial não é feito a tempo,
seja pelo quadro abdominal pouco expressivo, seja porque o paciente procura tardiamente a
assistência médica. Instala-se, então, necrose de maior ou menor extensão, peritonite

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bacteriana, sepse e choque séptico, que, geralmente, é irreversível quando a necrose é
extensa.
39 - Quais são os cuidados para a abordagem a um paciente com um quadro de abdome
agudo?
É importante que se entenda que os quadros abdominais, muitas vezes, não se apresentam de
forma característica, o que faz com que o diagnóstico seja mais difícil de ser feito e, portanto,
freqüentemente, o tratamento ser retardado.

Sempre vale relembrar alguns aforismos clássicos, que permanecem válidos e atuais:
• Atende melhor um abdome agudo aquele que mais vezes atendeu.
• Não devemos medicar nenhum paciente com dor abdominal que ainda não esteja
esclarecida, sob pena de podermos estar contribuindo para o atraso diagnóstico e, com
isso, aumentar os riscos de morbidade e mortalidade.
• No atendimento à dor abdominal a esclarecer, devemos fazer uso de duas armas
fundamentais, mais importantes do que qualquer exame subsidiário, que são:
o observação clínica,
o bom senso.
40 - Leitura recomendada
Cajma Jr A. Abdome agudo. Rev Bras Clin Terap 1985;14:163-166.

Carrilho FJ, Zeitune JMR. Laparoscopia em urgências. GED1983;2:9-14.

Cope Z. The early diagnosis of the acute abdomen. 1963, 3. ed. New York: Oxford University
Press, 309 p.

Guslandi M. A dor abdominal. Rev Bras Clin Terap 1988;17:104-110.

Juan Y, Martín M. La apendicitis aguda em los viejos. 1963, 1. ed. Barcelona: Científico-
médica, 300 p.

Macedo ALV, Sorbello AA. Abdômen agudo. In: Felippe Jr J. Pronto Socorro. Fisiopatologia,
diagnóstico, tratamento. 1990, 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, pp. 625-32.

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