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2ª Vara Criminal da Zona Norte fl.

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE


JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DA ZONA NORTE DA COMARCA DE
NATAL
TERMO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Processo nº (número suprimido)

Acusado: Francimar (sobrenomes suprimidos)


Data e hora: 16/05/2011 às 09:00h

PRINCIPAIS INFORMAÇÕES E OCORRÊNCIAS


[s = sim | n = não] - Presenças: Ministério Público, Dr. Henrique César Cavalcanti - s;
acusado(a)(s) Francimar (sobrenomes suprimidos): - s; defensor, Defensor Público, Dr.
Manuel Sabino Pontes - s. Oitiva(s): vítima: - O Estado; testemunha(s): - Nome(s) da(s)
testemunha(s) e declarantes ouvido(a)(s): SERAFIM MELO DA SILVA e ALEXANDRE
CASSIMIRO DA SILVA; Acusado: - Francimar (sobrenomes suprimidos). Caminho e
nome do arquivo multimídia: D:\Gravação de Audiências\2011\maio\(número suprimido).
Alegações finais orais - (s). Ocorrências dignas de nota: disse o MM Juiz: "Antes de
proceder ao interrogatório do acusado, entendeu o magistrado que o Estado Democrático de
Direito repercute no âmbito do Processo Penal através do Princípio Acusatório. Apregoa ele
que as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos diversos, bem como que a
produção das provas compete às partes e não ao magistrado. Outrossim, quando o magistrado
produz as provas ele perde sua imparcialidade, notadamente em favor da acusação, pois a tese
é o primeiro elemento que lhe chega às mãos. Na verdade, inconscientemente (e às vezes
conscientemente também), termina o magistrado por buscar nas provas apenas, e tão somente,
a confirmação do pré-juízo anterior condenatório que já possuía, culminando por despir-se da
toga e a dividir a vestimenta da beca de quem acusa, seja o Ministério Público, seja o
querelante.". Deliberações finais: segue sentença.

SENTENÇA

RELATÓRIO
Trata-se de ação penal pública em que figura Francimar (sobrenomes suprimidos),
parte já qualificada nos autos, como acusada pela prática dos fatos violadores das regras
penais previstas nos artigos 306 c/c 298, inciso III, ambos do Código de Trânsito Brasileiro.
Quanto às provas documentais e periciais, há o teste de alcoolemia.
A denúncia foi recebida no dia 23/08/2010 (fl.51).
A citação se deu à fl. 67.
A resposta à acusação se encontra às fls. 73-75
O interrogatório ocorreu em audiência.
As testemunhas foram ouvidas em audiência.
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As partes apresentaram suas alegações finais em audiência.
FUNDAMENTAÇÃO
No tocante à prova documental ou pericial, consta no teste alcoólico o resultado
de 1.04 mg/l.
A testemunha SERAFIM MELO DA SILVA, durante oitiva judicial (0min10seg
do vídeo), afirmou que recorda dos fatos. Tinham ida á plantão. Quando chegaram no sinal,
viram um Ford KA branco e um Fiat. Vinha muito alto. Passou o sinal vermelho e só não
colidiu com o KA porque este parou. Perseguiram e abordaram o acusado. O acusado estava
sem a carteira e ele disse que não a tinha porque havia ocorrido um acidente com ele antes. O
acusado estava com um pouco de sintoma de embriaguez. O delegado pediu o bafômetro. O
exame deu teor acima. O acusado estava sem a carteira de habilitação.
A testemunha ALEXANDRE CASSIMIRO DA SILVA, ouvida judicialmente
(3min52seg do vídeo), relatou que estavam parados no sinal. Aí o acusado avançou o sinal
vermelho e quase colidiu com um Ford KA. Perseguiram-no. Ele tentou fugir praticando
direção perigosa. Perceberam que o acusado estava bêbado. Conduziram-no até a delegacia.
Durante interrogatório judicial, a parte acusada Francimar (sobrenomes
suprimidos), (5min25seg do vídeo), disse que tinha bebido.Fez o exame e pagou a multa.
Responde a um processo semelhante em outra comarca. Está sem carro. Sabe ler e escrever.
Mora com sua mãe. Tem segundo grau completo. Tinha alugado um carro para passar o final
de semana com suas filhas, apesar de responder a outro processo em razão de um acidente de
veículos.
Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, dou
início à formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e
imputados a quem figura no polo passivo da relação processual.
E a decisão judicial é um processo dialético, composto de a) tese (argumentos da
acusação); b) antítese (argumentos da defesa); c) síntese (decisão justa). E cada um dos
argumentos que constitui a tese e a antítese devem obedecer a um silogismo (premissa maior,
premissa menor e conclusão) no qual a premissa maior é a historicidade dos fatos (as
condutas realizadas) e a premissa menor a adequação desses fatos ao Direito, sendo a
conclusão as consequências jurídicas dessa relação entre a historicidade dos fatos e o que diz
o Direito.
Em relação a cada uma das teses da acusação e das antíteses da defesa, as
enfrentarei uma por uma.
1ª Tese da acusação: cometimentos dos delitos dos dos arts. 306, c/c o 298,
inciso III, ambos do Código de Trânsito Brasileiro. Disse que o resultado do bafômetro
indicou uma concentração de 20,8 dg/l, bem acima do permitido no Código de Trânsito
Brasileiro. Os policiais militares narraram que inicialmente o acusado ultrapassou o sinal
vermelho. Verificaram que o acusado tinha sinais de embriaguez. O próprio acusado
confessou que tinha ingerido bebida alcoólica. Importante ressaltar, há aceitação tranquila do
bafômetro.
Em relação à agravante do art. 298, III, do CTB, aplica-se apenas a quem nunca
teve uma habilitação. Não se deve colocar o direito penal para absorver uma sanção
administrativa.
Antítese da defesa: disse que concordava.
DELIBERAÇÃO JUDICIAL: a materialidade e a autoria estão comprovadas
pelas provas juntadas aos autos, devendo ser condenado nos termos do que foi proposto nas
razões finais.
A alcoolemia acima do nível permitido restou comprovada. Houve confissão do
acusado e as provas testemunhais foram no mesmo sentido.
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2ª Tese da acusação: substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos. Disse que não havia porque aplicar uma pena privativa de liberdade
nesse caso.
Antítese da defesa: disse que concordava.
DELIBERAÇÃO JUDICIAL: deliberarei na aplicação da pena.
3ª Tese da acusação: direito de apelar em liberdade. Disse que não era
necessário prendê-lo nessas circunstâncias.
Antítese da defesa: disse que concordava.
DELIBERAÇÃO JUDICIAL: fundamentarei na aplicação da pena. Mas
concordo.
1ª Tese da defesa: concorda com o MP em relação a não aplicação da
agravante do art. 298, III, do CTB. Disse que se o sujeito é pego sem a carteira, será
multado administrativamente.
Antítese da acusação: disse que concordava.
DELIBERAÇÃO JUDICIAL: não considerarei essa circunstância agravante.
Entendo, com base no princípio acusatório, que houve redução da acusação. E juiz que
conhece questão não mais objeto de acusação pelo órgão que detém o monopólio da ação
penal, nos termos do art. 129 do CP, transfigura-se, inconstitucionalmente, em acusador de
exceção.
2ª Tese da defesa: houve perigo concreto em relação aos fatos, inclusive quase
houve uma batida em razão da embriaguez. . Disse que isso comprova a existência do fato
e a autoria dele.
Antítese da acusação: disse que concordava.
DELIBERAÇÃO JUDICIAL: já decidi acima.
3ª Tese da defesa: substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direitos e atenuante da confissão.
DELIBERAÇÃO JUDICIAL: tese já integralmente discutida e considerada
acima. Por isso, sob pena de redundância, entendo prejudicada em seu conhecimento.
OUTRAS QUESTÕES DELIBERADAS: no caso concreto, há teste do
bafômetro dando conta da existência de concentração de álcool acima do permitido em lei,
quase quatro vezes. Uma prova muito forte.
É bem verdade que o Ministério Público oficiante aqui, com sua já costumeira
visão humanista e garantista, reconheceu a existência da atenuante e a Defensoria Pública a
ratificou. Mas por se tratar de um ponto importante, trago o registro da recente decisão do
STF, decidindo que não cabe sua aplicação quando as provas são suficientes.
Diz o seguinte:
PENA-BASE – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – BALIZAMENTO DO
TIPO – CINCO A QUINZE ANOS – FIXAÇÃO EM DEZ ANOS –
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. Surge fundamentada a decisão que implica a
fixação da pena-base em dez anos de reclusão ante a culpabilidade e as
circunstâncias do crime. CONFISSÃO ESPONTÂNEA – ATENUANTE. Em se
tratando de situação concreta em que ocorrida a prisão em flagrante, em razão do
transporte de vultosa quantidade de droga, descabe cogitar da atenuante da
confissão espontânea, no que esta última tem como objetivo colaborar com o
Judiciário na elucidação da verdade real (HC 101861, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, DJe-085 DIVULG
06-05-2011 PUBLIC 09-05-2011 EMENT VOL-02517-01 PP-00060).
Isto é, o STF criou, com todo o respeito que um órgão julgador merece, a figura
da confissão condicionada à valoração das outras provas, uma exigência não prevista em
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lei, o que fica claro ao se ler a redação do Código Penal:
Analisando o art. 65, III, do CP, vê-se o seguinte:
Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
(...)
III - ter o agente:
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
A atenuante da confissão é objetiva, não questionando a lei os efeitos práticos
da confissão, da sua efetividade para o caso concreto.
Criar essa limitação viola os princípios constitucionais da indivualização da
pena, do devido processo legal e da legalidade. Ademais, é realizar uma operação bem ao
gosto da filosofia da consciência, que pretende entrar na mente do outro julgador, isto é,
ingressar na subjetividade alheia, para dizer o que seria útil considerar ou não como
fundamento para o convencimento. Da mesma forma, ingressar na subjetividade do acusado
pra prever o que ele tenha pensado antes de confessar. Como se não houvesse alternativa.
Mas o dia-a-dia demonstra que sempre há o caminho da mentira. Não raras vezes me deparei
com processos muito bem instruídos e, para mim, comprovados e que, mesmo asssim, o
acusado não confessou. Não posso tratar igualmente um acusado que confessou com outro
que não o fez, sob pena de violar o principio constitucional da individualização da pena.
Ademais, esquece o caráter propedêutico da confissão, como meio restaurativo
de individual, como premiação pelo reconhecimento pessoal da culpa, ainda que despicienda
fosse a negação da autoria do fato. Decidir sobre a sinceridade ou não da confissão é questão
metafísica.
Não me bastando com a mera citação da ementa do acórdão, tão em voga
ultimamente, fui resgatar o voto do relator sobre a questão. O Ministro Fux, disse o seguinte:
"Quanto à confissão espontânea, a razão da atenuante está em colaborar o acusado
com a Justiça na elucidação da verdade real. O objetivo fica frustrado quando se
tem prisão em flagrante, no caso de tráfico, portando o acusado a droga, aliás, na
espécie, em vultosa quantidade – seis toneladas de maconha."1
Aliás, sempre me questiono sobre a chamada busca da verdade real. Essa figura
metafísica jamais será alcançada, pois é inatingível. O real não pode ser alcançado por,
acredito, dois motivos: o primeiro é que o homem percebe tudo mediado pelos seus
próprios sentidos. Não há um conhecer a priori, mas sim a posteriori do que é captado e
interpretado pela visão, audição, olfato, tato e gustação.
Estudar a percepção é de extrema importância porque o comportamento das
pessoas é baseado na interpretação que fazem da realidade e não na realidade em si. Por este
motivo, a percepção do mundo é diferente para cada um de nós, cada pessoa percebe um
objeto ou uma situação de acordo com os aspectos que têm especial importância para si
própria.2
Muitos psicólogos cognitivos e filósofos de diversas escolas, sustentam a tese de
que, ao transitar pelo mundo, pessoas criam um modelo mental de como o mundo funciona
(Paradigma. Ou seja, elas sentem o mundo real, mas o mapa sensorial que isso provoca na
mente é provisório, da mesma forma que uma hipótese científica é provisória até ser
comprovada ou refutada ou novas informações serem acrescentadas ao modelo).
Assim, ocorre um estímulo (por exemplo, a retina dos olhos da testemunha recebe
1
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=622635, página 67.
2
Vide <http://pt.wikipedia.org/wiki/Percep%C3%A7%C3%A3o#Percep.C3.A7.C3.A3o_e_realidade>, acesso
em 16.05.2011.
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as imagens de um movimento entre dois corpos em contato físico e com ações bruscas). Esse
estímulo provoca uma percepção (a leitura que o indivíduo faz do ocorrido, com base no seu
passado de vida, dos seus conhecimentos, dos seus valores – gerando um julgamento sobre o
que seria aquele fato, no caso percebe que se trata de um homem matando outro com facadas)
e, por fim, gerando uma sensação (aceleração dos batimentos, medo, trauma). Em alguns
casos, a sensação acompanha a percepção (como no caso dos atos reflexos).
Porém, em razão de diversos fatores, por exemplo, um homem que teve um
parente morto a facadas, a percepção pode ter sido errada, pois se tratava de dois homens
que apenas brincavam com um pedaço de pau.
Dessa forma, o psiquismo sempre faz uma intermediação entre o estímulo e a
resposta. E essa busca por uma resposta precisa, que faz parte do funcionamento do cérebro,
gera uma interpretação que nem sempre é compatível com o ocorrido.
O segundo motivo: mesmo se admitida a possibilidade de se obter a verdade real
pelos sentidos, o juiz é um mero historiador, pois não estava presente. A pretensão de
onipotência esbarra nesse muro intransponível para o Eu-julgador. Vou explicar melhor.
No imaginário dos juristas vagam os fantasmas da necessidade de garantir a
segurança jurídica, de evitar o caos e o infortúnio da sociedade se a pena não for
severamente aplicada. Pura ilusão.
A pós-modernidade (Bauman) problematizou a tal segurança jurídica. Não
existem as verdades universais do iluminismo. Tudo é passageiro e reflexo de momentos
históricos. Tudo é construído (construcionismo).
E no âmbito do processo penal, a busca da verdade real tem como real verdade a
busca de uma ilusão: ela não existe. Existe apenas o real. É um fato. Mas não existe a
capacidade de percebê-lo em razão de nossas próprias limitações. Admitamos a busca da
verdade formal, decorrente do que foi colhido nos autos, e com base no convencimento que
ela gerará.
O magistrado é um historiador que busca, entre os significantes que lhe chegam
através da produção da prova sob contraditório e ampla defesa, mediados pelo seus sentidos, o
convencimento sobre o que teria ocorrido. Deixemos de ilusões e utilitarismos.
Não há processo penal fora da Constituição. O Código Penal (que em nosso
caso, trata-se de um decreto-lei ditatorial e sexagenário), deve sempre ser, em sua
concretização, filtrado pelas regras e princípios constitucionais.
Não entendo dever ser considerado como às vezes o que a lei diz sempre.
Assim, salvo se desconsiderarmos os direitos fundamentais como mandamentos
extensíveis a toda ordem jurídica e a todos os atores jurídicos – em especial o seu
destinatário – o juiz, não é dado ao julgador criar limitação à aplicação de um direito quando
não há, na lei, exceção. Outra questão é o quantum de atenuação, que será sopesado de acordo
com a relevância dessa confissão em razão do seu contexto e das demais provas.
Aplique-se uma atenuação mínima, mas não a desconsidere. Isso é aplicar a lei
penal, considerando os direitos fundamentais. No caso em apreço, portanto, atenuarei em
apenas 1/9.
DISPOSITIVO
Em razão de todo o exposto e fundamentado, resolvo julgar procedente a
pretensão punitiva do Estado, condenando Francimar (sobrenomes suprimidos), parte já
qualificada nos autos, como incurso nas sanções advindas da infringência do art. 306 da lei
9.503/97.
Passo a dosar a pena com as devidas fundamentações em razão de imposição
constitucional (CF-88 art. 93, IX).
Circunstâncias judiciais - Culpabilidade: é o núcleo das circunstâncias que
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compõem a pena-base. É a primeira e mais importante circunstância. Isto porque representa a
aplicação na íntegra do princípio da proporcionalidade entre a prática do fato e a pena,
desconsiderando fatores intrínsecos à pessoa do agente. Como bem alerta AMILTON
BUENO DE CARVALHO, “a interioridade da pessoa não deve interessar ao Direito Penal
mais do que para deduzir o grau de culpabilidade de suas ações”.3 Assim, o que uma parcela
considerável dos operadores do direito ainda não percebeu é que a culpabilidade possui dupla
faceta. Uma antropológica, que constitui elemento do crime. Outra fática, que constitui a
pena. A primeira faceta da culpabilidade é elemento do crime que diz respeito à reprovação
ou não do agente, isto é, se ele tem o discernimento e o modo de se determinar conforme esse
discernimento. Na segunda se mensura a reprovação do fato praticado pelo agente, com base
na intensidade da violação do bem jurídico. Portanto, o constitucionalmente aceitável, na fase
de aplicação da pena, vencida que foi a da imputação do agente, é constatar a justa medida da
pena, examinando apenas o grau de censura merecido em face da conduta realizada e não da
pessoa que é o acusado. Portanto, avaliando que o acusado , entendo que o fato de ter cruzado
um sinal vermelho e de ter, recentemente, sua CNH apreendida em razão de acidente
automobilístico, entendo altamente reprovável e, por isso, desfavorável;
Antecedentes: não posso entender os antecedentes penais do acusado como um
elemento capaz de aumentar a pena-base. Responder a outro processo não é crime, até porque
depois pode se chegar a um veredicto reconhecendo a inocência. Mas a questão nem é essa.
Com a Constituição Federal de 1988 o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi erigido
a um dos Fundamentos da nossa República (art. 1º, III). Por outro lado, diz o art. 5º, LIV, que
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O acusado
não pode ter sua pena agravada nos autos de um processo tão somente em razão de responder
a outro processo. Não pode ser prejudicado (e prejulgado) por não ter havido julgamento
numa outra relação processual (e com a possibilidade de absolvição, inclusive). E diz mais a
Constituição Federal no mesmo art. 5º: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes;”. Como pode o acusado se defender nestes autos de um
fato ocorrido em outro processo? Estaria, assim, ferindo não somente o devido processo legal,
mas também o principio secular do Direito Penal do Fato. Não estaria, no caso de
reconhecimento dessa circunstância judicial, com o conseqüente aumento da pena-base,
punindo alguém pelo que é (responder a vários processos) e não pelo que fez (praticou vários
ilícitos em cada processo, isoladamente)? Fazendo outra reflexão, mesmo em caso de
condenação não estaria eu punindo duplamente alguém por um mesmo fato (neste e no outro
eventual processo penal)? Acredito que sim. Por fim, se não há pena sem reconhecimento de
culpa, há que se ler atentamente o que diz outro inciso do art. 5º, o LVII, que determina que
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;”. Se estou aqui tornando a pena mais pesada somente em reconhecendo que o
acusado responde a, por exemplo, um inquérito policial, estou antecipando uma pena, pois
seja mesmo um dia a mais de pena, é um suplício a ser imposto, indevidamente, diga-se de
passagem. Assim, essa circunstância, se adotada para influir na pena do réu, fere a nossa
Constituição. E uma norma que fere a Constituição não é válida. Talvez em um país com um
paradigma de tanto desrespeito aos desafortunados não nos demos conta desse fato. Mas
temos que respeitar a dignidade da pessoa humana, tratar a pessoa como ser humano que é,
ainda que em alguns casos falha, mas que responda pelas condutas que praticou naquele

3
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da pena e Garantismo. 3. ed., ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 46.

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processo específico. Deixo ao largo os moralismos tão em voga na atualidade e que rotulam
as pessoas como “bandido”, “marginal” ou “monstro”, reconhecendo que aqui estou julgando
um igual e por um fato específico, sob pena de duplamente avaliar um mesmo
comportamento. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância;
Conduta social: entendo que essa circunstância é inconstitucional, sob pena de
ferir o princípio da anterioridade e da legalidade. Não estou julgando alguém pelo que ele é,
mas sim pelo que fez ou deixou de fazer. Se o sentenciando é um mau vizinho, uma pessoa de
comportamento social reprovável no âmbito moral, não o sendo na esfera penal, não posso
admitir tal circunstância, sob o risco de criar pena sem crime, pois graduaria a pena-base
negativamente em razão dessa questão. O direito penal brasileiro é de conduta, e não de autor,
não obstante os mais carentes serem seus maiores alvos, os “criminalizados”, no dizer de
Zaffaroni. Por inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da
Secularização, essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada;
Personalidade do agente: a Parte Geral Código Penal é maior de idade. Aliás, já
está ultrapassada aos vinte e seis anos de vida (1984) e uma Constituição Federal depois...
Este tópico da personalidade do agente como circunstância judicial deve ser repensado. O
juízo humano é de tal complexidade que a tarefa de avaliação dele pelo magistrado, que
pouco ou quase nenhum contato teve com o acusado torna-se tarefa temerária... Por
inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Secularização,
essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada;
Motivos: nada digno de nota. Portanto, entendo favorável;
Circunstâncias do crime: nada digno de nota. Portanto, entendo favorável;
Conseqüências do crime: se trata de crime contra incolumidade pública. Portanto,
entendo prejudicada essa circunstância;
Comportamento da vítima: se trata de crime contra incolumidade pública.
Portanto, entendo prejudicada prejudicada essa circunstância.
Tomando como parâmetros as circunstâncias acima observadas e fundamentadas,
fixo a pena-base em 1 ano de detenção e suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor, pelo mesmo período.
Circunstância agravante - nenhuma.
Circunstância atenuante – confessou em juízo. Por isso atenuo em 1/9, restando
10 meses e 20 dias de detenção.
Causa de aumento de pena - nenhuma.
Causa de diminuição de pena - nenhuma.
Do total da pena
Sem mais nenhuma hipótese de flutuação a ser observada na fixação da pena,
finalizo-a em 10 meses e 20 dias de detenção e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, pelo mesmo período, a contar
do dia em que terminou a sanção administrativa, se não foi retirada ou devolvida a
CNH.
Do regime de cumprimento da pena
O regime de cumprimento da pena será o inicialmente aberto, por força do art.
33, § 2°, c, do CP.
Da substituição por pena alternativa (lei 9.714/98)
É o Código Penal quem fixa os requisitos para a substituição. Diante do caso
concreto, acontece o seguinte: é primário e de bons antecedentes. Pos isso, substituo a pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, cuja modalidade restará individualizada pelo
Juízo da e no momento da Execução Penal, que terá contato pessoal com o condenado,
especialmente com essa finalidade e, assim, com melhores condições de avaliar qual a melhor
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medida a ser tomada e cumprir fielmente o ditame constituição da terceira fase da
individualização da sanção penal.
Da suspensão condicional da pena
Fica prejudicada em razão da substituição, haja vista a redação do art. 77 do CP, a
saber: Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá
ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (...) III - não seja indicada ou cabível a
substituição prevista no artigo 44 deste Código.
Do estado de liberdade do acusado
Diz a nova redação do parágrafo único do art. 387 do CPP que "O juiz decidirá,
fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou
de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser
interposta". No caso em apreço, o regime de cumprimento da pena aplicado foi o aberto;
houve substituição por pena restritiva de direitos; o delito é punido com detenção. Seria um
contra-senso prendê-lo nessas circunstâncias. E ausente qualquer fundamento pra a decretação
da prisão preventiva, razão pela qual concedo o direito de apelar em liberdade.
Do quantum mínimo para reparação
Levando em consideração as conseqüências da infração para a pessoa da vítima,
isto é, como reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos
pelo ofendido, no caso, diante do fato de que se trata de crime contra incolumidade pública,
entendo prejudicado esse capítulo da sentença.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Condeno ao pagamento das custas. Contudo, o acusado é pessoa em situação de
patente pobreza. Por força dos arts. 4º e 12 da lei 1.050/60, suspendo a exequibilidade das
custas processuais.
E somente após o trânsito em julgado, promova a Secretaria as seguintes
providências: intime-se a parte acusada, com cópia da Guia de Execução, para
comparecer na 12ª Vara Criminal e dar início ao cumprimento da pena.
Em relação à suspensão dos direitos políticos, concordo com os ensinamentos da
colega Kenarik Boujikian Felippe, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para
a Democracia - AJD - no sentido de que não ficam atingidos pela condenação em relação
capacidade eleitoral ativa (de votar), mas só passiva (de ser votado), isto porque em se
tratando de direitos fundamentais, a interpretação deva ser a que mais os preserve. A
cidadania constitui fundamento da República (CF, art. 1º, II) e primado do Estado
Democrático de Direito. Portanto, a inexigibilidade é a restrição mais consentânea com os
fundamentos da pena e, ao mesmo tempo, do resguardo de um direito fundamental de tão alta
relevância. E aproveito para transcrever parte de uma sentença dela:
Por outro lado é inegável o paradoxo trazido nesse dispositivo constitucional, pois
contraria o ideário de reintegração progressiva do preso à sociedade, visto que cumprindo
pena no regime aberto ou diante da imposição de sanções alternativas, a suspensão dos
direitos políticos impede o apenado de estudar em instituições de ensino público, de
prestar concurso público, obter certidão ou título de eleitor, dificultando a contratação
formal pela iniciativa privada, afrontando o princípio da humanização da pena.
Desta forma, com o trânsito em julgado, oficie-se ao TRE comunicando que não
ficam atingidos os direitos políticos ativos, no que diz respeito ao direito ao voto.
Comunique-se ao setor de estatísticas do ITEP; encaminhem-se as respectivas
Guias, devidamente instruídas, ao Juízo das Execuções Penais; comunique-se ao Distribuidor
Criminal, para os fins necessários.

CIÊNCIA DO CONDENADO
8
Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º Aandar, Potengi - CEP 59112-560, Fone: 36154663, Natal-RN -
E-mail: zn2cri@tjrn.jus.br
As informações processuais poderão ser acompanhadas através do sítio "www.tjrn.jus.br".
2ª Vara Criminal da Zona Norte fl. _____
NECESSIDADE COMPARECIMENTO DAQUI A 20 DIAS, SOB PENA DE PRISÃO

Eu, Francimar (sobrenomes suprimidos), estou ciente de que daqui a vinte


dias terá ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória e por isso estou
cientificado de que deverei comparecer à Secretaria Judiciária desta Vara para ser
orientado sobre o início do cumprimento da condenação, sob pena da expedição imediata de
Mandado de Prisão e recolhimento a uma Delegacia de Polícia.

Assinatura do acusado:___________________________________

Assinatura do acusado:___________________________________

E como nada mais houve, determinou que fosse encerrado o presente termo que, lido e achado
conforme, vai devidamente assinado. Eu, _______, Técnico Judiciário, digitei e vai assinado
pelas partes e pelo MM. Juiz.

Juiz:_________________________________ MP:__________________________________

Defesa:_______________________________ Acusado:_____________________________

Acusado:_____________________________ Vítima:_______________________________

9
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