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A PSICOLOGIA ANTROPOFAGICA O estado atual da nossa mentalidade € muito interessante. Se de um lado uma porgio de ‘grandes nomes” continua a ttadigio de microcefalia que de preferéncia se aninha na Aca- demia Brasileira ¢ na Escola de Belas-Artes, proclamando pot cxcmplo, seu intuito de blague, num Congresso de Eugenia, que, hnestes tempos freudianos, a castidade deve ir até o casamento, por outro lado 0 Brasil renasce poderosamente. Falo das novas expressées de pintura, de escultura, de poesia e de pensamen- ‘0 que ja podem garantir nada termos com os aposentados — ‘natos que querem atravancar o caminho de todas as conquistas. E verdade que 2 exposigio' de Tarsila agora encerrada no Palace Hotel deu motivo 2 se porem de fora orelhas imensas co- mo a do ilustre critico Flexa Ribeiro. Mas também produziu as. manifestagdes vivamente intelectuais de Jodo Ribeiro, Alvaro Mo- reyra, Jorge de Lima, Bezerra de Freitas, Clovis Gusmao, Lan- ducci, Angyone Costa etc.e algumas notas muito brilhantes de ctiticos ¢ jornalistas. 1 Exposiao de 3 quados de Tanila do Amaral no Rio de Jui, inangueada em 20 de jutho de 1929, 00 Palace Hotel. (Ver comeativoe aa Revita de Antopofagia, 01-08-1929.) 48 Or Dintes do Drago © NEOCATOLICISMO Explico © movimento encabecado pelos sts, Tristio de ‘Athayde? ¢ Augusto Frederico Schmidt como a conseqiiéncia da nossa nefasta educacio de casa ¢ de familia. £ um prolongamen- to do espitito de ralho e de carinho que presidiu, em todos os Botafogos do Brasil, 2 nossa formacio menineira. No fundo das recordagées de cada um de nés, jaz uma mamie aflita com os pperigos desse abismal mundo moderno que vai roendo 0 ciclo vencido, Junte-se a esse forte elemento emocional, que talvez seja © grave empecilho para a conquista profunda da vida, o medo fisico do inferno, a esperanca na ressurreigéo de uma caezinha modestamente gulosa ¢ regalada pelos tr6picos, um gozo de la- dainhas e de velas e a autoridade nunca seriamente examinada de Jacques Maritain e Charles Maurras. E verdade que houve também a influéncia de Jackson de Figueiredo ao que querem, um cangaceito do espitito, uma ‘‘co- luna de fogo" etc. Isso realmente me espanta porque para provat o contrério ai est a obra intcira de Jackson, de uma mediocridade lancinan- te e de uma falta de importincia absoluta. Ando ser que pes- soalmente ele fosse 0 contrario do que era nos livros. E lastimavel tudo isso. Homens de um talento vivo como Tristdo e Schmidt vivem pregados ao barro das tragédias opacas ¢ subjetivas, romanticos sem repercussio num mundo que brin- cae devora. Petsonagens a sério, mas muito menos interessan- tes, da minha “*Trilogia do Exilio’’. Simplesmente O resultado é a greve da fome em que alguns deles ja cairam, ‘Nio escrevem mais, quebraram a caneta e beberam a tinta, que Freud os classique catolicamente. 2 Aleeu Amoroo Lima convereu-s 2 catlicmo em 1928, Fo muito amigo edstipu- lo de Jackson de Figuciedo, com quem se correspondeu durant muitos anos. Depois a more de Jactson,ocupou « presdéncia do Centro Dom Vitale a ditto da revises ‘A Ondem. Confoeme informasio de Antoni Carlos Villa, Ale Amoroso Lima exer- ‘eu influgncia deca a formasao do over poeta Auguat Federico Schmid, ateavés de loga cortspondéncia quando exe morara em Nova Iguacu 49 Onmald de Ayade ‘A ANTROPOFAGIA O movimento que vitaliza o Brasil € 0 que chamei de An- tropofagia. Em Sao Paulo encontrei duas forcas extraordinétias que ao meu lado formaram na urgente obra de anticatequese que ‘vamos levando a efeito. Sio Raul Bopp ¢ Oswaldo Costa. ( jesuita deixou entre n6s uma psique neurasténica ¢ a jus- tificativa moral dos movimentos do coracio. E isso que faz, pot exemplo, em Minas, 0 st. Affonso de Guimaries Jinior conti- ‘nuar solidario em tudo com a bestice paterna, E verdade que se trata ali de um atavismo pesado. Mas em geral sio os umbigos sentimentais que utram contra a limpeza que vamos fazendo e que faremos, custe o que custar. “Uma ques- to de amizade.”” Cretinos! ‘Como se 0 st. Mario de Andrade, antes, durante ¢ depois da amizade que teve, pot mim, no fosse acima de tudo um ci- ‘nico! Quanto a mim o que sempre me impressionou no Mario foi o baritono. A REVOLUGAO METAFISICA A Anuropofagia é uma revolucao de principios, de roteiro, de identificagio. © homem por uma fatalidade que eu chamo de “lei de constancia antropofigica’’ sempre foi o animal devo- ante. Mas as religides de salvacio o desidentificaram, levando-o 05 piores desvios (catolicismos, teosofia, puritanismo, comunis- mo ideolégico). O ciclo primitivista, podetosamente escorado em Bergson, ¢ os intuitivistas, em James, e todos os pragmatistas, inclusive Maurice Blondel, Spengler, Lenin ¢ todos os quebra- dores de Sevres, em Shan, Welle, na jurisprudéncia sentimental de Beroldsheimer, nos movimentos € anticodificagao, no Surrea- lismo e todos os documentos, no behavior na tendéncia presen- tista antigenética, da Escola de Marburgo, na anarquia civilizada de Krishnamurti como na revoluclo integral das expresses — poesia, artes, arquitetura — na América do Norte inteira com © cinema, o divércio, 0 box, o crédito e sobretudo o apetite: 0 ciclo primitivista €invencivel. Nos, brasileiros, oferecemos a chave que o mundo cegamente procura: a Antropofagia. 50 Os Dentes do Drago NEM CRISTAOS NEM COMUNISTAS O cristianismo felizmente agoniza numa terra preparada de todo lado para a descida antropofagica. E como o Brasil colonial timbra em set o pals mais atrasado do mundo, ¢ agora que se Jembraram erigit num morro do Rio o Monumento cristio. RETIFICAGAO DE FREUD A Antropofagia s6 pode ter ligagbes estratégicas com Freud apenas o outro lado do catolicismo. Como Marx € 0 outro lado do capitalismo. Como os comunistas séo os novos burgueses da Epoca transit6ria. Nao foi a toa que eu disse outro dia, a Tristao de Athayde, que antes de Hegel e da dialética nunca houve filo- sofia. E mais que filosofia, nunca houve compreensio. Mas Antropofagia que bafeja no homem natural a constru- so da sociedade futura nfo pode deixar de ver alguns erros pro- fundos de Freud © recalque que produz em geral a histerta, as nevroses ¢ as moléstias cat6licas nao existe numa sociedade liberada seno em percentagem pequena ocasionada pela luta. E 0 desafogo direto, tornado possivel, remedia tudo, _ Cabea ‘6s antropéfagos fazer a critica da terminologia freu- diana, terminologia que atinge profundamente a questo. O maior dos absurdos € por exemplo chamar de inconsciente a par- te mais iluminada pela consciéncia do homem: 0 sexo ¢ 0 est6- mago. Eu chamo a isso de “‘consciente antropofigico"”. O ou- ‘0, o resultado sempre flexivel da luta com a tesisténcia exte- rior, transformado em norma estratégica, chamar-se-4 0 “‘cons- ciente ético”’. FREUD CATOLICO As experiéncias das teorias de Freud numa sociedade natu- tal trariam também a derrocada de outros resultados da psicand- lise. Que sentido teria num matriarcado o complexo de Edipo? 51 Oswald de Andrade A “Traumdeucung” interpretada antropofagicamente re- duzitia 0 sonho catblico de Freud ao palpite de S. Cipriano. documental indio (o sonho augural e estratégico em Amo- tim, Barbosa Rodrigues, Couto de Magalhies, Macunaima) € mais do que tudo o desenvolvimento de um estado de luta que a me- ‘méria desperta, Nada tem como 0 sonho em fungio do “‘pecado sexual” que coloca Freud nos quadros do catolicismo. DON JUAN NA TRIBO © que podetia perfeitamente elucidar o abismo que existe centre a mentalidade cristd, sobre a qual a pesquisa, esses ¢ ou- tu0s excelentes selvicolas brasileros, a reverendissima sabedoria do padre Schmidt, de Viena (Semana de Freud é notével), ¢ a ‘outra, a antropofigica, seria um desembarque de Don Juan em ‘um acampamento poligimico de caiap6s, apesat do atestado de conduta que passou a Etnolégica — Milo, 1925. As piscadelas do her6i em funcao do pecado sexual teriam tum sucesso de comicidade incalculavel ante a liberdade camara- da da cribo. OS ERROS DE MARX So quatro: Resposta 20s quatro. 12) O que interessa 20 homem nfo € a producio ¢ sim 0 consumo. 2°) 0 “‘homem hist6rico’” € uma ctiacto artificial que no pode presidir 2 nenhuma pesquisa séria de ordem psicolégica. (O determinismo hist6rico a anedota do determinismo biol6gi- co. Muitas vezes mal contada, 3°) O que faz do comunismo, como de qualquer movimento coletivo, uma coisa importante € ainds ¢ sempre a aventura pessoal 49) A idéia de um progresso humano indefinido (adotada por mais de um intérprete de Marx) traria finalmente o quadro proposto pela Idade Média, no comeso o pecado original. No fim do céu. 52. (Os Dentes do Dragao ‘A PSICOLOGIA ANTROPOFAGICA Com base nas duas grandes correntes da psicologia atual — © ““behaviour’” e a “'gestaltheorie"” —, sem deixar de lado a cri tica de Politzer, tracei em um trecho da Revista de Antropofagia as diretivas que ereio indicadas para a solugfo do problema psi- col6gico. "No homem do hotizonteptolomaico se encaixa um apare- Iho telepético que o leva a todas as aventuras chamadas do espitito, ‘A funco antropofigica do comportamento psiquico se re- duz a duas partes: 1°) totemizar os tabus exteriores; 2°) criar no- vo tabu em fungio ica. Unificando numa figura (gestalt) o universo fragmentério, totemizamas — produzindo ao mesmo tempo o novo tabu com que partimos @ aventura exterior da conquista (exogamia).. ‘A CRIAGAO DO TABU ‘Com base nas duas grandes correntes da psicologia que mais de perto acompanha 2 acio humana € a criacio do tabu, elemento de funcio fixa na transformagio do eterno presente. O seu caré- ter € sacro: 0 direito, a arte e a religido. Na totemizagio desses valores todos os dias consiste a vida individual e social, que por sua vez renova os tabus, uma per- manente e, gracas a Hegel, insolfivel contradicao. ‘TURISMO. Pedro Eremita foi 0 Cood das cruzadas. Exogamia. To- talidade da humana aventura, O que a humanidade quer € pretexto para viajar, mesmo que seja a camnificina do Santo Sepulero.. ‘Contra o homem econémico de Marx — a realidade opbe ‘© antrop6fago turista, o homem perdulirio, 33

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