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BART EHRMAN
Bart Ehrman é o autor de O Problema com Deus: as respostas que a Bíblia não
dá ao sofrimento (lançado no Brasil pela editora Agir), além de vários outros títulos.
Atualmente Bart Ehman é o titular da cadeira James A. Gray de estudos religiosos na
Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill, EUA.
N. T. WRIGHT
N. T. Wright é o bispo de Durham pela Igreja da Inglaterra. Foi professor de
Novo Testamento em Cambridge, McGill e Oxford, e tem continuamente escrito e
falado sobre teologia bíblica e história cristã. Wright é autor de Surpreendido pela
Esperança, Simplesmente Cristãoe O Mal e a Justiça de Deus (todos os três títulos
lançados no Brasil pela editora Ultimato), além de vários outros títulos.
BART EHRMAN
Deus era ativo no mundo; que ele respondia orações; que ele intervinha no mundo de
acordo com sua fidelidade; que ele trouxe salvação no passado e que no futuro, no
eschaton, ele endireitaria tudo o que estava errado; que ele vindicaria seu nome e seu
povo, e que traria um novo reino (seja na nossa morte ou aqui em uma Terra de
existência futura utópica).
Nós vivemos em um mundo no qual uma criança morre a cada cinco segundos
por não ter o que comer. Cinco segundos. A cada minuto vinte e cinco pessoas morrem
por não ter água potável para beber. A cada hora 700 pessoas morrem de malária. Onde
está Deus nisto tudo? Nós vivemos em um mundo no qual terremotos no Himalaia
matam 50 mil pessoas e deixam 3 milhões sem teto à beira do inverno. Nós vivemos em
um mundo onde um furacão destrói Nova Orleans. Onde um tsunami mata 300 mil
pessoas em uma gigantesca inundação. Onde milhões de crianças nascem com defeitos
de nascimento horríveis. E onde está Deus? Dizer que ele algum dia vai endireitar tudo
o que está errado me parece, agora, ser puro wishful thinking.
Como se vê, minhas várias lutas com o problema do mal me levaram, já como
um agnóstico, de volta à Bíblia, para ver como autores bíblicos diferentes lidaram com
este problema, a maior de todas as questões humanas. O resultado está em meu mais
recente livro O Problema com Deus: as respostas que a Bíblia não dá ao sofrimento 3.
Meu ponto é que muitos dos autores da Bíblia lutaram com esta mesma questão: por que
as pessoas (especialmente o povo de Deus) sofrem? As respostas bíblicas algumas vezes
são impressionantes por causa de sua simplicidade e poder (o sofrimento vem como
uma punição de Deus pelo pecado; o sofrimento é um teste para a fé; o sofrimento é
gerado por poderes cósmicos inimigos de Deus e de seu povo; o sofrimento é um
mistério gigantesco e nós não temos direito de perguntar por qual motivo ele acontece;
o sofrimento gera redenção e ele é o meio pelo qual Deus traz sua salvação; etc.).
Algumas destas respostas contradizem umas às outras (é Deus ou são seus inimigos
cósmicos que estão gerando destruição na Terra?), embora muitas delas continuam a ser
ensinadas às pessoas religiosas.
Minha esperança ao escrever este livro certamente não foi de encorajar as
pessoas a se tornarem agnósticas – o caminho que eu tomei. Meu objetivo é ajudar as
pessoas a pensar, tanto nesta questão, a maior de todas as questões, quanto no significado
histórico e cultural das respostas religiosas a esta questão que podem ser encontradas nos
livros de histórica de nossa civilização.
N. T. WRIGHT
Obrigado, Bart, pelo relato claro e comovente da fé que você abraçava, seus
questionamentos, e seu eventual abandono da fé cristã. Estou feliz em ler que você
escreveu seu livro sem o objetivo de encorajar as pessoas a te seguir no agnosticismo
(embora eu ache que é assim que o livro vai funcionar retoricamente a alguns), mas para
encorajar todos nós ap ensar. Isto é algo que eu constantemente falo às pessoas: eu
acredito na autoridade da Escritura e na tradição cristã como a comunidade de discussão
na qual os cristãos ouvem esta Escritura – mas acredito também, no muito importante
uso apropriado da razão. Nossa cultura caiu e tornou-se presa do emotivismo, que leva
as pessoas a dizer “eu sinto” quando elas querem dizer “eu penso”, e então a – em um
simples movimento – permitir que o sentimento triunfe sobre o pensamento, e em
seguida, substituí-lo por completo. Este caminho, eu acho que nós concordamos aqui,
permite o caos e a loucura.
Existem dois grandes elementos gerais em seu livro e seu primeiro discurso que
eu gostaria de mastigar nesta primeira resposta.
Primeiro, aproveitando este ponto sobre pensar e sentir, eu acho que o impacto
retórico tanto do seu livro quando de seu breve discurso de abertura está em fazer um
forte apelo às emoções, talvez particularmente às emoções das pessoas ocidentais como
nós próprios, que são acusados, geográfica e culturalmente, dos muitos horrores que
acontecem no mundo. Você devota muito tempo em seu livro, e até mesmo em seu
breve discurso de abertura, detalhando alguns destes horrores, como que para lembrar
aos leitores o que (certamente?) todas as pessoas inteligentes já sabem. (Eu não teria sido
capaz de recitar as estatísticas reais, mas nenhum dos fenômenos me soou como
surpresa.)
Existem, obviamente, múltiplas misérias no mundo, e para muitos (a maioria?)
deles é impossível dizer, “Olha! Um grande bem veio daquele mal.” Eu acho que nós
dois reagimos da mesma forma contra esta sugestão. Certa vez ouvi Rowan Williams
sugerir que pode ser imoral tentar “solucionar” o problema do mal, porque tão logo
você diga, “Olha, isto aqui resolve tudo, não?”, você já estará diminuindo o problema,
voluntariamente se cegando para a natureza radical, poderosa e real do mal. Mas eu não
estou certo sobre qual força lógica ou moral (em contraste com a retórica) que você
acrescentou ao seu caso ao descrever com tantos detalhes os horrores que ocorrem no
mundo.Em certo sentido você simplesmente nos trouxe de volta para onde a Europa
ocidental se encontrou após o terremoto em Lisboa no Dia de Todos os Santos de 1755.
Naqueles dias alguns diziam, “Olhe para o mundo, pense nisto, e você verá que Deus
existe e que o Cristianismo é verdadeiro.” O terremoto foi um chamado despertador
para a religião ocidental casual, e precipitou toda a revolução do Iluminismo, primeiro
em direção ao imparcial Deísmo e em seguida ao agnosticismo e ateísmo. Você fez algo
mais do que apenas recapitular aquele momento? E, se você não fez, então eu acho que
quero lhe perguntar: você não estava ciente, antes, da escala de mal existente no mundo
– o holocausto, os bebês mortos, os desastres “naturais” inexplicáveis, etc.? Você não
está implicando que as pessoas (como eu, por exemplo) que ainda abraçam a fé cristã
estão de alguma forma falhando em observar estes horrores, ou em refletir de forma
sóbria e profunda sobre eles? E se, como você diz, seu livro (e seu discurso de abertura)
não constituem na verdade um argumento contra a fé cristã (“Se você refletir nestas
questões você verá que as afirmações cristãs são incríveis”), não poderia parecer que
sua mudança de posição descrita por você próprio é uma mudança que ocorreu não em
virtude de argumentos lógicos, mas por causa de outros (não especificados) fatores, com
o problema do sofrimento provendo um tipo de pano de fundo intelectual para uma
jornada cuja principal energia veio de outro lugar? Eu não estou dizendo que os
argumentos não são importantes. Mas eu estou tentando entender o que você está
dizendo quando nega que os argumentos do seu livro e do seu discurso constituam um
apelo para que qualquer pessoa siga seu caminho.
Obrigado, Tom, pela sua profunda e interessante resposta. Eu acho que nós
percebemos o quão difícil é interagir neste tipo de fórum, onde queremos estabelecer
um debate, mas tivemos que nos limitar a breves respostas. Mas nós – você e eu –
precisamos nos adaptar da melhor forma que conseguirmos...
Você está certo. Meu objetivo não é fazer pessoas agnósticas nem com meu livro
nem com minhas respostas neste fórum. Isto porque eu não sou tão arrogante a ponto de
pensar que pessoas inteligentes precisam sempre estar de acordo comigo! Mas eu fico
pensando se você não estaria tomando uma posição semelhante, isto é, se você estaria
ou não querendo dizer que você também não está interessado em converter pessoas para
sua maneira de pensar ou acreditar.
Eu estou especialmente surpreso que você tenha considerado que um apelo a
emoções não seja digno de debate, ou seja, irrelevante às questões da dor e miséria no
mundo – como se a pura lógica (ou exegese!) fria fosse a única coisa necessária para
lidarmos com o problema do sofrimento. Sua visão me ataca como uma posição pós-
iluminista única e característica de um ramo particular do protestantismo moderno, e eu
devo dizer, em minha opinião, esta é uma postura completamente inapropriada. (Eu sou
influenciado, nesta questão, particularmente, pelas posições “antiteóricas” de Therence
Tilley e Kenneth Surin, que eu recomendo a todos que não se importam em ler leituras
um pouco mais pesadas sobre estas questões importantes.) A questão do sofrimento
humano não é um problema lógico ou um tipo de equação matemática que precisa ser 14
por causa de seus pecados: se está é a razão para o sofrimento, por que então as pessoas
sofrem quando elas seguem Sua vontade? A resposta apocalíptica provê uma
explicação. Para os apocalipsistas, são os inimigos cósmicos que estão causando o
sofrimento. Este é o período na história de Israel em que os pensadores judeus
começaram (ao contrário dos profetas clássicos) a considerar a hipótese da existência do
Diabo, demônios e outros poderes do mal que se opunham a Deus. E como você sabe,
por ter lido meu livro, eu não sou de todo antipático com esta visão. Esta foi a visão que
eu acreditei por muitos anos como um cristão, e se eu ainda fosse um cristão, eu
continuaria a abraçá-la.
Sim, eu li sua discussão da Bíblia hebraica e Abraão, e eu a considerei não
persuasiva e inadequada. A explicação para isto, possivelmente, é que você quis
escrever um livro simples e curto e então teve que simplificar suas visões. Em seu livro
sobre o mal você trata a Bíblia hebraica como se ela fosse uma narrativa contínua
escrita por um único autor com um tema geral (sendo Abraão o suporte principal da
história). Não é assim! A Bíblia hebraica nem um pouco mais do que o Novo
Testamento, ou mesmo a literatura evangélica do Novo Testamento, representa o ponto
de vista de um único autor. A Bíblia é gloriosamente rica, diversa e contextualizada.
Diferentes autores bíblicos escreveram em diferentes épocas, em situações diferentes e
para públicos diferentes, e eles tem diferentes perspectivas e pontos de vista, muitos
deles completamente contraditórios uns aos outros. Eu sei que você sabe disto. Mas por
que você age, fala e escreve como se fosse o contrário? Sua narrativa síntese do texto
(tanto em relação à Bíblia hebraica quando aos Evangelhos) é exatamente o que eu
tenho tentando corrigir em meus alunos durante a maior parte de minha carreira. As
narrativas da Bíblia hebraica incorporam inúmeras fontes, com várias perspectivas que
algumas vezes são contraditórias, em termos de perspectivas teológicas, umas às outras
(sobre o problema do sofrimento, por exemplo). Tudo isto está completamente perdido
em seu relato “da” história da Bíblia, tendo Abraão como o pivô que conduz a história
para Isaías 11 (e assim por diante).
Concluindo, eu acho que o que mais me surpreendeu foi que você não lidou na
verdade com o problema do sofrimento em seu discurso de abertura. Você se escondeu
atrás da idéia de que você tem alguma explicação teológica para tudo isto. Mas você não
indicou que explicação é esta. Eu gostaria de ouvi-la. Meu ponto de vista é que é