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Resumo

Teoria da Literatura
Vítor Manuel de Aguiar e Silva

Capítulo 4 – Géneros Literários

4.1 – A questão dos géneros Literários

O problema dos géneros literários tem constituído, desde Platão até à


actualidade, uma das questões mais controversas da teoria e da praxis da literatura,
encontrando-se na origem imediata de algumas das mais ressonantes polémicas
ocorridas nas literaturas europeias.
Num plano mais especificamente literário, o debate sobre os géneros encontra-se
ligado a conceitos como os de tradição e mudança literárias, imitação e originalidade,
modelos, regras e liberdade criadora, e à correlação entre estruturas estilístico-formais e
estruturas semânticas e temáticas, entre classes de textos e classes de leitores, etc.

4.2 – Os géneros literários nas poéticas de Platão e de Aristóteles.

Platão

Platão, no livro III de «A República» estabeleceu uma fundamentação e uma


classificação dos géneros literários, que devem ser consideradas como um dos marcos
fundamentais da teoria dos géneros literários.
Distingue Platão 3 modalidades:
1 – Simples narrativa (ocorre quando é o próprio poeta que fala – género
narrativo puro representado pelo ditirambo).
2 – Imitação ou mimese (ocorre quando o poeta fala como se fosse outra pessoa
– género imitativo ou mimético em que se incluem a tragédia e a comédia).
3 – Mista (ocorre quando comporta segmentos das duas anteriores – género
misto no qual avulta a epopeia).
Platão exclui deliberadamente a lírica do seu sistema de géneros literários.

Aristóteles

Segundo Aristóteles a matriz e o fundamento da poesia consistem na imitação.


A imitação constitui, por conseguinte, o princípio unificador subjacente a todos
os textos poéticos, mas representa também o princípio diferenciador destes mesmos
textos, visto que se consubstancia com meios diversos, se ocupa de objectos diversos e
se realiza segundo modos diversos.
1 – Meios diversos com que se realiza a imitação:
Para Aristóteles a imitação é o fundamento de todas as artes, diversificando-se
estas consoante o meio com que cada uma realiza a imitação (ritmo, canto e verso).
2 – Objectos diversos da imitação:
Incidindo a imitação sobre pessoas que actuam, e podendo ser as pessoas do
ponto de vista moral superiores, inferiores ou semelhantes à média humana, é obvio que
as composições poéticas diversificar-se-ão conforme os objectos imitados (ex.
personagens superiores na epopeia e tragédia ou personagens inferiores como na
comédia).
3 – Modos diversos da imitação:
Aristóteles considera 2 modos fundamentais da imitação poética:
a) Modo narrativo (epopeia).
O poeta narra através de uma personagem.
O poeta narra em seu próprio nome.
Para Aristóteles o primeiro submodo é digno de louvor e intrinsecamente valioso
e o segundo submodo é censurável e próprio de maus poetas.
b) Modo dramático (tragédia e comédia).
Os actores representam directamente a acção, como se fossem eles próprios as
personagens vivas e operantes.
Aristóteles exclui também a lírica não a considerando uma forma de imitação
narrativa ou dramática.

4.3 – A doutrina horaciana sobre os géneros literários.

Horácio concebe o género literário como correspondendo a uma certa tradição


formal, na qual se avulta o metro, por uma determinada temática e por uma determinada
relação que, em função dos factores formais e temáticos, se estabelece com os
receptores.
Quer dizer o género define-se mediante um determinado metro, por exemplo, e
mediante um conteúdo específico.
O poeta deve portanto escolher, conforme os assuntos tratados, as convenientes
modalidades métricas ou estilísticas, de maneira a não exprimir um tema cómico num
metro próprio da tragédia ou, pelo contrário, um tema trágico num estilo pertencente à
comédia.
Horácio foi deste modo conduzido a conceber os géneros como entidades
perfeitamente distintas, correspondendo a distintos movimentos psicológicos, pelo que o
poeta deve mantê-los rigorosamente separados, de modo a evitar, por exemplo, qualquer
hibridismo entre o género cómico e o género trágico.
Assim foi fixada a famosa regra da unidade de tom, de tão larga aceitação no
classicismo francês e na estética neoclássica, que prescreve a separação absoluta dos
diversos géneros.

4.4 – Origem e estabelecimentos da divisão triádica dos géneros literários

Diomedes um gramático do sec. IV elaborou uma divisão tripartida dos géneros


literários que disfrutou de larga divisão na idade Média, que constitui uma cópia da
classificação platónica.
A lírica, na acepção moderna do termo, não encontra lugar neste esquema
classificativo.
Desde o fim do primeiro quartel do sec. XVI, após a redescoberta e a difusão da
Poética de Aristóteles, até cerca de meados do sec. XVII (Renascimento tardio até ao
maneirismo e barroco), a classificação tripartida dos géneros literários adquiriu o
estatuto de uma verdade inquestionável, mas apresentando progressivamente uma
modificação relativamente ao esquema de Diomedes, de capital importância: a inclusão
da lírica no sistema dos géneros literários ao lado do drama e da narrativa.

4.5 – A teoria dos géneros literários desde o Renascimento ao neoclassicismo


No âmbito do que poderemos designar por classicismo renascentista, o género
literário passou a ser concebido como uma entidade substantiva, autónoma e normativa.
Cada um dos três géneros literários fundamentais – o épico, o dramático e o lírico – se
subdividia noutro géneros menores e todos esses géneros, maiores ou menores, se
distinguiam uns dos outros com rigor e com nitidez, obedecendo cada um deles a um
conjunto de regras específicas.
Dentre as regras de âmbito geral, sobressaía a regra da unidade de tom, que
preceituava a necessidade de manter rigorosamente distintos os diversos géneros: cada
um possuía os seus temas próprios, o seu estilo, a sua forma e os seus objectivos
peculiares, devendo o escritor esforçar-se por respeitar estes elementos configuradores
de cada género em toda a sua pureza. Os géneros híbridos, resultantes da miscegenação
de géneros diferentes, foram rigorosamente proscritos.

4.6 – Os géneros literários na poética romântica

No sec. XVIII, sobretudo durante a sua primeira metade, a doutrina classicista


sobre os géneros literários encontrou ainda muitos propugnadores, em particular com as
chamadas correntes neoclássicas ou arcádias.
Ainda no sec. XVIII, o movimento pré-romântico alemão conhecido pelo nome
de Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), proclamou uma rebelião total contra a
teoria clássica dos géneros e das regras, pondo em evidência a individualidade absoluta
e a autonomia radical de cada obra literária e sublinhando o absurdo de estabelecer
partições no seio de uma actividade criadora única.
A doutrina romântica dos géneros literários é multiforme, caracterizada por
tensões e contradições. O princípio comum a todos os românticos é a rejeição da teoria
clássica dos géneros literários, em nome da liberdade e da espontaneidade criadora, etc.
Todavia, a atitude radicalmente negativa do Sturm und Drang não foi em geral aceite
pelos românticos, os quais, se afirmavam por um lado o carácter absoluto da arte, não
deixavam de reconhecer, por outro lado, a multiplicidade e a diversidade das obras
artísticas existentes.
Um dos aspectos mais originais da teoria romântica dos géneros é a sua
correlação com as diversas dimensões do tempo – o passado, o presente e o futuro -, o
que conduz como se torna evidente, à conservação e à convalidação da divisão triádica
procedente da estética platónica.
Outro aspecto muito importante da teoria romântica dos géneros literários diz
respeito à apologia da sua miscigenação. Em oposição aos preceitos clássicos e
neoclássicos sobre a distinção dos géneros, os autores românticos defenderam e
justificaram doutrinariamente e praticaram amiúde a mescla dos géneros literários.

4.7 - A concepção naturalista e evolucionista dos géneros literários.

Nas últimas décadas do sec. XIX, novamente foi definida a substancialidade dos
géneros literários, especialmente por Brunetière (1849-1906), crítico e professor
universitário francês. Brunetière, influenciado pelo dogmatismo da doutrina clássica,
concebe os géneros literários como entidades substancialmente existentes, como
essências literárias providas de um significado e de um dinamismo próprios, não como
simples palavras ou categorias arbitrárias, e, seduzido pelas teorias evolucionistas
aplicadas por Darwin ao domínio biológico, procura aproximar o género literário da
espécie biológica. Deste modo, Brunetière apresenta o género literário como um
organismo que nasce, desenvolve-se e morre ou se transforma. A tragédia francesa, por
exemplo, teria nascido com Jodelle, atingiria a maturidade com Corneille, entraria em
declínio com Voltaire e morreria antes de Victor Hugo. Tal como algumas espécies
biológicas desapareceram, vencidas por outras mais fortes, e mais bem apetrechadas,
assim como alguns géneros literários morreriam, dominados por outros mais vigorosos.

4.8 – O conceito de género literário na estética de Croce

O problema dos géneros literários adquiriu nova acuidade precisamente na


reflexão estética de Benedetto Croce, sendo bem visível no pensamento do grande esteta
italiano o intuito polémico de combater e invalidar as congeminações dogmatistas de
Brunetière.
Croce identifica a poesia – e a arte em geral – com a forma da actividade
teorética que é a intuição, conhecimento do individual, das coisas singulares, produtora
de imagens – em suma, forma de conhecimento oposta ao conhecimento lógico. A
intuição é concomitantemente expressão, pois a intuição distingue-se da sensação, do
fluxo sensorial, enquanto forma, e esta forma constitui a expressão. Intuir é exprimir. A
poesia, como toda a arte, revela-se portanto como intuição-expressão: conhecimento e
representação do individual, elaboração alógica, e por conseguinte irrepetível, de
determinados conteúdos. A obra poética, consequentemente, é una e indivisível, porque
«cada expressão é uma expressão única».

4.9 – Reformulações do conceito de género na teoria da literatura contemporânea

Formalismo Russo

O formalismo russo, cuja fundamentação anti-idealista e cujo «novo phatos de


positivismo científico» foram realçados por Eikhenbaum, atribuiu logicamente ao
género, quer na praxis da literatura, quer na metalinguagem da teoria, da crítica e da
história literárias, uma importância de primeiro plano. Com efeito, um princípio
teorético essencial do formalismo russo consiste na afirmação de que a «soledade» e a
«singularidade» de cada obra literária não existem, porque todo o texto «faz parte do
sistema da literatura, entra em correlação com este mediante o género. Como escreve
Tomachevski num dos capítulos da sua obra intitulada Teoria da Literatura, o género
define-se como um conjunto sistémico de processos construtivos, quer a nível técnico-
formal, manifestando-se tais caracteres do género literário como os processos
dominantes na criação da obra literária.
Rejeitando qualquer dogmatismo reducionista que originaria uma classificação
rígida e estática, os formalistas russos conceberam o género literário como entidade
evolutiva, cujas transformações adquirem sentido no quadro geral do sistema literário e
na correlação deste sistema com as mudanças operadas no sistema social, e por isso
advogaram uma classificação historicamente descritiva dos géneros.
Com a herança teórica e metodologia do formalismo russo se relaciona ainda a
caracterização dos géneros literários proposta por Jakobson, baseada na função da
linguagem que exerce o papel de subdominante em cada género (o papel de função
dominante, de acordo com a concepção jakobsoniana da literariedade, é exercido pela
função poética): o género épico, concentrado sobre a terceira pessoa, põe em destaque a
função referencial; o género lírico, orientado para a primeira pessoa, está vinculado
estritamente à função emotiva; o género dramático, «poesia da segunda pessoa»,
apresenta como subdominante a função conativa e «caracteriza-se como suplicatório ou
exortativo conforme a primeira pessoa esteja nele subordinado à segunda ou à
primeira».

Northorp Frye

Uma das mais ambiciosas e originais sínteses da problemática teorética dos


gáneros literários foi elaborado por Northrop Frye, na sua obra Anatomia da crítica
(1957). Logo na «Introdução polémica» deste livro brilhante e, às vezes, paradoxal,
Northrop Frye enumera entre os problemas mais importantes da poética a delimitação e
a caracterização das «categorias primárias da literatura», sublinhando enfaticamente:
«Descobrimos que a teoria crítica dos géneros parou precisamente onde Aristóteles
deixou-a». Como outros investigadores contemporâneos, Frye admira na Poética de
Aristóteles o modelo epistemológico e metodológico que a teoria da literatura do nosso
tempo, orientada por ideais de racionalidade científica, pode e deve utilizar na análise
dos factos e dos problemas surgidos posteriormente a Aristóteles.
Em primeiro lugar, Frye estabelece uma teoria dos modos ficcionais, inspirando-
se na caracterização aristotélica dos caracteres das ficções poéticas, os quais podem ser
melhores, iguais ou piores «do que nós somos». Tal classificação dos modos ficcionais,
que não apresenta quaisquer implicações moralistas, é ideada em função da capacidade
de acção do herói das obras de ficção e da sua relação com os outros homens e com o
meio. São cinco os modos ficcionais discriminados por Frye:
1 – O modo mítico, que se caracteriza pela superioridade qualitativa do herói
relativamente aos outros homens e ao meio. O herói apresenta-se como um ser divino.
2 – O modo fantástico ou lendário, que se define pela superioridade em grau do
herói em relação aos outros homens e ao seu meio. O herói identifica-se com um ser
humano, mas as suas acções fabulosas desenrolam-se num mundo em que as leis
naturais como que estão parcialmente suspensas. Este modo manifesta-se nas lendas,
contos populares, etc.
3 – O modo mimético superior, que ocorre quando o herói é superior em grau
aos outros homens, mas não em relação ao seu meio natural. Este tipo de herói é próprio
do poema épico e da tragédia.
4 – O modo mimético inferior, que se caracteriza pelo facto de o herói,
apresentando uma humanidade comum, não ser superior em relação aos outro homens e
ao seu meio. É este o herói da maior parte das comédias e das ficções realistas.
5 – O modo irónico, caracterizado pelo estatuto de inferioridade do herói, tanto
em inteligência como em poder, em relação aos outros homens.
Por outro lado, Northrop Frye estabelece a existência de quatro categorias
narrativas mais amplas do que os géneros literários geralmente admitidos e logicamente
anteriores a eles. Estas categorias, que Frye mythoi, fundam-se na oposição e na
interacção do ideal com o actual, do mundo da inocência com o mundo da experiência:
o romance é o mythos do mundo da inocência e do desejo; a ironia ou a sátira
enraízam-se no mundo defectivo do real e da experiência; a tragédia representa o
movimento da inocência, através da hamatia ou falta, até à catástrofe; a comédia
caracteriza-se pelo movimento ascensional do mundo da experiência, através de
complicações ameaçadoras.
Finalmente, Northrop Frye constrói uma teoria dos géneros, partindo do
princípio de que as distinções genéricas em literatura têm como fundamento o radical
de apresentação: as palavras podem ser representadas, como se em acção, perante o
espectador, podem ser recitadas ante um ouvinte; podem ser cantadas ou entoadas;
podem, enfim, ser escritas para um leitor.
O epos constitui aquele género literário em que o autor ou um recitador narram
oralmente, dizem os textos, perante um auditório postado à sua frente. Este género não
abrange apenas textos em verso, mas também histórias e discursos em prosa.
O género lírico caracteriza-se pelo ocultamento, pela separação do auditório em
relação ao poeta. O poeta lírico pretende em geral falar consigo mesmo ou com um
particular interlocutor: a musa, um deus, um amigo, um amante, um objecto da
natureza, etc.
O género dramático caracteriza-se pelo ocultamento, pela separação do autor em
relação ao seu auditório, cabendo aos caracteres internos da história representada
dirigirem-se directamente a este mesmo auditório.
Ao género literário cujo radical de apresentação «é a palavra ou escrita», tal
como acontece nos romances e nos ensaios, concede Frye a designação de ficção,
embora reconhecendo que se trata de uma escolha arbitrária. Na ficção, ao contrário do
que acontece no epos, tende a dominar a prosa, porque o ritmo continuo desta adequa-se
melhor à «forma do livro».

Emil Staiger

Numerosos e importantes estudos sobre os géneros literários se têm ficado a


dever, nas últimas décadas, a investigadores que se inserem na grande tradição do
idealismo e do historicismo germânicos. Entre esses estudos, avulta a obra de Emil
Staiger intitulada Grundbegriffe der Poetik (Conceitos fundamentais da Poética).
Condenando uma poética apriorística e anti-histórica, Staiger acentua a necessidade de a
poética se apoiar firmemente na história, na tradição formal concreta e histórica da
literatura, já que a essência do homem reside na sua temporalidade. Retomando a
tradicional tripartição de lírica, épica e drama, reformulou-a profundamente,
substituindo estas formas substantivas e substancialistas pelas designações adjectivais e
pelos conceitos estilísticos de lírico, épico e dramático. O que permite fundamentar a
existência destes conceitos básicos da poética? A própria realidade do ser humano, pois
«os conceitos do lírico, do épico e do dramático são termos da ciência literária para
representar possibilidades fundamentais da existência humana em geral; e existe uma
lírica, uma épica e uma dramática, porque as esferas do emocional, do intuitivo e do
lógico constituem em última instância a própria essência do homem, tanto na sua
unidade como na sua sucessão, tal como aparecem reflectidas na infância, na juventude
e na maturidade». Staiger caracteriza o lírico como recordação, o épico como
observação e o dramático como expectativa. Tais caracteres distintivos conexionam–se
obviamente como a tridimencionalidade do tempo existencial: a recordação implica o
passado, a observação situa-se no presente, a expectativa projecta-se no futuro. Deste
modo, a poética alia-se intimamente à ontologia e à antropologia e a análise dos géneros
literários volve-se em reflexão sobre a problemática existencial do homem, sobre a
problemática do «ser e do tempo».

4.10 - Modos, géneros e subgéneros literários

Com efeito o termo «género» ora se refere a categorias acrónicas e universais – a


lírica, a narrativa, etc. –, ora se refere a categorias históricas e socioculturais – o
romance, o romance histórico, a ode, a ode pindárica, o soneto, etc.
A distinção entre modos literários, entendidos como categorias meta-históricas,
e os géneros literários, concebidos como categorias históricas, parece-nos lógica e
semioticamente fundamentada e necessária. No fenómeno literário, como em todos os
da cultura, existem elementos universais e invariantes, conformadores de uma estrutura
conceptual básica que possibilita a organização das estruturas humanas em termos
coerentes, sem a qual não seria possível a comunicação, quer como processo de
produção, quer como processo de recepção.
Os modos literários representam, por um lado, a nível da forma de expressão,
possibilidades ou virtualidades transtemporais da enunciação e do discurso – uma longa
tradição teorética, de Platão aos nossos dias, tem caracterizado assim, embora com
variações conceptuais e terminológicas, o modo narrativo, o modo lírico e o modo
dramático – e, por outra parte, a nível da forma e do conteúdo, representam
configurações semântico-pragmáticas constantes que promanam de atitudes
substancialmente invariáveis do homem perante o universo, perante a vida e perante si
próprio.
Os géneros literários desempenham, assim, um importante papel na organização
e na transformação do sistema literário. Em cada período histórico se estabelece um
cânone literário, isto é, um conjunto de obras que são consideradas como relevantes e
modelares, em estreita conexão com uma determinada hierarquia atribuída aos diversos
géneros.
As transformações profundas e extensas que têm ocorrido periodicamente nas
literaturas europeias, consubstanciadas na substituição de um estilo epocal por outro,
envolveram sempre o desaparecimento e a marginalização de alguns géneros e a
emergência ou desenvolvimento de géneros novos.
Estes fenómenos do declínio, da emergência e das modificações do géneros
literários resultam da dinâmica do sistema literário, uma dinâmica típica de um sistema
aberto, isto é, conexionada com a dinâmica de outros sistemas semióticos e, em última
instância, com a dinâmica do metassistema social.
Os géneros literários, por sua vez, podem dividir-se em subgéneros, em função
da específica relevância que no seu código – assim diferenciado em subcódigos –
assumem determinados factores semântico-pragmáticos e estilístico-formais. O género
romance, por exemplo, comporta subgéneros como o romance picaresco, o romance
pastoril, o romance da edução, etc. Os subgéneros, embora possam exercer uma acção
fecundante como modelos, ao longo do tempo, na memória do sistema e na praxis
literária, possuem uma duração mais imitada do que os géneros, apresentando-se muito
vulneráveis às grandes transformações históricas do policódigo literário. A friabilidade
histórica dos subgéneros, porém, funciona como um dos mecanismos relevantes da
modificação do próprio sistema literário, provocando sempre alterações nas normas e
convenções dos respectivos géneros e dos géneros afins.
Os modos, os géneros e os subgéneros literários podem manter uma
diferenciação nítida e rigorosa ou podem associar-se e mesclar-se, em processos
simbióticos de variável amplitude. A metalinguagem do sistema literário pode proibir os
géneros mistos ou híbridos – relembremos a regra da unidade de tom vigente no código
do neoclassicismo – ou pode autorizar e até fazer a apologia de tais géneros – assim
aconteceu com o código do barroco, com o código do romantismo e com o código do
simbolismo, ao justificarem e exaltarem, respectivamente, géneros híbridos como a
tragicomédia, o drama e o romance lírico. Neste, como noutros domínios, a
problemática dos géneros é indissociável da problemática dos estilos epocais.

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