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ANNO I - NUMERO I 5 0 0 rs.

MAIO - 1928

Revista de Jfatropofa|ia
Direção de A N T Ô N I O D E A L C Â N T A R A M A C H A D O Gerencia de R A U L BOPP

ENDEREÇO: 13, RUA BENJAMIM CONSTANT - 3.° PAV. SALA 7 - CAIXA POSTAL N.° 1.269 SÃO PAULO

ABRE-ALAS ,— M A N H Ã

Nós éramos xifópagos. Quási chegamos a


ser deródimos. Hoje somos antropófagos. E foi
assim que chegamos á perfeição.
Cada qual com o seu tronco mas ligados O jardim estava em rosa, ao pé do Sol
pelo figado ( o que quer dizer pelo ódio) mar- E o ventinho de mato que viera do Jaraguá
chávamos numa só direcção. Depois houve uma Deixando por tudo uma presença de água
revolta. E para fazer essa revolta nos unimos
ainda mais. Então formamos um só tronco. De- Banzava gosado na manhã praceana.
pois o estouro: cada um de seu lado. Viramos ca-
nibais.
Tudo limpo que nem toada de flauta.
Aí descobrimos que nunca havíamos sido
outra cousa. A geração actual coçou-se: apare- A gente si quizesse beijava o chão sem formiga,
ceu o antropófago. O antropófago: nosso pai. A bocea roçava mesmo na paisagem de cristal.
principio de tudo.
Não o índio. O indianismo é para nós um
prato de muita sustância. Como qualquer outra Um silêncio nortista, muito claro!
escola ou movimento. De ontem, de hoje e de As sombras se agarrando no folhedo das árvores
amanhã. Daqui e de fora. O antropófago come o
Talqualmente preguiças pesadas.
índio e come o chamado civilizado: só êle fica
lambendo os dedos. Pronto para engulir os ir- O Sol sentava nos baricos, tomando banho-de-luz.
mãos.
Assim a experiência moderna (antes: con-
tra os outros; depois: contra os outros e contra Tinha um sossego tão antigo no jardim,
nós mesmos) acabou despertando em cada con- Uma fresca tão de mão lavada com limão
viva o apetite de meter o garfo no vizinho. Já Era tão marupiara e descansante
começou a cordeal mastigação.
Aqui se processará a mortandade (esse car- Que desejei... Mulher não desejei não, desejei...
naval). Todas as oposições se enfrentarão. Até Si eu tivesse a meu lado ali passeando
1923 havia aliados que eram inimigos. Hoje há Suponhamos, Lenine, Carlos Prestes, Gandhi, um desses !...
inimigos que são aliados. A diferença é enorme.
Milagres do canibalismo.
No fim sobrará um Hans Staden. Esse Hans Na doçura da manhã quasi acabada
Staden contará aquillo de que escapou e com os Eu lhes falava cordialmente:—Se abanquem um bocadinho
dados dele se fará a arte próxima futura.
E havia de contar pra eles os nomes dos nossos peixes
E' pois aconselhando as maiores precauções
que eu apresento ao gentio da terra e de todas Ou descrevia Ouro Preto, a entrada de Vitoria, Marajó,
as terras a libérrima REVISTA DE ANTRO- Coisa assim que puzesse um disfarce de festa
POFAGIA.
No pensamento dessas tempestades de homens.
E arreganho a dentuça.
Gente: pode ir pondo o cauim a ferver.
MARIO DE ANDRADE
Antônio de Alcântara Machado.

"ftli vem a nossa comida pulando"


(V. Hans Staden - Cap. 28)
Revista de Antropofagia

RESOLANA Poema
O mormaço é a fumaça da macega.
Ella vae sozinha, tropeçando nas colheitas.
Treme o longe diluído na quentura. Bate-lhe o sol nos hombros. Ella sente que um gosto.
O boi desce a recosta em procura da sombra humano
mas pára logo, abombado. deflora-lhe a bocca e illumina-a de absurdos.
Lá no alto, voando, voando, bebendo o azul, Parece que um choro quer sorrir dentro de si.
subindo sempre — urubu. Parece que o sangue dentro de si quer matal-a
Feliz... e jogar-lhe clarões por cima.
O calor queima a terra, ferve no ar. Aquillo é o universo que se despenha dos seus cabellos.
(Memória de marulhos
gosto de espuma limo areia branca) (Pará) ABGUAR BASTOS
A cabeça do alazão é uma chamma esbelta
cortando o campo a trote largo.
Vejo as orelhas agudas que se movem,
sinto o corpo fremente do cavallo. URA,
E ha tanta harmonia entre o choque dos cascos os films que a s s o m b r a m o m u n d o
e o meu tronco agitado na vibração febril,
que eu compreendo a gloria animal da carreira: REPRESENTANTE
vou!
enrolado na força do sol. Gustavo Zieglitz
(Rio Grande do Sul)
RUA DOS ANDRADAS, 42
Do livro "Giraluz"

AUGUSTO MEYER
S Ã O PAULO

Estão no Prelo Vacca Christina


LARANJA DA CHINA A vacca Christina, de madrugada,
DE
Vem de belengue no longo da rua.
Antônio de Alcântara Machado Uei,
Olha o leite da vacca Christina!
E

MACUNAIMA No Bango lambido de luzes escassas


Estira-se a larga madrugada molle.
DE Amontoa-se a garoa miúda. E lá adeante.
Mario de Andrade Roda a carroça do lixo da noite.
Uei,
Quem quer leite da vacca Christina?
A sair brevemente E a vacca bohemia, de pata pitoca,
Vae toda faceira, enfeitada de fita
M arti m - S e r e r ê Vae ver as comadres atraz dos tabiques
Uei,
VERSOS Viva as tetas da vacca Christina!
DE
Cassiano Ricardo E passa a patrulha noturna da zona.
E' a hora em que o Bango cansado cochila.
E Somente enche o resto da noite deserta
O belengue molango no longo da rua:
Republica dos E. U. do Brasil Uei,
POEMAS Quem que o leite da vacca Christina?
DE Jacob Pim>Pim.
MENOTTI D E PICCHIA Do livro a sahir: "Ai, seu Mé".
Revista de Antropofagia

MANIFESTO ANTROPÓFAGO
Só a antropofagia nos une. Social- pobre declaração dos direitos do Só podemos attender ao mundo
mente. Economicamente. Philoso- homem. orecular.
phicamente. A edade de ouro annunciada pela
America. A edade de ouro. E todas Tínhamos a justiça codificação da
Única lei do mundo. Expressão as girls. vingança A sciencia codificação da
mascarada de todos os individualis- Magia. Antropofagia. A transfor-
mos, de todos os collectivismo. De Filiação. O contacto com o Brasil mação permanente do Tabu em to-
todas as religiões. De todos os trata- Carahiba. Oú Villeganhon print ter- tem.
dos de paz. re. Montaigne. O homem natural.
Rousseau. Da Revolução Francesa Contra o mundo reversivel e as
Tupy, or not tupy that is the ao Romantismo, á Revolução Bol- idéas objectivadas. Cadaverizadas.
question. chevista, á Revolução surrealista e O stop do pensamento que é dyna-
ao bárbaro technizado de Keyserl- mico. O indivíduo victima do syste-
Contra toda as cathecheses. ing. Caminhamos. ma. Fonte das injustiças clássicas.
contra a mãe dos Gracchos. Das injustiças românticas. E o es-
Nunca fomos cathechisados. Vive- quecimento das conquistas interio-
Só me interessa o que não é meu. mos atravez de um direito sonam- res.
Lei do homem. Lei do antropófago. bulo. Fizemos Christo nascer na Ba-
hia. Ou em Belém do Pará. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Ro-
Estamos fatigados de todos os ma- teiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
ridos catholicos suspeitosos postos Mas nunca admittimos o nasci-
em drama. Freud acabou com o mento da lógica entre nós. O instincto Carahiba.
enigma mulher e com outros
sustos da psychologia im- Morte e vida das hypothe-
pressa. ses. Da equação eu parte do
Kosmos ao axioma Kosmos
O que atropelava a verdade parte do eu. Subsistência. Co-
era a roupa, o impermeável nhecimento. Antropofagia.
entre o inundo interior e o
mundo exterior. A reacção Contra as elites vegetaes.
contra o homem Em communicação com o solo.
vestido. O cinema
americano informa- Nunca fomos cathechisados.
rá. Fizemos foi Carnaval. O indio
vestido de senador do Império.
Filhos do s o l , Fingindo .de Pitt. Ou figuran-
mãe dos viventes. do nas operas de Alencar cheio
Encontrados e ama- de bons sentimentos portugue-
dos ferozmente, com zes.
toda a hypocrisia
da saudade, pelos im- J á tínhamos o
migrados, pelos tra- communismo. J á tí-
ficados e pelos tou- nhamos a língua
ristes. No paiz da surrealista. A eda-
cobra grande.
de de ouro.
Catiti Catiti
Foi porque nun-
Imara Notiá
ca tivemos gram-
Notiá Imara
maticas, nem col- Desenho de Tarcilu 1928 De um quadre que figurará na sua próxima exposição de Junho
na galeria Pcrcier, em Paris. Ipejú
lecções de velhos
vegetaes. E nunca soubemos o que
era urbano, suburbano, fronteiriço e Contra o Padre Vieira. Autor do A magia e a vida. Tínhamos a re-
continental. Preguiçosos no mappa nosso primeiro empréstimo, para lação e a distribuição dos bens phy-
mundi do Brasil. ganhar commissão. O rei analpha- sicos, dos bens moraes, dos bens di-
Uma consciência participante, beto dissera-lhe: ponha isso no papel gnados. E sabiamos transpor o ínys-
uma rythmica religiosa. mas sem muita lábia. Fez-se o em- terio e a morte com o auxilio de al-
préstimo. Gravou-se o assucar bra- gumas formas grammaticaes.
sileiro. Vieira deixou o dinheiro em
Contra todos os importadores de
Portugal e nos trouxe a lábia, Perguntei a um homem o que era
consciência enlatada. A existência
palpável da vida, E a mentalidade o Direito. Elle me respondeu que
era a garantia do exercício da pos-
prelogica para o Sr. Levy Bruhl
O espirito recusa-se a conceber o sibilidade. Esse homem chamava-se
estudar.
espirito sem corpo. O antropomor- Galli Mathias. Comi-o
fismo. Necessidade da vaccina an-
Queremos a revolução Carahiba. tropofagica. Para o equilíbrio contra Só não ha determinismo - onde ha
Maior que a revolução Francesa. A as religiões de meridiano. E as in-
mistério. Mas que temos nós com
unificação de todas as revoltas ef- quisições exteriores.
isso?
ficazes na direcçâo do homem. Sem
nós a Europa não teria siquer a sua
Continua na Pagina 7
Revista de Antropofagia

SEIS ROETAS
PBDRO-JUAN VIQNALE — Sen- A ascensão de Jorge de Lima é «ma Henrique de Resende, Rosário Fus-
tímiento de Germana — Buenos delícia. De soneto Acendedor de lam- co e Ascanio Lopes — Poemas —
peSes ao poema Essa negra Fulfl. Su- Cataguazes — 1928.
Aires — 1927.
jeito inteligente como poucos soube pro- E' a gente simpática da Verde de Ca-
curar e achou. Abençoado Manuel Ban- taguazes.
Os versos são de uma ternura forte e
deira. Livro naturaline-nte desigual puxando
grave. Muito differente daquele picguis- para três lados.
mo rimado dos poetas que sussurram no Dos Poemas eu separo G. W, B. R.
Gostosura de lirismo vagabundo, alegre, Henrique de Rezende é o mais velho da
rimado dos poetas que sussurram no turma. Engenheiro rodoviário vai anotando
ouvidinho da amada. Pedro-Juan Vignale, levado dos diabos. Dá vontade na gente
de repetir a viajem tendo o poema bem nas margens do caderno de medições e
maestro e entomólogo, ama á moderna. de cálculos os aspectos dos caminhos que
E poeta á moderna. Seus ditirambos em guardado na memória. Separo esse por
ser o meu predileto. Mas não o único êle abre
honra de Germana não são declarações
de namorado bisonho: antes de que tem notável. Rio de Sáo Francisco também como um corda me de veias
me agrada bastante. Bala de Todos os no corpo adusto
fé convencida e invencível num senti-
Santos, Santa Dica, Floriano-Padre Cf- da terra inhospita.
mento muito alto mas palpável. Nada de cero-Lampeão' igualmente têm cousas
dúvidas cruciantes ou queixumcs suspi- que a gente não esquece. Principalmente Não sei se como engenheiro é bom
rados. Nenhuma alusão á morte salva- o primeiro. E do magnífico ChangA pula poeta. Mas sei que como poeta é bom
dora. um bodum danado, rebenta um ritmo engenheiro. Seus veisos são solidamente
Através da mulher o poeta ama a terra infernal. Inútil querer resistir. construídos sobre leito bem empedrado.
onde ela nasceu: esta terra. Sentir uma De vez em quando uma descaida sen- Nem falta o rolo compressor de uma
é sentir a outra. timental ou pueril, livresca, oratória ou auto-crítica severa. E esses caminhos têm
conceituosa que desaponta mas não as- sombras para a gente repousar a vista
En tus manos ávidas tonta da luz das paisagens. A ermida por
traes sombra. Porque não é assim tão facil-
mente que se Tompe com certos cacoetes exemplo: tão comovente e tão bonita.
los cielos dei Brasil literários. Não vê. A cousa é dura como Rosário Fusco é um menino. Está
quê. Não tem importância: Jorge de Li- dito tudo: mistura timidez com audácia,
Ouvindo a voz cállda de trópico é brutalidade com ternura, larga o esti-
que êle vê ma está ficando cada vez mais escovado.
Por isso duvido muito que em seus livros lingue para choramingar no colo de um
futuros apareçam versos como Oraç&o, afecto bom. Tem talento. Quanto a isso
esa tarde paulista não pode haver dúvida. Tem talento, von-
exprimirse Meninice, Poemas dos bons fradinhos,
<A voz da igrejinha e o Painel de Nuno tade de acertar e uma desenvoltura ótima
«obre ei Tietê na qual a gente não pode deixar de pôr a
hasta inundarlo Gonçalves sobretudo.
Agora Essa negra Fulô. E' das cousas maior das conf ianças. Eu gosto muito deste
O" que é positivamente lindo. poeminha — Sala de gente pobre — do
mais .marcantes que a poesia nordestina
Esse contracto de poeta, tão profun- nos tem enviado de muito tempo para qual tomo a liberdade de suprimir o últi-
damente vigoroso com o tema lírico Bra- cá. Essa negra Fulô sim. Bole com a gen- mo verso:
sil ainda nos dará (penso eu) muita cou- te. Pinica a'sensibilidade da gente. Em- Um banco.
sa ótima. bala o sensualismo da gente. Canção e Uma mesa.
história da escravidão sem querer ser. Um quadro: Nossa Senhora
JORGE FERNANDES — Livro de Poesia boa, cheirosa, suarenta, apetito- Outro quadro: São José....
poemas — Natal — 1927. sa, provocadora.
Um lampeão.
A poesia de Jorge Fernandes machuca. Nem ambição de mais coisas.
Ora se deu que chegou
Deante dela fica-se com vontade de gri- (isso já faz muito tempo) Os defeitos de Rosário Fusco são de-
tar como o próprio poeta na Enchente: no bangüê dum meu avô feitos de quem tem dezesete anos. Em
Lá vem cabeçada... uma negra bonitinha geral porque há alguns mais graves que
chamada negra Fulô podem virar crônicos se não forem cura-
E vem mesmo. Poesia bandoleira, vio- dos logo: linguagem meio cá meio lá,
lenta, golpeando a sensibilidade da gente quedazinha paTa o lugar-comum, imagem
que nam o tejú brigando com a cobra: Essa negra Fulôt
de efeito, final arranjadinho. E outros
Léxo! léxo t Essa negra Fulô! mais. Porém eu já disse e repito que em
Ao lado disso uma afeição carnal e Rosário Fusco a gente pode ter sem medo
selvagem pela terra sertaneja como de- muitíssima confiança.
monstra entre outras a explêndida Can- O' Fulô? O' Fulô?
(5o do inverno. E. feitio rjide de dizer (Era a fala da Sinhá Ascanio Lopes também é menino: me-
as cousas. Jorge Fernandes tem a mão chamando a negra Fulô) nino malicioso, gozador, cheio de suben-
dura: tira lascas das paisagens que caem Cadê meu frasco de cheiro tendidos. O principal defeito dele é o mes-
nas unhas dele. MSo de derrubar sem du- que teu Slnhô me mandou? mo de Rosário Fusco: a idade que tem.
vida. Aquella mesma trabalhadeira e lí- — Ah! foi você que roubou! Daí, apesar dele ser brincalhão, certas
rica Mio nordestina que dá o nome a Ah I foi você que roubou! puerilidades sentimentais, o desejo crian-
uma de suas poesias mais características. ça de SCT acarlnhado e o tema tristeza
soando falso nas poesias dele.
Outra cousa: Jorge Fernandes fala uma
língua que nós do Sul ainda não com- O Sinhô foi açoitar A mata é grande demais para o fogo
preendemos totalmente mas sentimos ad- sosinho a negra Fulô. pegar caracteriza bem a sua maneira boa:
mirável. Eu pelo menos não percebo tre- A negra tirou a saia Na modorra enorme do sertão
chos e trechos de várias poesias suas. e tirou o cabeção, os empregados trabalhavam nos eitos da
No entanto gosto deles. O poema Avoetes de dentro dele pulou [roça
por exemplo (não sei se por causa da nuinha a negra Fulô. Cantando cantigas ingênuas.
construcção particularfssima de certas Mas do lado da serra, lá longe, começou
frazes) espanta como o desconhecido. E Essa negra Fulô! [a subir fumaça
é bonito que só vendo. Essa negra Fulô! e as chamas tampaTam as arvores da
O autor do Livro de poemas eviden- [mata.
temente está passando por um período O' Fulô? O' Fulô? O feitor disse que era uma queimada que
doído de auto-crítica de que sairá melho- Cadê, cadê teu Sinhô [saltara o aceiro.
rado com' certeza. Êle mesmo reconhece que Nosso-Senhor me mandou? Ninguém pensou em apagar o fogo.
isso e caçoa de suas remmiscências par- Ah! foi você que roubou No céu os gaviões gritavam assustados.
nasianas. Daí uma porção de pequenos foi você, negra Fulô!
defeitos nas vésperas de completo- desa- _ Ascanio Lopes não deve abandonar
parecimento. Ou eu muito -me engano. Essa negra Fulô! - esse seu feitio de gozador a seco.
O pessoal da Verde é portanto uma
JORGE DÈ LIMA — Poemas e Essa negra Fulô. Pretinha do infermo. surpresa excellente e cuja excelência de
Essa negra Fido — Maceió — Essa negra Fulô. hoje em deante não mais surpreenderá
1927 « 1928. ninguém.
A. de A. M.
A. de A. M.
Revista de Antropofagia

POESIA

(Especial, pára a "Revista de Antropofagia")

FOME

Em jejum, na mesa do "Café Guarany",


O poeta antropófago rima e metrifica o amorzi-
[nho de sua vida.
Elle tem saudades de ti.
Elle quer chamar " t i " de: estranha — voluptuo-
[sa — linda querida.
Elle chama " t i " de: gostosa — quente — bôa
[— comida.

Guilherme de Almeida.

A L Í N G U A T U P Y — PLÍNIO V A L G A D O

A LÍNGUA TUPY mado como idêntico ao homen europeu, também. Liga-se o estudo dos Idiomas á
não resta a menor duvida. Basta ver-se própria historia do homem. Depois de
A língua tupy deve ser estudada com envergando o habito de Christo, e com o Lamarck, G. de Saint Hilaire, Darwin e
um novo critério. A contribuição de todos titulo de Dom, que lhe concede Felippe Spencer, estes assomptos tomam um ou-
os que escreveram grammaticas e dic- IV, o sr. Antônio Camarão, Poty de nas- tro aspecto. A ultima tentativa para redu-
cionarios do idioma falado pelos nossos cimento. .. Aliás, uma bulla papal jà de- zir o indio á forma européa, é, talvez, a
selvagens é certamente muito valiosa, e clarara, após a descoberta do Novo Mun- do nosso chamado indianismo, expressão
serve-nos hoje de inicio para as nossas do, que todos descendiam de Adão e Eva. do romantismo em nossa literatura. Mas
procuras curiosas. Mas os que estudaram Os que estudaram o tupy, desde aquelles essa preoecupação lamartinizante dos
o tupy, nos primeiros séculos da colo- tempos, não podiam ter outra orientação nossos poetas e romancistas teve a van-
nização inspiravam-se num critério arca- que não fosse a do seu século e a das ne- tagem de chamar a gttenção brasileira
dico, do mesmo modo que, considcando c cessidades prementes. para o bugre, cercal-o de uma sympathia
indio, tomavam-no sob o ponto de vista Muita gente depois veio estudando a através da qual pudéssemos chegaT a elle
da catechese. Período de Anchieta, depois lingua de nossos Índios, mas com um cri- e pesquizal-o melhor. E como esse mo-
de Montoya, de Filgueiras. E é preciso tério pratico. São subsídios curiosos. vimento de Gonçalves Dias e José de
notar o caracter, de utilidade pratica im- Abanheenga, quer dizer, lingua de homem, Alencar representa o primeiro passo para
mediata, desses estudos, naquella época. lingua de gente, chamavam os tupys á uma comprehensão melhor do indígena,
O jesuíta tinha necessidade de unificar, sua lingua. 0 missionário foi unificando, é justo perdoarmos a esses escriptores os
tanto quanto possive!, as línguas, num systematizando as pequenas modalidades prejuízos inherentes ao seu tempo. E é
typo geral que servisse aò imperialismo no nheengatú, ou seja lingua bôa. Donde preciso também registrar que, no meio
catechista. E a necessidade da compre- nasceu o tupy-guarany. As outras tribus de muita phantazia, ha expressões fieis
hensão urgente entre catechumenos e ficaram falando o seu nheengahyba, lin- da psychologia selvagem em muitos tre-
evangelizadores. Essa preoecupação uti- gua ruim. Ruim porque não se submettia chos da poesia e do romance românticos.
litária não podia ter sinão uma orien- á reducção clássica do nheengatú. A opinião do nosso historiador Porto
tação grammatical. E sendo o typo hu- Seguro (Vamhagen), tão hostil á pobre
mano dos conquistados reduzido peio do- O critério scientifico para o estudo
das línguas americanas procede de Mar- raça dominada, vem logo contrabatida
gma á equivalência intrínseca do con- pela sympathia de Couto de Magalhães,
quistador, passava para um segundo pla- tius e da sua classificação. O ramo bra-
sileiro, que vem denominado na classifi- de Barbosa Rodrigues, de Baptista Cae-
no o estudo do seu espirito e do 3eu ins- tano a cuja obra podemos juntar o que
tineto, e da lingua do gentio só se to- cação de Frederico Muller "grupo tupy-
guarany", é dividido por Martius em nove tem feito Theodoro Sampaio, Cândido
mavam as conclusões finaes, formas paci- Rondon, Alarico Silveira, e outros.
ficas passivas da traducção. Que o indio, galhos. Parece-me que ha, dahi por dian-
te, uma curiosidade maior em relação ás Novos aspectos nos interessam hoje
como valor psychologico e social era to- na lingua dos nossos selvagens O da «rl-
línguas selvagens. E em relação ao indio.
(Continua na pag. seguinte)
6 Revista de Antropofagia

A LINGUA TUPY - (Continuação)


gem, o da sua significação como expri- não simplesmente representativa de per- que também, com certeza, depois de feitas
mindo um estagio humano, e, sobretudo, cepções auditivas, mas como representa- as expressões iniciaes, a lingua selvagem
a intima communhão cósmica, essa espé- ção de relações entre os sentidos e os soffreu os metaplasmas a que nenhum
cie de intercomprehensão, de intersensi- dois mundos, c objectivo e o subjectivo. idioma póde-se furtar. Houve, por certo,
bilidade e correspondência dos elementos Donde se origina a generalização das si- transposições, elisões, figuras de dimi-
idiomaticos representativos dos objectos, gnificações, a analogia que vae ampliando nuição ou de augmento, modificações
(substantivo) das acções (verbos) c das a funeção representativa dos vocábulos, prosodicas sensíveis obedientes a ljis cli-
circumstancias, (adjectivos e advérbios) ou das syllabas. Analogia que obedece matericas, cósmicas e históricas, e de tal
que resumem toda uma syntaxe primi- a um sentido sensorial, ou a uma lógica forma que se contavam dezenas de diale-
tiva, que prescindia de -preposições e sentimental. Isso tudo estabeleceu muita ctos na época da descoberta. Accrescen-
conjunções, primeiras moletas da deca- confusão entrt os que primeiro estuda- te-se a isso a obra unificadora dos je-
dência na funeção creadora das línguas. ram as linguas dos nossos aborígenes. suítas, as influencias hespanholas, por-
A hypotese onamatopaica de Heber, a Porque não tinha sido interpretado o tuguezas, francezas e tapuyas. De medo
das interjecções de Horhe Tooke, a do sentido dessas línguas, de homens pri- que a documentação desta hypothese se
poder inherente á natureza humana, de mitivos, em plena idade da pedra lascada. torna mutto difficil. A hypothese é apenas
Max Muller, a matéria debatida por Con- para mostrar o espirito que possivelmente
Quando, com Raul Bopp, comecei a ine presidiu a formação da lingua tupy.
dillac. Leibnitz. Locke, são indicações interessar por estes assumptos, estimu-
curiosas para indagações mais remotas, lados ambos pelas nossas conversas com Pa, pe, pi, po, pu, traz sempre idéa de
e hoje, pelo menos, nos fazem meditar Alarico Silveira, demos para fazer varias superfície, ponta, extremidade, contacto,
sobre o acervo léxico das raças que fo- "descobertas". Não sei até que ponto contorno, revestimento, limite. Sendo su-
ram desapparecendo em nosso continente. podem ellas ter valor. Em todo o caso, perfície, também é tudo o que se refere
A própria origem do "honras americanus", são caminhos Dará melhores averi- a plano, por exemplo a pequenez, a cha-
pensamento que nos perturba diante da guações. teza. que s: confunde quasi com a su-
Lagoa Santa ou dos Sambaquis de Igua-
Por exemplo: onde entram as exnros- perfície. Donde peua, ou peba, que signi-
pe; ou na consideração phantasiosa dos
sões taj te, ti, to, tu, quer dizer que a fica chato, liso. Cachorro pequeno é
chronistas das possíveis migrações trans-
cousa é dura de tinir. Ita — pedr.t, fer- yaguá-peua, ou yaguá-peba. Mas expri-
oceanicas precolumbianas; o senso das
ro; ibitii, — montanha, de ibi-terra,'e tu, mindo esta consonância também ponta,
edades, a edade da nossa terra, tu Io isto
coisa dura, tesa; cunhatan-muihcr vir- extremidade, coisas tão relacionadas com
se prende, de certa forma, ao estudo do
gem, de cunhí-mulher, e tan-coisa dura, superfície, (é a lógica intima das inter-
nosso indio e da sua língua, e o assum-
tesa (os seios, naturalmente); taquara- correspondencias sensoriaes) o indio cha-
pto é hoje multo mais suggestivo.
canna de bambu, de ta-duro, e quara-ôco; ma a aza do pássaro pepu, as mãos do
Porém, principalmente depois das hy- tátá-fogo, provavelmente porque é do homem, po, ou pu, Pela mesma razão, as
potheses de Freud, da sua interpretação atricto de coisas duras que sáe fogo, e o cousas que revestem levam essa conso-
pela psychanalyse da vida social dos po- indio não conhecia mesmo outro proces- nância. Pelle é pe, ou pi. Como vimos,
vos primitivos ("Totem et Tabou"); de- so de fazer fogo, aliás velho processo que re-re, ou riri são formas do plural. Dahi
pois do cansaço das civilizações de que vinha desd« os primeiros sambaquis de vem piriri, ou perere, muitas peites, por-
a Europa presente è uma grande expres- Iguape, ou desde o homem de Lund; ou que a pelle quando irritada dá a idéa de
são; e ao despeitar de um século em que de Amegliino, segundo a descoberta feita que se multiplica em multas pellezinhas.
o senegatez confraternizou com o""pOilu", pelo incançavel Ricardo Croner. Pelo menos é a sensação que se tem,
e Josephina Backer lançou os requebros quando nos sentimos arrepiados. Por-
yankees do Zanzibar, — é depois de tudo Como sabemos, água é hy, ou ig. Quem tanto, perereca, ou piriríca significam es-
isto que ha. um novo interesse, e, por- nos dirá que pedra, ita, não vem da cir- tremecer. Ligada essa idéa ao ar, ao ven-
tanto, deve haver um novo critério para cumstancia de estar'sempre a pedra liga- to, ás folhas das arvores, e finalmente a
o estudo da nossa lingua tupy da á água, nas minas, nas grutas, no mar, outros rumores da natureza, temo.! a si-
ou em luçta, ou em paz? Seixos que gnificação também empregada de sus-
A doutrina da equivalência espiritual, rolam, pedregulhos, granitos e basaltos Isurrar, sussurro. Mas pe é, principal-
denominação que poderemos dar ao pon- emoldurando as cachoeiras, penedos no mente, a .expressão do contacto entre os
to de vista catholico do inicio da colo- mar, tocas onde nascem os córregos... sentidos e os mundos subjectivo e obje-
nização brasileira, assume hoje um novo ctivo. Donde a significação de super-
aspecto. E' a equivalência das forças ori- Espuma é tii. Porque a espuma se ori- fície, de contorno, de véo ou pell» Por
ginaes humanas, denominador commum gina de choques, de violências. E tudo o que isso, petuna (pelle ou véo preto) quer
de todas ai raças.. é forte, ardente, traz, por analogia, o t dizer noite. Mas é á noite que se repousa
Tal, raiz que arde, gengibre; tainha, den que se dorme, portanto, pituú é o verbo
, A tendência primitivista das nossas tes; tatarana, insecto que queima; tlqui-
artes modernas, como das formas da ci- repousar. E o dia em que se descança
ra,. aguardente, pinga; tainha, caroço, se- (domingo ou feriado) é para o indio tam-
viKzação moderna, o próprio primitivismo mente (analogia de dente); tacunhg,
desta éra nova, que Keyserling denomina bém pituú. Esta consonância,,exprime,
membro sexual do macho (tá, duro- também, por essas intimas analogias o
a éra do chauffeur, tudo isto nos jeva cunha, mulher); tacape, arma de ma-
ás mais intimas confraternizações com o rebentar das superfícies. Assim, temos
'tar, etc. pororoca, pipoca, pereba, puca, (quebrar,
elemento humano em suas expressões ini- i
ciaes. Vem dahi a comprehensão mais estalo de onde arapuca, ara-ave; e puca-
A consoante t, lembrando tudo o quebrar).. Pelo que vimos, pelle piriricada
perfeita que teremos da lingua dos po- que é duro, forte, violento, traz sempre
vos primitivos. quer dizer pele que salta irritada. Tudo
idea de atricto, como se vê em táti, fogo, o que salta, estrebucha, é perereca. De
A nossa Hngua tupy, não a devemos em tu, espuma. Por isso, tlquira. Pois tudo onde vem o Sacy-perere, ou perereg. Mais
estudar mais com um senso grammati- d que é qui significa coisa meuda. Ti é forte do que piriríca, é, porém, tirirlea,
cal, philologico, mas com um senso humano. violência que o fogo exerce para distil- P'Io que ja vimos do valor de t. Por-
0 idioma, ou os idiomas falados pelos lar a aguardente, que vae sahindo aos tanto, "ficar tirirlea", expressão que
povos americanos precolombianos repre- pingos, qui. E temós também Quiriri, ou usamos tanto, dá perfeitamente idéa do
sentam uma verdadeira eucharistia: o quirirlm, que quer dizer muitos metidos, estado do indivíduo que estremece com
homem commungando com a natureza. do mesmo modo que quirera. Como se violência, ou da pulos de raiva.
sabe. o plural em tupy, entre suas varias
E' sob este ponto de vista que deve- formas tem a da repetição de rere,
mos tomar os elementos verbaes poly- ri-n. '
Em outros artigos arranjaremos exem-
ryntheticos da lingua dos nossos selva- plos interessantes, não só do ponto de
gens. Veremos desdobrar-se aos nossos Isto dito, vejamos Mantiqueira, o nome
de nossa grande serra. Man quer dizer vista das analogias sensoriaes, como ago-
olhos através de cada palavra, de cada ra, mas das sentimentaes, que revelam
raiz, toda a alma do nosso indio. ver, enxergar. Tiquera, ou tlquira, quer
dizer meudos, pequeninos, razurado, pul- operações psychologicas mais difficeis.
Tenho observado — pelos pouquíssimos verizado. O indio, naturalmente, do alto
conhecimentos que tenho do tupy — que da serra, via tudo diluído na distancia „„?°Í e ÍO\ SÓ p a r a mosi™ <J"e * lin-
via tudo tiquera... gua tupy é uma lingua quasi em estado
a onomatopéa é, de facto, a origem mais nascente directamente ligada á natureza,
remota da linguagem dos índios. Não di- oriunda do contacto immediato entre o
rei precisajnente onomatopéa. segundo a E' preciso notar-se (e chamo a attenção
homem e o mundo.
pWsuropção de Herder, ou seja a imita- dos meus leitores para este facto) que
ção da natureza. Prefiro a onomatopéa nem sempre se encontrará a confirmação
destas hypothezes na lingua tupy. Por- , Plínio Salgado
Revista de Antropofagia

Manifesto Antropófago BRASILIANA


RAÇA
Contra as historias do homem, que De uma correspondência de Sarutayá
começam no Cabo Finisterra. 0 mun- (Est. de S. Paulo) para o Cottelo Paulis-
Contra a Memória .fonte do costu- tano, n. de 15-1-927:
do não datado. Não rubricado. Sem me. A experiência pessoal renovada. O Sr. Abrahão José Pedro offereceu
Napoleão. Sem César. aos seus amigos um lauto jantar com-
Somos concretistas. As idéas to- memorando o anniversario de seu filhí-
A fixação do progresso por meio nho José e baptizado do pequeno Fuad,
mam conta, reagem, queimam gente que nessa data foi levado á pia baptismal.
de catalagos e apparelhos de televi- nas praças publicas. Suprimamos as Foram padrinhos o sr. Rachide Mustafa
são. Só a maquinaria. £ os transfu- idéas e as outras paralysias. Pelos e sua esposa d. lorgina Mustafa.
sores de sangue. roteiros. Acreditar nos signaes, acre- O Sr. Paschoalino Verdi proferiu um
ditar nos instrumentos e nas estrei- discurso de saudação.
POLÍTICA
Contra as sublimações antagôni- tas.
Da viesma correspondência:
cas. Trazidas nas caravellas. O Sr. Rachid Abdalla Mustafa, escrivão
Contra Goethe, a mãe dos Grac- de paz, muito tem trabalhado para au-
Contra a verdade dos povos mis- chos, e a Corte de D. João VI o . gmentar o numero- de eleitores.
sk narios, definida pela sagacidade DEMOCRACIA
de um antropófago, o Visconde de A alegria é a prova dos nove. Telegrama de Fortaleza (AB):
Cayrú: — É a mentira muitas vezes A bordo do "Itassussê" passou por
este porto com destino ao norte, S. A.
repetida. A lucta entre o que se chamaria D. Pedro de Orleans e Bragança, acom-
Increado e a Creatura-illustrada pela panhado de sua esposa é filho.
Mas não foram cruzados que vie- contradição permanente do homem S. A. desembarcou, visitando na Praça
ram. Foram fugitivos de uma civi- Caio Prado a estatua.de Pedro II. 0 povo
e o seu Tabu. O amor quotidiano e acclamou com enthusiasmo o príncipe. A
lização qúe estamos comendo, por- o modus-vivendi capitalista. Antro- off.cialidade do 23.° B. C. e á banda de
que somos fortes e vingativos como pofagia. Absorpção do inimigo sa- musica cercada de enorme multidão,
o Jaboty. cro. Para transformal-o em totem. aguardou a chegada de S. A. naquella
praça.
A humana aventura. A terrena fina-
Compacta mana, acompanhou os dis-
Se Deus é a consciência do Uni- lidade. Porém, só as puras elites tinetos viajantes até a praça do Ferreira,
verso Increado, Guaracy é a mãe conseguiram realísar. a antropofagia onde o tribuno Quintino Cunha fez uma
dos viventes. Jacy é a mãe dos ve- carnal, que traz em si o mais alto enthusiastica saudação em nome da po-
getaes. sentido da vida e evita todos os ma- pulação.
Na volta para bordo, um preto catraeiro,
les identificados por Freud, males de nome Vicente Fonseca, destacando-se
Não tivemos especulação. Mas tí- cathechistas. O que se dá não é uma da multidão abraçou o príncipe dizendo:'
nhamos- adivinhação. Tínhamos Po- sublimação do instincto sexual. E' a "Fique sabendo que as opiniões muda-
lítica que é a sciencia da distribui- escala thermometrica do instincto ram mas os corações são os mesmos".
ção. E um" systema social planetá- RELIGIÃO
antropofagico. De carnal, elle se tor-
rio. Telegramma de Porto Alegre para a
na electivo e cria a amizade. Affe- Gazeta de S. Paulo n. de 22-3-927:
ctivo, o amor. Especulativo, a scien- Vindo de S. Paulo chegou a esta ca-
As migrações. A fuga dos esta- cia. Desvia-se e transfere-se. Che- pital o sr. Sebastião da Silva, que fez o
dos tediosos. Contra as escleroses gamos ao aviltamento. A baixa an- raide daquelle (Estado ao nosso, a pé,
urbanas. Contra os Conservatórios, tropofagia agglomerada nos pecca- tendo partido dalli em outubro.
e o tédio especulativo. O "raidman" tomou essa resolução em
dos de cathecismo — a inveja, a virtude de uma promessa feita a Virgem
usura, a calumnia, o assassinato. Maria, para que terminasse a revolução
De William James a Voronoff. A Peste dos chamados povos cultos e no Brasil. Quando se achava próximo a
transfiguração do Tabu em totem. christianisados, é contra ella que es- esta Capital, teve conhecim»iito do ter-
Antropofagia. tamos agindo. Antropófagos. mino da lucta, proseguindo até aqui,- alim
de cumprir a sua promessa.
Sebastião Antônio da Silva conta
O pater famílias e a creação da Contra Anchieta cantando as onze actualmente 35 annos de edade.
Moral da Cegonha: Ignorância real mil virgens do céo, na terra de Ira- NECROLÓGIO
das coisas-f falta de imaginação-r-sen-* De um discurso do professor João Ma-
cema — o patriarcha João Ramalho rinho na Academia Nacional de Medicina
timento de authoridade ante a pro- fundador de São Paulo. do Rio de Janeiro (Estado de S. Paulo,
curiosa. n. de 3-8-921):
A nossa independência ainda não O dr. Daniel de Oliveira Barros e Al-
E' preciso partir de um profundo meida nasceu num dia e morreu em outro,
foi proclamada. Frase typica de D. de doença de quem trabalha, coração can-
atheismo para se chegar a idéa de
João VI. 0 : — Meu filho, põe essa çado antes de tempo.
Deus. Mas o carahiba não precisava.
coroa na tua cabeça, antes que al- Entre os dois, correu-lhe a vida.
Porque tinha Guaracy.
gum aventureiro o faça! Expulsa- SURPRESA
mos a dynastia. E' preciso expulsar Telegramma de Curityba para a Folha
O objectivo creado reage como os da Noite de S. Pauio, n. de 2-11-927:
o espirito bragantino, as ordenações
Anjos da Queda. Depois Moysés di- Informam de Imbituba que o indivíduo
vaga. Que temos nós com isso? e o rap.é de Maria da Fonte. Juvenal Manuel do Nascimento, ex-agen-
te do correio, reuniu em sua casa todos
Contra a realidade social, vestida os amigos e parentes sob o pret:xto de
Antes dos portuguezes descobri- fazer uma festa. Durante o almoço, Ju-
e oppressora, cadastrada por Freud
rem o Brasil, o Brasil tinha desco- venal mostrou-se alegre e,-ao terminar a
— a realidade sem complexos, sem festa foi ao seu quarto, do qual trouxe
berto a felicidade.
loucura, sem prostituições e sem pe- um embrulho contendo uma dynamite, di-
Contra o indio de tocheiro. O ín- nitenciárias do matriarcado de Pin- zendo que ia proporcionar a todos uma
dio filho de Maria, afilhado de Ca- dorama. surpresa.
tharina de Medicis e genro de D. Todos estavam attentos e esperando a
OSWALD DE ANDRADE. surpresa q-uando, com espanto geral, o
Antônio de Mariz. dono da casa approximou um cigarro
acceso do embrulho que explbdiu, ma-
A alegria é a prova dos nove. Em Piratininga. tando Juvenal e ferindo gravcnuiite sua
Anno 374 da Deglutição do Bispo esposa e todas as pessoas que haviam
No matriarcado de Pindorama. Sardinha. assistido ao convite fatal.
8 Revista de Antropofagia

Portugal vestiu o selvagem. Cumpre despil-o. Para


A "Descida" Antropophaga que elle tome um banho daquella "innocencia conten-
te" que perdeu e que o movimento antropophago agora
A "descida" agora é outra. lhe restitue. O homem, (falo o homem europeu, cruz
O Autor credo!) andava buscando o homem fora do homem. E
de lanterna na mão: philosophia.
Ha quatro séculos, a "descida" para a escravidão. Nós queremos o homem sem a duvida, sem siquer
Hoje, a "descida" para libertação. O Dilúvio, foi o a presumpção da existência da duvida: nú, natural, an-
movimento mais serio que se fez no mundo. Deus apa- tropophago.
gou tudo, para começar de novo. Foi intelligente, pra- Quatro séculos de carne de vacca! Que horror!
tico e natural. Mas teve uma fraqueza: deixou Noé.
O movimento antropophago, — que é o mais serio (a) OSWALDO COSTA.
depois do Dilúvio — vem para comer Noé. NOE* DEVE
SER COMIDO. VISITA DE SÃO THOME'
Penso que não se deve confundir volta ao estado
natural (o que se quer) com volta ao estado primitivo Quando a Bahia não se chamava Bahia,
(o que não interessa). O que se quer é simplicidade e muito antes de Pedro Alvares Cabral, São Tho-
não um novo código de simplicidade. Naturalidade, não mé foi lá um dia.
manuaes de bom tom. Contra a belleza canonica, a bel-
leza natural — feia, bruta, agreste, barbara, iMogica. Não sei se foi por acaso ou para vêr. Mas
Instincto contra o verniz. O selvagem sem as missan- viu.
gas da cathechese. O selvagem comendo a cathechese. Viu e protestou contra as coisas que viu.
Os PEROS que ainda existem entre nós hão de Fez um discurso cheio de conselhos que os
sorrir por seus dentes de ouro o sorriso civilisado de indios escutaram de boceas abertas:
que, reagindo contra a cultura, estamos dentro da cul-
tura. Que besteira. O que temos não é cultura euro- Que era preciso adorar a Deus, fugir do de-
péa: é experiência delia. Experiência de quatro séculos. mônio, não ter mais que uma mulher. Conselhos
Dolorosa e páo. Cem Direito Romano, canal de Veneza, bons.
julgamento synthetico a priori, Tobias, Nabuco e Ruy. Emquanto falava, fazia nascer da terra a
O que fazemos é reagir contra a civilisação que inven- planta da mandioca e a bananeira que ainda
tou o catalogo, o exame de consciência e o crime de de-
floramento. SOMOS JAPY-ASSU': hoje dá bananas de São Thomé.
"Ce venerable vieillard Japi Ouassou fut merveil- Então os indios gostaram.
leusement attentif, comme tons les outres Indiens lá Quando São Thomé, cansado, sentiu que
presens aux discours susdicts á quoi il replique ce qui devia acabar, acabou com estas palavras:
s'ensuit. Je m'estonis extremement 'de vous voir et me —E não comam nunca mais carne de gente!
manqueray á tout ce ie vous ay promis. Mais ie me es- Então os indios não gostaram. Avançaram.
tonne comme il se peut faire que vous autres PAY ne
vouliez pas de femmes. Estes vous descendus du Ciei? Quizeram comer o santo.
Estes nays de Pere et Mere? Quay donc! n'estes pas Felizmente São Thomé corria mais do que
mortels comme nous ? D'ou vient que non seulement elles.
vous ne prenez pas de femmes ainsi quê les autres Fran- Chegou na beira da praia, deu um passo de
çois que ont trafique avec noüs -depuis quelque quarante meia légua e foi parar numa ilha onde não tinha
et tant d'années; mais ancore que vous les empechez
maintenant de se servir de nos filies: ce que nous esti- selvagens.
mions a grand honeur et grandheur, pouvans en avoir (Quem me ensinou isto foi Frei Vicente do
des enfans". Salvador...)
(Claude d'Abbeville—"Histoi-
re de Ia Mfssion des Péres ÁLVARO MOREIRA.
Capucins en 1'Isle de Mara-
gnan et terres circonvoici-
nes.") NOTA INSISTENTE

Contra o servilismo colonial, o tacape inheiguára, Neste rabinho do seu primeiro numero a
"gente de grande resolução e valor e totalmente impa- "Revista de Antropofagia" faz questão de repe-
ciente de sujeição" (Vieira), o heroísmo sem rosrta de tir o que ficou dito lá no principio:
Commendador dos carahybas, "que se oppuzeram a que
Diogo de Lepe desembarcasse, investindo contra as ca- — Ella está acima de quaesquer grupos ou
ravelas e reduzindo o numero de seus tripulantes" tendências;
(Santa Rosa — "Historia do Rio Amazonas"). — Ella acceita todos os manifestos mas não
Ninguém se illuda. A paz do homem americano bota manifesto;
com a civilisação européa é paz nheengahiba. Está no — Ella acceita todas as criticas mas não faz
Lisboa: "aquella apparatosa paz dos nheengahibas não critica;
passava de uma verdadeira impostura, continuando os
bárbaros no seu antigo theor da vida selvagem, dados á — Ella é antropófaga como o avestruz é co-
antropophagia como dantes, e baldos inteiramente da milão;
luz do evangelho." — Ella nada tem que ver com os pontos de
Como se vê, facilimo ser antropophago. Basta eli- vista de que por acaso seja vehiculo.
minar a impostura.
A "Revista de Antropofagia" não tem
Foram estas as conseqüências dos versos ruimzi-
zinhos que Anchieta escreveu na areia de Itanhaen: orientação ou pensamento de espécie alguma:
Ordenações do Reino, grammatica e ceia de Da Vinci só tem estômago.
na sala de jantar. E não houve ainda quem comesse A de A. M.
Anchieta! R. B.






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