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ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE

PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

NÚMERO 23
Set/Dez 2007

Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe Quadrimestral


História da Educação Pelotas n. 23 p. 1-214 Set/Dez 2007
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
ASPHE
Presidente: Maria Helena Câmara Bastos
Vice-Presidente: Maria Stephanou
Secretário: Claudemir de Quadros

Conselho Editorial Nacional Conselho Editorial Internacional


Dra. Denice Cattani (USP) Dr. Alain Choppin
Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) (INRP, França)
Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel) Dr. Antonio Castillo Gómez
Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) (Univer. de Alcalá – Espanha)
Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ) Dr. Luís Miguel Carvalho
Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) (Univer. Técnica de Lisboa)
Dr. Lúcio Kreutz (UCS) Dr. Rogério Fernandes
Dr. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC) (Univer. de Lisboa)
Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS)
Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN)

Comissão Executiva Editoração eletrônica e capa


Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara Flávia Guidotti
Profa. Dra. Maria Helena Câmara Bastos flaviaguidotti@hotmail.com

Consultores Ad-hoc Imagem da capa


Dr. Eduardo Arriada (UFPel) Rembrandt. A Profetisa Ana (A
Dra. Maria Tereza Cunha (UDESC) Mãe de Rembrandt), 1631. Óleo
Dra. Beatriz Daudt Fischer (Unisinos) sobre madeira, 59,8 x 47,7 cm.
Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) Amsterdã, Rijksmuseum.

História da Educação
Número avulso: R$ 15,00
Single Number: U$ 10,00 (postage included).
História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense
de Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 23
(Set/Dez 2007) - Pelotas: ASPHE - Quadrimestral.
ISSN 1414-3518
v. 1 n. 1 Abril, 1997

1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel

CDD: 370-5

Indexação:
CLASE (Citas Latinoamericas em Ciências Sociales y Humanidades)
Bibliografia brasileira de Educação – BBE.CIBEC/INEP/MEC
EDUBASE (FE/UNICAMP)

2
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................ 5

LA ESCRITURA DE LOS EXAMENES ESCOLARES E


IDEAS DE MODERNIDAD, 1884 – 1912......................... 7
Rosalía Meníndez Martínez ............................................ 7

REFLEXÕES HISTÓRICAS EM TORNO DO


(EVENTUAL) SUCESSO DA EDUCAÇÃO NOVA. O
EXEMPLO DO INSTITUTO FEMININO DE
EDUCAÇÃO E TRABALHO (1911-1942)...................... 35
Joaquim Pintassilgo...................................................... 35

EM DEFESA DO FILOSOFAR E DO HISTORICIZAR


CONCEITOS CIENTÍFICOS .......................................... 65
Rochele de Quadros Loguercio José Cláudio Del Pino . 65

DA "REVOLUÇÃO FRANCESA" AO "SÉCULO XXI":


ALGUMAS NOTAS ACERCA DO SISTEMA
EDUCACIONAL FRANCÊS .......................................... 95
Nilce da Silva ............................................................... 95

O CONHECIMENTO EM DESENHO DAS ESCOLAS


PRIMÁRIAS IMPERIAIS BRASILEIRAS: O LIVRO DE
DESENHO DE ABÍLIO CÉSAR BORGES ................... 123
Gláucia Trinchão ........................................................ 123

O SURGIMENTO DA COMISSÃO BRASILEIRO-


AMERICANA DE EDUCAÇÃO INDUSTRIAL (CBAI)
....................................................................................... 147
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Mário Lopes Amorim .................................................147

A POLÍTICA EDUCACIONAL NO RIO GRANDE DO


SUL E A QUESTÃO DA NACIONALIZAÇÃO DO
ENSINO (1930/1945) .....................................................171
Berenice Corsetti Dilmar Kistemacher Alessandra Vieira
Padilha........................................................................171

DAS SCHULBUCH (O LIVRO ESCOLAR), 1917-1938.


UM PERIÓDICO SINGULAR PARA O CONTEXTO DA
IMPRENSA PEDAGÓGICA NO PERÍODO..................191
Lúcio Kreutz...............................................................191

RESENHA .....................................................................215

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ........................................217


Cláudia Regina Costa Pacheco Elomar Tambara .........217

DOCUMENTO...............................................................223

APRESENTAÇÃO: O CENTRO REPUBLICANO


CONSERVADOR E A REFORMA DE ENSINO
PROPOSTA POR TAVARES DE LYRA - 1907............225
Elomar Tambara .........................................................225

DOCUMENTO ENVIADO PELO CENTRO


REPUBLICANO CONSERVADOR AO CONGRESSO
NACIONAL - 1906 ........................................................239

ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES .................259

4
APRESENTAÇÃO

A ASPHE tem a satisfação de apresentar a seus leitores


o número 23 da revista História da Educação. Cumprindo seu
compromisso editorial de divulgar trabalhos científicos da área de
História da Educação e também de disponibilizar fontes
documentais trazemos neste número uma série de resultados de
investigações que, com certeza, colaborarão para preencher
eventuais lacunas do conhecimento na área da História da
Educação.
Iniciamos nossa secção de artigos com o trabalho do
renomado professor e pesquisador francês Pierre Caspard que nos
presenteia com um excepcional texto "Igreja, religião ensino
elementar antes das leis de laicização européias: Um reexame crítico
de suas relações" no qual analisa temáticas clássicas da área da
história da educação como são educação, igreja e religião.
A professora Rosalia Menindez Martinez investigou as
idéias de modernidade em seu texto "La escritura de los examenes
escolares e ideas de modernidad, 1884-1912. E trabalha com
conceitos e categorias que denotam a erudição da autora.
"Em defesa do filosofar e do historicizar conceitos
científicos" constitui-se em um trabalho de investigação teórico
metodológica elaborado pelos professores Rochele de Quadros
Loguercio e José Cláudio Del Pino da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul e que contribui para uma melhor compreensão
do constituição da ciência na área das ciências humanas.
A pesquisadora Nilce da Silva analisa o sistema
educacional francês tão bem focalizado em nossa revista neste ano.
Seu trabalho "Da ‘Revolução Francesa’ ao ‘Século XXI’: algumas
notas acerca do sistema educacional francês" contribui para
preencher lacunas que ainda persistem nesta área.
Um dos educadores de maior renome do século XIX foi
Abílio César Borges que destacou em vários segmentos da área

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


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educacional mas principalmente como escritor de textos didáticos
e como proprietário de escolas. A pesquisadora Gláucia Trinchão
trabalha em seu texto com uma faceta específica do trabalho do
professor Abílio - o desenho. O artigo "O conhecimento em desenho
das escolas primárias imperiais brasileiras: o livro de desenho de
Abílio César Borges" constitui-se num trabalho impar no
desvelamento deste autor.
"A política educacional no Rio Grande do Sul e a questão
da nacionalização do ensino (1930/1945)" trata de um tema
controvertido e cada vez mais investigado que é o da
nacionalização do ensino. A professora Berenice Corsetti
pesquisou este problema de pesquisa com maestria e desenvoltura e
discorre sobre esta temática tão importante para a história da
educação.
Nesta mesma linha de investigação, que privilegia a
educação e escolas teuto-brasileiras, o professor Lúcio Kreutz em
seu texto Das Schulbuch ( O livro escolar) 1917-1938 Um periódico
singular para o contexto da Imprensa Pedagógica no período investiga
de forma pioneira e original um periódico que teve grande
influência no processo educacional desenvolvido nas comunidades
teuto-brasileiras.
Na tradicional seção – Documentos trazemos um texto
do Centro Conservador de São Paulo em que em 1907 elaborou
um documento enviado ao Congresso Nacional por ocasião da
reforma educacional proposta pelo Governo Federal onde
aparecem com nitidez as influências das idéias positivistas em sua
linha doutrinária
De modo que esperamos que nossos leitores façam bom
proveito dos trabalhos apresentados neste número e que
continuem a nos brindar com a sua atenção.

A comissão executiva

6
LA ESCRITURA DE LOS EXAMENES
ESCOLARES E IDEAS DE MODERNIDAD, 1884 –
1912
Rosalía Meníndez Martínez

Resumen
El propósito de este artículo es abordar un interesante tema de la
cultura escrita, el de la escritura de los exámenes escolares. A finales
del siglo XIX, en México se experimentó un proceso de
modernización en el ámbito económico, el cual impacto al sistema
educativo; en este contexto las practicas escolares fueron alteradas y
este fue el caso de la escritura de los exámenes para las educación
primaria, el modelo de presentación oral fue sustituido por el escrito,
con ello se generaron nuevas formas de expresión que denotaban
rasgos del entorno político y cultural de la época. Mí interés se centra
en analizar los exámenes de niñas de educación primaria en la ciudad
de México a finales del siglo XIX.
Los exámenes escolares representan una importante fuente para
enriquecer la historia de la cultura escrita y de la educación de allí mi
interés por ahondar en este tema.
Palabras-clave:

A ESCRITA DOS EXAMES ESCOLARES E IDÉIAS DE


MODERNIDADE, 1884 - 1912
O objetivo deste artigo é abordar um interesante tema da cultura
escrita, o da escrita dos exames escolares. No final do século XIX, no
México, se experimentou um processo de modernização no âmbito
econômico , o qual impactou o sistema educativo; neste contexto as
práticas escolares foram alteradas e este foi o caso da escrita dos
exames para a educação primaria, o modelo de apresentação oral foi
substituído pelo escrito, com isso originaram-se novas formas de
expressão que denotaram aspectos do ambiente político e cultural da
época. Meu interesse centra-se em analisar os exames das meninas
da educação primária na cidade do México no final do século XIX.
Os exames escolares representam uma importante fonte para
enriquecer a história da cultura escrita e da educação daí o meu
interesse em abordar este tema.
PALAVRAS-CHAVE EM PORTUGUÊS

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


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SCHOOLS WRITTEN EXAMINATIONS AND
MODERNITY IDEAS: 1884 – 1912
Abstract
This article aims to study an interesting subject of the written
culture: schools examination writings. In the end of the 19th
century, in Mexico, it took place a modernization process in
economic field which impacted educational system; in such context,
schooling practices were modified and this was the case of the
Elementary school examination writings. The oral presentation
model was replaced by the written one, and new expressive forms were
generated, denoting traces of the political epoch and the cultural
context. We are interested in focusing the examinatios analysis in
primary education of girls in Mexico City, by the ends of 19th
century. We conclude that schooling examinations symbolize an
important enrichment source of written culture history.
Keywords:

8
La escritura no sólo nos ayuda a recordar lo pasado y lo
dicho: también nos invita a ver lo pensado y lo dicho de
una manera diferenta. David Olson1

A finales del siglo XIX, México fue gobernado por el


General Porfirio Díaz, quien impulsó un fuerte proyecto de
modernización que impacto diversos planos de la vida nacional.
Entre estos se encontraba la educación, a la cual otorgó especial
atención, pues la consideró como el medio más adecuado para
transformar a una sociedad de corte tradicional en moderna; para
ello era necesario formar una nueva generación de mexicanos con
una mentalidad liberal y científica.
En este marco de modernización las prácticas escolares
sufrieron cambios importantes, uno de ello fue la presentación de
exámenes, para finales del siglo XIX, la autoridad educativa
procuró normar todo lo relativo a la presentación de exámenes con
el objeto de establecer estrategias uniformes para todas las escuelas
de la ciudad de México. Así, se fueron transformando las prácticas
que hacían uso casi exclusivo de los exámenes orales para dar paso
a la elaboración de exámenes escritos; lo cual se explica como
parte de las innovaciones pedagógicas que la modernidad imponía.
Los exámenes tenían una importancia que no se limitaba
sólo a la aprobación del curso, iba más lejos, las interrogantes que
surgen sobre lo que aprendían los niños y cómo lo hacían y hasta
donde solo eran los contenidos controlados por el maestro, son
parte de las preguntas que guían este trabajo.
Desafortunadamente se conservan muy pocos exámenes
escritos de este período, los que se han logrado localizar en el
Archivo Histórico de la Ciudad de México, me dan la posibilidad
de presentar este artículo que tiene por objetivo analizar la

1
David R. Olson, El mundo sobre papel. El impacto de la escritura y la lectura en la
estructura del conocimiento, Barcelona: Gedisa, 1998, p. 16

9
escritura de los exámenes escolares de las escuelas elementales de
la ciudad de México entre los años de 1884 y 1912.
Considero que aun falta mucho por conocer acerca de las
prácticas y usos escolares de lo escrito durante el siglo XIX en
México, de allí la importancia y necesidad de abordar temáticas
como la que se presenta en este artículo.

Modernidad y Exámenes escolares

La presentación de los exámenes representaba el


momento en el que los estudiantes demostraban el
aprovechamiento escolar que habían obtenido en el año; los
profesores preparaban este momento con meses de antelación,
puesto que el citado evento constituía la evidencia del éxito
escolar. Este importante acto involucraba a diversos actores:
autoridades locales, maestros, inspectores, niños, padres de familia
y familiares de los examinados, y en algunas ocasiones se contaba
con la presencia del propio presidente de la República; todos ellos
se congregaban para ser testigos de los avances y aprovechamiento
de los escolares que concluían un año de trabajo escolar.
Si bien la presentación de exámenes fue una práctica
permanente durante el siglo XIX, para finales de este siglo la
autoridad procuró normar todo lo relativo a la presentación de
exámenes con el objeto de establecer estrategias uniformes para
todas las escuelas de la ciudad; así, todos los planteles debían
realizar en tiempo y forma las evaluaciones finales.
Al dar inicio el gobierno de Porfirio Díaz, en el año de
1877, la presentación de exámenes era guiada por los siguientes
ordenamientos: 1.Las escuelas municipales debían elaborar con
letra manuscrita un acta de examen, en donde se anotaban los
siguientes datos: fecha, dirección completa de la escuela, nombre
del jurado presente (ocho para este periodo y el regidor del
Ayuntamiento preside), hora de inicio y término, alumnos
premiados y firmas del jurado. 2. Se debía anexar un listado con

10
los nombres de todos los alumnos examinados por grado escolar,
durante estos años sólo aparecían tres grados (primero, segundo y
tercero). 3. Además de esta información se debían incluir los
temas sobre los cuales bordarían los exámenes: para primer año,
silabario, escritura, numeración, sumas y restas; segundo año,
gramática teórica, aritmética, geometría y dibujo lineal; tercer año,
lectura en prosa y verso, moral, escritura, gramática, aritmética,
geometría, geografía, historia y dibujo lineal.2
En 1884 se publicó el Reglamento de las Escuelas
Municipales de la Ciudad de México. En su capítulo IX se incluía
el apartado "de los exámenes", que dedicaba 15 artículos al tema,
los cuales destacaban la necesidad de que todos los alumnos de las
escuelas de la ciudad se sujetaran a exámenes finales en los
periodos y horarios que indicaba la autoridad correspondiente.
Todos los exámenes deberían contar con su acta correspondiente
por duplicado y firmada por la persona que presidía y por los
miembros del jurado; también se indicaba la manera de calificar y
los casos de alumnos reprobados.3

2
Archivo Histórico de la Ciudad de México (AHCM), Escuelas Elementales.
Exámenes y Premios. núm. 2593, t. 5, exp. 183, 1877.
3
Los artículos que señalan estas indicaciones son los siguientes:
Art. 81. Los alumnos de todas las escuelas municipales se sujetarán á exámenes
al fin de cada año escolar.
Art. 82. Los exámenes comenzarán el día 15 de Octubre y terminarán, á lo más
tarde, el 6 de Diciembre. La Comisión señalará los días en que haya de tener
lugar el examen de cada escuela, y los profesores que deban formar cada jurado,
en el concepto que en la de niños, el jurado se compondrá de tres profesores, y en
las de niñas de dos profesores y una profesora.
Art. 85. Los exámenes comenzarán á las ocho de la mañana y durarán el tiempo
que el Regidor ó la persona que presida, oyendo al jurado, juzgue necesario, para
persuadir del estado de los adelantos de los alumnos.
Art. 87. Concluido el examen, se levantará por duplicado el acta correspondiente,
firmada por la persona que presida y los miembros del jurado, haciéndose constar
en ella lo que creyere justo el presidente, respecto del examen, del orden que

11
Este tipo de prácticas fue transformándose a medida que
se fortaleció el proyecto educativo del régimen y se introdujeron
innovaciones pedagógicas.
Para la década de los 90, la información emitida por la
escuela fue ampliada y se nutrió con algunos datos estadísticos de
cada plantel que enfatizaban algunos aspectos, como el número
total de alumnos por clase, promedio de asistencia al año (aquí se
insiste en señalar el mayor y menor número de días asistidos a
clase) y edad de los alumnos (tanto de los niños con menor edad
como los de mayor), entre otros.4 Estos datos resultaban básicos

observe en la escuela, y si los libros que previene la fracción VIII del Art. 53, han
sido llevados por el director con la regularidad debida.
Art. 89. Las calificaciones serán las siguientes: M (mal); R (regular); B (bien);
M. B. (muy bien); P. B. (perfectamente bien). Estas serán dadas con la mayor
equidad y justificación.
Art. 91. El cursante de un año, que obtenga la calificación de M (mal), en
algunos de los ramos que en él se comprendan, lo volverá á cursar, hasta que á
juicio del director pueda pasar al año siguiente. Igual disposición se observará con
los alumnos que no presenten completas las materias del curso. Reglamento de las
Escuelas Municipales de la Ciudad de México, 1884, pp. 41-42
4
Algunos ejemplos de estos cambios se observan en las siguientes escuelas:
Escuela municipal No. 1
1er. Año.
número de alumnos 29
la edad menor de alumnos inscritos 6 años y la mayor de 10 años
el promedio de edades de los niños de este plantel fue de 8.4
el mayor número de días de asistencia a clase fue de 176 y el menor de 65 días.
2do. Año
número total de alumnos 37
la edad menor de alumnos inscritos fue de 9 años y la mayor de 12 años
promedio de edades fue de 10.29

12
para un gobierno que trataba de demostrar sus resultados por
medio de las cifras; también eran utilizados para determinar el
presupuesto asignado a cada escuela, pues si ésta no reportaba una
inscripción y asistencia acorde con lo establecido por la ley, a
dicho plantel se le asignaban pocos recursos.
A partir de que el gobierno federal asumió en 1896 el
control de todas las escuelas que estaban en manos de los
municipios, el tema de los exámenes fue reconsiderado y la nueva
organización continuó en su afán de control y uniformidad. Dicho
afán se expresaba de diferentes maneras: en la papelería,
ordenamientos, preparación de los alumnos y en los formatos
modernizados en que se concentraba la información de los
estudiantes que serían examinados.
El papel que se utilizaba era membretado y los formatos
eran escritos a máquina, incluso se elaboraron machotes especiales
para ser enviados a cada escuela. Así toda la información recavada
sería exactamente la misma y debía incluir los siguientes datos:
número de la escuela, tipo de escuela (para niños o niñas),
ubicación, nombre del alumno, edad en años (la cual debía estar

el mayor número de días de asistencia a clase fue de 177 y el menor de 28 días


3er. Año
número total de alumnos 7
la edad menor de alumnos inscritos 8 años y la mayor 12 años
promedio de edades fue de 10.28
el mayor número de días de asistencia a clase fue de 176 y el menor 112
4to. Año
número total de alumnos:1
edad del niño que asistió a clases 12 años
el mayor número de días que asistió a clases 151
AHCM, Escuelas Elementales. Exámenes y Premios. núm. 2609, t. 21. exp.
313, 1895

13
entre 6 y 12 años; si era mayor de este rango debía indicarse en
un rubro aparte la edad exacta), sexo, días que asistieron en el año,
materias cursadas con su respectiva calificación, firmas del
director, profesor titular del grupo y del jurado; además debía
anotarse la asistencia promedio por mes y por el año
correspondiente a cada grupo, total de alumnos inscritos, alumnos
que concluyeron el año escolar, número de aprobados y de
reprobados (señalaba la causa por la cual el alumno no aprobó),
número del personal existente que laboraba en la escuela: director,
ayudantes, profesores especiales, sirvientes, porteros, etc.5 Además

5
Un ejemplo de este tipo de información es la referente a las siguientes escuelas.
Dirección General de Educación Primaria
Año escolar 1904
Enseñanza primaria oficial No. de Escuela 47
Carácter de la escuela. Primaria Elemental para niños
Ubicación de la escuela; 2da. Calle de San Juan
Año escolar 1909-1910
Alumnos que sustentaron reconocimiento en edad escolar – 266
Alumnos aprobados – 205
Alumnos que concluyeron su educación - 23
Año escolar 1910-1911
1er. Año grupo "A"
58 alumnos matriculados
alumnos de menor edad 6 años
alumnos de mayor edad 11 años (sólo 1caso)
promedio de edades 7.3 años
mayor número de días de asistencia al año 170
menor número de días de asistencia 32
alumnos reprobados 20

14
de toda esta información, se preparaba un informe de los alumnos
que sostendrían examen en el año.
Para los primeros años del siglo XX el tema de los
exámenes continuó como acción prioritaria y se definieron algunas
estrategias adicionales, por ejemplo la publicación con semanas de
antelación del cuadro de exámenes de las Escuelas Primarias
Elementales de la ciudad de México, que incluía número de
escuela, ubicación, escuela que enviaría el jurado para las
evaluaciones, días de exámenes y escuela que examinará. Estos
cuadros llegaron a contar con varias hojas e información precisa
sobre los exámenes a realizarse; también se publicaban los listados
de los niños y niñas aprobados.
Para 1911, la Dirección de Educación Primaria enviaba
una circular con las instrucciones precisas para los
reconocimientos finales de las escuelas nacionales primarias del
Distrito Federal, que incluían los siguientes aspectos: trabajos
preparatorios, tiempo de los reconocimientos, jurados, verificación
de los reconocimientos y trabajos posteriores.6
Durante los últimos años del porfiriato, los avances en
materia de evaluaciones resultaban significativos; además de la
insistencia por parte de la autoridad de cuantificar todos los datos
y cifras relativos a educación, también se avanzó en el terreno
pedagógico al exigir los programas de las materias sobre las que
versaría el reconocimiento final del año escolar; por ejemplo, para

causas: 5 alumnos por llegar tarde


3 por juguetones
1 perezoso
3 enfermos
5 faltista
3 varios
AHCM, Escuelas Nacionales del Distrito Federal, núm. 2556, exp. 2,
6
AHCM, Escuelas Nacionales del Distrito Federal, núm. 2556, exp.2, 1911

15
el cuarto año de educación elemental las materias de examen
fueron lenguaje, aritmética, lecciones de cosas, geografía, historia
patria, instrucción cívica, dibujo y gimnasia. Los exámenes debían
ser formulados con base en los contenidos de los programas
oficiales7 con el fin nuevamente de que los niños estudiaran y
aprendieran los mismos temas. Los exámenes debían ser el reflejo
de una educación cada día más uniforme y homogénea, de allí que
las autoridades educativas incidieran en el control de los
reconocimientos finales. Además de seguir los programas, se
recomendaba que cada escuela formulara cuestionarios de los
puntos desarrollados durante el año —que servían de base para el
reconocimiento respectivo de cada materia— con el propósito de
que los niños aprendieran los aspectos centrales de cada
asignatura.8

7
Contenidos del programa de Historia Patria a considerar para los exámenes de
4to año elemental.
1. Acontecimientos que ocurrieron en la época colonial (a grandes rasgos).
Cómo estaba organizada la sociedad en la época colonial.
2. Don Miguel Hidalgo y Costilla., Morelos, Javier Mina.
3. Guerrero e Iturbide.
4. Estado de México, a raíz de la Independencia, civilizaciones y
costumbres.
5. República. Muerte de Guerrero, Guerra de Texas.
6. Invasión francesa. Santa Anna.
AHCM. Escuelas Elementales, núm. 2543, t. I. 1909-1910.
8
Algunos ejemplos de estos cuestionarios son los siguientes:
Escuela Elemental No. 47
Materia: Historia
Grado: 3er. Año
Peregrinación tolteca, puntos que tocaron y su establecimiento en Tolan.

16
Los exámenes finales tenían una importancia que no se
limitaba sólo al acto festivo, iba más lejos; la autoridad podía, de
alguna manera, conocer el impacto de la educación liberal en los
niños: qué aprendían, cómo lo hacían y finalmente cómo lo
expresaban en la escritura de sus exámenes. Las respuestas a estas
interrogantes reflejaban lo que estas nuevas generaciones estaban
absorbiendo de los contenidos de los programas, de los libros de
texto y de la manera en que los maestros enseñaban las diferentes
materias; también expresaban un nuevo concepto educativo que
exaltaba ciertos valores vinculados con la modernización. En este
sentido la escritura de los exámenes expresaban como lo señala
Antonio Viñao <<nuevos modos de ver y mostrar la realidad y,
dentro e ella, al mismo ser humano>>.9 Pero esta cuestión será
objeto del siguiente apartado.

Monarquía: hechos notables de sus monarcas, industrias, costumbres y religión


tolteca.
Chichimecas: de dónde vinieron, por quiénes venían gobernados en su
peregrinación, fundación de Teuyuacan, formas de gobierno que adoptaron,
monarcas que se distinguieron.
Aztecas su peregrinación, llegada al Valle de México, lugares que les designó
Nopalzin para su estancia. Guerra contra los xochimecas, leyendas de la
fundación de México. Establecimiento de su monarquía, tributos exigidos por
Tezozomoc, monarcas que se distinguieron en los primeros años de la fundación
de México, Ixcoatl reconquista del trono de Acolhuacan por Netzahualcoyotl,
gobierno de Atzayacatl. Descubrimiento de América. Carácter de Moctezuma II
y llegada de los eapañoles, conducta de Hernán Cortés y sus soldados,.Muerte de
Moctezuma I y gobierno de Cuitlahuac y Cuauhtemoc.
Conquista de México, el gobierno militar, gobierno de las audiencias, cuáles se
distinguieron y virreyes más notables.
AHCM, Escuelas Elementales, núm. 2543, t. I. 1909
9
Antonio, Viñao, Leer y escribir. Historia de dos prácticas culturales México,
Fundación Educación, voces y vuelos,I. A. P., 1999, p. 127.

17
Los exámenes escolares y su escritura

Durante el siglo XIX, la presentación de los exámenes


escolares había sido una práctica más bien oral, los niños eran
examinados por un jurado, integrado por el director de la escuela,
el profesor y alguna autoridad educativa; el niño contaba con 5 o
10 minutos para dar respuesta a la serie de preguntas que se le
formulaban.
Sí bien esta práctica continuo durante muchos años,
para la década de los 90 del siglo XIX se empezó a difundir la
elaboración de exámenes escritos, y esto se explica por varias
razones: la primera, el número de niños que asistía a la escuela se
incrementó de manera notable por la apertura de nuevas escuelas;
segundo el número de niños alfabetizados creció; tercero, el
Estado impulso una política educativa moderna que favorecía la
entrada de nuevos métodos pedagógicos para la enseñanza de la
escritura y la lectura, tal fue el caso del método elaborado por el
pedagogo suizo Enrique C. Rébsamen, para la lectura y la
escritura y aplicado en las escuelas primarias de Orizaba, Veracruz
y más tarde de todo el país. El método de éste pedagogo fue
particularmente novedoso y a su vez exitoso, partía de la siguiente
premisa <<se presenta una estampa con el dibujo relacionado con
la palabra. Se comenta para despertar el interés del alumno. Se
escribe y se lee la palabra, para pasar a la división de sus sílabas y
finalmente se reconstruye>>.10
Este método no fue el único que apareció, para 1905,
otro destacado pedagogo mexicano, publicó su método de
escritura-lectura conocido como método Onomatopéyico, <<éste
se basa en la simultaneidad, el fonetismo y la síntesis. La letra se
menciona por su sonido o nombre onomatopéyico>>.11
10
Enrique C. Rébsamen, Método Rébsamen de escritura- lectura: Enseñanza de la
lectura por medio de la escritura,Paris, Viudad de Bouret, 1905, p. 44
11
Gregorio Torres Quintero, Guía Metodológica para la enseñanza de la escritura
– lectura en el Primer Año, Paris- México, Viuda de Bouret, 1912,p. 6

18
Cuarto, aunado a los nuevos métodos de lectura y
escritura, se estimuló la lectura de libros de texto, con lo cual se
estrecha el aprendizaje de la escritura con el de la lectura, como
bien lo señala Antonio Viñao <<la historia de la escritura como
tecnología o práctica, guarda una estrecha relación con la
lectura>>.12
Quinto, el Estado porfirista despliega una política
educativa que promueve la asistencia de los niños a las escuelas,
para ello decreta que la educación primaria debe ser obligatoria y
gratuita; para lograr su objetivo, ofrece diferentes incentivos con el
fin de que los padres de familia envíen a los niños a la escuela; por
ejemplo se dan desayunos escolares en las escuelas primarias,
premios a la puntualidad, asistencia y rendimiento escolar y en
general se difunde la idea de que la educación tiene un fin
práctico.
Todos estos aspectos incidieron de alguna manera en
propiciar un cambio al interior de las escuelas, es decir las
practicas escolares fueron alteradas y se orientaron a generar
nuevas practicas como producto de la modernidad.13 La
escolarización se amplió (obligatoria de los 6 a los 12 años) y se
generaliza con lo cual la escuela se convirtió en el espacio
institucional de aprendizaje de lo escrito.
En este marco político y educativo, se promovió una
cultura de lo escrito, todos los niños debían aprender a escribir
correctamente; tanto la escritura como la lectura eran las materias
básicas de la educación primaria, así que las autoridades educativas
vieron con buenos ojos el que se fomentará la presentación de
exámenes escritos, estos fueron desplazando poco a poco a los
exámenes orales, la escritura se impuso como el medio de

12
Antonio Viñao, Leer y Escribir, op. cit. p. 288
13
Al respecto ver Rosalía Meníndez, Modernidad y Educación Pública. Las
escuelas primarias de la ciudad de México, 1876-1911 (Tesis de Doctorado en
Historia), México, Universidad Iberoamericana, 2004.

19
comunicación más conveniente para la escuela, como lo señala
Domingo Tirado Brendi <<Lo escrito, la escritura, fue ganando
terreno dentro del quehacer escolar. Adopto nuevas modalidades
textuales y amplio sus exigencias hasta configurar un nuevo
aprendizaje>>.14
El introducir cambios y alterar prácticas, siempre
representa un proceso complejo, y esto se advierte en el caso de la
escritura de exámenes, se denota la practica de la memorización de
los textos o de los resúmenes dados por el profesor, los cuales se
repiten lo más exacto posible, al respecto Antonio Viñao anota
<<los usos escolares de la escritura, por más que se diga, sobre
todo en la enseñanza primaria, que hay que prestar atención a los
usos cotidianos y ordinarios de la misma, implican, en su casi
totalidad, actividades de copia y de reproducción de lo
memorizado>>.15
Son pocos los escritos de niños que han quedado, al
parecer muchos de estos fueron desechados de las escuelas, por lo
cual resulta difícil reconstruir los actos de escritura de los niños
del México decimonónico. Afortunadamente se han localizados
algunos exámenes escritos, con lo cual podemos adentrarnos en
este espacio de comunicación tan diferente y necesario para
ahondar en el conocimiento de la cultura escrita, pues como lo
señala Jack Godoy,

La importancia de la escritura radica en que crea un


nuevo medio de comunicación entre los hombres. Su
servicio esencial es objetivar el habla, suministrar al
lenguaje un correlato material, un conjunto de signos
visibles. De este modo, el habla puede trasmitirse a través
del espacio y preservarse a través del tiempo; lo que la

14
Citado por Antonio Viñao, "Del periódico a Internet. Leer y escribir en los
siglos XIX y XX" en Antonio Castillo Gómez (coord.) Historia de la cultura
escrita. Del Próximo Oriente Antiguo a la sociedad informatizada, España, 2001, p.
335
15
Antonio Viñao, Historia de la cultura escrita, p.336

20
gente piensa puede rescatarse de la transitoriedad de la
comunicación oral.16

En este trabajo se muestran tres exámenes escritos por


niñas que asistían a la Escuela Elemental No. 10 de la ciudad de
México, cada uno de estos exámenes abordan temas de diferentes
materias; la idea es presentar de manera textual los tres escritos, a
fin de ver lo que estas niñas trataron de plasmar con su escritura,
en otro momento vinculare lo escrito con el contexto y el entorno
social, pues no debemos olvidar que la escritura parte de una base
social.
El primero es un examen de historia patria escrito por
una niña 13 años, el tema a examinar fue la Conquista de México,
me permito anexar el escrito completo:

Señorita inspectora, Digna Directora, Queridas


compañeras:
Impresionada por las clases que he escuchado durante el
pasado bimestre, relativos a la época de la conquista de
México así como por el precioso drama que vimos en el
Teatro Renacimiento; me permito consagrar algunas
frases a la memoria de uno de nuestro héroes.
Cómo mexicana de nacimiento y de corazón cuando
como ahora voy a hacer el relato de los infortunios que ha
sufrido nuestra patria siento que mis labios no puedan
llenar su cometido o pareciéndome [sic] tanto más penosa
esta tarea cuanto que mi humilde voz y mi pobre
inteligencia no me permiten presentar los hechos con la
delicadeza que requiere el patriotismo; sin embargo si
difícil es mi empresa no temo a cometerla pues me
olvidaba que cuento con vuestra indulgencia.
Cuando el gran emperador Moctezuma se hallaba
prisionero por los españoles el pueblo que sentía
veneración por él, estaba indignado, y los conquistadores

16
Jack, Godoy (copo.), Cultura Escrita en sociedades tradicionales, Barcelona:
Gedisa, p. 12

21
temiendo un levantamiento por parte de los aztecas,
obligaron a Moctezuma á que desde el alto palacio,
hablara á sus súbditos, para que se sometieran a la
obediencia; pero entonces aparece un joven y valiente
jefe, al frente del pueblo, é indignado de ver cautivo á su
emperador, y á su ciudad invadida por gentes extrañas, le
arroja certera pedrada hiriéndole gravemente, é impulsa al
pueblo azteca á la defensa.
El valiente jefe que se puso al frente de la guerra fue
Cuauhtémoc hijo del famoso y temible Ahizotl y esposo
de Tecuichpoc hija de Moctezuma. Su nombre
significaba águila que cae.
En los ataques que los aztecas sostuvieron contra los
españoles Cuauhtémoc fue el primero en la lucha,
peleando con valor, queriendo acabar con el último de sus
enemigos y arrancar de la prisión á los nobles aztecas.
A la muerte de Cuitláhuac décimo emperador azteca
subió al trono Cuauhtémoc el valiente, el inolvidable, el
guerrero azteca que abrazó con entusiasmo la causa de la
patria y se hizo cargo del gobierno en los momentos en
que Cortés venía á invadir de nuevo la capital.
Durante el sitio que Cortés puso a la ciudad, y que fue de
75 días, Cuauhtémoc supo defenderse, deseando
sepultarse en las ruinas de su imperio, y a pesar de las
proposiciones que le hizo el conquistador y del hambre
que reinaba en la ciudad jamás quiso rendirse.
Por último el conquistador se apoderó a viva fuerza de la
ciudad contra la resistencia de los valientes mexicanos el
día 13 de agosto de 1521.
Entonces los sacerdotes y nobles aztecas aconsejaron a
Cuauhtémoc que abandonara la ciudad, y a semejanza de
Netzahualcóyotl se ocultara para después continuar la
guerra contra sus enemigos.
Cuauhtémoc emprendió la marcha en el lago de Texcoco,
pero en el camino fue hecho prisionero en unión de su
familia por García de Holguín y solicitando respeto para
la emperatriz azteca y las otras damas que la
acompañaban, para él no pidió gracias ni favores. Cuando
Cuauhtémoc fue llevado a la presencia de Cortés le dijo

22
señalando al puñal que traía al cinto: toma luego ese
puñal y luego mátame ya que no he podido morir en
defensa de mi patria.
Cortés se mostró con el noble prisionero, inhumano y
cruel, mandándole dar tormento, quemándole los pies
para que revelara dónde estaban los tesoros de la corona
azteca, pero Cuauhtémoc fue más grande en el
sufrimiento que sus vencedores en el triunfo y resistió
heroicamente, pero cuando el rey de Tacubaya
compañero de tormento daba muestras de dolor,
Cuauhtémoc le dirigió una mirada de reconvención y le
dijo ¿por ventura estoy yo en un lecho de rosas?
Avergonzado Cortés mandó suspender semejante acto de
barbarie.
Siempre guardó Cuauhtémoc las viles señales de aquel
tormento y enfermó y sin poder andar largo tiempo vivió
en cautiverio rodeado de su familia.
Tres años después cuando Cortés marchó a las Ibueras
(América Central) llevó consigo al ilustre prisionero y a
otros nobles aztecas; pero en el camino bajo el pretexto de
que conspiraban lo mandó á ahorcar en unión del rey de
Texcoco en un árbol de ceyba en un lugar llamado
Izancnac el 26 de febrero de 1525.
Cuauhtémoc llegó al suplicio sereno y altivo.
Así acabó el último emperador azteca y con el imperio de
aquella raza que hasta entonces había sido invencible.
Niñas, a vosotras toca honrar la patria de este gran
hombre y no olvidar nunca que jamás ni ante el
sufrimiento ni ante sus enemigos se rindió.

Niña Guadalupe Flores.17

Este examen da inicio con una especie de dedicatoria


muy emotiva, dirigida a las autoridades y apegada a los estilos

17
AHCM, Escuelas Elementales, Escuela No. 10, núm. 2535, t. 1, exp. 1,
1906

23
epistolares del siglo XIX. Por lo que respecta al lenguaje, es de
respeto a la autoridad, se expresa adecuadamente y se vale de un
vocabulario poco adecuado para su edad, el cual está lleno de
expresiones de tipo poético además de aludir a formas de la
oratoria; se denota que la alumna aprendió de memoria la
información que ahora plasma en el examen. En cuanto al
contenido, se da una constante exaltación del mundo indígena, en
particular de los monarcas indígenas y para ello introduce frases
elocuentes de características sobresalientes de dos emperadores
mexicas Moctezuma y Cuauhtémoc, con lo cual deja ver una
postura ideológica en favor del mundo prehispánico; al mismo
tiempo, se advierte un rechazo para la figura del conquistador.
Este escrito escolar expresa la visión de un mundo prehispánico
aprendido en la escuela.
La escritura de este examen nos permite observar, por un
lado, la manera en que esta niña visualiza un tema histórico, como
resultado de una información proveniente de los programas, libros
de texto y enseñanza de los propios maestro; pero por otro nos
permite intuir los valores, sentimientos y el tipo de formación que
estos niños estaban recibiendo en las escuelas públicas y que
reflejaban en el momento de escribir sus exámenes.
Los dos siguientes exámenes que analizo, presentan dos
temas diferentes; el primero aborda el área de las ciencias y el
segundo el de la instrucción cívica:

Señorita directora, señoritas profesoras, queridas


compañeras.
Ya que he tenido la honra de ser designada por mi amable
directora para hablar sobre el tema que se me ha
confiado, voy a ser lo posible por desempeñarlo lo mejor
que pueda, pues aun que insuficiente y poco apta para
hacerla quiero manifestar a mi inteligente directora que
tomo empeño y tengo bastantes deseos de aprender y
también quiero contribuir a que se realice el empeño y
afán que toman por nuestra enseñanza.

24
Ruego a mis profesoras me de su indulgencia y espero de
su benevolencia me dispen las faltas que tenga.
Tema.
1. Los vientos son corrientes de aire mas o menos rápido
2. Los vientos reconocen como causa el cambio de la
temperatura. Cuando el aire cuando esta en contacto que
la tierra se calienta, tiende a elevarse y entonces el aire
frío se precipita a ocupar el lugar vacío y de ese
movimiento se forman las corrientes que se llaman
vientos, lo mismo sucede cuando una nube desciende en
forma de lluvia y el lugar que deja vacío lo quiere ocupar
el aire
3. El experimento de Franklin consiste en colocar una
pieza caliente una vela en la parte inferior y otra en la
superior de una puerta que comunique con otra pieza
menos caliente, al abrir la puerta se ve oscilar las flamas
de las velas en sentido contrario.
4. Los vientos soplan en todas direcciones pero
principalmente de N a S.
5. La dirección de los vientos se estima por medio de las
veletas.
6. La velocidad de los vientos se estima por medio de n
aparto que se llama anemómetro.
7. Un viento huracanado recorre 30 metros por segundo.
8. Un viento en calma recorre medio metro por segundo.
1. Los vientos se dividen en regulares, periódicos y
variables.
2. Vientos regulares son los que soplan todo el año en la
misma dirección y se llaman vientos alisios.
3. Vientos periódicos son los que soplan en todas
direcciones y en las mismas estaciones y en las mismas
horas del día como el simoun y la brisa.
4. Le llaman monzones los vientos que soplan seis meses
en una dirección y seis meses en otra y estos se observan
en China, en los meses de abril a octubre.

25
5. Se llama simoun un viento quemante que sopla en los
desiertos de China y África. Se llama brisa un viento
muy grato que soplan en las costas, durante el día va del
mar hacia la tierra y durante la noche va de la tierra hacia
el mar.
6. Las brisas reconocen como causa que en el día se
calienta más que el mar, el aire que está en contacto con
la tierra se elevan y viene entonces del mar una corriente
y en la noche cuando la tierra se enfría más que el mar se
produce el mismo fenómeno en sentido contrario.
7. La brisa del mar comienza poco antes que sale el sol
aumenta hasta las tres de la tarde decrece y se cambia en
brisa de la tierra, después de la puesta del sol.
8.Vientos variables son aquellos que soplan en una
dirección ya en otra sin regla alguna.
9. Los vientos dominantes son los del N.
10. La velocidad media que tienen en México cuando es
moderado recorren 2 metros por segundo, fresco si
recorre diez maestros, fuerte si recorre veinte metros,
tempestuoso si recorre de veinticinco a treinta metros y
huracán si recorre de treinta a cincuenta metros por
segundo.
Epilogo
Queridas compañeras: ya que las señoritas profesoras
toman el mayor empeño en enseñarnos con entusiasmo y
afán nosotras, compañeras, debemos corresponder con
nuestra dedicación y aplicación a realizar sus afanes para
que no sea infructuoso su trabajo al mismo tiempo
démosles las gracias por la enseñanza que nos están
inculcando y por la buena voluntad con que nos guían
por el sendero de la ciencia.
18
Concepción Campos.
Dáse el nombre del Distrito Federal a la demarcación
territorial ocupada por el supremo gobierno de la nación.

18
AHCM, Escuelas Elementales, núm. 2535, t. I, exp. 1, 1906

26
El Distrito se haya situado en la región austral del
hermoso valle de México tienen de Norte a Sur treinta y
nueve kilómetro de longitud y de este a oeste 32
kilómetros de anchura aproximadamente.
El aspecto panorámico que ofrece el valle desde un punto
culminante, sea el que fuese, es verdaderamente bello y
majestuoso. Las eminencias del Ajusco y de las Cruces
ofrecen puntos de observación desde los cuales se abarca
con una mirada todo el valle con su grandioso conjunto
de elevadas cordilleras y dilatadas campiñas que en sus
extensos lagos reflejan el purísimo azul del cielo.
El valle de México se haya rodeado de las montañas
siguientes al norte la sierra de Guadalupe a cuyas espaldas
se divisan las ricas sieas del Estado de Hidalgo, al sur la
cordillera del Ajusco, al oriente la sierra nevada, el gran
Popocatepetl y el magnifico Iztazcihuatl que buscan sus
frentes coronadas por la nieve y al oeste en caprichosas
curvas se abre el histórico monte de las cruces.
El Distrito Federal tiene por limites al norte este y oeste
al Estado de México y sur el Estado de Morelos.
Se divide en trece municipalidades que son México,
Guadalupe Hidalgo, Azcapotzalco, Tacuba, Tacubaya,
Mixcoac, Cuajimalpa, San Angel, Coyoacan, Iztapalapa,
Tlalpam, Xochimilco y Milpa Alta.
La ciudad de México es la cabecera de la municipalidad de
su nombre y tiene una población de 370,000 habitantes.
La ciudad de México es la capital de la república
mexicana y en ella residen los poderes de la federación.
Esta circunstancia a contribuido al embellecimiento de la
ciudad y al aumento de su población.

Ignacia Uribe.19

En el segundo examen, nuevamente encontramos los


agradecimientos a la autoridad ya sean maestras, directoras, etc.
Se observa que los niños han aprendido el principio del respeto a

19
AHCM, Escuelas Elementales, núm. 2535, t. I, exp. 1, 1906

27
la autoridad tan difundido y promovido por el gobierno porfirista,
el cual está vinculado con la aceptación sin cuestionamiento del
régimen en el poder.
La memorización de la información es otra de las
constantes en ambos exámenes, se transcribe prácticamente la
información de los libros de texto y muy posiblemente de los
cuestionarios con los que se preparaban estos exámenes, pues
como ya mencionamos en el primer apartado, el profesor elaboraba
un cuestionario con todas las preguntas que se verían en los
exámenes, el cual era supervisado por el inspector escolar, y los
niños debían estudiar y memorizar el contenido de estos
materiales. El discurso positivista también es notorio, el niño debe
ante todo memorizar datos e información precisa.
Otro aspecto interesante que sobresale, es el interés de
las autoridades educativas en la enseñanza de la ciencia, el régimen
de Díaz, trata de que México se convierta en un país moderno y de
allí su interés en todo lo relacionado con la parte científica,
racional y objetiva que ofrezca elementos a los niños para
construir una mentalidad moderna. Sí bien el conocimiento
científico es prioritario para esta educación, también lo es la
formación cívica, la cual se muestra en el tercer examen que
denota solo la memorización de los datos.
La forma de escritura utilizada por estas niñas era la
escritura a mano o manuscrita, Martín Guix la define como
<<trazada por la mano del hombre sirviéndose de los útiles
ordinarios: pluma, tinta, o, a falta de ambos, lápiz solamente, y
papel>>.20 La letra es de caligrafía, bien trazada, sin errores
ortográficos (los documentos presentados conservan la ortografía
de la época), utilizan un papel fino apara la época, tamaño oficio
(Dina 4), se utiliza tinta y ningún examen presenta manchas o
borrones. Estos escritos son presentados siguiendo "al pie de la
letra" lo estipulado por el maestro y las autoridades educativas, en

20
Citado por Antonio Viña, Historia de la cultura escrita,. p. 328

28
este sentido la escuela se convierte en el espacio que ordena, dirige
y en donde se establecen las normas que deben ser aprendidas sin
excepción ni cuestionamiento, al respecto Antonio Viñao señala
<<La escuela-entendiendo este término en sentido amplio- tiene
una doble finalidad difícilmente conciliable: es el lugar donde se
interiorizan los límites de la escritura, los usos correctos e
incorrectos, y donde, a la vez, hay que hacer lectores –no leedores
y escritores-no escribientes ni copistas >>.21
El cuidado que expresan estos exámenes, no solo se
observa en el trazo en las letras y en la limpieza, sino también en
el contenido. Todo parece indicar que estos escritos fueron
previamente corregidos, tanto en la parte del contenido como en la
presentación; es decir el maestro cuido escrupulosamente las
palabras y el sentido de las mismas, de manera que expresaran sólo
lo que el maestro consideraba pertinente; así mismo se procuró
que los exámenes tuvieran letra casi perfecta, limpios y con una
estructura ordenada.
Estos exámenes, sí bien eran escritos, también eran
leídos; quienes estaban presentes al momento de la lectura eran: el
director o directora de la escuela, el profesor o profesora, alguna
autoridad educativa e inclusive podía estar presente el propio
Ministro de Instrucción Publica y los padres de familia, de allí la
importancia de presentar exámenes previamente revisados por el
profesor.
La escritura de estos exámenes nos permiten ver la fuerte
influencia del contexto social, estas niñas aprenden las reglas y
normas de la escritura pero no de manera aislada, sus
pensamientos están impregnadas de una cultura que las rodea y las
impacta; al respecto David Olson señala <<Los niños de
cualquier cultura adquieren los modales de esa cultura, incluyendo
las maneras de hablar y de pensar sobre el habla, la acción y sus
consecuencias y los sentimientos>>.22
21
Antonio Viñao, Leer y Escribir. Historia de Dos prácticas culturales, p. 296
22
David R, Olson, op. cit, p. 277

29
Consideraciones Finales

Uno de los grandes objetivos del proyecto educativo


porfirista era el lograr que todas las escuelas, todos los maestros y
niños acataran las disposiciones oficiales. El caso de los exámenes
finales no era la excepción, muy por el contrario, tenían un lugar
especial y prioritario en la legislación escolar. En este sentido la
Ley de Instrucción Pública de 1896 es una clara expresión de los
intereses que las autoridades educativas mantenían al respecto,
pues justamente esta ley modificó los artículos referentes a
exámenes y premios. Asimismo. el Reglamento Interior para las
Escuelas Nacionales de Enseñanza Primaria abordó el tema y lo
detalló en el capítulo V, destacando los artículos referentes al
tiempo en que debían realizarse los exámenes, a la obligatoriedad
de que todos los alumnos fueran examinados, a las características
de los profesores que fungirían como jurados, a las calificaciones y
a los premios otorgados a los alumnos sobresalientes.23

23
Artículos referentes al tema de los exámenes:
Art. 30. Los exámenes y los reconocimientos escolares se verificarán conforme a
las prescripciones de la ley y las disposiciones de la Dirección General.
Art. 31. Los exámenes de fin de cursos serán públicos, y conforme al programa
adoptado en la escuela de que se trate; y los reconocimientos de acuerdo con lo
dispuesto por la Dirección General.
Art. 32. En las escuelas elementales y en las suplementarias para obreros, el
tiempo que se emplee en la réplica, para cada materia, no será mayor de diez
minutos, ni menor de cinco, respecto de cada alumno.
Art.33. La duración del examen en las escuelas de instrucción primaria superior
y en las complementarias para obreros no será menor de diez minutos ni mayor
de quince.
Art. 34. En las escuelas de instrucción primaria superior el examen se hará por
medio del cuestionario que, formado por el profesor de cada grupo, sea aprobado
por la Dirección General. "Reglamento Interior para las Escuelas Nacionales de
Enseñanza Primaria", Revista De la Instrucción Pública Mexicana, núm. 1, t. II,
15 de marzo de 1897, pp.5 - 6

30
En los últimos años del régimen, el tema de los
exámenes finales cobró mayor auge, a tal grado que se publicaron
circulares muy estrictas y precisas que trataban de cubrir todos los
espacios relativos sobre las evaluaciones escolares; más que
circulares eran verdaderos reglamentos tanto por su contenido
como por lo extenso de la información. En estos documentos
sobresalen los siguientes rubros: tiempo en que deberán hacerse los
exámenes, alumnos que deben presentarse a examen, formación de
los jurados, formas y duración de los actos, calificaciones y actas
de examen, propuestas para premios y prevenciones generales.
Para el Estado porfirista resultaba indispensable dar a
conocer a la sociedad y en particular a los padres de familia los
avances alcanzados en materia educativa y los logros que cada niño
en particular obtenía, de allí la existencia de las fiestas que se
organizaban con tal objetivo. Al respecto Mílada Bazant comenta
el caso de los exámenes practicados en las escuelas del Estado de
México: <<para las autoridades locales era motivo de orgullo,
porque con ello confirmaban que habían participado activamente
en el difícil proceso de alfabetizar e instruir a los niños,
presionando asimismo a los padres de familia y a los maestros para
que cumplieran con sus respectivas obligaciones>>.24
Para el gobierno liberal los resultados y los datos eran
indispensables no sólo para justificar su proyecto educativo y
político, sino también para obtener credibilidad frente a las élites;
al parecer había una respuesta positiva de parte de educadores y
pedagogos, que difundían algunos artículos sobre la temática.
Al respecto se publicó el artículo titulado Los exámenes,
en el que se señalaba la importancia de éstos como factor en la
organización de la enseñanza y de la sociedad, y se indicaba lo
siguiente: […] Si, pues, los exámenes son el mejor procedimiento
de selección, entre los individuos; si los programas de los exámenes

24
Mílada Bazant, En busca de la modernidad. México, Colegio mexiquense,
2002, p. 188

31
son guías buenas, las recompensas adjudicadas en vista del
resultado de los exámenes, son estímulo.25
Por esta razón las autoridades procuraron ofrecer
resultados, aunque en muchos casos fueron limitados y expresaron
las dificultades que enfrentó la educación; el principal obstáculo
era el ausentismo escolar; las razones variaban pero la realidad era
que los niños faltaban a clase y llegaban tarde.
Las autoridades educativas buscaron la forma de atraer
población escolar y sobre todo de convencer a los padres de familia
con resultados de que la educación era necesaria e importante. En
este sentido la organización de fiestas para premiar el esfuerzo de
los niños durante el año escolar y exaltar el trabajo de los mejores
alumnos y por supuesto de sus buenos profesores fue una práctica
que se convirtió en un verdadero ritual.
Para la élite educativa este éxito representaba no sólo la
nota aprobatoria, sino fundamentalmente la asimilación de
valores, conductas y disciplinas que dieran como resultado la
conformación de nuevas generaciones de ciudadanos. En este
sentido la disciplina que imponía el sistema escolar priorizaba el
ordenamiento mental del niño con el fin de que éste asimilara
tiempos, movimientos, reglas y normas. Así, la vida del niño en el
interior de la escuela debía ser altamente disciplinada y por
supuesto regulada por tiempos precisos. Su éxito, como lo indica
Foucault, <<se debe sin duda al uso de instrumentos simples: la
inspección jerárquica, la sanción normalizadora y su combinación
en un procedimiento que le es específico: el examen>>.26 Por
tanto el examen era la expresión del conocimiento que el alumno
había adquirido del maestro, de la escuela y de la autoridad.

La escuela moderna, "Los exámenes. Desde el punto de vista pedagógico", t. IV.


25

Núm. 3, abril, 1893, p. 41


26
Michel Foucault, Vigilar y Castigar, México, siglo XXI, 1986, p. 175

32
Rosalía Méníndez Martínez. PhD en Historia por la
Universidad Iberoamericana, México. Miembro del Sistema
Nacional de Investigadores (Consejo Nacional de Ciencia y
Tecnología). Profesor de tiempo completo para la Maestría en
Desarrollo Educativo e Investigador en el Cuerpo Académico:
Historia, Cultura y Educación, en la Universidad Pedagógica
Nacional, México. Publicaciones recientes: "Los libros de Texto
de historia utilizados en las escuelas primarias de la ciudad de
México, 1877-1911" en Lecturas y lectores en la Historia de
México, (2004), "El juego y la educación: una experiencia para las
escuelas primarias de la ciudad de México, a finales del siglo XIX"
en Memoria in Extenso CD, IX Encuentro Internacional de
Historia de la Educación, Colima, México (2004),
"Modernisation et emploi du temps dans les écoles primaires de la
Ville de México, 1885-1911" en Paedagogica Historic,
Internacional Journal of the History of Education, (2005),
"Funciones Sociales de la Enseñanza de la Historia" en La
Formación de una conciencia Histórica (2006) (en prensa).
Dirección: Universidad Pedagógica Nacional, Carretera al Ajusco,
24, Héroes de Padierna, Tlalpan, C. P 14200, D. F. México. E-
email. rmenindez@upn.mx. Telf. (00 52 55) 56 30 97 00 ext.
1179. Fax: (00 52 55) 56 59 68 59

Recebido em: 10/04/2007


Aceito em: 15/11/2007

33
.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
REFLEXÕES HISTÓRICAS EM TORNO DO
(EVENTUAL) SUCESSO DA EDUCAÇÃO NOVA.
O EXEMPLO DO INSTITUTO FEMININO DE
EDUCAÇÃO E TRABALHO (1911-1942)∗
Joaquim Pintassilgo

Resumo
Nas primeiras décadas do século XX encontramos referenciadas, na
imprensa de educação e ensino, várias instituições escolares
consideradas modelares, designadamente no que se refere à
concretização de práticas pedagógicas inovadoras. O realce dado à sua
exemplaridade tinha em vista, seguramente, a difusão de uma espécie
de “boa nova” no seio do campo pedagógico. Pondo de parte a Escola
Oficina Nº 1 de Lisboa - quase sempre apresentada como um caso à
parte no panorama educacional de então -, encontramos entre as
mais emblemáticas das referidas instituições o Instituto Feminino de
Educação e Trabalho. Procuraremos avaliar o carácter paradigmático
desta instituição, analisando as referências que lhe são feitas, para
além das opções pedagógicas aí assumidas, não deixando de ter em
conta a complexidade da relação entre tradição e inovação.
Aproveitaremos, também, para reflectir historicamente sobre as
virtualidades e os limites, o sucesso e o insucesso, do projecto da
Educação Nova, a partir do exemplo de uma instituição cuja
longevidade, lugar na memória e resultados actuais nos remetem para
uma “história de sucesso”.
Palavras-chave: Educação Nova, Inovação, Sucesso Educativo

HISTORICAL REFLEXIONS ON THE (POSSIBLE)


SUCCES OF NEW EDUCATION. THE "INSTITUTO
FEMININO DE EDUCAÇÃO E TRABALHO" (1911-1942)
– AN EXEMPLE
Abstract
During the first decades of the XXth century references can be found
in the educational and teaching press to various academic institutions


O presente artigo resulta da adaptação da intervenção efectuada no Congresso
da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, realizado nos dias 26 a 28 de
Abril de 2007 na Universidade da Madeira e subordinado ao tema «Educação
para o sucesso: políticas e actores». Assim se compreende a ênfase colocada no
tema do sucesso educativo, bem como a tentativa de reconstruir uma eventual
história de sucesso educativo.
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
considered to be exemplary, namely with regard to the
implementation of innovative pedagogic practices. The emphasis
placed on their exemplarity was no doubt aimed at propagating some
sort of “good news” in the heart of the pedagogic field. Leaving aside
the “Escola Oficina Nº 1 de Lisboa” (Lisbon No. 1 School
Workshop) – almost always presented as a case apart in the
contemporary educational panorama – the Instituto Feminino de
Educação e Trabalho (Education and Work Institute for Girls) was
amongst the most emblematic of these institutions. Our aim is to
evaluate the paradigmatic character of this institution, analysing
references to it as well as the pedagogic options implemented there
while bearing in mind the complexity of the relationship between
tradition and innovation. We shall also take the opportunity to
reflect historically on the virtues and limitations, the success and
failure of the New Education project based on the example of an
institution whose longevity, lasting reputation and current results
reflect a “success story”.
Keywords: New Education, Innovation, Educational Success
Resumo espanhol

36
Nas primeiras décadas do século XX encontramos
referenciadas, na imprensa de educação e ensino, várias
instituições escolares consideradas modelares, designadamente no
que se refere à concretização de práticas pedagógicas inovadoras. O
realce dado à sua exemplaridade tinha em vista, seguramente, a
difusão de uma espécie de “boa nova” (a que chamaríamos hoje
“boas práticas”...) no seio do campo pedagógico. Pondo de parte a
Escola Oficina Nº 1 de Lisboa - quase sempre apresentada como
um caso à parte no panorama educacional de então -,
encontramos entre as mais emblemáticas das referidas instituições
o Instituto Feminino de Educação e Trabalho (nome por que foi
designado, durante algum tempo, o actual Instituto de Odivelas).
Procuraremos avaliar o carácter paradigmático desta instituição,
analisando as referências que lhe são feitas, para além das opções
pedagógicas aí assumidas, não deixando de ter em conta a
complexidade da relação entre tradição e inovação.
Aproveitaremos, também, para reflectir historicamente sobre as
virtualidades e os limites, o sucesso e o insucesso, do projecto da
Educação Nova (em particular se perspectivado na longa duração),
a partir do exemplo de uma instituição cuja longevidade
(independentemente das fases que atravessou), lugar na memória e
resultados actuais nos remetem para uma “história de sucesso”.
Neste estudo analisaremos com mais detalhe o período
de vida da instituição correspondente à designação Instituto
Feminino de Educação e Trabalho (1911-1942). É uma fase
relativamente coerente, marcada pelo espírito “republicano”
decorrente da reorganização de 1911 (espírito esse que se mantém
para além da República propriamente dita) e pela gestão
carismática do Coronel Frederico Ferreira de Simas (1919-
1941). Utilizaremos como fontes documentos que balizam ou
expressam a actividade da instituição, tais como regulamentos,
relatórios, discursos do Director, etc., bem como os abundantes
artigos sobre ela publicados na imprensa pedagógica.
Procuraremos articular o presente texto com dimensões
diversas do que poderemos entender por sucesso educativo, não

37
esquecendo a mais óbvia – o sucesso escolar das alunas -, mas
incluindo outras, tais como o sucesso (ou não) de um projecto
global de formação de jovens do sexo feminino em regime de
internato, formação essa que deveria incluir as diversas dimensões
da sua personalidade (tendo por referência o ideal de uma
educação integral) e o sucesso decorrente da própria (e invulgar)
longevidade do Instituto, a par da preservação de uma certa
aureola de qualidade, em parte justificada pela permanência,
mesmo em contextos menos favoráveis, de práticas alternativas no
âmbito da educação da mulher.

1. Do Instituto Infante D. Afonso ao Instituto de


Odivelas

Os primeiros passos no sentido da constituição do actual


Instituto de Odivelas foram dados em 1898 por um grupo de
oficiais do exército. O Estatuto original, consagrando a
denominação «Instituto Infante D. Afonso», foi publicado no ano
seguinte1 e a inauguração ocorreu no dia 14 de Janeiro de 1900,
contando com a presença (e a subsequente protecção) da família
real, e passando a integrar 17 alunas em regime de internato
(Silva & Leitão, 1990). Numa fase inicial, segundo o Estatuto de
1904, o Instituto – considerado “um estabelecimento de instrução
e beneficência” - destinava-se prioritariamente “à educação
gratuita de órfãs de oficiais do exército activo e da armada e dos
quadros ultramarinos”2.
Desde o início que é visível a finalidade de contribuir,
não só para a formação geral das alunas, mas, particularmente,

1
Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. Direcção Geral – 3ª
Repartição (1899). Estatuto do Instituto Infante D. Afonso, aprovado
por Decreto de 9 de Março de 1899. Lisboa: Imprensa Nacional.
2
Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. Direcção Geral – 3ª
Repartição (1904). Estatuto do Instituto Infante D. Afonso. Decreto de
11 de Maio de 1904. Lisboa: Imprensa Nacional, p.5.

38
para a sua formação profissional, de modo a poderem “angariar
honestamente os precisos meios de subsistência”. Nesta fase existe
ensino primário (de 1º e 2º grau), um “curso complementar” de 3
anos, obrigatório para todas as alunas, e cursos profissionais em
diversas áreas – magistério primário, telegrafia, escrituração
comercial, entre outras, sendo o Instituto considerado, para todos
os efeitos, “uma escola de habilitação para o magistério primário e
uma escola industrial elementar de comércio”3.
O facto de ser um estabelecimento vocacionado, desde a
sua origem, para a educação feminina faz com que sejam incluídas
no currículo, entre outras matérias, a “economia doméstica” e a
“costura, corte de roupa branca e vestidos, bordados, rendas e
flores”. Além disso, “a todas as alunas será ministrado
praticamente o ensino de passar a ferro e engomar roupa branca,
rudimentos de cozinha e a maneira de dirigir o serviço doméstico”.
O carácter prático de muitas das aprendizagens – que se tornará
uma imagem de marca do Instituto – é algo que se esboça a partir
dos primeiros momentos.
Tendo iniciado a sua actividade num palacete da Estrada
da Luz em Lisboa, o Instituto instala-se definitivamente, em
Novembro de 1902, após a realização de obras, no convento de
Odivelas, onde, de resto, ainda hoje se encontra. O Director foi,
até Outubro de 1911, o General Luiz Augusto Pimentel Pinto.
Em 1910 o Instituto possuía já 110 alunas, número que irá
sempre crescendo: 157 em 1915, 391 em 1926/27 (Silva &
Leitão, 1990). No período por nós estudado manter-se-á próximo
das quatrocentas alunas: por exemplo, em 1932/33 eram 385
(sendo 337 internas e 48 externas) e em 1937/38 eram 438
(sendo 317 internas e 121 externas)4.
A implantação da República trouxe ao Instituto um
conjunto importante de transformações, tendo inaugurado uma

3
Idem., p.13.
4
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos Lectivos
de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., pp.45 e 139.

39
das suas fases mais criativas e bem sucedidas. Ainda no ano de
1910 é-lhe atribuída a curiosa designação de Instituto da Torre e
Espada - “demasiado bélica para um colégio de meninas”, segundo
Ferreira de Simas, seu futuro Director -, logo substituída, em
Agosto de 1911, pela designação, bem mais expressiva, de
Instituto Feminino de Educação e Trabalho5. Os documentos
regulamentares publicados em 1911, em 1915, em 1921 e em
1930, este já durante a Ditadura Militar, e que têm grandes linhas
de continuidade entre si, sem porem em causa o espírito inicial,
reforçam a dimensão profissional dos cursos. O Instituto passa a
ser definido como “um estabelecimento destinado a educar e
preparar para a vida prática indivíduos do sexo feminino”6.
Procura-se, ainda, actualizar as concepções relativas à educação da
mulher e introduzir um conjunto de inovações pedagógicas
derivadas da influência da chamada Educação Nova. Para além do
ensino primário e do curso geral dos liceus, vão funcionar, com
algumas flutuações ao longo desse período, entre outros, cursos de
empregadas de escritório e do comércio, de correios e telégrafos, de
auxiliares de química, de artes e ofícios (em várias áreas). É
também criado o curso de preceptoras, em substituição do
magistério primário, que será retomado em 1930.
Em 1919 tomou posse como Director do Instituto o
Coronel Frederico Ferreira de Simas (1872-1945), já
anteriormente ligado à instituição, figura de relevo do campo
pedagógico português de então, antigo Director da Escola Normal
Feminina de Lisboa, por duas vezes Ministro da Instrução
Pública, membro activo da Sociedade de Estudos Pedagógicos,
entre outras funções (Nóvoa, 2003; Vilela, 1998). Ferreira de
Simas manter-se-á à frente do Instituto até 1941 (ou seja: 22

5
Idem., p.133.
6
Secretaria da Guerra – Repartição do Gabinete (1915). Regulamento do
Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Decreto n.º 1.868, de 12 de
Junho de 1915, publicado em 4 de Setembro de 1915. Lisboa: Imprensa
Nacional, p.5.

40
anos) e marcará decisivamente pelo seu estilo de liderança, pelas
concepções relativas à educação feminina e pelo projecto de
concretização duma pedagogia experimental toda a vida e
organização da instituição.
Ferreira de Simas conseguiu, na difícil transição da
República para o Estado Novo, adaptar-se ao novo contexto,
preservando a coerência do projecto e mantendo a sua vitalidade e
carácter inovador. Só em 1941 o regime salazarista decide dar por
finda a etapa “republicana” do Instituto, demitindo o Director
(substituído pela professora Aida Conceição) e aproveitando para
proceder a uma reorganização geral - começando pela mudança do
nome para Instituto de Odivelas -, que o equipara a liceu nacional
e a escola industrial e comercial (com um currículo semelhante ao
das demais escolas públicas) e lhe retira a vocação
profissionalizante. A sua identidade decorrente do facto de ser um
estabelecimento de educação feminina é preservada, ainda que a
perspectiva seja agora mais conservadora (e marcada, de novo, pelo
catolicismo). É, no entanto, muito interessante o facto de se
terem mantido algumas das práticas inovadoras associadas à fase
anterior e acrescentado outras. Ao contrário de muitas outras
escolas emblemáticas, que não conseguiram resistir à passagem do
tempo e às transformações políticas, o actual Instituto de Odivelas
entrou incólume na democracia e chegou à actualidade,
adaptando-se aos novos tempos ao mesmo tempo que conseguia
manter alguns traços duma identidade mais que secular (Leitão,
1980; Saraiva, 1978; Silva & Leitão, 1990; Vilela, 1998).

2. A construção da imagem de uma escola modelo

Nos últimos anos tem sido notada a presença regular do


Instituto de Odivelas no topo das listas de escolas relativas às
classificações obtidas nos exames nacionais do 12º ano, tendo
conseguido, por exemplo, segundo o escalonamento do jornal
Público, entre 500 a 600 escolas, o 2º lugar em 2002, o 17º em

41
2004 e o 27º em 20037. Não vou, neste contexto, discutir o
significado e a fiabilidade desse “ranking”, alvo já de um amplo
debate e de alguma investigação (Melo, 2005). Apenas me
interessa chamar a atenção para o facto do Instituto de Odivelas
corresponder ainda, no que a este particular se refere, à imagem
que foi construindo ao longo do seu já longo percurso vital – uma
escola caracterizada pela qualidade do seu ambiente de trabalho,
capaz de proporcionar às suas alunas um ensino e uma educação
rigorosas, de as conduzir à obtenção de bons resultados nos
exames e à assunção da identidade institucional, bem expressa na
expressão «meninas de Odivelas».
Maria de Lourdes Loureiro (1999) estudou, em
dissertação recente, o «clima de escola» do Instituto, tendo por
base entrevistas à directora, a professoras e alunas, tendo
identificado diversos factores que contribuem para a compreensão
dos resultados obtidos. Embora se refira ao presente da instituição,
não deixa de ser uma pesquisa que permite, igualmente, lançar um
certo olhar sobre o seu passado. Segundo a autora, “as alunas
confirmam que escolheram esta escola porque pensam que as pode
fazer distinguir, serem melhores e gostam de estar na escola por
causa do seu ambiente, disciplina, calma, organização e por causa
da qualidade de ensino” (p. 96). A directora confirma essa
indicação ao afirmar: “as nossas alunas são, regra geral, … alunas
de sucesso” (p. 98). A forte identidade institucional – o «espírito
de corpo» -, assumida por todas as que partilham vivências naquela
«casa», é sublinhada pela autora e expressa-se, por exemplo, nos
valores por elas interiorizados e que são alvo de inquérito:

Podemos concluir que os valores das alunas e das


professoras vão de encontro aos objectivos da escola
enquanto organização. Tendo como preocupação
principal a formação moral, intelectual e física das
alunas, a escola pretende desenvolver o sentido do dever,

7
Público, 7 Outubro 2002; Público, 2 Outubro 2004; Público, 27
Setembro 2003.

42
da honra e dos atributos de carácter, em especial a
integridade moral, espírito de disciplina e a noção de
responsabilidade, além de pretender facultar os
conhecimentos e cultura indispensáveis ao exercício das
suas carreiras profissionais e ministrar cuidada educação
física para o equilíbrio psicossomático das alunas.
Portanto, a escola está organizada de modo a
proporcionar uma educação completa (Loureiro, 1999, p.
111)

Esta citação é muito curiosa por nos remeter, em


particular, para as grandes permanências que podemos encontrar
no percurso histórico do Instituto, designadamente no que se
refere às suas finalidades e aos valores que lhe estão subjacentes,
que poderiam, sem dificuldade, ser expressos através de
documentos pertencentes a momentos históricos bem diferentes.
O carácter de instituição vocacionada para a educação da mulher
também contribui para a sua identidade própria. Como no
passado, o Instituto incorpora no currículo “disciplinas de
Culinária e de Puericultura, que constituem frequência obrigatória
e que são específicas da escola” (Loureiro, 1999, p. 112).
Depois de duas notas mais contemporâneas, vejamos
alguns exemplos mais de natureza histórica que procuram
confirmar a seguinte ideia: o Instituto foi considerado, com
frequência, uma das instituições de referência no panorama
educativo português. Nos balanços que Álvaro Viana de Lemos
faz, na transição dos anos vinte para os anos trinta, do movimento
renovador português, em alguns casos para apresentação em
congressos internacionais ligados à Educação Nova, o Instituto
surge entre os exemplos apontados de escolas que se aproximam,
de alguma maneira, do paradigma de Escola Nova. Aquando da
preparação da visita de Adolphe Ferrière a Portugal, que viria a
ocorrer, em condições complexas, em Novembro de 1930, Adolfo
Lima, em carta ao citado Viana de Lemos, inclui o Instituto na
restrita lista de instituições que estariam em condições de ser
visitadas por esse dirigente do movimento renovador (Nóvoa,

43
1995). A visita acabou mesmo por acontecer, como podemos
comprovar, mais tarde, a partir de um discurso de Ferreira de
Simas:

A imprensa portuguesa muitas vezes se refere com elogio


ao Instituto e temos com orgulho, num importante jornal
inglês, um longo artigo sobre a nossa escola, escrito pela
secretária geral da Associação das Professoras das escolas
menageres inglesas, que nos visitou, bem como o
pedagogo suíço Mr. Ferrière que, após a sua visita nos
dirigiu uma elogiosa carta e presenteou as alunas com
trabalhos seus.8

Outro exemplo é-nos dado pelo «Certame de Festas


Escolares», organizado, entre Maio e Junho de 1914, pela
Sociedade de Estudos Pedagógicos, em articulação com uma
«Exposição de Arte na Escola» (que acabou por se realizar mais
tarde). Esta iniciativa tinha como finalidade chamar a atenção
para o importante contributo que a arte poderia dar à educação:
“Queremos que a Escola seja atraente, que a Escola seja para a
criança um lugar de prazer e de alegria… Para tal conseguirmos,
devemos pedir à Arte um auxílio indispensável”9.
Uma das estratégias mais importantes para atingir esse
desiderato seria, na opinião da Sociedade, a organização de “festas
escolares” pelas escolas que se inscrevessem no concurso, festas
essas que seriam avaliadas por um júri, sendo premiadas as que
mais se distinguissem. A ideia de “estabelecer um tipo de festa
escolar educativa”, sem “quaisquer propósitos políticos”, tendo as
crianças, e não os adultos, como protagonistas principais surgiu,
na sequência de vários debates sobre as frequentes festas cívicas, de
cariz laico e republicano, que então ocorriam e que recorriam à
participação infantil. Vários membros da Sociedade criticaram,

8
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos Lectivos
de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.136.
9
Crónica social. O Certame de Festas Escolares. Revista de Educação
Geral e Técnica, Série III, Nº1, Julho 1914, p.57.

44
em diversos momentos, o seu carácter político e a violência que
acabavam por representar para as crianças. As festas escolares
surgiam, em certa medida, como a alternativa pedagógica às festas
cívicas e nelas poderiam utilizar-se “o teatro infantil, o canto
coral, a prelecção, os cortejos, os jogos e danças escolares”10. Entre
as escolas concorrentes ao referido certame estava o Instituto. A
Acta da sessão do júri, datada de 11 de Julho de 1914, dá conta
dos resultados:

Depois da troca demorada de impressões sobre as festas


presenciadas, resolveu-se conceder o 1.º prémio ao
Instituto Feminino de Educação e Trabalho, o 2.º à
Academia de Estudos Livres, e o 3.º ao Liceu de Pedro
Nunes, além dos respectivos diplomas.
Também se resolveu conceder diploma de menção
honrosa aos Recreatórios Post Escolares, ao Asilo de D.
Maria Pia, ao Pensionato das Laranjeiras, Instituto
Luso-Germânico, Escola Nacional, Pupilos do Exército,
e ainda à Escola Oficina N.º 1 e Escola Académica,
embora não houvessem concorrido ao certame das
festas.11

A lista anterior acaba por ser um bom roteiro de escolas


da região de Lisboa que podem ser consideradas inovadoras e dá
conta do prestígio que o Instituto já granjeava nos meios
pedagógicos de então. Disso dão conta, igualmente, os frequentes
convites para actuação das alunas em espectáculos desportivos ou
artísticos. No ano lectivo de 1930/31, 60 alunas dos últimos anos
foram a Leiria “fazer, no Stadium, uma demonstração de
Ginástica e jogos e, no teatro, uma demonstração do seu
aproveitamento literário”. Segundo o seu orgulhoso Director, “as
alunas, como sempre, souberam manter elevado o nome do

10
Idem.
11
Arte na escola. Certame de festas escolares. Acta da sessão do júri.
Revista de Educação Geral e Técnica, Série III, Nº2, Outubro 1914,
p.189.

45
Instituto, conquistando fartos e entusiásticos aplausos”12. No ano
lectivo de 1933/34, efectuou-se uma excursão ao Porto, para
assistir à Exposição Colonial aí realizada. No liceu Carolina
Michaelis foi apresentada “uma exposição de fotografias do
Instituto e trabalhos escolares”, que “foi muito visitada e
apreciada”, tendo um grupo de alunas executado “alguns números
de ginástica rítmica que foram muito aplaudidos”13. Um outro
exemplo, este referente ao ano lectivo de 1937/38, é-nos dado no
respectivo relatório:

Na educação física evidenciaram-se notavelmente as


nossas educandas, pois que, no Concurso de Ginástica
Educativa realizado este ano no Liceu Camões, por
iniciativa do Ginásio Clube Português, obtiveram as duas
melhores classificações e receberam as duas taças
correspondentes.14

Outro bom exemplo é o constituído pelos relatórios dos


presidentes dos júris dos exames realizados às alunas do Instituto,
geralmente professores ou professoras liceais estranhas à
instituição. As referências são, habitualmente, muito elogiosas.
José Alves de Oliveira, professor do Liceu Passos Manuel, no
relatório referente ao ano escolar de 1931/32, depois de reflectir
com detalhe sobre o papel do Director, a selecção das alunas, o
carácter de internato e sua organização pedagógica, conclui que
“com esta organização não é de admirar que no I.F.E.T. fosse tão
lisonjeiro o êxito obtido pelas 11 alunas que fizeram exame do
Curso Preparatório”15.
No relatório correspondente ao ano lectivo de 1933/34,
o professor J. Guerreiro Murta considera poder-se concluir “que os
resultados dos exames, tanto do 1.º ciclo como do 2.º, foram
12
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos
Lectivos de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.30.
13
Idem., pp.78-79.
14
Idem., p.141.
15
Idem., p.41.

46
brilhantes, pois das 62 examinandas, apenas uma ficou reprovada,
havendo 5 distinções”. Na sua opinião, “as causas deste belo
rendimento podem encontrar-se sem dificuldade” e são as
seguintes: a organização pedagógica do Instituto; o regime de
internato; a competência e dedicação do professorado; a selecção e
avaliação rigorosa das alunas16.
Nos seus relatórios anuais o próprio Director do
Instituto faz questão de sublinhar o sucesso das alunas,
apresentando os dados estatísticos que o comprovam. O que ele
designa por “rendimento” ou “aproveitamento” escolar foi
habitualmente elevado; só dois exemplos, no que se refere ao
“rendimento geral” (incluindo os diversos cursos): 86% em
1932/33 e 84,4% em 1933/34. Mesmo assim, procura reflectir
sobre a possibilidade de fazer diminuir as “perdas” em alguns
cursos. Para Ferreira de Simas, “desde o seu início esta casa tem
evolucionado constantemente, procurando ser uma escola do seu
tempo”17. Noutro discurso fala do Instituto como “escola
progressiva que sempre tem procurado ser” e dá o exemplo do
sucesso na colocação profissional das antigas alunas e da
excelência do seu desempenho:

O facto de serem procuradas as nossas educandas para


desempenhar as funções de preceptoras em casas
particulares e colégios e a boa conta que de si dão as
empregadas em casas comerciais e em laboratórios
químicos, são também indícios seguros da eficácia do
18
ensino aqui ministrado.

Muitos outros exemplos poderíamos retirar da imprensa


pedagógica ou da documentação decorrente da sua actividade para
justificar a ideia de que ao longo da sua existência, e
designadamente no período aqui destacado, o Instituto Feminino

16
Idem., p.84.
17
Idem., p.69.
18
Idem., p.122.

47
de Educação e Trabalho surgiu, tanto nos discursos produzidos no
seu interior como nos produzidos no exterior da instituição, como
escola “modelar”, “exemplar”, etc. Para além da eventual justiça
da adjectivação, estes discursos não deixam de ser expressão de
uma estratégia do campo pedagógico renovador para procurar fazer
inflectir o nosso rumo educativo através da apresentação de bons
exemplos, de escolas modelares, cujo carácter paradigmático
deveria ser seguido por todas as outras.

3. Algumas reflexões em torno do projecto educativo


do Instituto Feminino de Educação e Trabalho

O Instituto praticou sempre o regime de internato,


embora mantivesse regularmente alunas externas. Essa opção
possuía uma já longa tradição nas instituições educativas religiosas
e mesmo as experiências das chamadas Escolas Novas, então em
desenvolvimento, privilegiavam o internato. As razões de umas e
de outras não deixavam, certamente, de ter alguma proximidade.
Como já vimos, em alguns dos relatórios de presidentes de júris de
exames o internato surge como uma das razões para o sucesso das
alunas. Os discursos e relatórios de Ferreira de Simas enfatizam
também essa dimensão, como acontece numa das suas referências
aos cursos de formação de professoras e preceptoras existentes no
Instituto: “O internato para formação do professorado primário,
como para a formação dos sacerdotes, é geralmente reconhecido
como o melhor sistema educacional, pois é possível, quando bem
organizado, criar o ambiente que desperta e fortalece a vocação”19.
Não deixa de ser significativa a analogia feita entre o professor e o
sacerdote, bem como a invocação do recorrente tópico da
“vocação” associada ao magistério.
Noutro passo do mesmo discurso, o Director reafirma a
ideia de que “o Instituto é um internato onde se procura, e muito

19
Idem., p.28.

48
se consegue, atenuar os defeitos dos internatos”20. Esse esforço
surge associado à consideração do Instituto como “uma grande
família” e “um lar melhorado”, sendo um lar, para ele, “um
conjunto harmónico de conforto, de ordem, de asseio, de trabalho
e de mútua dedicação”21. O regulamento de 1921, por exemplo,
considera que as educadoras representam, na instituição, “a
família da aluna”22.
Um dos presidentes de júris de exames – José Alves de
Oliveira – afirma que, apesar de não desconhecer “as objecções que
se fazem contra a educação de internato propriamente dito”, no
caso do Instituto, e na sua opinião, “o internato só tem
vantagens”. Entre elas encontram-se as seguintes: “a acção
educativa é mais directa, regular e contínua, e por isso mais
intensa e eficaz”; há um “incomparavelmente maior
aproveitamento do tempo e energia”23.
As citações anteriores são, a nosso ver, muito
significativas no que se refere às razões da opção pelo internato.
Através dele pretende-se influir, de forma mais eficaz, na formação
global de cada uma e do colectivo das alunas, dirigindo e vigiando
o seu quotidiano, reprimindo “vícios e defeitos” e incentivando
“bons sentimentos e qualidades”24. Dessa forma as alunas estariam
permanentemente mergulhadas num ambiente intencionalmente
organizado para ser plenamente educativo e moralizador. Podia-se,
assim, mais facilmente, obstar às influências nefastas do exterior
(mesmo da família), no que diz respeito aos hábitos higiénicos e
alimentares ou à disciplina das alunas. A organização detalhada do
tempo no internato tornava quase natural a interiorização de

20
Idem., p.29.
21
Idem., pp.105-106.
22
Regulamento do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Ordem
do Exército, 1ª Série, Nº3, 5 Março 1921, p.89.
23
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos
Lectivos de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.40.
24
Regulamento do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Ordem
do Exército, 1ª Série, Nº3, 5 Março 1921, p.89.

49
valores como a ordem, o asseio ou o trabalho. A metáfora da
família envolvia o colectivo num ambiente de afectividade
fundamental para o êxito de qualquer projecto educativo e
procurava atribuir-lhe um carácter orgânico, tornado mais
necessário pelo facto de estarmos perante crianças e jovens
raparigas prematuramente retiradas à família. Finalmente, uma
organização tida por racional do trabalho era vista como decisiva
para a obtenção de bons resultados escolares, para além de que,
segundo outro relator, J. Guerreiro Murta, a Odivelas de então era
uma “povoação tranquila, afastada do bulício da capital onde o
estudo das alunas decorre com calma”25. Era essa mesma razão
que levava a que as Escolas Novas procurassem estar
preferencialmente localizadas no campo, ainda que perto de uma
cidade (para aceder à suas actividades culturais), acrescidas de uma
proximidade com a natureza, considerada fundamental nos
projectos inovadores do tempo, muito marcados pelo naturalismo
pedagógico, e claramente possível no Instituto de Odivelas que
possuía amplos jardins e terrenos agrícolas.
Podemos referenciar, em articulação com a opção pelo
internato, a existência de um projecto de formação integral das
jovens alunas a cargo do Instituto. A regulamentação minuciosa
de tudo o que se refere à vida e ao trabalho no Instituto -
designadamente os aspectos ligados à gestão do tempo, do espaço,
do currículo e da disciplina, assim como de toda a organização
pedagógica do estabelecimento - tinha subjacente a si a ambição de
atingir as diversas dimensões da personalidade das educandas. O
Instituto tinha como uma das suas metas proporcionar uma
formação intelectual exigente e rigorosa às suas alunas. Como
também já vimos, as actividades ligadas à educação física
constituíam outra das imagens de marca da instituição. Segundo o
regulamento de 1915 eram obrigatórios, funcionando
paralelamente aos restantes cursos, os de “trabalhos manuais e

25
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos
Lectivos de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.85.

50
economia doméstica”, “educação física”, “música, canto coral e
instrumentos” e “educação moral”26. O diploma de 1911
considera que a educação física “tem por fim conservar não só
uma boa saúde entre as alunas, mas também torná-las robustas,
ágeis e graciosas”, nela incluindo “ginástica, jogos, dança e
excursões”. O mesmo documento enfatiza, nesse contexto, o papel
da educação estética:

À educação tanto física como moral ligar-se-á a educação


estética, que compreende: canto, recitação, desenho,
fotografia, modelação, culto das flores e visitas aos
museus de arte e outros lugares que possam servir de
iniciação estética tendente a formar nas almas a aptidão
para amar, compreender e distinguir o belo.27

Actividades que relacionavam as diversas dimensões


educativas, designadamente “excursões escolares”, “passeios”,
“festas” e “jogos de carácter educativo” eram, na verdade, muito
frequentes. O relatório referente ao ano escolar de 1934/35, por
exemplo, relata a realização de “33 visitas de estudo e excursões”28.
O calendário anual incluía pelo menos três festas: a Festa do
Trabalho, em Janeiro; a Festa de Beneficência pelo Carnaval; e a
Festa das Flores em Maio29. Além disso, comemorava-se
anualmente, no dia 14 de Janeiro, o aniversário da instituição em
cerimónias solenes que contavam com a presença de entidades
oficiais. Estas festas assumiam-se como rituais tendentes a
fortalecer a identidade organizacional e a reforçar o prestígio

26
Regulamento do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Decreto
nº1.868, de 12 de Junho de 1915, publicado em 4 de Setembro de 1915.
Lisboa: Imprensa Nacional, p.6.
27
Ordem do Exército, 1ª Série, Nº19, de 28 de Agosto de 1911, p.1881.
28
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos
Lectivos de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.94.
29
Regulamento do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Decreto
nº1.868, de 12 de Junho de 1915, publicado em 4 de Setembro de 1915.
Lisboa: Imprensa Nacional, p.30.

51
externo da instituição. Aos domingos realizavam-se habitualmente
sessões educativas com uma forte componente artística e cultural,
que incluíam, entre outras actividades, música e canto coral,
conferências sobre temas diversos e jogos. Em discurso proferido
em Janeiro de 1929, o Director dá bem conta de qual a
perspectiva predominante no Instituto a propósito da “educação
integral da mulher”, expressão usada pelo próprio Ferreira de
Simas:

No entanto o Instituto, escola do seu tempo, não quer


que as suas educandas se confinem nas suas casas,
honradas com o pomposo mas duro título de anjo do lar à
moda antiga, fiando o linho, raras vezes vendo o sol ou
admirando o céu. Longe disso! O Instituto ministrou-
lhes a educação física, iniciou-as nos desportos, pô-las em
contacto com a Arte, e ensinou-as a amar o Sol
benfazejo e o ar livre e puro.30

A existência de um projecto de formação integral das


alunas - ainda para mais num contexto favorável a esse desiderato
como era o de internato - fazia com que a educação moral fosse
uma área de enorme centralidade. Segundo o Director, “a
educação moral tem naturalmente merecido no Instituto cuidados
não inferiores aos que lhe merece a instrução”. O que se pretende
é fazer com que as alunas amem “o Bem e a Verdade” e isso será
possível, em particular, mergulhando-as num “ambiente de
bondade”, como é o representado pelo Instituto31. Além disso,
seguem-se estratégias diversificadas que incluem o ensino directo
da moral em sessões dominicais, a colaboração da família, o estudo
atento do carácter de cada aluna, os louvores, os castigos ou a
própria participação activa das alunas. É esta última situação que
está na base dos vários projectos mutualistas e cooperativos
desenvolvidos na instituição, que têm em vista, segundo o relatório

30
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos
Lectivos de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.11.
31
Idem., p.123.

52
de 1933/34, “incutir nas alunas os hábitos de previdência, do
cooperativismo e da solidariedade que tem por base o trabalho, a
justiça, a honra e a probidade”32, aproximando-se, assim, das
iniciativas então concretizadas em Portugal na óptica do self-
government, de que são exemplo as associações estudantis
conhecidas por «Solidárias». A estratégia mais valorizada é, no
entanto, e numa linha aparentemente tradicional, a representada
pelo exemplo pessoal do educador:

O educador terá sempre presente que é como um modelo


vivo que as alunas copiam constantemente... As
professoras internas, especialmente, serão as
companheiras e conselheiras das alunas em cada
momento, e cabe-lhes, portanto, a missão de lhes formar
o carácter, desenvolvendo e fazendo medrar os germes dos
bons sentimentos e qualidades, extirpando radical, mas
cautelosa e prudentemente, os vícios ou defeitos que
porventura apresentem.33

O enquadramento e a vigilância das alunas é, pois, uma


constante, está presente a todo o momento, em qualquer espaço e
procura atingir todas as dimensões das suas vivências e
personalidades. É isso que permite ao Director declarar, de ano
para ano, como em 1930, “a disciplina manteve-se como não
podia deixar de ser”34. Em 1937 esse balanço optimista é um
pouco mais detalhado e justificado:

Pode dizer-se duma maneira geral que as alunas, a


despeito da liberdade de que gozam e da forma paternal
como são tratadas pelo pessoal educador, têm bom
comportamento, demonstrando sempre que esse

32
Idem., p.78.
33
Regulamento do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Decreto
nº1.868, de 12 de Junho de 1915, publicado em 4 de Setembro de 1915.
Lisboa: Imprensa Nacional, p.29.
34
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos
Lectivos de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.21.

53
tratamento não exclui o respeito que devem aos seus
educadores. O número de castigos publicados em ordem,
aplicados no ano lectivo que terminou foi de 8 e o
número de alunas castigadas, 6... As faltas são quase
sempre a não comparência a um serviço sem motivo
justificado, ou uma saída para fora dos recintos onde
devem manter-se. Uma ou outra vez uma resposta
impensada reclama a sanção correspondente que em regra
não se faz esperar.35

De resto, desde o seu início que os regulamentos do


Instituto determinavam, como acontece no de 1915, que “são
absolutamente proibidos os castigos corporais e também os que
deprimem ou vexem as alunas ou afectem a dignidade”36. O apelo
principal vai no sentido de uma gradual auto-regulação dos
comportamentos das alunas por elas próprias. O controlo deve, em
parte, revestir a forma de auto-controlo. Entre os deveres
sistematizados no regulamento encontram-se os seguintes:
“conviverem bem entre si, constituindo todas uma verdadeira
família em que haja partilha recíproca de respeito, afeição, auxílio,
sacrifícios, benefícios e trabalho”; “comportarem-se sempre por
forma que honrem a instituição”; “concorrerem, no limite das
suas forças, para a disciplina e para a ordem e arranjo do
alojamento” e “declararem espontaneamente e sempre a verdade,
ainda quando de tal declaração lhes possa vir responsabilidade ou
castigo”. Às alunas mais velhas são atribuídas algumas “regalias”
em troca de mais “responsabilidades”, tendo como objectivo
“gradualmente as habituar a dispensarem tutela e vigilância”37. A
aposta da instituição é, claramente, no que se refere à educação
moral e à disciplina, e em consonância com os movimentos de
renovação pedagógica, na aquisição, por parte das educandas, da

35
Idem., p.115.
36
Regulamento do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Decreto
nº1.868, de 12 de Junho de 1915, publicado em 4 de Setembro de 1915.
Lisboa: Imprensa Nacional, p.27.
37
Idem., p.24.

54
capacidade para o “governo de si próprio”. Para se atingir esse
estádio é necessária, nessa óptica, uma permanente vigilância e
tutela por parte dos educadores, para além de práticas tendentes à
construção de um forte sentimento de identidade tendo por
referência os valores centrais da instituição.
Elemento central do referido projecto é o conhecimento
profundo das alunas que se aspira concretizar por via da realização
de “testes mentais”, tendo em vista uma selecção rigorosa e a
orientação profissional das alunas. No relatório relativo ao ano
escolar de 1933/34 Ferreira de Simas desenvolve um conjunto de
reflexões sobre esse assunto, articulando-o com os problemas
decorrentes da relação entre a escola e a família. Na sua opinião, a
orientação profissional - na linha das recomendações aprovadas no
“Congresso Internacional de Educação Nova em 1932” - deve ter
por base um “exame completo da criança que vise todos os
aspectos da sua personalidade fisiológica, psicológica, patológica e
psiquiátrica”. Só a partir desse exame, que determinará o “valor
intelectual” de cada aluna, ao qual se deverão juntar as
informações das famílias sobre os seus antecedentes, a observação
das suas “qualidades morais” pelas professoras e a “ficha sanitária”
elaborada pelo médico da instituição, é que se poderá, a partir de
uma formação geral, “fazer a rigorosa selecção para os diversos
cursos”. Como nota a seguir o Director, “nem sempre as famílias
se conformam com a opinião do Conselho Escolar”, o que está na
origem de algumas controvérsias38. Bem na linha da pedagogia
experimental, então em fase de apogeu, a instituição chega, aliás, a
fazer experiências para determinar as causas do insucesso de
algumas alunas, encaminhando-as depois para tratamento médico,
como nos diz Ferreira de Simas:

Baseado em experiências e estudos diversos, diz o Dr.


[Faria de] Garção [médico de Coimbra] que não pode
acusar-se cientificamente uma criança de preguiçosa, sem

38
Idem., p.81.

55
que se tenha feito um minucioso exame físico e mental
da suposta mandriona.
A maioria das vezes a correcção da preguiça ou da falta de
atenção será mais obra do médico do que do pedagogo...
Vejamos o que se passa com as nossas alunas. Vinte
alunas do Curso Preparatório, cujos coeficientes de
inteligência variavam entre 85 e 106, e cujo rendimento
escolar não correspondeu àqueles graus de inteligência...
foram observadas pelos especialistas de oftalmologia e de
otorinolaringologia do Hospital da Estrela, tendo-se
encontrado 16 com adenóides, algumas para operar
imediatamente e uma com um defeito incurável da visão
que explica também a sua falta de atenção.39

O controlo praticado pela instituição sobre os hábitos e


o quotidiano das alunas, tendo em vista um projecto de educação
integral, concretiza-se, na verdade, de modo muito particular na
vigilância da sua saúde, higiene e alimentação. Dos relatórios
anuais consta sempre uma avaliação do “estado sanitário” das
educandas, bem como as medidas tomadas no âmbito de uma
proclamada “cruzada de robustecimento das alunas”. Em 1934/35
considera-se “que as alunas gozam aqui de excelente saúde”,
enumerando-se a seguir, como sempre, os tipos de doenças e o
número de casos. Predominavam então “anginas”, “constipações”,
“gripe”, “sarampo”, etc. Uma alimentação cuidada e programada,
tendo por base “tabelas estabelecidas segundo os princípios da
higiene alimentar” é a principal razão aduzida, em vários
momentos, para a excelência constatada40. No relatório de
1932/33 Ferreira de Simas volta a destacar “o magno problema
da alimentação”, afirmando que ele “merece tanto desvelo como a
instrução ou a educação” e enumera os diversos autores por ele
estudados para fundamentar as opções a tomar. Uma delas
consistiu em fazer “entrar na alimentação as hortaliças e legumes

39
Idem., pp.75-76.
40
Idem., p.96.

56
em larga escala”41. Mais tarde, em 1937/38, detalha-se a
explicação sobre a saúde das alunas:

É que no Instituto procura-se não deixar adoecer as


alunas. A ginástica, a vida ao ar livre, a alimentação
sóbria mas substancial e racional, os tónicos, os
fortificantes, receitados pelos clínicos do estabelecimento,
os exames médicos periódicos a todas as alunas, impedem
ou pelo menos reduzem notavelmente o número de
doentes.42

Todas as experiências desenvolvidas no Instituto são a


expressão de um contexto que concede um grande protagonismo,
no terreno da educação, aos contributos dos médicos e da
medicina, em que o discurso higienista penetra profundamente o
pensamento e as práticas educativas, em que o experimentalismo
pedagógico conhece o seu auge e tudo isto no âmbito institucional
de um internato que tem por meta a educação integral de um
conjunto de crianças e jovens do sexo feminino e que pretende
contribuir para a regeneração moral da sociedade. As perspectivas
inovadoras e, mesmo, libertadoras, associadas, por exemplo, à
importância da educação física, das actividades artísticas ou de
uma alimentação racional, harmonizam-se, de forma mais ou
menos coerente, com todo um conjunto de práticas educativas que
privilegiam um controlo rigoroso sobre o corpo e a mente das
educandas, designadamente através da vigilância constante por
parte das educadoras, dos “testes mentais” ou de práticas rituais
tendentes à inculcação de valores como a ordem, a disciplina, o
trabalho, a família, a verdade, a solidariedade, entre outros. O
projecto educativo do Instituto é, desse ponto de vista, e não
obstante o seu carácter alternativo, um projecto fortemente
integrador.

41
Idem., p.50.
42
Idem., p.142.

57
Outro dos elementos mais interessantes desse projecto é
o que se refere à concepção de educação feminina que lhe está
subjacente e que está bem documentada no discurso proferido por
Ferreira de Simas no 35º aniversário da instituição:

Reconhecendo que a guerra veio mostrar que a mulher


era capaz de bem exercer todas as profissões que até aí
eram privilégio exclusivo dos homens, não podemos
esquecer que os tempos vão sendo de reacção contra os
factores que arrancam a mulher ao lar, para a lançar, a
maior parte do dia, nas oficinas, nas lojas ou nos
escritórios, favorecendo assim a desagregação da família,
alicerce fundamental da constituição do Estado e natural
centro de formação do coração e da razão dos
pequeninos. Assim, se a organização com que a República
dotou em 1911 o então Instituto D. Afonso, fez
salientar a importância da preparação das futuras donas
de casa, o Instituto de agora procura cada vez mais
desenvolver e melhorar as condições desse ensino...
Outros cursos se professam hoje no Instituto para uma
emergência, para um caso em que a necessidade obrigue a
um trabalho exterior; mas procura-se, sobretudo, incutir
nas educandas o gosto pelo trabalho doméstico em todas
as suas modalidades.43

Esta perspectiva, herdeira do pensamento dominante no


republicanismo acerca da educação feminina, vai permear o
projecto educativo do Instituto até à demissão de Ferreira de
Simas e à reorganização de 1942, que torna prevalecente uma
opção mais conservadora sobre o trabalho da mulher e sua função
social, ao mesmo tempo que extingue a componente de formação
profissional presente até aí no currículo do Instituto. Aquela era,
mesmo assim, uma perspectiva marcada por alguma ambivalência.
Embora se valorizasse a educação da mulher, o objectivo principal
- pelo menos do ponto de vista retórico - era formá-la como mãe,
esposa e dona de casa conscienciosa, competente e de uma

43
Idem., pp.69-70.

58
moralidade irrepreensível. Pretendia-se, em particular, que as
mulheres fossem as educadoras por excelência dos seus filhos e não
apenas “a menina prendada de outrora”44. A preparação para uma
profissão tinha em vista, segundo Ferreira de Simas, acorrer aos
casos de necessidade e destinava-se, provavelmente, às alunas de
menores recursos ou que não chegassem a constituir família. A
preservação desta mesma família como instituição nuclear da
sociedade - cuja estabilidade se acreditava ameaçada - era, de resto,
uma das preocupações centrais deste discurso. Por isso, faziam
tradicionalmente parte do plano de estudos áreas como a culinária,
a puericultura, a higiene, a enfermagem, etc. Como já
salientámos, o curso de economia doméstica e governo de casa era
obrigatório para todas as alunas e paralelo aos restantes cursos.
Além disso, insiste-se em vários momentos no facto de
determinadas profissões serem mais apropriadas para o género
feminino, como a relativa ao magistério primário, a de
preceptoras, a de ajudante de farmácia e laboratório, a de modista,
entre outras. A formação profissional feminina acabou por ser,
mesmo assim, durante várias décadas, um elemento central da
cultura de escola do Instituto e as práticas que lhe estavam
associadas eram, em geral, muito marcadas pelas perspectivas da
“escola activa”. As alunas mais velhas tinham, por exemplo,
frequentes aulas práticas de puericultura e de culinária e o edifício
do Instituto possuía todas as condições e os espaços adequados a
essas práticas, designadamente creche, cozinhas, oficinas diversas,
enfermaria, jardins e terrenos agrícolas, animais, etc.
O Director, Coronel Frederico Ferreira de Simas, foi,
durante o seu longo mandato de 22 anos, inquestionavelmente, o
elemento dinamizador do original projecto educativo aqui descrito
e da organização pedagógica que o corporizou e onde se
procuravam harmonizar, de forma coerente e no contexto de um
internato militar, práticas educativas inovadoras influenciadas
pelas ideias da Educação Nova e da pedagogia experimental e

44
Idem., p.62.

59
perspectivas relativamente tradicionais sobre a função social da
mulher e a especificidade da educação feminina na sua articulação
com o “trabalho doméstico”. O papel central desempenhado por
Ferreira de Simas foi bem notado por um dos relatores de exames
nomeado para a instituição:

O Instituto de Odivelas não tem vida rotineira. Nos seus


serviços superintende um homem inteligente, culto e
hábil, duma competência, como se diz numa palavra, que
diz tudo.
A acção desse homem ali dentro é omnímoda, quer dizer,
é contínua e abrange todos os serviços. O Director do
Instituto, segundo ele próprio me declarou, pesquisa nos
livros e nas opiniões das pessoas autorizadas as normas
para se guiar na realização da sua obra. Inspira-se nas
correntes modernistas cientificamente orientadas, sem
abdicar da sua própria observação e experiência. Tudo o
que ele vê, tudo o que ele ouve é passado pela fieira do
bom senso, e só depois de posto à prova leva a marca legal
de contrastaria.45

No caso do Instituto, sob a direcção de Ferreira de


Simas, mas também nas igualmente longas direcções femininas
que se lhe seguiram (protagonizadas por Aida da Conceição e por
Deolinda Fonseca), fica bem claro o carácter decisivo de uma
liderança forte e principal impulsionadora de um projecto
educativo inovador, também ele bem nítido e preservando alguma
da sua coerência ao longo do tempo, não obstante as mudanças de
contexto e as diferentes fases por que passou a instituição.
Registe-se aqui o facto do Instituto, e a própria acção de
Ferreira de Simas à sua frente, terem conseguido transitar sem
grandes convulsões da 1ª República para o Estado Novo. Na
verdade, o projecto educativo (na sua versão republicana) mantém-
se intacto até à reforma de 1941-42. No discurso do Director
mantêm-se, a partir da Ditadura Militar, os sinais de identificação

45
Idem., p.39.

60
com a República (termo que continua genericamente a usar) e,
simultaneamente, de cumplicidade com o novo regime e alguns
dos seus protagonistas, designadamente um dos Ministros da
Instrução dessa fase, Cordeiro Ramos, várias vezes elogiado, e o
Presidente da República, Marechal Carmona, presença habitual
nas festas de aniversário da instituição. No relatório de 1936/37,
Ferreira de Simas constata que “os homens do Estado Novo não
têm ocultado a simpatia, o interesse que lhes merece o
Instituto”46. A figura de Salazar não é referida nos seus discursos,
mas o Instituto organiza, em 1938, uma homenagem ao
governante (sem a sua presença), presidida pelo Director,
“comemorando o 10º aniversário da sua posse do cargo de
Ministro das Finanças de Portugal”47. No ano lectivo de 1937/38
a dirigente feminina do regime, Maria Guardiola, visita o
Instituto, o que conduz à “inscrição das alunas na [recém-criada]
Mocidade Portuguesa Feminina”48. No já referido relatório de
1936/37, as afirmações do Director parecem estar em
consonância com o discurso já então prevalecente, ao considerar a
escola “um santuário, um templo... em que se prega o amor da
Família, da Pátria e o respeito pelas instituições vigentes e pelas
crenças alheias e a sã moral, que é no fundo a moral cristã”49. A
tese, glosada pelo regime, de que “Portugal não é um país

46
Idem., pp.118-119.
47
Ministério da Guerra. Obra Tutelar e Pedagógica dos Exércitos de
Terra e Mar (1938). Educação Cívica e Económica no Instituto
Feminino de Educação e Trabalho. Homenagem do Instituto Feminino
de Educação e Trabalho a S. Ex.ª o Doutor António de Oliveira Salazar,
comemorando o 10º aniversário da sua posse do cargo de Ministro das
Finanças de Portugal. Em 27 de Abril de 1938. Alocuções às alunas do
Instituto pelo professor Tenente-Coronel José Ribeiro da Costa Júnior,
em sessão a que presidiu o Director do Instituto, Coronel Frederico
António Ferreira de Simas, e a que assistiu todo o corpo docente.
Lisboa: Papelaria La Bécarre.
48
Anuário do Instituto Feminino de Educação e Trabalho. Anos
Lectivos de 1928-1929 a 1937-1938. Odivelas: I.F.E.T., p.143.
49
Idem., p.117.

61
pequeno” é por ele reafirmada, ao falar da Exposição Colonial do
Porto50, e a “propaganda colonial” é, noutro momento,
considerada uma “interessante propaganda”51. O culto da Pátria,
que “quer continuar a ser grande e respeitada”, deve, na sua
opinião, ser “a base da educação moral”52. Verdade seja dita que,
se exceptuarmos o caso da “moral cristã”, estes já eram também
alguns dos grandes valores da República. Não deixa de ser muito
interessante (e nada linear) o caminho percorrido, nesta transição,
por muitas das figuras do republicanismo e da Educação Nova.
Nada disto obstou ao afastamento de Ferreira de Simas, em
1941, e à readaptação tardia da instituição que ele liderara aos
novos tempos conservadores, agora com o novo nome de Instituto
de Odivelas. No diploma de 1942, rascunhado pelo próprio
Salazar (Vilela, 1998), justifica-se a reorganização, de forma algo
injusta para a fase anterior, com os seguintes argumentos:

Com o decorrer dos tempos e as vicissitudes da política os


sãos princípios que presidiram à criação do Instituto
foram sendo sucessivamente postos de parte... É
manifesto que tal orientação, aliada à deficiente
organização dos serviços e a um ensino sem finalidade ou
de objectivo pouco desejável, não podia deixar de conduzir
a resultados perniciosos. Mas é também evidente que, se
se quiser continuar a assistir à educação das filhas dos
servidores do Estado, a quem cabe a honra de assegurar a
defesa da Pátria... têm de ser reintegrados no Instituto os
53
princípios que presidiram à sua criação.

Concluindo, e sistematizando, o enquadramento forte


proporcionado pelo internato, um projecto educativo consistente,
uma liderança carismática, práticas pedagógicas inovadoras e uma

50
Idem., p.79.
51
Idem., p.52.
52
Idem., p.117.
53
Reorganização do Instituto de Odivelas. Diário do Governo, I Série,
Nº 301, 31 Dezembro 1942, p.1717.

62
capacidade de adaptação aos novos contextos são algumas das
razões que explicam o “sucesso”, em vários sentidos, do Instituto
Feminino de Educação e Trabalho e a sua invulgar longevidade. O
percurso desta instituição espelha, igualmente, o relativo sucesso
(se perspectivado na longa duração) do conjunto de ideias e
práticas inovadoras que se desenvolveram na transição do século
XIX para o século XX, sendo depois sistematizadas sob o rótulo da
Educação Nova. Muitas delas - já que outras ficaram pelo
caminho -, ainda que contextualizadas, fazem ainda hoje parte do
património educativo a que nós, educadores, continuamos a
recorrer no trabalho quotidiano com os nossos alunos.

Referências

Leitão, M. N. (1980). Instituto de Odivelas. Esboço sobre a acção


educativa do Instituto de Odivelas, ao longo dos oitenta anos da sua
existência [s.l.: s.n.].
Loureiro, M. L. (1999). Clima de escola: o Instituto de Odivelas.
Lisboa: Universidade Católica Portuguesa.
Melo, B. P. (2005). Os circuitos da reflexividade mediatizada:
apresentação de dados preliminares. Análise Social. Revista do
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, XL (176),
3º trimestre 2005, 595-617.
Nóvoa, A. (Dir.) (2003). Dicionário de Educadores Portugueses.
Porto: Edições ASA.
Nóvoa, A. (1995). Uma Educação que se diz Nova. In A.
Candeias, A. Nóvoa, & M. H. Figueira. Sobre a Educação Nova.
Cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1941)
(pp.25-41). Lisboa: Educa.
Saraiva, C. (1978). O Instituto de Odivelas: breve notícia histórica.
Odivelas: Edição do Instituto de Odivelas.

63
Silva, C. & Leitão, M. N. (1990). Instituto de Odivelas. Lisboa:
[s.n.].
Vilela, A. M. (1998). O Instituto de Odivelas sob a égide do Estado
Novo: continuidades ou mudanças na educação. 1926-1969.
Lisboa: I.S.C.T.E.

Joaquim Pintassilgo - Centro de Investigação em Educação.


Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Recebido em: 10/10/2007


Aceito em: 16/11/2007

64
EM DEFESA DO FILOSOFAR E DO
HISTORICIZAR CONCEITOS CIENTÍFICOS
Rochele de Quadros Loguercio
José Cláudio Del Pino

Resumo
Neste artigo, evidenciam-se alguns de nossos entendimentos sobre a
utilização da História e da Filosofia da Ciência nas salas de aula de
química tanto na escola básica quanto na formação inicial e
continuada de professores. Pretende ser uma introdução de
questionamentos nossos e de outros autores que trabalham com o
ensino de química e ciências, bem como, um primeiro texto sobre as
formas de trazer o conhecimento conceitual, histórico e filosófico
para a sala de aula através da valorização do aluno, seus interesses e o
ensino de química, buscando recuperar seu caráter narrativo e social.
Palavras-chave: História e Filosofia da Ciência; Aula de Química.

SUPPORTING THE PHILOSOPHIZING AND THE


HISTORICITY OF SCIENTIFIC CONCEPTS
Abstract
This paper presents our understanding about History and Philosophy
of Science in the chemistry classroom, both in school and in the
initial and continuing teachers education. In this sense, this paper
intends to: introduce questionings held by the author of this study
and by other authors involved in chemistry and sciences teaching;
and be a first insight on bringing the conceptual, historical end
philosophical knowledge to the classroom taking into account the
student's interests and the teaching of chemistry, aiming to retrieve
its narrative and social characteristics.
Keywords: History and philosophy of Science; Chemistry class.

EN DEFENSA DEL FILOSOFAR Y DEL HISTORIAR:


CONCEPTOS CIENTÍFICOS
Resumen
En este artículo, se evidencian algunos de nuestras comprensiones
sobre la utilización de la Historia y de la Filosofía de la Ciencia en
las aulas de química tanto en la escuela básica cuanto en la
formación inicial y continuada de profesores. Pretende ser una
introducción de cuestionamientos nuestros y de otros autores que
trabajan con la enseñanza de química y ciencias, bien como, un
primero texto sobre las formas de traer el conocimiento conceptual,
histórico y filosófico para la clase a través de la valorización del
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
alumno, sus intereses y la enseñanza de química, buscando recuperar
su carácter narrativo y social.
Palabras-clave:: Historia y Filosofía de la Ciencia; Aulas de
Química.

66
Considerações Iniciais

A ciência em sua produção se constitui em diversas


rupturas e descontinuidades, nosso artigo privilegia na própria
escrita esse caráter não linear. Buscamos (re)conhecer algumas
noções da filosofia e da ciência através das diferenças e
semelhanças entre: escolas de pensamentos, tempos históricos
ricos em rupturas e embates e momentos da sala de aula atual.
Para tanto, utiliza-se como fomento às diferentes discussões aqui
engendradas o pensamento grego. Os primórdios gregos da ciência
têm aqui duas funções principais: mostrar o surgimento e as
mudanças na ciência ocidental e, por outro lado, identificar o
quanto o sistema escolar tal como se apresenta está próximo de
uma escola de pensamento iniciada com Aristóteles e re-atualizada
de modos diferentes, mas constante, em nossas salas de aula
atuais.
Cabe, enfim, explicitar a estrutura dos tópicos que se
seguem, pois em cada um deles enfatiza-se um determinado
aspecto da contemporaneidade das salas de aula ou da pesquisa em
ensino tendo sempre como referentes excertos históricos que nos
parecem significativos. Enfatiza-se no tópico Os objetos da filosofia
da ciência a necessidade de inserção da História e da Filosofia da
Ciência no currículo; segue-se em Tempo e Ditos sobre Filosofia
uma pequena mostra das discussões que perpassam os porquês da
própria filosofia; em A filosofia ocidental na/da Grécia antiga,
destaca-se o nascimento desse saber junto às dificuldades dos
professores para utilizá-lo em sala de aula; já em Difusão do
conhecimento e verdades científicas, traz-se as relações de
saber/poder constantes na ciência em todos os tempos; em Um
abismo de 1000 anos, mostra-se a relação entre os diferentes
processos de silenciamento na história e na sala de aula; no item A
linguagem como ruptura e poder, busca-se evidenciar as dificuldades
de romper e a importância dos saberes dos alunos; na discussão

67
"O" ou "Os" métodos científicos, se relativizam nossos
saberes/poderes objetivados e, por fim, alguns tópicos
sistematizadores em Buscando um processo de objetivação.

Os objetos da filosofia da ciência

O ensino de química deixou por muitos anos de utilizar


as contribuições da história e da filosofia das ciências na formação
de alunos da Escola Básica e, também, na graduação de bacharéis
e licenciados em química, cometendo assim um erro ao se manter
na abordagem conteudista em detrimento da abordagem
conceitual do conhecimento químico. Esse equívoco pode ter se
dado no tocante ao entendimento, por parte de professores e
curriculistas, sobre o valor que o conhecimento histórico e
filosófico tem na abordagem de uma ciência, como a química,
comprometida com o pensamento tanto ou mais do que a história
e a filosofia.
Como se deu esse distanciamento entre o currículo de
química e o estudo de história e filosofia é algo perpassado por
inúmeras questões, dentre elas uma cultura de aprendizagem
voltada para a metodologia e o experimentalismo em ciência
herdada dos primeiros movimentos na América Latina1 (década de
60) que se remetiam diretamente à pesquisa em ensino de
ciências. Entretanto, não se esgota nessa cultura de aprendizagem,
pois a mesma está associada a uma rede de discursos positivistas

1
1a. Conferência Interamericana de Educação Matemática (Bogotá, Colômbia,
1961)
1a. Conferência Interamericana sobre o Ensino de Física (Rio de Janeiro, Brasil,
1963)
1a. Conferência Interamericana sobre o Ensino de Química (Buenos Aires,
Argentina, 1965)
1a. Conferência Interamericana sobre o Ensino de Biologia (São José, Costa Rica,
1965)

68
que datam de configurações epistemológicas e filosóficas de épocas
anteriores. Isto é, o pensamento sobre o ensino de química voltado
para o estudo do objeto e da metodologia científica é
historicamente construído no próprio nascimento da ciência
química e sua separação da mitologia e da narrativa. Nesse sentido
pode-se voltar o olhar tal como faz Andery (1996) para o
momento de clivagem primeiro entre a filosofia e as ciências que
se deu no período helenístico2, separação de objetos e de espaço
físico que só tendeu a se ampliar com o passar do tempo e com a
definição de novos espaços disciplinares.
No entanto, nunca houve tantos cientistas filósofos como
agora e isso não se deve a uma evolução arbitrária do interesse
intelectual (Santos, 2001, p. 30). A mecânica quântica re-
significou o papel da ciência e voltou o olhar para um mundo em
que o ato do conhecimento e o produto do conhecimento eram
inseparáveis. Como coloca Santos, a ciência moderna legou-nos um
conhecimento funcional do mundo que alargaram extraordinariamente
as nossas perspectivas de sobrevivência. Hoje não se trata tanto de
sobreviver, mas de saber viver (2001, p. 51).
É entendendo essa nova positividade do saber que
defendemos a inserção nas escolas de um espaço para filosofia que,
como vimos, se recupera nas pesquisas científicas, e não apenas a
filosofia da ciência, mas àquela que pensa a ética e o mundo. Para
isso nos serve a história, para fundar a memória de um mundo que
nunca foi contínuo e progressivo, mas múltiplo, fissurado e
descontínuo. A distinção entre ciências sociais e naturais deixou de
ter sentido e utilidade. Esta distinção assenta numa concepção
mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe, com

2
Foi no período helenístico que talvez pela primeira vez assistiu-se à separação entre
ciência e filosofia. Paralelamente ao corpo de conhecimento hoje denominado filosofia e, de
certa maneira, independente dele, desenvolveu-se uma nova forma de organização do
trabalho de produção de conhecimento...que começou a gerar um corpo de conhecimento
que hoje se denomina ciência. Mesmo os centros de difusão foram diferenciados, como
mostrao desenvolvimento de diferentes escolas filosóficas em Atenas, e o desenvolvimento
das ciÊncias em Alexandria. (Andery, 1996, p. 98)

69
pressuposta evidência, os conceitos de ser humano, cultura e
sociedade. (Santos, 2001, p. 37)
Com o intuito de recuperar a importância da filosofia e
da história das ciências tem se tentado trazer através de inúmeras
pesquisas (Adúriz-Bravo, A.; Izquierdo, M.; Estany, 2002;
Aikenhead, G. & Ryan, 1992; Koulaidis, V. & Ogborn, J., 1989;
Mellado, V. & Carracedo, 1993; Gil Pérez, D., 1993; e outros)
como esse conhecimento histórico pode transitar nas nossas salas
de aula propiciando sentido aos conteúdos e, mais do que isso,
conceituando-os, pois há um melhor entendimento do conceito
quando se conhece a forma do pensamento no seu tempo de
emergência
A História da Ciência e suas implicações no ensino
tornaram-se uma linha de investigação e inovação em educação
em ciências que hoje tem uma larga tradição. Inicia-se na
universidade de Harvard por Conant com o estudo, por parte dos
alunos de humanidades, de casos históricos, baseados na análise de
processos chaves no desenvolvimento da ciência, com suas
implicações filosóficas, sociais, etc. (Gil Pérez, 1993). Hoje se
entende que estudos sobre a natureza da ciência constituem um
outro conhecimento sobre a mesma, que transcende a análise
epistemológica e amplia-se para um âmbito interdisciplinar
perpassado pela filosofia, história, sociologia da ciência e pelo
narrativo processo de conhecer os cientistas.
No entanto, na maior parte dos currículos em que
existem estudos históricos, procura-se dar conta de uma história
de personagens com requinte de mistificações, gênios excêntricos
ou obscuros taciturnos, legando uma visão de ciência e de cientista
universal e totalmente desvinculada da sociologia. Refere-se a
aspectos históricos "internos" da ciência, como biografias,
anedotas, inventos técnicos, ou de alguma área conceitual
específica como modelos atômicos (Azevedo, J. A. e outros,
2005). Além disso, estão ausentes em livros textos, e em geral, são
ignorados os aspectos históricos na imagem da ciência que se
transmite, introduzindo tergiversações e erros. Como

70
conseqüência disto, os alunos e os professores, em função das
características formais de sua formação, têm uma imagem
deformada de como se constituem e mudam os conceitos
científicos. (Loguercio, Del Pino, Souza, 2002)
Há possibilidade de que os estudos sobre a natureza da
ciência tendam a proporcionar mudanças nas concepções de
professores e alunos não apenas no entendimento da própria
ciência e sua construção histórica, mas no entendimento do
currículo de ciências, migrando daqueles que se centram nos
conteúdos conceituais que se seguem pela lógica interna da ciência
para currículos que abarcam conceitos constitutivos. Ou seja,
sobre o como da ciência, seu funcionamento interno, externo, a
construção e produção do conhecimento nos diferentes tempos
históricos (ciência antiga, moderna, pós-moderna) e as naturezas
das comunidades científicas.
Aparte da desvinculação com o trabalho perfeitamente
cotidiano e por vezes enfadonho (Foucault, 1998) das práticas
científicas e dos seus pesquisadores muitas vezes brincalhões e
também cotidianos, como coloca Hodson (1994), a história e a
filosofia das ciências pouco figuram nos currículos como forma de
entender o passado com o olhar do presente e tornar inteligível o
mundo que construiu nossas práticas diárias de laboratórios e salas
de aula.

Tempos e Ditos sobre Filosofia

A Filosofia das Ciências, bem mais ausente do que a


História das Ciências embora seja sua outra face, também
pertence a um universo ignorado nas salas de aula. Pode ser
interessante pensarmos que a filosofia das ciências perdeu em
algum momento seu caráter glamouroso e se enredou nas próprias
questões que propôs. Como discute Losee (1979) talvez não se
tenha claro quais são os objetivos da filosofia das ciências, por sua
vez, Foucault (1996) coloca que uma disciplina para existir e

71
configurar um espaço de poder/saber precisa dentre outras coisas
de um corpo teórico e um número de objetos identificáveis aos
quais se possa remeter. Cabe, portanto a questão de Losee, quais
são os objetivos da filosofia das ciências? Ele acena com dois
grandes objetos que seriam o estudo do processo científico e um
estudo dos problemas de aplicação e confirmação. Aceitando-os é
importante entender como são pensadas as abordagens desses
problemas nas sociedades científicas.
Quatro pontos de vista parecem interessantes de serem
discutidos inicialmente: a) visões do universo, onde a filosofia das
ciências tem o papel de mostrar a consistência de teorias
científicas como visões do universo; b) uma associação sociológica,
onde os filósofos explicitariam as pressuposições científicas (de
baixa regularidade) como alicerçadas nas suas escolhas; c) uma
disciplina, um lugar de análise e didatização da linguagem
científica distante e difícil, e, por fim, d) uma disciplina de
segunda ordem, onde se fazem criteriologias externas à própria
ciência.
Parece-nos que nenhum desses possíveis objetos traz a
conhecer a filosofia das ciências como o que, no nosso
entendimento, ela de fato é, um pensar do pensamento no tempo
do próprio pensamento. As desestabilizações das verdades
absolutas já supostas no item b, mas também uma análise
criteriológica crítica como coloca o item d. A filosofia da ciência
faz parte de uma discussão de Kant, retomada por Derrida, onde a
filosofia teria o privilégio da liberdade de pensamento, a função da
crítica exaustiva, mas teria com isso o ônus de estar fora do poder,
jamais seria uma faculdade superior como o Direito, a Teologia e a
Medicina; ou seja, em primeira ordem em termos de controlar e dizer a
"verdade", mas em segunda ordem sobre o que poderia ser feito dela
(Derrida, 1999). Cabe perguntar se a educação (como ciência crítica)
re-atualiza esse discurso. (Loguercio, 2004, p. 4)

72
A filosofia ocidental na/da Grécia antiga

Pode-se, certamente, trabalhar com os pensadores da


filosofia das ciências desde que se entenda que eles são
acontecimentos, atores de uma época que deram materialidade aos
murmúrios de seus tempos. Se hoje separamos a Filosofia das
Ciências da Ciência de maneira tão contundente não significa que
sempre foi assim.
O mundo antes de Cristo é rico de pensadores da
filosofia natural como Tales de Mileto, o primeiro ocidental
reconhecido por pensar a natureza das coisas do mundo
monistamente3, a água de Tales obteve algum reconhecimento,
mas o que ele trouxe de mais importante para a ciência ocidental
foi a possibilidade de pensar o mundo material como material de
pensamento. Essa possibilidade de pensar sobre a matéria
acontecer na Grécia não foi casual e sim uma marca da cultura e
geografia local. Uma cultura onde os deuses são humanos,
semideuses, capazes de loucuras por amor, ciúmes, poder, deuses
demasiado humanos, onde o erro e o pecado tinham um outro
peso. O mundo dos deuses refletia o mundo dos homens e, pela
racionalização dos deuses e dos mitos, estabelecia-se uma
racionalidade para a vida humana. (Andery, 1996, p. 30)
A ciência pode ser entendida de diferentes formas, mas
uma de suas perspectivas é a busca dos porquês das coisas do
mundo, e por esse ponto de partida podemos identificar as
dificuldades de produzir algumas questões (De onde viemos? De
que somos feitos? Para onde vamos?) em culturas onde suas
respostas estão fortemente definidas pelas doutrinas que utilizam
verdades e deuses incontestáveis. Na Grécia, pela sua própria

3
Tales de Mileto foi um pensador que definia a construção da matéria a partir de
um único elemento. Para Tales toda a matéria do universo era formada de agua,
em diferentes estados de agregação. Outros pensadores monistas elegeram mais
tarde o fogo, a terra ou o ar como elemento primordial e único, elementos esses
incorporados por Aristóteles em sua teoria.

73
mitologia se pode perceber que a verdade e os deuses são
questionáveis e, assim, a ciência tinha um espaço para o erro e
para o acerto nesse lugar. Por outro lado, havia na Grécia uma
confluência de povos que alteravam a cultura dos gregos e
permitiam a gênesis de novas formas de pensar.
Ao olhar os primeiros momentos ocidentalmente
instituídos como os primórdios do que hoje entendemos por
ciência4, podemos, como coloca Foucault, perceber que não se
pode dizer qualquer coisa em qualquer lugar ou em qualquer
positividade. É importante que existam condições de emergência
dos saberes/poderes. O mundo grego possibilitou formas de
pensamentos que mais tarde (na idade média) o continente
europeu assumiria, mas que dificilmente aí teriam condições de
emergir.
O desenrolar da ciência com suas rupturas e
continuidades sofreu, na idade média, a partir de Francis Bacon
um processo de objetivação em contraposição à subjetivação, tão
própria da filosofia: algo que a ciência em seu discurso
insistentemente tenta minimizar é a existência desse sujeito [o
pesquisador], e na busca de uma "objetividade", define objetivação
como aquilo que ela não é, pois a objetivação é a construção de
objetivos. Objetivação significa problematização, e isso não quer dizer
representação de um objeto preexistente, nem criações através de um
discurso de objetos que não existem (Loguercio, 2004. p. 5). A
sistemática "objetivação" da ciência foi, em última análise, a
higienização do conhecimento através do silenciamento do homem
e sua relação com a emoção que durante esse período histórico era
entendida como impeditiva da clareza da razão. Uma visão de
conhecimento, homem e ciência cunhada no mecanicismo
cartesiano e sobrevivente até os nossos dias, ainda que segundo
Boaventura enfaticamente contestada (2001).

4
Uma atividade social, um programa coletivo de conquista da verdade, e é isto
mesmo que a distingue de qualquer outra forma do conhecimento. (Chrétien, 1994).

74
Voltando um pouco o olhar para a nossa sala de aula
pode-se perceber que a história e a filosofia da ciência não têm
lugar no mundo acadêmico e escolar da química de hoje, muito
provavelmente porque somos constituídos por essa visão de ciência
objetiva, não pensamos nossos conhecimentos como obra de
humanos e insistimos em usar a linguagem codificada da química
quase como o fizeram os alquimistas, para manter o status e o
poder de saber um pouco mais do que outrem sobre o mundo.
Nesse sentido, só por nos ensinar que um dos começos da ciência
aconteceu num lugar onde as crenças eram direcionadas a semi-
humanos deveria se justificar a presença da filosofia das ciências
no currículo. Talvez, nossa escola atual seja mais próxima do que
Gaardner ficcionou através da voz de Sofia: Na escola a gente não
aprende nada. A grande diferença entre um professor e um verdadeiro
filósofo é que o professor pensa que sabe um monte de coisas e tenta
enfiar essas coisas na cabeça de seus alunos. Um filósofo tenta ir ao
fundo das coisas dialogando com seus alunos. (1995, p. 86). A frase
cabe bem numa menina que está aprendendo a amar a filosofia,
mas sabemos que talvez a "verdade" esteja mais próxima da idéia de
que o professor sabe pouco e o espaço para fala questionadora
implica em conhecer muito.
Diversos diagnósticos têm mostrado a evidência de
noções epistemológicas dos professores de ciências que não
correspondem àquelas que atualmente são sustentadas pela
filosofia da ciência, não estando sequer completamente adequadas
a modelos formais elaborados durante a primeira metade do século
XX, como por exemplo, o positivismo lógico. As idéias dos
professores sobre a natureza da ciência estão próximas ao senso
comum, ou seja, aquelas adotadas por um público não
especializado, que se organizam em um sistema de baixa coerência
interna, que não excluem ambigüidades e contradições. Neste
contexto de diagnóstico, pode-se indicar quinze "mitos" sobre a
natureza da ciência que estão profundamente arraigados na prática
dos professores de ciências em todo o mundo. Entre eles, alguns
são particularmente importantes por suas conseqüências negativas

75
sobre a imagem da ciência que se transmite na escola, por
exemplo, a universalidade e rigidez do método científico, a
objetividade a toda prova da ciência, a validade absoluta do
conhecimento científico, o avanço do conhecimento e da ciência
por acumulação, o caráter exclusivamente experimental da ciência
e a posição realista ingênua. (Aduriz-Bravo, A. e outros, 2002)
Para contrapor estas idéias equivocadas e construir uma
visão mais complexa da ciência que ajude em seu ensino,
defendemos a introdução de alguns conceitos da filosofia da
ciência na formação inicial e continuada de professores,
relacionando-os aos próprios conceitos da ciência e sua didática
específica.
Neste sentido, a filosofia da ciência cumpre um papel no
currículo de ciência que tem diferentes finalidades, como: um
valor cultural intrínseco análogo ao da própria ciência, que
privilegia a aculturação científica (o conhecimento sobre o papel
da ciência na história da humanidade) frente apenas a acumulação
de conteúdos /conhecimento científico com perfil enciclopédico.
Esta finalidade cultural está relacionada com objetivos tais como a
democracia e a moral, que são aqueles nos quais a filosofia da
ciência contribui para a tomada de decisão fundamentadas em
críticas sobre o desenvolvimento científico e tecnológico das
sociedades; a filosofia da ciência tem um valor específico em
relação às reflexões teóricas (por meio de modelos) sobre a ciência.
Este valor específico complementa e potencia àqueles dos
conceitos da ciência, proporcionando uma imagem mais dinâmica
e complexa, e menos normativa e dogmática, do empreendimento
científico; a filosofia da ciência tem um valor instrumental
intrínseco. E, por fim, a filosofia da ciência pode contribuir para a
melhor compreensão dos próprios conceitos da ciência,
funcionando como auxiliar em seu ensino e sua aprendizagem, no
desenvolvimento curricular em ciências, e na compreensão e
utilização em sala de aula de modelos didáticos atuais, tais como
aqueles de natureza construtivista. (Mellado, V. e outros, 1993;
Monk, M. e outros, 1997)

76
Difusão do conhecimento e verdades científicas

Olhar para os primeiros pensadores Gregos implica em


entender, desde os primórdios da ciência, as relações entre mídia,
regulação e saber/poder. Aristóteles, Leucipo e Demócrito
empreenderam uma das maiores discussões do homem, (de que
somos feitos?) e cada um trouxe sua idéia de constituição. Embora
Leucipo e Demócrito tenham pensado (literalmente pensado) a
matéria como formada por partículas indivisíveis, enquanto
Aristóteles criava um método para o pensamento científico
baseado no indutivismo-dedutivismo, exigindo, portanto uma
forma de "provar" o raciocínio, essa não foi a nosso ver a mais
importante e definidora diferença de ambos, mas sim a questão
dos porquês das coisas.
Em Demócrito as transformações que aconteciam na
natureza não significavam que algo "realmente" se transformava
(Gaardner, 1995, p. 57), para os atomistas Gregos a constituição
do "mundo real" era diferente em espécie do mundo que conhecemos
pelos sentidos (Loose, 1979, p. 39) era, também intransigentemente
materialista(...) os atomistas não deixaram lugar na Ciência para
considerações de propósitos, quer natural quer divino (idem, p. 40),
mas para um pesquisador consistente, observador, classificador
como Aristóteles essa resposta era insuficiente, sua resposta era
teleológica.
Sócrates, Platão e Aristóteles estavam em busca de
formas de ação que levariam o homem a produzir conhecimento, e
todos propuseram métodos para isso (Andery, 1996, p. 59). A
proposição de métodos para a produção do conhecimento objetivo
possibilitaria a transformação da cidade (Atenas) para que essa
fosse melhor e mais justa. Assim, Aristóteles concebia seu próprio
método e trabalhava com a teoria das quatro causas: formal,
material, eficiente e final. Um exemplo histórico bastante útil para
entender o pensamento de Aristóteles diz sobre a aplicação das
quatro causas ao camaleão: causa formal é o lugar que dá
condições à mudança de cor do camaleão, como e onde acontece, a

77
causa material é a substância presente na pele que permite a
mudança de cor, a causa eficiente é a transição acompanhada pelo
processo de mudança de cor e a causa final é a capacidade de fugir
de predadores5. Portanto, Aristóteles trouxe uma explicação muito
inteligível sobre sua teoria, explicava não só o como, mas o porquê
mesmo que não se soubesse diferenciar quais elementos incluir ou
não no seu método de raciocínio.
Demócrito e Leucipo estavam próximos e ao mesmo
tempo distantes de Platão, pois enquanto este via o mundo como
um reflexo do real, os atomistas viam o real como muito diferente
do mundo que conhecemos. O materialismo tácito dos atomistas
(distante de Platão) e a finalidade de Aristóteles se contrapuseram
e o mundo optou pela explicação científica aristotélica. A ciência
desde então se transformou numa agonística6 que de alguma
forma traz de volta os mundos Gregos. Segundo Andery (1996, p.
96), Aristóteles constrói um paradigma marcado por uma concepção
de conhecimento eminentemente contemplativo, que se refere a
verdades imutáveis sobre um mundo acabado, fechado e finito. Um
paradigma que capaz de dar conta de todas as áreas de conhecimento,
caracterizou-se por se constituir na forma mais acabada de
pensamento racional que o mundo grego foi capaz de elaborar.
Como vimos em Boaventura de Sousa Santos essa
parece não ser mais uma explicação possível no mundo atual, e
mesmo no mundo moderno, no entanto nossas escolas e livros
didáticos permanecem ensinando a ciência como a possuidora das
verdades do mundo tão incontestáveis quanto perenes (Del Pino,
Samrsla, Loguercio, 2001) e, nesse sentido, gestamos gerações e
gerações de discípulos ao invés de possibilitarmos a capacidade da
crítica já sonhada no mundo grego socrático. Não é culpa de

5
Causalidade e teleologia são tão antigas quanto os gregos e re-atualizadas em
diversos discursos didáticos pedagógicos como os comportamentalistas, dentre outros.
6
Agonística que não deve ser interpretada como fato negativo, mas como a aceitação
de que é no centro de debates que a razão se faz. Nas palavras de Popper, acreditar na
razão é acreditar na razão dos outros. (Chrétien, 1994).

78
Aristóteles, pois apesar da crença nesse mundo metódico e pronto
para a "descoberta" foi ele quem disse: em geral a possibilidade de
ensinar é indício de saber; por isso nós consideramos mais ciência a
arte do que a experiência, porque [os homens da arte] a arte pode
ensinar e os outros não. (Aristóteles, 2005)

Um abismo de 1000 anos e a chegada da Idade Média

Há na história ocidental da ciência e da filosofia um


abismo de 1000 anos, tempo esquecido nos textos ocidentais sobre
o saber, lugar de pesquisa, um espaço para que possamos recuperar
essa porção oriente da ciência que fomentou o pensamento.
Enquanto esse vazio se faz na nossa história vamos passar a Idade
Média e entendê-la junto ao tempo presente.
A Idade Média, famosa por ser a era das trevas, pode ser
repensada hoje como um lugar do pensamento, em plena era
católica surgem as primeiras traduções de Aristóteles, cuja filosofia
podia ser incorporada ao pensamento de então sem ferir o poder de
um deus supremo, a causa final. Os instruídos da época eram os
padres católicos, dentre eles Ockham, Roger Bacon, e Grosseteste,
esses pensadores trouxeram novos elementos para a ciência que
nascia e um dos mais relevantes foi a valorização da
experimentação, o isolamento das causas, os estudos das causas.
Eis uma retomada dos Gregos, mas já não mais o pensamento
Grego de outrora, um outro, dentro de outra positividade7, o
sistema de pensamento cristão, vinculado à disciplina dos corpos
através da ação no pensamento, um Deus agora perfeito e único,
como os gênios que a ciência ainda hoje procura.

7
Positividade como um conceito foucaultiano é equivalente a episteme de uma época,
refere-se a potencialidade de que algo possa movimentar outros saberes. A
positividade de um saber é a potencialidade desse saber de transformar-se e produzir
outros saberes e sua capacidade de dispersão.

79
Mas o que isso tem a ver com a ciência da escola e da
academia? Pode-se pensar que são histórias literárias que cabem
bem em livros como o Nome da Rosa, ou em filmes como
Giordano Bruno, não fazendo diferença na aprendizagem de
conceitos químicos. Se pensar o pensamento já não é suficiente
motivo para aprender junto à química história e filosofia das
ciências, talvez possamos usar o trabalho de alguns educadores
químicos importantes que trazem dados "empíricos" que valorizam
essa discussão.
Na revista Química Nova na Escola8 em suas diferentes
seções podemos perceber a retomada da filosofia e história da
ciência para ajudar a entender as concepções espontâneas dos
alunos (Mortimer, 1995; Lillavate, 1996; Justi, 1998; Rosa e
Schnetzler, 1998). As teorias sobre os conhecimentos implícitos
datam da década de 80, no Brasil, mas efetivamente chegaram aos
cursos de formação de professores na década de 90 e ao chegarem
revolucionaram um modo de ver o ensino, pois o aluno trouxe um
saber novo, mas ao mesmo tempo antigo, para a sala de aula
(Mortimer, 1995; Justi, 1998). Quando um aluno justifica uma
reação entre determinadas substâncias usando a expressão por que
estão a fim de, ele está trazendo para a sala de aula um pensamento
que pode ser visto como uma bobagem infanto-juvenil de uma
sociedade que produz estudantes apáticos e desinteressados, ou
como a interpretação momentânea de um fenômeno desde um
ponto de vista de um grande filósofo. Aristóteles também
significava as coisas como a fim de, e não apenas ele mas tantos
outros que se seguiram, como, por exemplo, Berzelius que
explicava as reações químicas por um sistema dualístico dos
compostos químicos, tendo por base sua visão de afinidade e sua

8
Nos referimos aqui a Revista Química Nova na Escola em detrimento de outras
publicações, por entendermos que essa é uma das poucas revistas que atinge com
êxito o professor que está em sala de aula no ensino médio. É também nosso objetivo
chegar a esse professor e trabalhar com ele os materiais que lhes são próximos.

80
teoria eletroquímica de atração de espécies químicas de cargas
diferentes (Lopes, 1995)
A diferença entre uma e outra explicação não inclui
apenas um ensinamento de química, história e filosofia das
ciências associadas, inclui um modo de ver o aluno, significa
pensar toda a informação como importante, como válida, significa
entender a sala de aula como um lugar de culturas diferentes e
nossos alunos fazendo filosofia diretiva do mais alto nível. É um
equívoco diante da química que conhecemos hoje, sim, mas isso
cabe ao professor mostrar onde e de que forma essa diferença se
fez e faz e, nesse sentido, a filosofia e história da ciência são
importantes formas de informação e saber.

A linguagem matemática: uma ruptura

A história e a filosofia da ciência nos trazem um outro


relevante aprendizado, o de que nem sempre temos que dar
continuidade e que às vezes é importante romper. Ou melhor,
quando olhamos para o passado nos parece fácil assumir um
desenvolvimentismo nas ciências, uma evolução, um progresso,
sem que essas palavras tenham sentido definido, são como diria
Laclau (apud Céli Pinto, 1999, p. 16) palavras tão gastas que se
tornam significantes vazios. Um olhar para a história nos mostra
as rachaduras, as rupturas, os momentos em que não bastava um
saber complementar o outro, mas era preciso romper com o outro.
A química é rica historicamente nessa polêmica, houve
uma sistemática luta para romper com a alquimia e seus
significados ocultos e criar um novo recorte de saber, da mesma
forma a astronomia e a astrologia, e após o estabelecimento da
química como ciência foi preciso romper muitas vezes com teorias
sobre os elementos primeiros e poder retomar uma idéia de antes
de cristo proposta por Demócrito e que por si só já explica muito
bem grande parte do nosso mundo, para enfim considerar a
matéria como composta por átomos, uma idéia nunca esquecida,

81
inúmeros cientistas a utilizaram antes dela se consolidar com
Dalton, mas nunca tinha conseguido ser maioria num mundo
onde a lógica era ainda finalista e cristã.
A "ruptura" com o mundo aristotélico se deu com
grandes atores da ciência, com o advento de um modo matemático
de ver o mundo. Foi com Galileu e Copérnico que a ciência criou
um novo mundo e uma linguagem nova para esse mundo, e desta
forma o a fim de aristotélico deixou de ser científico. É bom
lembrar que a igreja católica apoiava as idéias de Aristóteles e,
portanto, essa ruptura não foi tranqüila, Giordano Bruno foi
queimado na fogueira, Copérnico camuflou o seu saber e Galileu
abjurou um "pouquinho" para sobreviver. O que nos faz pensar em
quantas idéias diferentes das nossas podem aparecer numa sala de
aula e suas expressões vão para a fogueira inquisidora de um saber
de referência.
É importante, de novo, observar que não foi
coincidência que nesse momento histórico se pensassem em coisas
e formas diferentes de mundo, porque o próprio mundo físico não
cessava de se deslocar, o século XVI, foi o século dos
descobrimentos; novos mundos se encontravam, o ocidente
ganhava a América, o oriente estava mais próximo e nesse mundo
se pode pensar diferente, mesmo pagando caro por isso (Losee,
1979). Numa rápida olhada pelo ano de 1600, o século XVII se
iniciava, e estavam sobre a terra ativos e produtivos nada menos
que Giordano Bruno (52 anos), Francis Bacon (39 anos), Galileu
Galilei (36 anos), Descartes (6 anos e já pensando e existindo)
para ficar só com os próximos das ciências exatas.
Francis Bacon um dos maiores incentivadores de um
novo método na ciência e que ainda hoje é re-atualizado foi
também um conhecido crítico de Aristóteles que criou seu próprio
método de pensar cientificamente, empirista-dedutivo. Regina
Borges (1996) em sua pesquisa dispõe sobre a atualidade desse
método no pensamento escolar contemporâneo, o que nos leva a
importância de conhecê-lo. Para Bacon, pensar cientificamente
era eliminar a presença do observador, o conhecimento não se

82
fazia pela observação não planejada e sujeita a subjetivações, mas
pela experimentação controlada. Fez assim uma revolução no
pensamento científico estabelecendo novas bases, foi um homem
politicamente ativo e contumaz debatedor, importantes
características para o mundo que a ciência começa a trilhar, o da
comunicação do saber; vencidos os tempos de segredos alquímicos
a informação passava a ser importante. Como coloca Strathern
(2002, p. 135), Lord Bacon foi um grande propagandista, pois se
a ciência é boa o bastante para um Lord, era boa para qualquer
cavaleiro. A ciência tornou-se aceitável, até mesmo chique.
O mundo ainda fortemente católico encontra a filosofia
de Descartes, com uma lógica importante e dois pressupostos:
Deus existe e eu penso, logo existo. Tal como Tales 2000 anos
antes, Descartes achou um modo de pensar o mundo "apesar" de
Deus, ou melhor para entender a Deus. Tudo podia ser pensado
pelo homem, e assim a matemática e o pensamento científico se
encontram mais uma vez, desta vez pela mecânica. Uma das ações
cartesianas foi a idéia da extensão, nada acontecia sem pressão e
contato, e, portanto, para ele o vácuo não existia, sua criação
mecanicista do mundo incluía a intuição, como Aristóteles,
Galileu e Bacon, a intuição era cara para Descartes pois ela lhe
colocaria em contato com as idéias que Deus nos deu, o mundo
mecânico intuitivo de Descartes, mas talvez a igreja não pensasse
exatamente como ele e por isso seus escritos ficaram guardados
para uma oportunidade melhor.
O mundo de certa forma mudou, a epistemologia da
ciência mudou, a positividade era agora outra. E nesse mundo
novo que se busca e explica o mundo de maneiras concorrentes,
divergentes, múltiplas e filosóficas surgem os nomes de Newton,
Scheele, Boyle,...E por falar em Boyle, seguindo a nossa tentativa
de fazer um texto entremeado com a sala de aula de hoje, é hora
de voltarmos para a química e procurar entender o que esses
movimentos têm a ver conosco na pragmática escolar.
Destacamos anteriormente que a história e a filosofia da
ciência têm ampla aplicação em sala de aula por possibilitarem um

83
resgate na auto-estima do aluno através da valorização do seu
conhecimento implícito. A revista Química Nova na Escola e seus
educadores e pesquisadores em educação em ciências trazem
inúmeros artigos que associam idéias dos alunos a noções
construídas por grandes cientistas. Pretendemos agora identificar
um outro valor desse conhecimento histórico-filosófico em sala de
aula no que concerne ao entendimento conceitual específico. Isto
é, através da história da construção do conceito mostrar o quão
ingênua pode ser a idéia que lhe permitiu emergir. Em alguns
momentos o pensamento que levou o cientista a criar uma lei, que
hoje parece tão difícil como a de Boyle porque nada significa além
de um algoritmo, é capaz de mostrar a cotidianidade do conceito.
O experimento de Torricelle, as medidas propostas por Pascal em
alturas diferentes da terra, a proximidade desses experimentos
simples e a construção das leis dos gases são tão compreensíveis
para o nosso aluno quando narradas, quanto a explicação cotidiana
sobre o porque o Brasil deve jogar mais preparado fisicamente na
Bolívia onde o ar é mais rarefeito. A associação da construção do
conhecimento com os saberes cotidianos dos alunos pode ser
precursora, no nosso exemplo, de uma lei dos gases mais real e
cotidiana e uma química que explica dentro de um outro modo de
ver.

"O" ou "Os" métodos científicos

No entanto, os professores e os próprios cientistas


temem usar a história e a filosofia, pois parece que se perde tempo
no currículo e na verdade ao não trabalhá-las estamos perdendo
conhecimento. No entanto, essa talvez seja uma questão que deve
ser trabalhada na perspectiva de entendermos o que para nós é
ciência e como ela se faz, bem como quem a faz.
Atualmente há uma visão mais ou menos consensual
sobre os conteúdos mínimos da natureza da ciência que é
conveniente incorporar em cursos de formação na área de ciências,

84
especialmente de professores. Esta posição se alicerça na Nova
Filosofia da Ciência, desenvolvida na década de sessenta do século
passado, e que é representada por filósofos como Thomas Kuhn,
Stephen Toulmin e Imre Lakatos. Entre estes conteúdos se pode
destacar, por sua importância central na aula de ciências, aqueles
que se referem a tentativa de conhecimento científico, a
pluralidade metodológica, a carga teórica da observação, as relações
entre ciência e tecnologia, e a ciência como um empreendimento
histórico e socialmente situado, que muda no tempo (Gil Perez,
1993). Esta proposição supõe uma ruptura com os problemas
clássicos da filosofia da ciência positivista lógica, em cuja
epistemologia espontânea de professores e alunos está
intimamente ligada (Lederman, N., 1992; Hodson, D., 1985).
Estas idéias básicas sobre a natureza da ciência podem ser levadas
ao currículo de formação de profissionais da área de ciências, por
uma série de atividades diversas, preferivelmente centradas nos
conteúdos específicos da ciência, que permitam a reflexão crítica
sobre a ciência, seu desenvolvimento e seu papel na sociedade.
Nesse sentido, pensamos ser importante trazer aqui as
problematizações sobre a ciência. O movimento racionalista de
Kant talvez seja uma boa maneira de começar esse debate. Por
muito tempo os sentidos foram o melhor e o pior das investigações
científicas até que Kant trouxe a idéia de que o conhecimento
empírico surge de impressões dos sentidos não está contido nestas
impressões. O saber se faz através da razão. Kant soma ao Penso,
logo Existo de Descartes a figura do sujeito, Eu Penso, logo Eu
Existo, essa pequena diferença lingüística impõe uma riqueza e
uma quebra epistemológica importante, pois ao assumir o Eu,
Kant traz a figura do homem plural e seu contexto sócio-histórico,
abrindo as portas para o racionalismo, a que mais tarde Bachelard
somaria a psicanálise e o surracionalismo.
Porém, foi o empirismo de Bacon e sua "descoberta" que
mais atingiram a noção de ciência que se desenvolveu nas
academias e escolas brasileiras por ter, entre outras coisas, servido
de base para o positivismo, que, por sua vez, tornou-se a base da

85
ciência moderna (Losee, 1996) chegando a ser uma ideologia.
Enfim, o conhecimento seria realizado tanto nas ciências sociais
como nas exatas de forma independente do sujeito, isto é, o
conhecimento é construído de forma neutra. O Círculo de Viena
reforçou o positivismo lógico, onde o objetivo da filosofia deixava
de ser o processo do fazer científico e passava a ser sua verificação
(Borges, 1996). A força da filosofia do positivismo lógico é um
dos nossos maiores "problemas" na escola, pois o conhecimento é
entendido como único, onde a supremacia da lógica, da
matemática e das ciências exatas se impõe sobre as humanidades e,
nesse sentido, ao aceitarem como bons esses pressupostos
positivistas em que o contexto não é importante para o
conhecimento, torna-se bastante aceitável a idéia de nossos
professores de que a filosofia das ciências e sua história ocupam
tempo no currículo.
Dado que trabalhamos com um currículo fundado ainda
numa escola de pensamento surgida com Augusto Comte, no
século XIX, pode-se inferir que boa parte das discussões do século
XX é desconhecida ou aceita pelos professores. Vejamos por
exemplo as questões sobre a verificabilidade ou falsacionismo
popperiano, um conceito que a academia ainda discute e defende e
que por vezes perde alguns dos demais posicionamentos de Popper
sobre a ciência, como a teoria dos três mundos: o mundo material,
o mundo mental e o mundo da cultura, produto objetivo da nossa
consciência. Popper traz uma desestabilização do positivismo
embora ainda esteja ligado a ele na busca de uma objetivação e
verificabilidade. Da mesma forma, outros filósofos da ciência
trouxeram problematizações ao universo empírico e asséptico
proposto pelo positivismo lógico, alguns buscando entender a
linguagem, como Hanson, outros buscando entender as arenas de
luta, como Kuhn, outros ainda, indicando o anarquismo
epistemológico da ciência e seus inúmeros métodos, como
Feyerabend (Borges, 1996). Todos esses movimentos podem nos
levar a entender melhor um universo científico que, como coloca
Hodson (1994), é feito por pessoas reais que vivem em seus

86
universos discursivos e que não estão de forma alguma imunes as
relações de poder/saber.
Cabe, então, buscar onde e de que forma essas
problematizações sobre a ciência e sua produção chegaram as
escolas, se é que chegaram. Talvez devêssemos nos perguntar,
como faz Maldaner (2000), se chegaram à formação de
professores nas suas fases iniciais ou continuadas. O que sabemos
é que no universo escolar as mudanças ocorrem muito lentamente,
e de alguma forma são impostas por reformas curriculares e
investimentos financeiros. Talvez um dos maiores investimentos
na ciência escolar tenha se dado na década de 70, com os tratados
realizados pelo Brasil com os EUA e com a UNESCO, MEC-
USAID, onde se investiu no experimentalismo no ensino de
química e de ciências e onde se retomou o empirismo indutivo de
Francis Bacon, com o hoje problemático método da redescoberta.
As críticas dos educadores e as dificuldades de se
trabalhar com a redescoberta na escola, ainda tradicional, forma
condições de possibilidade para o movimento tecnicista que trouxe
a supremacia da técnica sobre os conceitos, nesse sentido,
passamos de um empirismo indutivo para um ensino enciclopédico
e livresco, com a Lei 5692/71, o império dos livros didáticos com
suas verdades absolutas se estabeleceu. O construtivismo, próximo
passo na educação em ciências pouco chegou às escolas e
possivelmente transformou-se num significante vazio, perdendo
uma grande oportunidade de fazer diferença no ensino antes
mesmo de fazê-la.
O que significa então isso tudo, onde está o erro, como
se educar e educar em ciências quando parece a todo tempo que
tudo falha? Se nossa visão de ciências data do século XVII? Se
nossas melhores teorias caem no significante vazio? Prefirimos
trazer para finalizar essa discussão um dos mais importantes
pontos das teorias pós-modernas e pós-estruturalistas que hoje
parecem desestabilizar grande parte das nossas verdades: a
capacidade de entender que esse mundo é plural, que construímos
nosso saber a cada passo, que não há um caminho, ainda que torto

87
a percorrer, que o conhecimento se faz nas subjetividades dos
sujeitos, e, por assim ser, devemos investir não num professor que
assuma o nosso saber, mas num professor que assuma o seu saber,
que se sinta ignorante por ignorar e que se valorize, pois se nós
vamos à escola dizer o que deve ser feito, nós formadores de
professores estamos assumindo que existe uma verdade e que se
fizermos as coisas bem feitas ela aparecerá, o que nada mais é do
que uma visão de ciência extremamente positivista, nós que tanto
criticamos o positivismo.
Talvez um pós-moderno radical como Lyotard possa nos
dar o espaço de liberdade que precisamos para ser mais humildes
quanto a nossa ação no mundo, pois Lyotard nos diz que para
começar, o saber científico não é todo o saber; ele sempre esteve ligado
a seu conceito, em competição com uma outra espécie de saber que,
para simplificar, chamaremos de narrativo (Lyotard, 2000, p. 12).
São esses saberes que vivemos nas escolas e a sua interpenetração
pode nos ajudar a melhor conhecê-lo.

Buscando um processo de objetivação

Uma forma de sistematizar um pouco do muito que


misturamos nesse artigo é explicitar a nossa crítica à escola, ao
currículo, aos modos de usar a filosofia e história da ciência. Em
Foucault escrever uma história do presente é, assim, chamar a
atenção para a constituição daqueles objetos e suas conseqüências
(Rajchman, 1985). Os papéis que podem representar a filosofia da
ciência no ensino da mesma são amplos, mas que convergem para
modelos de ensino e aprendizagem por investigação, que
interfaciam com outras áreas de conhecimento ou investigação
como a epistemologia das ciências, os movimentos Ciência,
Tecnologia, Sociedade e Ambiente - CTSA, a didática das
ciências, a psicologia da aprendizagem, a sociologia das ciências.
Um requisito essencial para qualificar a atividade de
ensino é que o professor conheça profundamente a matéria a

88
ensinar, o que supõe não só conhecimento dos conteúdos, mas
também dos aspectos metodológicos, da filosofia da ciência, das
interações CTSA e dos desenvolvimentos científicos recentes. A
apropriação dos papéis da filosofia da ciência pelo professor pode
se dar em diferentes estratégias (Solbes e outros, 1996; Gagliardi,
1986).
• enfocar o paralelismo entre as idéias/pré-concepções
dos estudantes e as concepções vigentes ao longo da
História da Ciência. Extrair da História da Ciência
informações sobre as dificuldades dos estudantes a
partir das resistências e obstáculos que se manifestam
ao longo da História da Ciência.
• favorecer a seleção de conteúdos fundamentais da
disciplina em função dos conceitos estruturantes para
introduzir novos conhecimentos e superar obstáculos
epistemológicos.
• permitir extrair da História da Ciência os problemas
significativos e colocar o aluno em condições de
abordá-los, promovendo situações de aprendizagem
que permitam aos alunos vivenciar a construção de
conhecimentos científicos. É possível evitar
delineamentos experimentais de cunho empirista.
• mostrar a existência de grandes crises no
desenvolvimento do conhecimento científico/ou da
física e da química, a ciência aristotélica, a escolástica,
a clássica, a moderna, ou a mecânica newtoniana e a
quântica, a teoria do flogisto e as proposições de
Lavoisier sobre a combustão, do calórico a teoria
cinética do calor, da natureza corpuscular a
ondulatória da luz, numa constante mudança de
paradigma. Isto pode favorecer as construções
conceituais dos alunos, relacionando-os as grandes
mudanças de conceitos, modelos e teorias.

89
• mostrar o caráter hipotético, tentativo da ciência e
mostrar as limitações das teorias, os problemas
pendentes de solução, apresentando para os alunos a
aventura da criação científica evitando visões
dogmáticas, de como se acumula o conhecimento
científico, e a produção coletiva do mesmo. Pode-se
mostrar a ciência como uma construção humana,
coletiva, fruto do trabalho de muitas pessoas, para
evitar a idéia de uma ciência feita basicamente por
gênios, em sua maioria homens.
Essa tentativa de objetivação, no sentido dado ao termo
de busca de objetivos e não de assubjetivação, implica numa forma
de explicitar nossos projetos para um ensino de química
diferenciado, que privilegie o narrativo, trazendo para a sala de
aula não apenas o produto do conhecimento, nem tampouco o
processo de sua produção, mas sobretudo a humanidade do ato de
conhecer e a possibilidade de humanização de nossas salas de aula.
Arcando assim com o ônus de sermos humanos. Nossa forma de
ver a humanidade não está próxima dos humanistas, nem mesmo
platonicamente elimina o dionísiaco do ser humano, mas a busca
dos diferentes matizes que se formam entre o bem o mal, entre o
objeto e o sujeito, entre a história e o presente, enfim, entre a
ciência e a arte de ensiná-la.

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Janeiro: J. Zahar, 2002.

Rochele de Quadros Loguercio, mestre e doutora em ciências


biológicas: bioquímica com ênfase em educação, professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisadora da Área
de Educação Química da UFRGS
José Cláudio Del Pino, mestre em bioquímica, doutor em
química da biomassa, professor da Universidade Federal do Rio

93
Grande do sul, coordenador da Área de Educação Química da
UFRGS

Recebido em: 19/05/2007


Aceito em: 15/11/2007

94
DA "REVOLUÇÃO FRANCESA" AO "SÉCULO
XXI": ALGUMAS NOTAS ACERCA DO SISTEMA
EDUCACIONAL FRANCÊS
Nilce da Silva

Resumo
Este artigo - fruto das reflexões do Grupo de Pesquisa, Ensino e
Extensão "Acolhendo Alunos em Situação de Exclusão Social e
Escolar", certificado pela Universidade de São Paulo e que conta com
o apoio do CNPq e da FAPESP, para trabalho de alfabetização
junto a crianças, jovens e adultos em situação de risco social -
apresenta algumas notas que favorecem a reflexão acerca da história
da educação francesa. Terá como ponto de partida a Revolução
Francesa e, tratará da temática até os dias atuais.
Tal texto mostra-se interessante, na medida em que, muitos nós
temos tivemos como paradigma de escolarização o modelo francês,
ditado pela escola pública surgida sob os auspícios da Revolução
Francesa guiada pelas palavras: Igualdade, fraternidade e liberdade.
E, conforme pretendemos demonstrar, longe de ser uma realidade
educacional, tal sistema foi mi(s)tificado e a representação que dele
apreendemos serviu como guia ideológico para muitos países.
Palavras-chave: sistema educacional francês – modelo –
representação.

FROM THE "FRENCH REVOLUTION" TO THE "XXI


CENTURY: SOME COMMENTS REGARDING THE
FRENCH EDUCATIONAL SYSTEM
Abstract
This article - fruit of the reflections of the Group of Research,
Education and Extension "Acolhendo Alunos em Situação de
Exclusão Social e Escolar: o papel da insituição escolar",certifyd by
the University of São Paulo and that counts with the support of the
CNPq and the FAPESP, to work about literacy with children,
youngers and adults in a situation of social risk - presents some notes
that promove the reflection concerning the history of the French
education. It will have, as starting point, French Revolution and, it
will deal with this thematic one until the current days.
Such text reveals interesting, in the measure that many between us
have had as paradigm the French model, dictated for the public
school appeared under the auspices of the French Revolution guided
by the words: Equality, fraternity and freedom. And, as we intend to
demonstrate, far of being an educational reality, such system was a
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
"school my(s)thification" and its representation, that we learned,
served as ideological guide for many countries.
Keywords: French education system – model – representation.

DE LA "REVOLUCIÓN FRANCESA" AL "SIGLO XXI":


ALGUNAS NOTAS SOBRE EL SISTEMA
EDUCACIONAL FRANCÉS
Resumen
Este artículo - fruto de las reflexiones del Grupo de Investigación,
Enseñanza y Extensión "Acogiendo Alumnos en Situación de
Exclusión Social y Escolar", certificado por la Universidad de São
Paulo y que cuenta con el apoyo del CNPq y de la FAPESP, para
trabajo de alfabetización junto a los niños, jóvenes y adultos en
situación de riesgo social - presenta algunas notas que favorecen la
reflexión sobre la historia de la educación francesa. Tendrá como
punto de partida la Revolución Francesa y, tratará de la temática
hasta los días actuales.
Tal texto se muestra interesante, en la medida en que, muchos de
nosotros tuvimos como paradigma de escolarización el modelo
francés, dictado por la escuela pública surgida bajo los auspicios de la
Revolución Francesa guiada por las palabras: Igualdad, fraternidad y
libertad. Y, conforme pretendimos demostrar, lejos de ser una
realidad educacional, tal sistema fue mi(s)tificado y la representación
que de él aprehendemos sirvió como guión ideológico para muchos
países.
Palabras-clave: sistema educacional francés – modelo –
representación.

96
"E se a primeira coisa – senão a única – a fazer fosse
conseguir exorcizar esta vontade de poder total, esta
negação de um outro autônomo que o ideal pedagógico
esconde tão bem". Michel Exertier

Introdução

Este artigo faz algumas considerações acerca da história


da educação na França a partir da Revolução Francesa quando a
mesma pretende-se laica, universal e gratuita.
Iniciaremos com a proposta apresentada por Condorcet
para o sistema público francês e as idiossincrasias desta época.
Apresentaremos, assim, como eixo de articulação deste texto, a
constituição de um "mito" em decadência, a partir do qual se
construiu e se propagou o modelo educacional de ensino francês.
Depois de Condorcet, ressaltaremos as idéias de
Durkheim e Alain, considerados como os teóricos deste sistema
educacional nascente, e ressaltaremos algumas de suas idéias mal
compreendidas porque, talvez, mal veiculadas no meio
educacional.
Em seguida, com a obra de Freinet e, mais
recentemente dos trabalhos vinculados à Pedagogia Institucional,
mostraremos como as pequenas "rachaduras" de um modelo não
igualitário de educação começam a aparecer.
Mais fortemente, por meio das obras-denúncia de Michel
Foucault e Pierre Bourdieu, deixaremos, de fato, à mostra a não
possibilidade da existência da "igualdade, fraternidade e liberdade"
na sociedade, nem no sistema educacional.
Em seguida, faremos algumas anotações acerca da
situação educacional do país em questão no século XXI.
Finalmente, teceremos algumas considerações acerca do
mito / modelo criado em torno do sistema educacional francês e a
impossibilidade desta imagem continuar a existir justamente

97
porque tal modelo se fez às custas da colonização e, desde o seu
início, foi excludente.

A queda da Bastilha e Condorcet

A "Queda da Bastilha", 14 de julho de 1789, pode servir


como marco a partir do qual o sistema educacional francês começa
se estruturar enquanto público, universal e laico. Mais do que a
libertação dos presos, a queda da Bastilha marca o final da era dos
"reis-sóis" na França, numa Revolução que foi caracterizada pelos
ideais "iluministas". Neste sentido, a proclamação da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, é
o seu principal símbolo. "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" se
tornou o lema que motivava as ações da nova ordem social deste
país.
O "Iluminismo", diga-se de passagem, foi defendido por
filósofos como Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Denis Diderot,
entre outros, procurou combater a intolerância religiosa e a
vigorosa ligação entre Estado Absolutista e Igreja.
Segundo Boto (2003), ao citar Leon Cahen,

Os iluministas compreendiam que a instrução conduzia


não apenas a um acréscimo de conhecimento, mas
também à melhoria do indivíduo que se instrui. Diderot,
por exemplo – segundo relata Cahen – compreendia que
instruir uma nação equivale a civilizá-la.

E ainda, de acordo com a autora, neste período das


"luzes",

O Estado era o maior interessado na formação dos


indivíduos, até para que viessem a público os sujeitos
mais meritórios; os talentos; as aptidões de cada um – o
que conduziria a um aprimoramento geral da sociedade.

98
Apesar deste "aparente" uníssono, ressalta Boto que,
contudo, nem todos os iluministas pensavam nesta disseminação
da "cultura" para todos.
Um dos temas mais fascinantes colocados pela
Revolução foi a participação de Condorcet neste cenário. De certa
forma, até hoje, os ideais deste filósofo, inspiram sistemas de
ensino, escolas, práticas docentes, mesmo que, apenas, no âmbito
do discurso. Dito de outro modo, o direito do acesso à mesma
educação, independentemente do gênero; da pertinência à esta ou
àquela etnia, religião; do nascimento ou da situação social
constituem-se como o "sonho" de muitos educadores.
Recomendável, neste sentido, é a visita virtual à
Biblioteca Gallica (www.gallica.bnf.fr) em que diferentes
documentos desta época poderão ser lidos e consultados. Dentre
eles, destacamos:
1- O documento de 1291-1792 feito pela Assembléia
Nacional Francesa, de Condorcet, apresentado em 20 e 21 de
abril de 1792: Rapport et projet de décret sur l'organisation générale
de l'instruction publique; e; 2- As Bases fondamentales de
l'instruction publique et de toute constitution libre ou Moyens de lier
l'opinion publique, la morale, l'éducation, escrito por François Xavier
Lanthenas.
Porém, de acordo com Silva (2004), na tentativa de
destruir este mito que compõe nosso imaginário, gostaríamos de
destacar que grande batalha foi travada entre os inacianos,
oriundos da conversão de Constantino em 313 d.C. e a escola
pública laica na França e em todo o mundo, situação esta
ventilada sobremaneira nos currículos escolares de países católicos,
como o Brasil.
E ainda, com relação aos judeus, sabe-se que já na época
romana houve dispersão deste povo pela Itália, França, entre
outros países. E no que diz respeito aos islâmicos, no século VII,
há diferentes registros acerca da entrada desta população na
Europa pelo magrebe e, além disto, uma outra onda de migração,

99
no século VIII, quando os árabes chegam a este continente pelos
Balkans.
De acordo com Silva (2004), diferentemente do que se
sabe e se divulga a respeito da presença e da expulsão dos jesuítas
do Brasil, pouco se sabe a respeito da enorme presença de judeus e
muçulmanos neste mesmo período na Europa.
Sendo assim, pelo menos até onde conhecemos, na
época da Revolução Francesa, a presença de muçulmanos, assim
como a dos judeus, foi negligenciada, sendo inclusive subestimada
pelos intelectuais da Revolução.
Apesar desta situação, afirma Silva (2004), o livro de La
Chalotais, pedagogo, apresentava a necessidade de se tornar o
ensino uma atividade exclusivamente secular. Seu rapport inicia-se
com a definição da publicização, da universalidade e da promoção
da igualdade como pertinentes à educação revolucionária desta
época:

Oferecer a todos os indivíduos da espécie humana os


meios de prover a suas necessidades, assegurar seu bem-
estar, conhecer e exercer seus direitos, compreender e
cumprir seus deveres; assegurar a cada um a oportunidade
de aperfeiçoar seu engenho, de se tornar capaz para as
funções sociais as quais tem o direito de ser convocado,
de desenvolver toda a extensão de talentos, que recebeu da
natureza para estabelecer uma igualdade de fato entre os
cidadãos e tornar real a igualdade política reconhecida
pela lei (In: SILVA, 2004).

Entretanto, segundo o mesmo pedagogo, e outros


pensadores da época - Voltaire, o padre Réguis, entre outros -
ensinar as letras aos operários, camponeses, alfaiates e bodegueiros
seria um desvio da natureza das tarefas os mesmos exerciam na
sociedade. Ou seja, ele defendia o ensino estatal para as classes
abonadas e condenava os Frères Ignorantins, integrantes do baixo
clero francês, que ensinavam os rudimentos do alfabeto aos
trabalhadores e aos pobres em geral.

100
Dito de outro modo, a educação que nascia com esta
Revolução seria básica para grande parte da população.
Neste sentido, os estudos secundários eram destinados
apenas às crianças que não necessitavam trabalhar para contribuir
com o orçamento doméstico; e mais importante ainda, do ponto
de vista deste artigo, a cultura muçulmana e a cultura judaica foram
ignoradas pelo sistema educacional francês instaurado (SILVA,
2004).
Apesar desta "exclusão", a idéia do sistema educacional
francês laico e público difunde-se e, depois de 93 anos, em 1882,
Jules Ferry institui a escola obrigatória. Desde então, a despeito
das "diferenças" existentes no país e no continente europeu, a
escola única francesa constitui-se como símbolo da
democratização do ensino para muitos países, como o Brasil, por
exemplo.
Segundo Boto (2003), na Revolução Francesa, os
princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita
encontram-se no relatório de Marquês de Condorcet – matemático
nascido em 1743 e apresenta duas grandes preocupações: a- Unir
as chamadas ciências morais com as ciências físicas, e; b- Oferecer
educação para os pobres, para o povo.
Em 1792, ele foi nomeado presidente do Comitê de
Instrução Pública da Assembléia Legislativa Francesa, e, nesta
ocasião, ele percebe uma oportunidade para colocar seus ideais em
prática e, para tanto, elabora um projeto e um relatório que, no
século XIX, foi usado como inspiração por Jules Ferry.
No âmbito deste artigo, segundo Condorcet (1989),
queremos ressaltar que foi justamente este seu documento -
Rapport et projet de décret sur l'organisation générale de l'instruction
publique -que serviu como modelo para muitos países, inclusive
para o Brasil, e que através dele, fez com que, para muitos de nós,
o "modelo de educação francesa" significasse o "modelo do melhor"
em educação. Isto porque o mesmo proclamava a constituição de
uma escolarização laica, gratuita, pública, para ambos os sexos e
para todos, ou seja, uma educação universalizada. Em suma,

101
Condorcet foi pioneiro neste sentido e, em seu documento afirma
que: A- Há que se assegurar um bem-estar coletivo por meio do
desenvolvimento pleno de cada indivíduo. B- O conhecimento
deveria ser partilhado por meio da educação pública. C- A
educação deveria ser igual para TODOS e TODAS,
independentemente do gênero e da idade, isto é, homens e
mulheres; crianças, jovens e adultos que, porventura, já tivessem
deixado a escola ou que não tivessem tido oportunidade para
freqüentá-la. D- A escola deveria ser gratuita e o Estado, por meio
de um "sistema", seria o responsável por ela, portanto, ela seria
totalmente laica.
Em síntese, o que nos ensinaram sobre a Revolução
Francesa, sobre os Iluministas, e o nosso conhecimento das idéias
de Condorcet, mesmo sem saber que eram deles, provavelmente –
símbolo defensor da escola pública, gratuita, laica e universal -
fizeram com que, aos nossos olhos, a França tornara-se o modelo
de sistema educacional a ser seguido.

Século XX: as rachaduras aparecem; as fendas são


abertas

No início deste século, autores como E. Durkheim e


Alain foram os grandes mentores intelectuais da discussão na
França sobre a escola pública.
Vejam, de modo sucinto, o ponto de vista de É.
Durkheim (s/d), que durante muitos anos foi professor
universitário de Pedagogia e Ciência Social – Faculté de Lettres de
Bordeaux, 1887 a 1902- e depois, na Sorbonne, a partir de 1902,
quando transforma a referida cátedra em Sociologia: Admitido que
a educação seja função essencialmente social, não pode o Estado
desinteressar-se dela.
Não menos importante do que ele, porém,
possivelmente, menos conhecido, Alain (1868- 1951), cujo nome
era Émile Chartier, defendia a "humanidade" com como horizonte

102
de todo ato educativo. Para ele, segundo Châuteau (1978), educar
significava tirar o homem da barbárie e levá-lo a conhecer seu
próprio poder de governar-se a si mesmo, e de crer apenas
mediante provas. E, ainda que a educação é a conquista de cada
momento, é a conquista de si mesmo.
Para Alain, a educação dirigir-se-ia a todos, entretanto,
a preocupação de uma sociedade democrática deveria ser a
educação dos mais lentos. Ou seja, todos os espíritos deveriam ser
despertados.
Ele, que é conhecido também como um dos defensores
da Escola Tradicional, apresentou-nos a idéia de que se a um
espírito mais lento for reservado apenas o ensino técnico, ocorrerá
a preparação do escravo, e tal atitude será condenável. Além disto,
afirmava que cada vitória deveria ser comemorada com os alunos,
e mais ainda, de que não se aprende a ler e a escrever apenas
ouvindo uma pessoa que fala bem ou vendo uma pessoa escrever
bem. Há que se ter oportunidade de escrever.
Passado este período de estruturação do sistema
educacional francês, e da sua devida divulgação, acompanhada pelo
uso e fruto da colonização, sobretudo das sociedades africanas,
assistimos no final da segunda Guerra Mundial, o estabelecimento
do Estado de Israel e assistimos a mais uma onda de imigrantes
que se instalaram em diferentes países europeus, a partir dos anos
70 do século XX, primeiro pela necessidade de mão-de-obra que os
mesmos demandavam, e depois, independentemente desta
necessidade econômica européia.
Inúmeros autores destacaram que os "esforços pela
igualdade da Revolução Francesa" não se constituíram como pano
de fundo do e para o sistema educacional francês, apesar de que,
foi "vendida" a imagem de que a França era o modelo a ser
seguido. Ou ainda, um dito ideal pedagógico soube esconder a
perversidade deste sistema.
Célestin Freinet (Gars, França, 1896 – Vence, França,
1966), foi um dos primeiros estudiosos da educação da França
que percebeu a necessidade de um grande empenho de todos para

103
que a escola se vinculasse realmente ao povo, apesar de apenas ter
iniciado o Curso de Magistério em Nice, pois o mesmo é
interrompido quando ele se alista ao exército e participa da
Primeira Guerra Mundial (1914–1918).
Este professor, em oposição ao sistema educacional
vigente na França, realiza inúmeros feitos. Dentre eles, citamos: a
fundação de uma Cooperativa de Trabalho com os aldeãos da sua
cidade paralelamente ao trabalho de docente; inicia as primeiras
"correspondências entre as escolas" através das quais estabelece
uma troca de experiências entre elas; cria a "imprensa na escola" e
com ela a revista La Gerbe (O Ramalhete), com poemas infantis; e
ainda, funda uma Cooperativa de Ensino Leigo.
Na medida em que, por meio de sua prática pedagógica
mais do que inovadora, diga-se de passagem, Freinet incomoda o
status quo ou o staff do sistema escolar francês. Por isso, ele é
exonerado do cargo de professor em Saint Paul de Vence. De
acordo com as informações contidas no sítio da "Associação
Brasileira para Divulgação, Estudos e Pesquisas de Pedagogia
Freinet" (2006), mesmo assim, ele continua trabalhando na
Cooperativa e, finalmente, "abre a sua escola: a "Escola de
Freinet" - que é desativada quando se inicia a Segunda Guerra
Mundial; e, juntamente com Romain Rolland, cria o movimento
Frente da Infância.
Entre os anos de 1947 e 1956, Freinet cria o "Icem",
uma cooperativa educacional com mais de vinte mil participantes,
e lança uma campanha nacional propondo uma reforma no
número de alunos por classe — para ele, o número não deveria
ultrapassar o de 25 alunos.
A "Pedagogia de Freinet" tinha como objetivo
modernizar a escola pública que ele considerava como a escola do
povo e, portanto, deveria atender, na sua essência, às necessidades
do povo por meio dos seguintes princípios: 1- Senso de
responsabilidade. 2- Senso de cooperação. 3- Sociabilidade. 4-
Formação de julgamento pessoal. 5- Promoção da autonomia, da

104
expressão, da criatividade, da comunicação, da reflexão individual
e coletiva, além da permissão e da demonstração da afetividade.
Na mesma direção contestatória, Michel Lobrot, na obra
"Pedagogia Institucional" (1967), também manifesta o mesmo
objetivo transformador de Freinet e, para tanto, ele propõe uma
prática pedagógica "não-diretiva" e "interventiva"
concomitantemente, de modo que um aluno encontre um
ambiente de prazer (relacional, intelectual, afetivo) também na
escola.
Na obra "Violência na Escola" (1989), de Colombier,
Mangel e Perdriaul, mais uma vez, a "Pedagogia Freinet" e a
"Pedagogia Institucional" são reforçadas na medida em que propõe
o uso da palavra na escola ao invés da prática violenta, desnuda a
violência na escola do sistema e educacional francês e, por isso,
colabora para a destruição do mito da existência e da eficiência
deste modelo de ensino. A "introdução" desta obra é muito
significativa:

Violência nos colégios... Quem já não ouviu contar sobre


as atribulações de certos professores seqüestrados,
espancados ou violentados, as brigas com faca na hora do
recreio, as extorsões, as drogas? (....) Mas novas formas
de violência aparecem no colégio, inexistentes há apenas
quinze anos atrás. As agressões cotidianas, os atos de
'pequena' delinqüência se multiplicam (1989, p. 17).

O livro apresenta a situação dos muros, das paredes, do


mobiliário destruído de muitas escolas. Além disto, retrata as
relações "incivilizadas" entre os colegas de uma mesma escola;
entre colegas de classe e seus professores; e entre as pessoas com
elas mesmas. Todas, segundo os autores, configuram-se como
relações de destruição. Ou seja, o cenário de violência é descrito
em detalhes e este existe, sobretudo, nas escolas de periferia de
Paris, nas quais realizaram suas intervenções.
De modo mais alarmante ainda, é retratada a falta de
desejo dos alunos estarem nestas salas de aulas, o caráter

105
insuportável de estar na escola – inclusive por parte dos professores
– o esgotamento dos sujeitos fechados nestas paredes e, o mais
preocupante, a falta de consideração que se observa frente aos
menos favorecidos, precisamente com relação aos imigrantes de
primeira ou segunda gerações, por direito, mas não de fato, muitas
vezes, franceses.
Sendo assim, tanto a "Pedagogia Freinet" como a
"Pedagogia Institucional" já denuncia(va)m a falta da "igualdade,
liberdade e fraternidade" nas escolas públicas francesas e
apontavam caminhos para uma escola que reconhecesse a
existência do "outro". Porém, do nosso ponto de vista, Michel
Foucault e Pierre Bourdieu foram os pensadores que melhor
desvendaram a representação ilusória a qual fomos submetidos
acerca do sistema educacional francês como modelo educacional
ou fonte de inspiração.
Para Michel Foucault (1926-1984), a relação de poder
é hierárquica no ambiente escolar. Ele revela como a disciplina
dociliza os corpos e como os coage numa constante utilização, tal
como o ambiente de uma prisão que, de mecanismos sutis e
constantes de disciplinarização e vigilância.

Dispomos da afirmação que o poder não se dá, não se


troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação,
como também da afirmação que o poder não é
principalmente manutenção e reprodução das relações
econômicas, mas acima de tudo uma relação de força
(FOUCAULT, 2003, p. 175).

E ainda:

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou


melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca
está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de
alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um
bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas
malhas os indivíduos só circulam mas estão sempre em
posição de exercer este poder, são sempre centros de sua
transmissão (FOUCAULT, 2003, p. 183).

106
Parafraseando Foucault na obra "Vigiar e Punir"
(1977), temos que a escola, dentre outras instituições, possui
mecanismos de controle atentos e minuciosos de cada movimento
dos corpos, e, por meio destes, disciplina-os e fabrica "corpos
dóceis". Ou, com suas próprias palavras a respeito da ação do
poder:

(....) captar o poder em suas extremidades, em suas


últimas ramificações. Lá onde se torna capilar; captar o
poder nas suas formas e instituições mais regionais e
locais (...), e por conseqüência, analisar a escola como o
lugar onde o poder disciplinar produz saber, mantém-se, é
aceito e praticado por todos os membros da instituição
escolar numa relação hierárquica (2003, p. 182).

Especificamente no que diz respeito às escolas, para este


Mestre (1977),

a sala de aula forma um grande quadro único; com


entradas múltiplas, sob o olhar cuidadosamente
'classificador' do professor" (....) A exigência da
distribuição das classes em fileiras, com alunos em ordem
e uniformizados tem como objetivo garantir a obediência
dos alunos, e uma melhor utilização do tempo. Cria
espaços funcionais e hierárquicos (...) trata-se de
organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para
percorrê-lo e dominá-lo, trata-se de lhe impor uma
'ordem' (FOUCAULT, 1977, p. 135).

Na mesma direção, a da falta de liberdade e de total


controle, a construção dos prédios escolares favorece o "olhar
panóptico", daquele que vê tudo da onde está e não é visto. A
escola é, portanto, um espaço fechado e vigiado e, ainda: (...) uma
máquina de ensinar mas também de vigiar, de hierarquizar, de
recompensar (FOUCAULT, 1977, p. 134), por meio, inclusive,
de mecanismos de prêmios e punições.
Quanto ao controle do tempo, Foucault destaca que

107
Não basta apenas o cumprimento do horário por parte
dos professores e alunos (...) procura-se também garantir
a qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto,
pressão dos fiscais, anulação de tudo que possa perturbar
distrair; trata-se de constituir um tempo integralmente
útil (FOUCAULT, 1977, p. 137).

E, finalmente, a escola, longe de "elevar os espíritos",


adestra e penaliza cada mínima "desobediência".
Neste sentido, cabe ressaltar que a escola hierarquiza os
alunos; hierarquiza as classes em que os alunos se encontram e,
ainda, cada escola ocupa um lugar dentro do sistema educacional,
sendo que, para tanto, as provas e os exames são os principais
instrumentos.
Pierre Bourdieu (1930-2003), um dos mais importantes
sociólogos da nossa época, aos 28 anos publica seu livro "Sociologie
de l'Algérie" (1958), no qual revela a relação entre colônia francesa
e metrópole por meio de argumentações atuais para a compreensão
dos nossos dias.
Bourdieu nos faz (re)ver o referido "ideal pedagógico" e
mostra-nos claramente a perversidade do sistema educacional
francês em suas diversas obras.
Para ele (2003, 2002, 2001), a instituição escolar é um
espaço que contribui significativamente para a constituição do
habitus dos agentes sociais, mediante a apropriação de
determinados capitais sociais e culturais que podem ser mais ou
menos valorizados na sociedade. Dessa forma, estes diferentes
capitais sociais e culturais obtidos estariam influenciando nas
diferenças sociais destes alunos na vida adulta e a escola por ter
como referência a cultura, legitimada por agentes sociais das
camadas médias e privilegiadas, possibilita a esses grupos sociais o
acesso a estes conhecimentos que são reconhecidos por eles como
legítimos e, ao mesmo tempo, este conhecimento escolar para as
camadas da população menos privilegiadas torna-se inacessível e
desprovido de sentido.
Bourdieu ainda afirma que:

108
Da mesma forma que a riqueza econômica só pode
funcionar como capital na relação com um aparelho
econômico, assim também a competência cultural, sob
todas as suas formas, só se constitui enquanto capital
cultural nas relações objetivas que se estabelecem entre o
sistema econômico de produção e o sistema de produção
dos produtores (constituído, por sua vez, pela relação
entre o sistema escolar e a família) (....) os diplomas
escolares são para o capital cultural o que a moeda é para
o capital econômico... (2002, p. 197 e 198).

E ainda:

Connaissant la relation qui, du fait de la logique de la


transmission du capital culturel hérité de la famille et le
capital scolaire, on ne saurait imputer à la seule action du
système scolaire (et, á plus forte raison, á l´éducation
proprement artistique, de toute évidence
presqu`inexistante, qu´il procurerait) la forte corrélation
observée entre la compétence en matière de musique ou
de peinture (et la pratique qu´elle suppose et rend
possible) et le capital scolaire: ce capital est en effet le
produit garanti des effets cumulés de la transmission
culturelle assurée par la famille et de la transmission
culturelle assurée para l´école (dont l ´efficacité dépend
de l ´importance du capital culturel directement hérité de
la famille). Par les actions d´inculcation et d´imposition
de valeur qu´elle exerce, l´instituition scolaire contribue
aussi (por une part plus ou moins importante selon la
disposition générale et transposable à l´égard de la culture
légitime qui, acquise à propos des savoirs et des pratiques
scolairement reconnus, tend à s´appliquer au-delá des
limites du scolaire, prenant la forme d´une propension
désintéressée à accumler des expérience et des
connaissances qui peuvent n´être pas directement
rentables sur le marchè scolaire (BOURDIEU, 1979, p.
22).

Vale à pena citá-lo mais uma vez:

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela


enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de

109
transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção
sobre o obter o equivalente daquilo que é obtido pela
força (física ou econômica), graças ao efeito específico de
mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer,
reconhecido como arbitrário (2003, p.14).

Sendo assim, concluímos que as fendas deste sistema


modelo estavam desnudas.

Século XXI: Et maintenat?

Com o ataque terrorista em Nova Iorque, e ainda, mais


recentemente, com o atentado em Madri, não há pessoa que não
se preocupar com a "diversidade", com o "outro", tendo em vista
que "este" não se cala: SINAIS dos tempos do século XXI.
Além destes acontecimentos brutais, temos visto,
inúmeras vezes, conflitos entre israelenses e palestinos; invasões
norte-americanas com apoio de países europeus; guerras
interétnicas em pseudo-países na África; homens-bomba; carros-
bomba. E assim, por estes e outros fatos, estas e outras causas,
hoje a Europa abriga milhões de pessoas que saem de seus
paupérrimos e destruídos países.
De acordo com o Dossier de Éric Maurin de 2003,
depois de mais de 200 anos de Revolução Francesa, este país
apresenta a seguinte distribuição de renda:
• 10% da população (os mais ricos) possui 44% da
renda nacional;
• 40% da população possui 47% da renda nacional;
• 50% da população (os mais pobres) possui 9% da
renda nacional.
Neste sentido ainda, vem ao encontro do nosso
raciocínio, a declaração de Luc Ferry, ex-ministro da Educação na
França, à imprensa francesa de que 60.000 crianças abandonam

110
por ano a escola e 90.000 terminam o equivalente ao Ensino
Médio no Brasil sem qualificação profissional, fato que, segundo a
referida autoridade, dificulta-lhes a inserção profissional e social, e
por isso, faz-se mister a implantação definitiva do ensino
profissionalizante para boa parte da população, os mais pobres.
Por isso, como que ironicamente, na França, é permitido que
alunos de 14 anos façam estágios em empresas e "descubram" suas
aptidões profissionais.
Não menos importantes são as seguintes cifras:
a- Os estudantes que concluem o equivalente francês ao
Ensino Médio optam cada vez menos pelas
prestigiosas universidades do país, apenas 39,2 % dos
formandos.
b- Prevalece hoje o sucesso das carreiras seletivas curtas
tal como o Brevet de Technicien Supérieur (BTS) ou
ainda, nas escolas baccalauréat (pos-bac) que
costumam acolher egressos do Ensino Médio
preocupados em tornar rentável o seu percurso de
formação.
c- Hoje, seis estudantes entre dez prosseguem a sua
formação após terem obtido o seu Diploma
Universitaire de Technologie (DUT). Esta tendência
poderia ainda se reforçar com a implantação do
sistema licença/ mestrado/ doutorado, uma vez que há
o incentivo aos estudantes a obterem o nível da
licenciatura.
Em suma, tomamos a liberdade de inferir que Liberdade,
Igualdade e Fraternidade; assim como, as idéias de Condorcet, não
sobreviveram - talvez nem mesmo tenham nascido - neste
contexto, apenas uma "representação" das mesmas, como tivessem
ocorrido foi internalizada.
A França, assim como, os demais países da União
Européia têm um grande desafio pela frente, sobretudo no que diz

111
respeito ao sistema educacional existente, e nesta conjuntura, há
diferentes posicionamentos, os quais pretendemos relatar a partir
de dois eventos ocorridos neste país: A 7eme (2004) e a 8eme
(2006) Biennale de l´Éducation et de la Formatión.
Com relação ao primeiro deles, cujo subtítulo foi
Apprendre soi-même, connâitre le monde, organizada pelo Institut
National de Recherche Pédagogique (INRP) - de 14 a 17 de abril de
2004 – algumas preocupações merecem ser destacadas, pois se
constituíram como "temas" de discussão e que corroboram
vivamente com as afirmações que temos feito até agora acerca do
modelo de ensino francês. A saber: 1- Como passar da
aprendizagem social ao sentimento de eficácia pessoal. 2- A
responsabilidade do Estado francês frente à diversidade étnica na
França. 3- A relação entre sistema educacional e mercado de
trabalho. 4- A relação entre escola na província, no Estado
nacional francês e na União Européia. 5- A relação entre
educação nacional francesa e educação na comunidade. 6- A
integração das minorias e dos vencidos na história da República
Francesa. 7- A necessidade da formação de professores. 8-
Conflito entre "comunitarismo" e "sistema educacional francês".
9- Reivindicação de identidade. 10- Das incivilidades à barbárie na
escola. 11- Crianças e jovens em situações difíceis. 12- Do
sofrimento de alunos e professores na escola. 13- Relação entre
língua, identidade e cultura. 14- Línguas e mundialização. 15- A
abertura de fronteiras, as diferenças lingüísticas e a escola
francesa. 16- Diversidade cultural, conflito de civilizações ou
diálogo intercultural. 17- criação de escolas específicas para
migrantes.
Passados dois anos da constatação da situação do
sistema escolar na França, na 8eme Biennale de l´ Éducation et de
la Formation realizada também no INRP em Lyon, entre 11 e 14
de abril deste ano, 2006, notamos, muito pouco avanço no que
diz respeito às questões levantadas no evento anterior. E, pelo
contrário, sentimos uma certa cautela, ou mesmo medo, frente a
estes problemas expostos para o mundo todo via satélite. Parece-

112
nos que houve um movimento de recuo frente ao "outro", ou
ainda, uma busca dos ainda privilegiados pelo sistema por seus
pares. Passemos ao perfil deste evento para que, em seguida,
construído por meio de diferentes fontes, para que argumentemos
sobre nossas "impressões".
Como se não bastassem os incêndios nas banlieus
francesas no final do ano passado, o contexto deste evento foi
bastante tenso na medida em que ocorreu no auge das
manifestações dos estudantes universitários – que se vêem sem
perspectiva de trabalho – e que lutavam para derrubar os Contrats
Jeunes en Entrepise (CPE), que propunha uma situação de
precariedade no primeiro e ou no segundo ano de trabalho dos
jovens empregados em empresas. E, além disto, uma série de
manifestações dos imigrantes ilegais em Paris, especialmente, que
exigiam a sua legalização no país que, segundo o que é veiculado
na mídia, não é, nem pode ser mais o promotor do bem-estar
social.
Neste contexto, o referido evento de caráter
internacional foi organizada a partir do eixo: "Experiência(s),
Saber(es) e Sujeito(s)". Este contou com, pelo menos, 500
contribuições de pesquisadores, estudiosos, estudantes de
diferentes partes do mundo.
De acordo com Max Buttlen, um dos organizadores do
evento, estes três temas (experiência, saber e sujeito) mantém uma
estreita relação entre si na medida em que "experiências" são
adquiridas na escola, e, na mesma direção, constroem-se "saberes"
que formam os sujeitos. E neste sentido, para Buttlen, atentemos
para sua afirmação: a Europa anuncia uma sociedade do
conhecimento que é cada vez mais desigual.
Justamente, a professora convidada para a abertura deste
evento, professora Michelle Perrot (professora emérita da
Université Paris VII), de imediato, chamou-nos a atenção para
uma das antigas marcas de uma sociedade excludente e da
sociedade igualmente excludente: a relação entre homens e
mulheres, na qual as mulheres estarem ainda em posição de

113
desvantagem. Perrot, ainda, convidou-nos a refletir acerca do
silêncio ao qual tem sido submetidas as mulheres.
Além destas questões, quando os pesquisadores neste
evento se questionavam acerca das habilidades necessárias para o
século XXI, apresentavam, em alto e bom tom, que 9% da
população dos países industrializados não dominam as
competências mínimas de leitura, escrita e cálculo para gerir com
autonomia a própria vida em sociedade.
Perguntamo-nos: neste quadro sócio-econômico e
educacional, qual o "perfil", do nosso ponto de vista, deste
encontro internacional? Vejamos.
Segundo fontes oficiais do Evento, das 449
contribuições enviadas ao evento; 275 eram frutos de pesquisa; 95
foram caracterizadas como "inovações", 58 categorizadas como
"reflexões" e 21 tomaram a forma de "performances" em que
vídeos, por exemplo, eram apresentados aos interessados. Este
número de trabalhos tratou dos mais diferentes níveis e
modalidades de ensino: formal, não-formal; formação de
professores, de animadores populares; aprendizagem a distância;
preconceitos de diferentes naturezas; problemas de infinita ordens,
e ainda, tímidas tentativas de soluções. A título apenas de
exemplo, escrevemos a seguir alguns títulos presentes no evento:
"A vertigem do saber"; "O exercício da autoridade na relação
pedagógica"; "Ensinar a mundialização em um curso de Economia
na seção de técnicos superiores"; "O impacto das novas tecnologias
educacionais em instituições militares"; Pode se ensinar a moral
na França: reflexões a partir de um exemplo na Bélgica"; "O
teatro a serviço do ensino fundamental"; "O calendário geológico:
meio informatizado para ensinar as Ciências da Terra", dentre
outros variados títulos e temas.
Além desta "hiper-super-diversidade", que do nosso
ponto de vista, revela uma espécie de fragilidade, talvez da
sociedade francesa como um todo, destacamos na mesma direção
duas outras observações.

114
A primeira delas diz respeito a visível e majoritária
participação de canadenses e suíços no evento tanto dentre os
expositores principais como enquanto comunicadores apenas.
Ressalto ainda a participação de um grupo de pesquisadores
alemães do Instituto Pedagógico Internacional de Pesquisas, assim
como, a facilidade de tradução simultânea do francês para o inglês.
Desta forma, o "palco principal" do evento (os grandes
anfiteatros do INRP e da UNESCO) foram ocupados por estas
pessoas destas nacionalidades e, claro que, pelos franceses. Ou
seja, no mesmo palco encenaram aqueles que "representam"
"papéis" mais parecidos entre si. Sendo assim, o "palco principal"
deste Evento foi ocupado por, em torno de, cem pesquisadores e
autoridades de outras instâncias que não acadêmicas que tiveram,
aproximadamente, 60 minutos para exporem suas idéias e que, de
uma maneira ou de outra, são mais "iguais" dentre a totalidade dos
participantes e, equivalentemente, representam países que ocupam
posições do mesmo naipe seja em nível da Comunidade Européia
ou em nível mundial.
Com relação à segunda questão levantada logo acima,
contra-face desta primeira, aproximadamente, 400 inscritos
(dados oficiais) foram subdivididos em pequenos grupos (não
aqueles divulgados na programação do evento, diga-se de
passagem) e nestes ateliêrs discutiram "algo" sobre seus trabalhos
em "minúsculas" salas de aula, nas quais, segundo comentários
ouvidos de modo casual, a reunião se dava de modo artificial e sem
a preocupação da "escuta" necessária ao diálogo.
Ao integrarmos a primeira observação com a segunda, o
evento em análise refletiu a composição e a situação social da
França, e porque não dizer de outros países da Comunidade
Européia, que se recusa a aceitar "a igualdade, a liberdade e
fraternidade" para os não tão iguais.
Aliadas a estas colocações, gostaríamos de pontuar
algumas informações retiradas da Enquête sur l Éducation
National" que foi publicada na revista Le Point de 13 de abril de
2006, por Jacques Marseille: a- Mais de um jovem em dez, depois

115
de 12 anos de escolarização, se encontra em uma situação de
insegurança lingüística que obscurece seu horizonte cultural. Estes
jovens, segundo o depoimento do professor Alain Bentolila
(Universitè Paris V – Sorbonne) não serão bons em nenhum outro
domínio dos saberes humanos. B- Apenas 38% dos diplomados
em nível superior encontrarão um trabalho correspondente ao seu
nível de estudo. C- Das 100 melhores universidades do mundo,
apenas quatro são francesas, e a primeira delas aparece no posto de
número 46. D- Para Jean-Hervé Lorenzi e Jean-Jacques Payan, na
França, existe uma ensino superior para a "nobreza" (grandes
escolas de Comércio e Engenharia); outra, para o "clero"; e outras
para o "terceiro estado" que reagrupa as universidades e os
institutos universitários de tecnologia.
Não menos vistos e ouvidos, destacamos alguns dados
percentuais exibidos no primeiro dos programas da série televisiva
"A Escola na França", exibido em rede nacional no dia 13 de abril
deste ano, na TF2: 1- A França possui o maior número de
estudantes estressados dentre os países industrializados. 2- Ao
final de seis anos de escolarização, 15% dos alunos têm sérias
dificuldades para ler e escrever e destes 1/8 será de alunos
fracassados permanentemente. 3- E finalmente, este primeiro
programa, destacamos, termina com a seguinte pergunta: Será que
a escola na França está em decadência ou os pequenos franceses estão
geneticamente modificados?
Sem querer nos deter nesta questão, deixo para o leitor a
ambigüidade nela revelada: até que ponto o locutor do programa
refere-se às ondas de imigração na França quando faz esta
pergunta? O que ele quis dizer com isto?
Feita esta exposição, "da Queda da Bastilha aos dias de
hoje", passaremos agora a fazer algumas considerações sobre um
possível processo em marcha que aqui e pelo momento
chamaremos de "brasilianização" da França.

116
Considerações finais: "Brasilianização" da França

Parece-nos claro que o ideal de Condorcet não se


realizou plenamente e hoje, até mesmo a representação deste ideal
se vê em destruição. É notório que na França, hoje, a educação
que é oferecida para os pobres, não é a mesma que é recebida pelos
mais favorecidos. E ainda, tendo em vista, a questão do
desemprego neste país europeu, não se pode afirmar que exista o
desenvolvimento pleno dos indivíduos. Em suma, não há, e
provavelmente, nunca houve: Liberdade, Igualdade, nem
Fraternidade.
Com relação a Condorcet, brilhante, inspirador e
lutador, sabemos que morreu de modo obscuro em um calabouço
jacobino em 1794.
Freinet, inspirador da Pedagogia Institucional,
conforme demonstramos, percebeu as "fraquezas" do sistema
educacional público francês, e ele, conforme ressaltamos acima, foi
exonerado a bem do serviço público, quando começou a praticar
suas "novas" técnicas de ensino como professor, e ainda, viu sua
escola destruída depois da II Guerra.
Foucault, que tão bem denunciou a sutileza do poder,
inclusive nas instituições escolares, tentou várias vezes o suicídio,
gostava do álcool e morreu de AIDS, na época doença que
corroborava com o preconceito aos homossexuais, chamado "grupo
de risco" e, por ironia do destino, foi um discípulo de seu pai – que
tanto gostaria de tê-lo visto médico – que descobriu o vírus da
AIDS, apenas dois anos antes da morte de Foucault: o cientista
Luc Montagnier que fora aluno /discípulo do Dr. Paul Foucault.
Bourdieu, mais do que lúcido sociólogo, de acordo com
estudos de Sergio Miceli, grande estudioso do teórico francês,
apresenta-nos um Bourdieu que viveu intensamente a sua obra.
Ou seja, escreveu sobre tópicos que se referiam à sua vida como
pessoa inserida em um mundo social excludente: o professor
normalista, o iniciante sociólogo, o trabalho do vilarejo natal de

117
Béarn e na Argélia, o nascimento em uma família modesta no
meio rural provinciano diante da burguesia parisiense.
Para Miceli (2005), Bourdieu teve como companhia a
relação entre a sua origem e os espaços sociais que o vieram aceitar
tais como o Collège de France, em 1981, que obrigaram-no a
sociologizar a própria vida e, muitas vezes, sentir-se desprezado por
seus pares. Ou seja, Bourdieu viveu cindido entre o "ser professor
do meio rural" e o "brilhante e badalado sociólogo da sociedade
francesa".
Assim, no auge dos anos 60, Bourdieu foi ousado e,
conforme apresentamos acima, destruiu a imagem do sistema
educacional, especialmente o francês que ele conhecera tão bem.
Por isso inclusive, sentiu-se muitas vezes ansioso pela possibilidade
de ficar isolado e abandonado, tanto pelos seus parentes como
pelos seus pares.
Infelizmente, todos estes homens – Condorcet, Freinet,
Foucault, Bourdieu – que tentaram mostrar as questões mais
graves que constituíam e ainda constituem o sistema educacional
francês, tiveram um preço a pagar.
Nós, neste artigo, unimo-nos, mui humildemente a eles,
pois sabemos que a conjuntura atual do Estado francês não é mais
a do "Estado de Bem-Estar Social" devido ao número elevadíssimo
de imigrantes que recebe, especialmente, advindos de suas ex-
colônias, e tal situação, fez com que, sempre do nosso modesto
ponto de vista, o sistema educacional francês na Bienal fosse
representado por uma 'explosão' de falas 'desorientadas' em e uma
disposição "teatral" – em termos dos cenários usados e de seus
respectivos atores - que ainda busca uma identidade na escola laica
e republicana até pouco tempo também sustentada, ainda que em
nível da representação e não do "ser", na França enquanto Estado
Nacional.
Dito de outro modo, a escola pública laica francesa,
nascida da queda da Bastilha, percebe, dentre outros fatos, que no
mundo muçulmano, o poder temporal e espiritual estão nas mãos
da mesma pessoa, e que os seguidores do Corão têm uma relação

118
com o sistema educacional francês e dos demais países da União
Européia, que precisa ser vista, compreendida e mediada;
NUNCA, ignorada.
Ou seja, faz-se o momento de perceber que muitos
destes "outros", hoje que se confundem e se misturam ao grupo de
imigrantes, clandestinos, ilegais, oriundos de ex-colônias européias
não são tão "outros" assim; são parte de uma União Européia,
atores da mesma história - ainda que em posições antagônicas e
que juntos compuseram o monoteísmo e puseram fim ao
politeísmo das civilizações antigas: gregos, romanos, egípcios,
dentre outros.
Em suma, a França tem que reconhecer esta falência do
seu, antes, todo poderoso Estado de Bem-Estar Social e de uma
representação de sistema educacional modelo para o mundo. Ela
precisa ouvir seus próprios pensadores, e ainda muitos outros de
outros países. E é neste sentido do reconhecimento da falência que
consideramos que a França entra num processo de
"brasilianização", pois, nós, em nosso país, salvo alguns discursos
eleitoreiros, já percebemos nossa ineficácia no sentido de uma
educação publica, universal e gratuita.

Referências

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democráticos da escola pública, laica e gratuita: o relatório de
Condorcet" in Educação e Sociedade. v.24, set. 2003, vol. 24,
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119
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120
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XIX, n. 693, Opinião.
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Resume dês contribuitions. Lyon, lês 11, 12, 13 et 14 avril 2006.
Sítio da Associação Brasileira para Divulgação, Estudos e
Pesquisas de Pedagogia Freinet (ABDEPPF). Fonte:
http://www.abdeppfreinet.com.br/ Acessado em 23 de abril de
2006.
Capítulo I da série televisiva "A Escola na França", exibido em rede
nacional no dia 13 de abril deste ano, TF2.

Nilce da Silva - Faculdade de Educação da Universidade de São


Paulo. Endereço residencial: Rua Antonieta Leitão, n. 209. Ap.
12. Freguesia do Ó. São Paulo. SP. CEP: 02925-160.
Endereço eletrônico: nilce@usp.br

Recebido em: 12/06/2007


Aceito em: 15/11/2007

121
.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
O CONHECIMENTO EM DESENHO DAS
ESCOLAS PRIMÁRIAS IMPERIAIS
BRASILEIRAS: O LIVRO DE DESENHO DE
ABÍLIO CÉSAR BORGES1
Gláucia Trinchão

Resumo
O conhecimento em Desenho, que chegou aos alunos das escolas
primárias públicas brasileiras no final do século XIX, foi analisado
através do livro de Desenho de Abílio César Borges, o Barão de
Macaúbas. A obra, como suporte de memória, preservou o processo
de construção do conhecimento acadêmico, o processo de
transposição do saber científico, do professor/autor, ao saber escolar
e, ao materializá-lo em suas páginas, socializou as ações didáticas do
educador e os conteúdos selecionados. O livro "Desenho linear de
elementos de Geometria prática popular: seguido de lições de
agrimensura, stereometria e architectura" - "Primeira Parte", editado
em 1882, representa a segunda edição compilada da primeira versão
publicada em 1878. A primeira se destinava às escolas primárias,
normais, liceus, colégios, cursos de adultos, artistas e operários da
indústria. A segunda representa o substrato da primeira, destinada às
escolas primárias do Império brasileiro.
Palavras-chave: Ensino de Desenho; Didática do Desenho;
Transposição Didática; Livro Didático.

THE KNOWLEDGE ABOUT DRAWING IN THE


BRAZILIAN IMPERIALIST PRIMARY SCHOOLS: ABÍLIO
CÉSAR BORGES'S DRAWING BOOK
Abstract
The knowledge in Drawing, that arrived at the pupils of the primary
schools public Brazilians, in the ending of century XIX, was analyzed
through the book of Drawing of Abílio Cesar Borges, the Baron of
Macaúbas. The workmanship, as memory support, preserved the
process of construction of the academic knowledge, the process of
transposition of knowing scientific to knowing school, when
materializing it in your pages, socialized the didactic actions of the

1
O presente artigo é uma versão ampliada e melhorada do artigo que foi
apresentado no 12o Encontro Rio Grandense de Pesqusadores em História da
Educação - ASPHE em 2006.
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
educator and the selected contents to be taught. The book "linear
Drawing of elements of popular practical Geometry: followed of
lessons of agrimensura, stereometry and architecture" - "First Part",
edited in 1882, represents the second compiled edition of the first
version published in 1878. The first destined to the primary and
normal schools, secondary school and colleges, the courses of adults
and for artists and laborers of any branch of the industry. The second
represents the substratum of the first workmanship, destined only to
the primary schools of the Brazilian Empire.
Keywords: Education of Drawing; Didactics of the Drawing;
Didactic transposition; Didactic book.

EL CONOCIMIENTO EN DIBUJO DE LAS ESCUELAS


PRIMARIAS IMPERIALES BRASILEÑAS: EL LIBRO DE
DIBUJO DE ABÍLIO CÉSAR BORGES
Resumen
El conocimiento en Dibujo, que llegó a los alumnos de las escuelas
primarias públicas brasileñas en el final del siglo XIX, fue analizado a
través del libro de Dibujo de Abílio César Borges, el Barón de
Macaúbas. La obra, como soporte de memoria, preservó el proceso de
construcción del conocimiento académico, el proceso de
transposición del saber científico, del profesor/autor, al saber escolar
y, al materializarlo en sus páginas, socializó las acciones didácticas del
educador y los contenidos seleccionados. El libro "Dibujo linear de
elementos de Geometría práctica popular: seguido de lecciones de
agrimensura, estereometría y arquitectura" - "Primera Parte", editado
en 1882, representa la segunda edición compilada de la primera
versión publicada en 1878. La primera se destinaba a las escuelas
primarias, normales, liceos, colegios, cursos de adultos, artistas y
operarios de la industria. La segunda representa el substrato de la
primera, destinada a las escuelas primarias del Imperio brasileño.
Palabras-clave: Enseñanza de Dibujo; Didáctica del Dibujo;
Transposición Didáctica; Libro Didáctico.

124
Introdução

Neste artigo o conhecimento em Desenho, que chegou


aos alunos das escolas primárias públicas brasileiras, nas décadas
finais do século XIX, foi analisado através do livro didático de
Desenho de autoria do educador e inspetor de instrução baiano
Abílio César Borges2. O Desenho está aqui compreendido
enquanto campo de conhecimento3 e linguagem e o livro didático
como suporte de memória, documento da história do
conhecimento, aqui o de Desenho, e base empírica para essa
pesquisa. Este artigo mostra como o conhecimento em Desenho
chegou aos alunos das escolas primárias imperiais, como ocorreu o

2
Nascido na Vila de Minas do Rio de Contas na Bahia – 9/ 9/824 e falecido -
17/1/891 no Rio de Janeiro, Dr. Abílio César Borges era médico, contudo, sua
maior contribuição ao país foi como educador. Em 1856, foi nomeado para
diretor da Instrução Pública na Bahia. Fundou em 1857 o Ginásio Baiano. Em
1870, fundou o Colégio Abílio. Foi membro no Rio de Janeiro, do
Conservatório Dramático, foi sócio efetivo do IHGB e do Conselho Diretor de
Instrução do Município da Corte. Em Salvador, foi presidente da Sociedade
Libertadora Sete de Setembro, que publicou o jornal O Abolicionista.
Correspondente das Sociedades Geográficas de Paris, de Bruxelas e de Buenos
Aires, da Sociedade dos Amigos da instrução Popular de Montevidéo, da
Sociedade Parisiense para o desenvolvimento da instrução primária, fundador da
Sociedade Propagadora da instrução do Rio de Janeiro, do Colégio Abílio, da
Corte e do de Barbacena. Ver BORGES, 1882
3
Segundo Conne (1996, p. 245 - 247), conhecimento e saber são ordens
distintas regidas por processos distintos. O entendimento do conhecimento se
aproxima da forma, do geral e da situação de ação, e o entendimento do saber se
aproxima do conteúdo, do específico e do conhecimento útil, utilizável, a utilizar.
O trato do conhecimento pode ser de duas maneiras: para estudá-lo - e aí será
feito pelas Ciências Cognitiva que procura respostas na psicologia da inteligência;
ou para transformá-lo – e aí entra em jogo os mecanismos de Ensino – ensinar
como forma de trabalhar o saber. Porém, tanto o estudo do conhecimento
quanto o do ensino se fazem a partir de uma transposição de saberes - Didática.
O estudo do conhecimento procede de uma transposição de saber. São estes
saberes que controlam e organizam as aulas e a forma como elas são desenvolvidos.

125
processo de transferência do conhecimento acadêmico ao saber
escolar e quais os conteúdos selecionados que estão materializados
nos materiais didáticos, dentre eles, os programas e livros
didáticos. Os estudos científicos abordam o tema do livro didático
voltado para tópicos que envolvem questões de ordem política,
econômica, de uso, além de histórico e de análise de seu conteúdo.
O estudo sobre o Livro de Abílio César Borges filia-se à vertente
histórica que visa identificar os saberes ensinados e os usos dos
manuais ou compêndios. Busca identificar o conteúdo, os
conceitos e concepções e modos de compreensão do Desenho e
como esse campo de conhecimento foi ensinado e difundido.
O autor/professor, também chamado de Barão de
Macaúbas, era médico, mas, contudo, sua maior contribuição ao
país foi como educador. Em 1856, foi nomeado para diretor da
Instrução Pública na Bahia, onde fundou em 1857 o Ginásio
Baiano e, em 1870, fundou o Colégio Abílio. A obra, o livro
didático intitulado "Desenho linear de elementos de Geometria
prática popular: seguido de lições de agrimensura stereometria e
architectura" - "Primeira Parte", foi editada em 1882. Desenho
linear, ou desenho geométrico, "é a arte de representar por meio de
linhas os contornos das superfícies e dos corpos" das superfícies
planas – formas planas - ou no espaço – formas dos corpos sólidos,
define Borges (1882, p.5). O exemplar estudado representa a
segunda edição compilada da primeira versão publicada em 1878,
porém foi possível ter acesso ao exemplar editado em 1938, cujo
corpo do livro contém as mesmas informações e distribuição de
conteúdo da sua versão de 1878, variando apenas no tamanho e
apresentando-se um pouco maior. Enquanto a primeira edição se
destinava às escolas primárias e normais, nos liceus e colégios, nos
cursos de adultos e por artistas e operários de qualquer ramo da
indústria na corte, a segunda versão, aqui em estudo, representa o
substrato da primeira obra e, segundo o próprio autor, foi
destinada apenas às escolas primárias da Corte e de todo o Império
brasileiro. A investigação se dá na segunda edição dessa obra e tem
como partida a transposição do saber sábio – o saber científico do

126
professor/autor Abílio -, ao saber a ensinar – o saber escolar – que
está materializada e socializada em seu livro. Como suporte de
memória, este livro preservou o processo de construção do
conhecimento acadêmico em Desenho e o processo de
transposição dos saberes, ao materializá-lo em tuas páginas,
socializou as ações didáticas do educador e os conteúdos
selecionados a ser ensinado.
Acredita-se na inevitabilidade da necessidade de
manipulação do saber a ser ensinado, como uma forma de
didatização do conhecimento científico que se quer fazer ser
compreendido e apreendido pelo aluno. Assim como, que a
transposição suscita a recriação, insinua o trabalho com o novo ou
a renovação e o novo recria e insere no novo contexto o conteúdo
a ser ensinado - a didatização. Na manipulação dos saberes,
reforça Astolf (2002, p.1061) a evolução tecnológica, as políticas
educacionais nacionais e internacionais e a dinâmica da economia,
suscitam renovações que buscam, por um lado se aproximar do
saber científico e, do outro, a legitimação do saber escolar
(diferenciando do saber familiar), "a introdução do novo não
conduz jamais a uma tabula rasa [...] eles persistem em criar o
ensinável". Esses pressupostos vêm de uma teoria criada para o
campo da Didática da Matemática, área a fim ao campo do
Desenho, a Transposição Didática. Criada pelo francês Yves
Chevallard(2000), em 1982, a Transposição Didática compreende
dois tipos de manipulação do saber escolar: a lato sensu, que se
refere ao estudo científico do processo de transposição
representada pelo esquema: Objeto de Saber - Objeto a Ensinar -
Objeto de Ensino; e a stricto sensu, que se refere ao processo de
transformação de um conteúdo de saber específico em uma versão
didática desse objeto de saber - o qual eu denominei de rito de
passagem que conduz o Saber a Ensinar - para o Saber Ensinado.

127
Parte-se do princípio que a produção bibliográfica faz
parte da praxe4 acadêmica sendo uma forma de Rito de Passagem,
nos mesmos moldes de qualquer ritual que assinalam a transição
de um indivíduo de uma categoria ou estatuto para outro. Esses
rituais acadêmicos estão registrados nos livros que, por sua vez,
expressam os saberes e os indicativos dos programas de ensino. Os
conteúdos dos textos didáticos, portanto, constituem o saber sábio,
compondo-se de conteúdos que devem ser ensináveis e avaliáveis.
O saber é colocado em um programa, indicando aquilo que o
aluno precisa saber, aquilo que é importante e necessário que ele
saiba. Os manuais didáticos materializam esses conteúdos
escolhidos do saber sábio. Segundo Perreli (1996, p. 70), com
base nos estudos de Arsac, são saberes ensináveis e explicitáveis de
forma que os alunos possam aprender e permitindo, outras
definições, características, funções e propriedades a serem
controlados pelos pais, professores e instituições bem como pelos
alunos.
A análise do rito de passagem do saber em Desenho do
saber sábio/científico ao escolar, considerando que cada
professor/autor detêm um saber fruto de seus estudos e pesquisas
sobre sua disciplina, consolida a idéia de que os conteúdos
escolares têm origem em saberes científico de outra natureza, que
por sua vez, legitimam as disciplinas escolares.
Para a analise do rito de passagem expresso no livro
didático de Abílio César Borges a 'Obra' foi investigada nos
aspectos quantitativo, de apresentação e ilustrações. Já sobre o
'Autor', a análise se deu nos aspectos construção do saber e
conteúdo. Os 'Itens', capa, índice, prefácio, nota introdutória,
cartas enviadas ao autor, dedicatórias, citação ou referencias,
bibliografia citada e notas do editor formaram o lócus das
informações necessárias à análise do autor e da obra. Além desses,

4
"Aquilo que habitualmente se faz; costume, prática, rotina. Ser a norma e,
procedimento correto, ação, realização. Ver Dicionário Houaiss da Língua
portuguesa, p. 2278.

128
foram observados as imagens e modo de descrição, os exercícios,
sugestões de trabalho e comentários, lista de materiais para a
execução dos exercícios e trabalhos, gradação e encaminhamento
dos exercícios, comentários pessoais e entendimento dos processos
didáticos. Assim como, as falas que indicam o destino do livro – se
para professor, aluno ou ambos.

O Livro Didático como Suporte de Memória Escolar

Enquanto suporte de memória, o livro didático de


Desenho de Abílio César Borges se transformou em documento da
história dessa disciplina, principalmente, da história da memória
da cultura e do saber escolar, pois registra em suas páginas o que
foi selecionado por quem o elaborou, mas tem um só fim, como
salienta Oliveira (1986, p. 13-14), o de "ensinar e instruir" e "à
transmissão de experiências". Educadores, pesquisadores e
historiadores, em busca de vestígios do devir da humanidade,
lançam mão de materiais escolares como documentos e trazem
para o presente indícios do passado. O trato do Livro Didático,
livro-texto ou livro de texto, livro escolar, livro de leitura em classe
ou livro de classe, manual escolar e compêndio ou compendio
escolar, como objeto de investigação o coloca como um vestígio
material do saber que registra a História do Conhecimento e
registra os vestígios dos processos de manipulação do saber, aqui,
em Desenho.
O livro didático como fragmento que persiste no tempo
representa o que sobrevive e o fragmento, segundo Legoff (1994,
p.95), "não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma
escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento
temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à
ciência do passado e do tempo que passa, os historiados". Porém,
nesse caminho, o agravante de um livro perdurar no tempo por
interesse comercial, conforme explica Choppin (2002, p. 21),
reside "na sua longevidade" e "imobiliza efetivamente a realidade" e

129
a "lógica econômica não faz mais que acrescentar a diferença
inerente a todo manual entre o saber sabido e o saber ensinado,
entre a realidade social e a imagem que é apresentada".
Salientasse, que o livro pode perdurar em seu uso também por
falta de interesse por um determinado campo de conhecimento,
como no caso do Desenho, cuja produção e inovação de seu
conteúdo, até o presente momento, se apresenta com uma
evolução lentíssima e de métodos e modelos repetitivos. O livro de
Abílio César Borges lançado nas décadas finais do século de XIX,
sobreviveu com organização e conteúdo intactos até a década de
quarenta do século XX, sem que fosse modificada uma linha se
quer. A terceira edição dessa mesma obra pode ser encontrada na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com data de publicação
para 1946.
O livro didático como suporte de memória coletiva e
visual materializam, registram, socializam e congelam no tempo,
as praxes acadêmicas, entendidas como as ações educativas, os
saberes ou os saberes a serem aplicados em sala de aula, e
registram o rito de passagem na manipulação transpositiva dos
saberes, ou seja, o conjunto das práticas didáticas realizadas
durante a transposição de saberes com o objetivo de assegurar
certo controle sobre o público.

O Rito de Passagem na praxe Acadêmica

A análise segue na elaboração do Stricto Sensu, investiga


a manipulação dos saberes em Desenho no rito de passagem do
saber científico adquirido por Abílio César Borges ao saber escolar,
a partir de sua materialização e socialização no, e através, do seu
livro didático sobre Desenho Linear. Considero a
representatividade desse livro enquanto objeto que materializa,
socializa e registra as transformações do conhecimento do autor do
âmbito da pesquisa científica, identificada aqui pelos seus
interlocutores, para a sala de aula, e o Rito de Passagem que se

130
transforma em objeto de estudo da Transposição Didática em
Desenho - compreende os motivos, as etapas, as ações, os modos
das transformações do saber restrito ao âmbito dos especialistas
autores e pesquisadores em Desenho, assim como, as etapas e fases
de saberes selecionados e dosados de acordo com o grau de ensino.
Na fala do 'Autor' registrada através da introdução e do
prólogo, e as cartas de professores, identifica-se a Construção do
saber: sua formação acadêmica, seus interlocutores, a que curso foi
destinado à obra, e se houve outras produções e áreas de aplicação.
As leis, os pareceres, as portarias oficiais, ajudam na analise do
Conteúdo: na compreensão da disciplina, na observação dos
métodos indicados, na identificação da lógica dos conceitos
adotados, na formação das concepções e propostas.
O rito de passagem - processo de transformação do
conteúdo de saber específico de Abílio César Borges em uma
versão didática desse objeto de saber, está aqui dividido em duas
etapas: 1 - a passagem cuja transformação é externa à sala de aula:
do Saber Científico a um Saber a Ensinar, vem organizada a
partir de suas anotações e diálogos travados com seus
interlocutores acadêmicos sobre o ensino do Desenho nas escolas
imperiais. Esse diálogo é de responsabilidade da esfera de onde se
pensa o funcionamento didático, a Noosfera5. E envolve o
conhecimento dos colegas e profissionais universitários,
pesquisadores e o profissional de educação, aqui no caso o
professor/autor, entre outros, apresentam em suas práticas
pedagógicas, na seleção de conteúdos e materiais didáticos
relacionados com a educação, logo o ambiente onde se opera a
didatização6 dos conhecimentos científicos. 2 - a que conduz do

5
A Noosfera se constitui no conjunto de pessoas e grupos que têm a função de
assegurar, de forma mais geral, a interface, a relação entre o sistema de ensino e a
sociedade global e caracteriza-se pelo ambiente onde se opera a didatização dos
conhecimentos científicos (Perrelli, 1996).
6
A didatização do saber "provoca construções novas decorrente de pressões de
natureza bem diferentes daquelas da pesquisa. Na escola, as condições concretas

131
Saber a Ensinar para o Saber Ensinado, em que a manipulação é
interna à sala de aula, e é de responsabilidade do professor. Para
isso, o saber que, na primeira fase, foi colocado em um programa e
que indica aquilo que o aluno precisa saber, aquilo que é
importante e necessário que ele saiba, na segunda fase, será
expresso nas práticas pedagógicas e nos materiais didáticos, aqui
no caso os livros didáticos de Desenho que foram usados em sala
de aula, estes por sua vez, materializaram e socializaram os
conteúdos pré-escolhidos do saber científico.
Na primeira etapa da análise do rito de passagem,
observo que em seu livro Abílio não apresenta a bibliografia
utilizada para construí-lo ou elaborá-lo, mas, "no intuito de
comunicar a todos minha[sua] convicção de que o desenho
geométrico" é uma "disciplina facil de ensinar e aprender", além da
sua "incontestável necessidade para os progressos as nações
civilizadas, grandes e pequenas", Abílio transladou para a
Introdução da 1a edição do seu livro "algumas das notas" tomadas
nas suas leituras "sobre este interessante conhecimento". Essa
introdução, por sua vez, foi inserida na segunda edição como meio
de fortalecer tuas convicções. Suas concepções refletem
claramente a sua admiração pela "lições das cousas".
Abílio defende que "o ensino do desenho geométrico
póde e deve começar ao mesmo tempo em que o da escripta". Para
ele, é tão fácil traçar as figuras geométricas quanto as letras do
alfabeto, por isso os alunos devem saber tanto de desenho como de
escrita, "isto é, escrever uma idéia ou um objeto por meio de linhas
e sombras" pois "o desenho é uma escripta não abstracta". No que
se refere à escola, essa não deve estar preocupada em formar
artistas ou industriais ao ensinar o desenho, assim como, não se
preocupar em formar calígrafos, literatos e sábios. Portanto os
meninos deveriam aprender "a ler" e "escrever" um Desenho, ou

de ensino vão determinar a colocação dos saberes em contextos que não tem
como 'a priori' a fidelidade a sua construção pelo pesquisador", destaca Perrelli
(1996, p. 66).

132
seja, "reproduzir os caracteres que reunidos exprimem um objeto,
como escrevem uma palavra por meio das letras do alphabeto".
Adepto do método intuitivo e das lições de coisas, defende a
proscrição dos métodos usados na época de copia mecânica de
modelos, como meio indispensável de se obter bons resultados, e
propõe a substituição "por uma copia inteligente, que leva pouco a
pouco o discipulo a exprimir suas proprias idéias". Então, explica
como seria esse novo processo: "se executar em grande no quadro
preto os traços das figura", de forma que os alunos vejam como são
traçadas previamente pelo professor. Assim, o aluno perceberá o
desenvolvimento do modelo (BORGES, 1882, Introdução, p.VI)
O autor chama a atenção para as palavras de um dos
seus interlocutores, o pedagogista Oriental Dr. Jacobo Varela,
extraídas da sua dissertação lida no Congresso Pedagógico de
Buenos Aires: "A geometria dá á mente do alumno um elevado
conceito da applicabilidade das theorias scientíficas,
ancaminhando-a e habilitando-a á raciocinação methodica e
lógica, desapaixonada e tranqüila, que conduz a um effeito
útil"(BORGES, 1882, Prólogo, s.n)
Do professor de Desenho de máquinas da Escola
polytechnica de Paris, M. Tronquoy, Abílio tira a crença em sua
utilidade e, que o desenho deveria "fazer parte do ensino público
em todos os gráos" e, diante da crescente exigência da industria, do
progresso das maquinas e "das artes que teem connexão com as
sciencias mathematicas, o conhecimento do desenho geométrico" é
indispensável ao engenheiro, ao arquiteto, aos artistas e ao
operário e "é útil pelo menos ao homem do mundo, que não quer
ser completamente estranho ao desenvolvimento industrial de seu
tempo" (BORGES, 1882, Introdução, p. VI)
Já do M. Philbrick, superintendente de ensino em
Boston, em um relatório de 1874, Abílio apreende a concepção de
que "a natureza, o fim e a utilidade do desenho, como um ramo da
educação, ainda são muito imperfeitamente compreendidos e
apreciados neste pais". Segue dizendo que se tem feito esforços
para espalhar esse conhecimento porque se começa a considerá-lo

133
enquanto "ramo essencial da educação geral em todos os gráos, e
como a base de toda instrução technica ou industrial". Geralmente
o Desenho é visto "como uma arte de prazer, de medíocre utilidade
prática, permitida somente aos estudantes a quem resta algum
tempo de uma instrução suficiente nas cousas mais úteis".
Começa-se a perceber que o Desenho é útil para todos os ramos do
trabalho e se constitui em "uma linguagem mais própria a
representar aos olhos os objetos do que o fariam as palavras" além
disso, "é o melhor meio de desenvolver a faculdade da observação,
e de crear o gosto pelo bello na natureza e nas obras d´arte". Para
esse interlocutor do Abílio, o desenho também é uma linguagem
importante para o arquiteto, o gravador, o escultor, o mecânico e
os operários. "emfim dá ao olho e á mão uma educação de que
todos teem necessidade" (BORGES, 1882, Introdução, p.VII).
M. Philbrick, por sua vez, se inspira nas concepções de Pestalozzi,
que defende a idéia do desenho como "um auxiliar muito útil para
se ensinar a escripta" e um auxiliar aos professores como um meio
excelente "de tornar suas lições mais claras" e como um facilitador
"o estudo das outras meterias" (BORGES, 1882, Introdução,
p.VII).
Com base em M. Walter Smith, Abílio insiste na
"conveniência de encarregar os professores ordinários das lições do
desenho, negando, portanto a idéia de que "era preciso ser artista
para ensinar o desenho". Compreende o desenho como linguagem
pela qual o homem exprime suas idéias por meio de linhas,
sombras e cores, do mesmo modo que às exprimem por meio de
palavras e frases. E acrescenta ainda que o desenho é na verdade
"uma língua; língua da forma, tendo somente duas letras – a linha
recta e a linha curva – que se combinam como se combinam os
caracteres alphabéticos nas palavras escriptas". E no seguimento de
suas explicações M. Walter Smith coloca que "o desenho e a
escripta procedem da mesma faculdade, a faculdade da imitação; e
o desenho, mais simples em seus elementos do que a escripta, é
por isso mesmo de uma aquisição mais fácil". Segundo Smith,
estudos vêm destacando que "toda pessoa que aprende a escripta

134
póde aprender o desenho; e que os dous conhecimentos se prestam
mutuo apoio: - o sucesso em uma é indicação certa do sucesso da
outra". Para Smith, a única forma de se difundir a instrução no
Desenho industrial é "estender sua influencia sobre todos os
productos, é ensinar o desenho elementar a todos os meninos sem
excepção". Para aperfeiçoar o gosto em uma determinada cultura é
necessário "desenvolver o amor do bello no espírito da infância".
Além disso, Smith vê o Desenho Geométrico como "a única base
verdadeira do desenho artístico ou industrial" (BORGES, 1882,
Introdução, p.VII).
Essas idéias são defendidas também pelo Presidente do
Board of directors da cidade de S. Luiz, nos Estados-Unidos da
América do Norte, M. Thomaz Richeson, quando diz para se fazer
uma revolução nas manufaturas do país e elevar "de modo notável
o valor dos productos nacionaes", é preciso considerar "a educação
do olho e da mão" e o "desenvolvimento do gosto pelo habito do
desenho". Esse deve ser "adquirido desde as primeiras idades nos
jardins da infância" e "completados pelo ensino do desenho
elementar nas escolas do primeiro gráo, e do desenho industrial
nas escolas do segundo" (BORGES, 1882, Introdução, p.X).
Nas palavras de M. Bouisson, registradas em relatório
apresentado ao governo francês à respeito da exposição universal
de Philadelphia, sobre a utilidade do ensino do desenho e sua
difusão na França, é preciso fecundar um ensino primário bem
concebido e "não basta possuir excelentes professores especiaes de
desenho", nem "possuir bons cursos e boas escolas", além disso, "é
necessario que todos os preceptores e todas as preceptoras estejam
habilitados a dar a toda a população escolar o primeiro ensino do
desenho", enfatizando assim a necessidade do ensino do Desenho
nas escolas primarias. É preciso dedicação ao ensino do desenho "e
retemperar suas forças produtivas nas fontes da arte". E com o
"ensino geral da arte do desenho, abrem-se duas estradas: uma,
que favorece o desenvolvimento do gosto e da habilidade artística,
e outra, que torna o povo capaz de apreciar o bello em suas formas
diversas". Desse modo, se criaria "a oferta e a procura - o público

135
que julga e o artista que produz" (BORGES, 1882, Introdução,
p. XI). Os interlocutores de Abílio César Borges apostam na
importância do Desenho tanto para o desenvolvimento das
faculdades humanas, quanto para o progresso industrial de um
país.

Análise do Livro Didático de Desenho de Abílio César


Borges

O pensamento que conduziu ao plano da edição do


primeiro livro Geometria Prática Popular Abílio César Borges,
teve como iniciativa "servir a difusão do ensino do desenho
geometrico" e assim, difundir as "noções geraes das sciencias e
artes que a ele se prendem" como a "cosmographia, a agrimensura,
a stereometria e a architectura". Para isso o autor fez uma
distribuição "methodica e gradualmente" dos materiais de forma
que esse ficasse ao alcance das escolas primárias e normais, dos
liceus e colégios, e de industriais, comerciantes, lavradores,
operários com ou sem instrução completa. Dessa forma, o autor
dedica a primeira parte aos dois primeiros anos da instrução
primária e, a segunda e os dois primeiros capítulos da terceira
parte ao terceiro e quarto anos da mesma instrução. Por isso, à
segunda edição ficou destinado à socialização de parte do
conhecimento em desenho: noções preliminares, uso dos
instrumentos, posição das linhas retas, ângulos, polígonos,
triângulos, quadriláteros, figuras formadas por linhas curvas,
sólidos, poliedros – sólidos de arestas e redondos.
Na segunda edição, Abílio tem a preocupação em
conceitua e definir cada forma geométrica e seus componente,
apresentando graficamente suas imagens e identificando seus
elementos, sem apresentar descritivamente o processo de
construção de cada uma delas. Todos os exercícios são em forma
de questões e as respostas são verbais e não gráficas. São questões
como "o que é corpo, ou sólido polyedo?", "o que é recta

136
perpendicular?" E "o que é ponto de convergência?". Em apenas
uma nota de roda pé, Abílio (1882,p.87) destaca que "o professor
deve possuir em cartão os desenvolvimentos dos diferentes sólidos",
como meio de se fazer compreendido pelos discípulos ao ensinar a
parte do conhecimento em desenho que refere aos sólidos
geométricos. Acrescenta ainda que "sem taes modelos, é quase
impossivel aos meninos a comprehensão dos desenvolvimentos dos
sólidos". Porém, em nenhum momento o autor faz referencia á
relação do Desenho com os demais campos de conhecimento os
quais o título de seu livro se refere como a cosmographia, a
agrimensura, a stereometria e a architectura. Apenas adverte que
"no ensino da geographia considera-se a superfície da esphera
terrestre desenvolvida em dous circulos planos, que tomam o nome
de mappa-mundi. Esses dous circulos são chamados de
hemisphéricos" (BORGES, 1882, p. 88).
O seu saber científico sobre o Desenho foi organizado
em seu livro em "marcha naturalmente progressiva, procedendo
passo a passo, subindo docemente, como por degráos insensíveis,
das idéias mais simples ás mais complicadas e usando de uma
linguagem calculadamente concisa, singela e clara" (BORGES,
1882, Introdução, p.XII). Para Abílio César Borges, o Desenho
tinha uma importância fundamental na instrução, principalmente
a primaria. Era tão importante quanto qualquer outra disciplina,
mais fácil de aprender, utilíssimo, "porque esclarece e dá tempera
ao espírito sem fatigá-lo, enriquecendo-o com numerosissimas
idéias exactas e constante applicação prática", desperta a "faculdade
da observação, e, portanto o gosto de aprender" (BORGES,
1882, Introdução, p. II).
O autor alega "as vantagens colhidas" pelos seus alunos,
mesmo os analfabetos graficamente, ou seja, os analfabetos do
estudo do Desenho, como responsáveis pela sua vontade de
difundir esse conhecimento pelo Brasil, chegando a definir o
sucesso de teus discípulos como a "razão principal do
apparecimento do presente livro". Além disso, Abílio tem
consciência de que o ensino do Desenho Linear, apesar de estar

137
consignado nos regulamentos da instrução pública de quase todas
as Províncias do Império, não é ministrado "na generalidade das
escolas" ou não alcança o efeito desejado, seja pela falta de
habilitação dos professores, "seja porque aos habilitados falece a
dedicação e o convencimento da importância de semelhante
ensino", ou seja, principalmente, por "carência nas escolas de
compêndios apropriados e em profusão" (BORGES, 1882,
Introdução, p. III).
A primeira edição completa do seu compendio, -
"Desenho linear de elementos de Geometria prática popular:
seguido de lições de agrimensura stereometria e architectura" –, foi
publicada em 1878, e teve como uma das forças motrizes à
"convicção" da importância "da geometria para o desenvolvimento
e para a tempera da intelligencia". Essa primeira edição foi
elaborada para ser utilizada nas escolas primárias e normais, nos
liceus e colégios, nos cursos de adultos e por artistas e operários de
qualquer ramo da indústria na Côrte e nas demais províncias do
Império. Porém, para atender "às sensatas observações de muitos
professores, e de alguns Collegas educadores e Inspetores de
instrução", sobre ser o seu "compendio de Geometria Popular
extenso demais para ter a conveniente applicação no geral das
escolas", o autor lançou, em 1882, a segunda edição com o sub
titulo de "Perimira Parte". Movido pela mesma força o autor reduz
o conteúdo de sua obra já que, para seus colegas, "só poderia ser
regularmente utilizadas a primeira metade della", nas escolas
primárias. Segundo informa o próprio autor no prólogo de sua
obra, a segunda edição foi destinada apenas às escolas "primárias
de todos os grãos" e "nas escolas das mais longínquas e menos
favorecidas aldeias" do Império (BORGES, Prólogo,1882, s.n).
Abílio insere também nessa segunda edição a
"Introdução da Primeira Edição", alegando que é para dar "mais
desenvolvimento sobre as vantagens deste ensino, ainda com
meninos analphabetos". Em seu texto introdutório o autor deixa
claro que o livro foi fruto de sua experiência acadêmica, "produto
de uma convicção que data já cerca de vinte e dous anos isto é,

138
desde que comecei a estudar as questões relativas ao ensino da
mocidade". Convicção esta que veio crescendo e se fortalecendo
"com a própria experiência, e com o conhecimento das conquistas
feitas pela sciencia pedagógica nos paizes mais adiantados". Ainda
enquanto diretor Geral de Estudos da Província da Bahia, em
1856, Abílio organizou um projeto de lei para a reorganização do
ensino na província, a pedido do presidente Álvaro Tiberio de
Moncorvo e Lima, apresentado à Assembléia Legislativa. Nesse
projeto, Abílio consignava "a rehabilitação geral do professor
primário, a obrigação positiva do ensino de desenho linear ou
geométrico em todas as escolas publicas", nas cidades, vilas e
aldeias do Império. Suas convicções foram, em 1857, reforçadas
em seu relatório ao presidente da província, Sr. Cansansão do
Sinimbú, quando "discorre longamente sobre e conveniência de se
propagar pelo povo o ensino do desenho". Suas teorias e
convicções foram colocadas em prática quando diretor do
Gymnasio Bahiano e mais tarde do Colégio Abílio, ao dar ênfase
ao maior desenvolvimento ao desenho propriamente dito - o
Desenho Geométrico (BORGES, Introdução, 1882, p. I-II).
A segunda edição da obra de Abílio César Borges, aqui
analisada, foi publicada no ano de 1882, pela editora Typographia
e lithographia E. Guyot, em Bruxelas na Bélgica. O exemplar
analisado é uma produção individual e não traz referencia à
quantidade de exemplares que foram editorados e distribuídos. Foi
apresentada em suporte de formato retangular medindo 11cm X
17cm, com 88 paginas com textos e ilustrações práticas, e 13
páginas de "exercícios graphicos". Impresso em papel, suas
ilustrações acompanham todo o desenrolar do texto e são do tipo
litografadas, o que caracteriza, conforme André Rebouças
(BORGES, 1882, Cartas, p. XV), uma das grandes vantagens
desse livro "a riqueza em figuras bem regulares lithografadas". São
ilustrações de viés técnico - desenho com uso de instrumental na
modalidade de Desenho Geométrico -, em preto e branco e com
aplicações de fins decorativos e arquitetônicos, não há referências
sobre o autor das lustrações.

139
Figura 01 - Exercícios graphicos
O livro de Abílio traz 12 representações graphicas que são
modelos e exercícios a serem copiados pelos alunos.

Figura 02 - Exercícios aplicados


Desenhos das formas geométricas estudadas aplicadas à
representação de elementos de decoração e do cotidiano.

140
Figura 03 - Exercícios aplicados
Desenhos das formas geométricas estudadas aplicadas à
representação de elementos arquitetônicos.

O livro de Abílio, segundo Rebouças (BORGES, 1882,


Cartas, p.XV), é uma excelente propaganda do ensino do Desenho
e "ensina simultaneamente ao mestre e ao alumno". Segue
Rebouças, "as séries de perguntas e os quadros synopticos em
seguida a cada lição, mostrão claramente aos professores como
devem ensinar". Para dar reforço ao ensino, destaca Rebouças,
será necessário se buscar na França, nos Estados-Unidos, na
Suíça, na Bélgica, e na Alemanha series de modelos para
acompanhar todas as lições. O livro de Abílio é um verdadeiro
manual de desenho geométrico, salienta seu amigo José de Bessa e
Menezes, de Lisboa, ao relatar que um menino seu parente, de
posse do "livrinho" e munido dos devidos instrumentos foi capaz
de reproduzir, pelo processo indicado no livro, as figuras por ele
solicitadas, comprovando o brilhantismo no método adotado no
livro. Para Menezes, "O desenho linear é o ABC do belo" e todo
homem deve saber os três meios de comunicar idéias: falar,
escrever e desenhar (BORGES, 1882, Cartas, p. XXII).

141
Considerações Finais

Através do livro didático de Abílio César Borges, o


conhecimento em Desenho Linear foi socializado nas escolas
primárias públicas brasileiras, nas décadas finais do século XIX.
Como suporte de memória, por congelar o tempo e preservar em
suas páginas o que ali foi materializado, o seu livro se transformou
em documento da história do conhecimento em Desenho e desse
enquanto disciplina escolar, socializou o processo de construção e
transferência do conhecimento acadêmico ao saber escolar, os
conteúdos selecionados, os conceitos, as concepções, os modos de
compreensão do Desenho, as ações didáticas do educador e os
conteúdos selecionados.
Vários itens que formaram o lócus das informações para
analise do rito de passagem expresso na 'Obra', da construção do
saber e do conteúdo selecionado pelo 'Autor', foram investigados.
Mas, dentre eles, aqui se destaca o prólogo, a introdução e duas
cartas enviadas ao autor. O fato de ter dado voz ao autor, através
desses itens preliminares ao conteúdo propriamente dito, trouxe
conjecturas e criticas que permitiram, facilitaram e conduziram a
pesquisa à concepção, à estruturação e à configuração didática da
obra, informaram sobre o ritual de transposição e a satisfação ou
insatisfação do autor com o entendimento que se fazia do
Desenho na época, seus interlocutores e os métodos usados, já que
o autor não apresentou a bibliografia consultada.
A análise desses itens suscitou o entendimento do
processo de didatização do saber, da necessidade de se
'disciplinarizar' o saber abordado no campo científico de forma
integrada e reelaborá-lo ou recriá-lo em pequenas doses para se
fazer entendido e absorvido pelos alunos dos mais variados níveis
do conhecimento. Nesse sentido, a primeira edição completa do
seu Livro de Desenho Linear, publicada em 1878, cujo conteúdo
abrangia todos os níveis escolares (primário, normal, liceal e
colegial) e a formação profissional de adultos (artistas e operários
industriais), foi reduzido e direcionado apenas às escolas primárias,

142
pois o conteúdo era extenso demais para sua conveniente aplicação
no geral das escolas.
Abílio César Borges estabeleceu diálogos com estudiosos
do Desenho das mais variadas culturas como Oriente, Europa
(Portugal, França e Inglaterra) e América – do Norte (Estados
Unidos) e Latina (Brasil). Seus interlocutores apostavam na
importância do Desenho conhecimento e linguagem tanto para o
desenvolvimento das faculdades humanas, quanto para o progresso
industrial das nações civilizadas. Aperfeiçoando o gosto em uma
determinada cultura se promovia a revolução nas manufaturas,
elevaria o valor dos produtos e se criaria "a oferta e a procura - o
público que julga e o artista que produz".
Inspirados nas concepções de Pestalozzi, esses estudiosos
defendiam a vulgarização do ensino de Desenho pelo ensino
público em todos os graus, sem a pretensão de formar artistas ou
industriais, por este ser o melhor meio de desenvolver a faculdade
da observação, da criação e do gosto pelo belo desde a infância.
Através da educação do olho e da mão o Desenho seria um
facilitador tanto da escrita quanto da atuação profissional do
educador, ao tornar as lições mais claras e facilitar o estudo das
outras meterias. O aluno deveria saber 'ler' e 'escrever' uma idéia
ou um objeto por meio de linhas e sombras como quem lê e
escreve por meio das letras do alfabeto.
O Desenho era visto como uma linguagem útil para a
formação profissional (arquiteto, gravador, escultor, mecânico e
operário). Mas, o fenômeno que ainda hoje se observa nas escolas
brasileiras era também motivo de preocupação naquela época: não
havia a consciência da importância da natureza, do fim e da
utilidade do Desenho como um ramo da educação e base da
instrução técnica e industrial, ainda visto como uma arte de
prazer, permitida somente ao tempo livre dos estudantes. O ensino
de Desenho Linear se fazia presente nos regulamentos da
instrução pública imperial, mas não era ministrado em todas as
escolas, e quando era, não alcançava o efeito desejado, seja pela
falta de habilitação dos professores, seja, pela falência na dedicação

143
e no convencimento da importância desse ensino, ou seja, por
carência de compêndios apropriados e em profusão.

Referencias

ASTOLF, Jean-Pierre. 2002. Transposition Didactique. In:


CHAMPYPHILIPPE. Dictionner encyclopedique de
l'education e de la formation. Paris, Nathan, p.1060-1061

BORGES, Abílio César. 1882. Desenho linear de elementos


de Geometria prática popular: seguido de lições de
agrimensura stereometria e architectura – Primeira Parte.
2ed. Bruxelas, Typografia e Lithografia E. guyot.

CHEVALLARD, Yves. 2000. La transposicion didatica: Del


saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires, Aiqui.

CHOPPIN, Alain. 1997. O historiador e o livro escolar.


Historia da Educação/ASPHE. FaE/UFPel, n.11. (Abril de
2002) – Pelotas: Ed. EFPel – Semestral. V.1, n.1, abril.

CONNE, F. 1996. Saber e Conhecimento na perspectiva da


transformação didática. In: BRUN, Jean (Org). Didática das
Matemáticas. Lisboa, Instituto Piaget, p. 219-267.

LEGOFF, Jackes. 1994. História e Memória. Trad. Bernardo


Leitão (et. al). 3ed. Campinas, São Paulo, UNICAMP.

OLIVEIRA, Alaíde Lisboa de. 1986. O livro didático. 3ed. Rio


de Janeiro, Tempo Brasileiro.

PERRELLI, Maria Aparecida de Sousa. 1996. A transposição


didática no campo da industria cultural: um estudo dos
condicionantes dos conteúdos dos livros didáticos de

144
ciências. Florianópolis - SC, Dissertação de Mestrado em
Educação. Universidade Federal de Santa Catarina.

Gláucia Trinchão - Professora de Desenho na Área de Artes do


Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de
Feira de Santana na Bahia - UEFS. Doutoranda do PPGEDUC
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.
Bolsista Internacional da Fundação Ford. Endereço: Rua Barros
Falcão n. 463/602 – Basílica. Matatu – Cep: 40.255-370 –
Salvador – Bahia – Brasil – e-mails: gaulisy@hotmail.com;
gaulisy@gmail.com; .

Recebido em: 10/04/2007


Aceito em: 15/11/2007

145
.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
O SURGIMENTO DA COMISSÃO BRASILEIRO-
AMERICANA DE EDUCAÇÃO INDUSTRIAL
(CBAI)
Mário Lopes Amorim

Resumo
O trabalho procura compreender o contexto em que se situa a
cooperação estadunidense na formação dos professores brasileiros de
ensino industrial, com o objetivo de formá-los para atuar junto a seus
alunos na perspectiva de preparação destes para a atividade industrial,
pela aplicação de métodos específicos para tal, evidenciando seu
caráter de racionalização produtiva. Desta forma, a disciplinarização
pelo trabalho permanece na ordem do dia, ao lado da divulgação dos
ideais do "american way of life" e da crescente influência estadunidense
no Brasil, sob vários aspectos. Por fim, somando-se a isto o discurso,
cada vez mais presente, da urgente necessidade da preparação de
técnicos para atender as demandas do setor secundário da economia,
cuja qualificação, além de permitir-lhes a garantia de emprego e de
ascensão social, possibilitar-lhes-ia um papel fundamental na busca
de superação da condição de país subdesenvolvido, até então
ostentada pelo Brasil.
Palavras-chave: CBAI; história da educação profissional;
americanização; ensino industrial.

THE RISING OF THE BRAZILIAN-AMERICAN


COMMITTEE OF INDUSTRIAL EDUCATION (CBAI)
Abstract
This research looks for to understand the context where if it points
out the american cooperation in the formation of the Brazilian
professors of industrial education, with the objective to form them to
act together its pupils in the perspective of preparation of these for
the industrial activity, for the application of specific methods for
such, evidencing its character of productive rationalization. Of this
form, the discipline for the work remains in the order of the day, to
the side of the spreading of the ideals of "american way of life" and of
the increasing american influence in Brazil, under some aspects.
Finally, adding it this the speech, each more present time, of the
urgent necessity of the preparation of technician to take care of the
demands of the secondary sector of the economy, whose
qualification, besides allowing them guarantee it of job and social
ascension, would make possible a basic paper to them in the search of

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
overcoming of the condition of underdeveloped country, until then
exhibited for Brazil.
Keywords: CBAI; history of the professional education;
americanism; industrial education.

EL SURGIMIENTO DE LA COMISIÓN BRASILEÑA-


ESTADOUNIDENSE DE EDUCACIÓN INDUSTRIAL
(CBAI)
Resumen
El trabajo busca comprender el contexto en que se ubica la
cooperación estadounidense en la formación de los profesores
brasileños de enseñanza industrial, con el objetivo de formación para
que estos profesores pudieran actuar junto a sus alumnos en la
perspectiva de preparación de estos últimos para la actividad
industrial, por la aplicación de métodos específicos para tal,
evidenciando su carácter de racionalización productiva. De esta
forma, disciplinar por el trabajo permanece en el orden del día, al
lado de la divulgación de los ideales del "american way of life" y de la
creciente influencia estadounidense en el Brasil, bajo varios aspectos.
Por fin, añadiéndose a esto el discurso, cada vez más presente, de la
urgente necesidad de la preparación de técnicos para atender las
demandas del sector secundario de la economía, cuya calificación,
además de permitirles la garantía de trabajo y de ascenso social, les
posibilitaría un rol fundamental en la busca de superación de la
condición del país subdesarrollado, hasta entonces, ostentada pelo
Brasil.
Palabras-clave: CBAI; historia de la educación profesional;
influencia estadounidense; enseñanza industrial.

148
Propomos analisar neste artigo a contextualização da
criação da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial
(CBAI), um programa de cooperação firmado entre os governos do
Brasil e dos Estados Unidos em 1946, com o objetivo de formar
professores para atuar no Ensino Industrial, numa conjuntura em
que o Brasil vinha experimentando um processo de expansão
industrial, que se esboçava desde a década de 1930, aliada à
crescente preocupação dos Estados Unidos com a América Latina,
já observada durante a Segunda Grande Guerra, e ampliada com a
irrupção da Guerra Fria. A CBAI pode ser tomada como um
exemplo concreto da influência exercida por concepções
educacionais elaboradas nos E.U.A. sobre a educação brasileira no
pós-guerra, que apontariam para a superação do
subdesenvolvimento na América Latina.
Assim, podemos situar a criação da Comissão Brasileiro-
Americana de Educação Industrial no contexto da chamada
"Política da Boa Vizinhança", empreendida pelo governo
estadunidense com seus vizinhos latino-americanos, durante a
Segunda Grande Guerra. Tal política seria o instrumento para o
projeto de "americanização" para o continente, cujo objetivo seria a
adoção do chamado american way of life, tanto na América Latina,
como posteriormente por todo o planeta. Para tanto, era
extremamente importante a divulgação das vantagens da ideologia
do americanismo para o subcontinente. De acordo com Antonio
Pedro Tota, tal ideologia baseava-se nos ideais de democracia,
progressivismo e tradicionalismo. A democracia estaria ligada "às
idéias de liberdade, de direitos individuais e de independência".
(TOTA, 2000, p. 19). O progressivismo seria o componente mais
importante, pelo fato de estar relacionado com o racionalismo e
com a capacidade produtiva do ser humano. A idéia é que

o mercado podia oferecer em abundância vários produtos


úteis e atraentes, criando uma nova forma de prazer: o
prazer de consumir. Ora, como esses produtos estariam
ao alcance de qualquer pessoa, independentemente da
posição na sociedade de classes, a vida ficaria muito mais

149
fácil, agradável e enriquecedora. [...] A via era o mercado.
(TOTA, 2000, p. 20).

E quanto ao tradicionalismo, aqui podemos fazer


referência ao "enaltecimento dos valores familiares, a coragem dos
indivíduos, o temor a Deus". (TOTA, 2000, p. 20). Estes seriam
os parâmetros pelos quais a sociedade brasileira poderia basear-se
para a sua modernização, destacando-se, como já mencionado
acima, a idéia de progressivismo, que seria o principal fator capaz
de promover o desenvolvimento. Graças a ele, estariam

eliminadas as dificuldades da vida no mundo moderno,


[...] também removidas as fontes de insatisfação social.
Paz social alcançada pela generalização do consumo.
Algumas palavras adquiriram um significado mítico na
ideologia do americanismo: progresso, ciência, tecnologia,
abundância, racionalidade, eficiência, gerenciamento
científico e padrão americano de vida. (TOTA, 2000, p.
20, grifos do autor).

Assim, no processo de americanização do Brasil estão


presentes tanto o progressivismo quanto o tradicionalismo, e
ambos esses componentes do americanismo estão muitos presentes
nos discursos dos integrantes da CBAI, sejam eles estadunidenses
ou brasileiros, bem como nas falas produzidas sobre o ensino
industrial ao longo do período em que a Comissão funcionou.1 Já
quanto à democracia, esta passa a ser tida como o regime político
ideal, principalmente com a derrota do nazi-fascismo no conflito
mundial e a condenação do socialismo soviético. A convocação de
Assembléia Constituinte em 1945, e a queda do Estado Novo
reforçam essa situação, embora se trate de uma democracia que
manterá muitos traços autoritários, característica que marca o
governo Gaspar Dutra.

1
É certo que a maioria dessas palavras já apareciam nos discursos sobre o ensino
industrial desde a década de 1930. Para tanto, ver AMORIM, 2004.

150
Portanto, podemos ressaltar o duplo objetivo do projeto
de americanização: ao mesmo tempo visava a integração da
América Latina ao mercado estadunidense, bem como o
afastamento do subcontinente de influências socialistas e
nacionalistas. Para tanto, fazia-se necessário combater a miséria e
o subdesenvolvimento na região, com "a adoção de medidas que
tornassem a economia latino-americana mais competitiva. A
segurança da nação norte-americana dependia de uma estreita
cooperação – econômica e cultural – com todos os governos das
Américas". (TOTA, 2000, p. 48).

A crescente influência dos programas de cooperação e o


surgimento do Ponto IV

É neste contexto que vão se multiplicando as iniciativas


estadunidenses para a América Latina e para o Brasil. Em 1940,
ainda durante a guerra, é criado o Office for Coordination of
Commercial and Cultural Relations between the Americas, que no
ano seguinte mudaria de denominação para The Office of the
Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), comandado por
Nelson Rockefeller. Os objetivos dessa agência não deixam
dúvidas:

[...] luta contra a expansão do nazismo, mas acima de


tudo prevalecia a visão política do empresário que queria
afastar da América Latina os produtos alemães que
concorriam com os americanos. Ao mesmo tempo, as
propostas socialistas – que salientavam o antagonismo
capital-trabalho – poderiam ser combatidas com a
propaganda do modelo americano: consumo de produtos
maravilhosos, progresso material e bons salários. Por
tudo isso, a industrialização no subcontinente deveria ser
estimulada, interligada com a intensificação das relações
comerciais. (TOTA, 2000, pp. 51-2).

151
Para tanto, a agência estadunidense trabalhou na
divulgação do american way of life utilizando-se principalmente da
imprensa e da propaganda. "Era necessário empregar todos os
meios para consolidar a imagem do modelo a ser seguido, isto é, os
Estados Unidos deveriam ser um paradigma. Liberalismo e
democracia". (TOTA, 2000, p. 54). Assim, até o final da
Segunda Grande Guerra, o Brasil sofrerá uma enxurrada de
americanismo, basicamente através dos meios de comunicação2 e
pelas iniciativas de cooperação econômica, cultural e educacional.
O interesse estadunidense pela América Latina e
especificamente pelo Brasil vem de encontro ao processo de
substituição de importações vivido pela indústria brasileira. Como
já frisado anteriormente, há todo um discurso, capitaneado pelo
próprio governo Vargas, da necessidade da industrialização como
caminho de superação da condição de subdesenvolvimento vivida
pelo país. Nessa mesma direção seguiam os industriais,
procurando caracterizar-se como a classe produtora por excelência,
cujo discurso enfatizava "a necessidade de um Estado forte e
promotor da integração do mercado interno, a necessidade de uma
intervenção econômica por parte do Estado de modo a assegurar a
proteção à produção nacional e o bem-estar social da Nação"
(MENDONÇA, 1985, p. 20). De fato, tal discurso acaba
tornando-se hegemônico, uma vez que é incorporado pelo próprio
Estado como condição essencial para o desenvolvimento do país.
O projeto da burguesia industrial para a industrialização
compunha-se dos seguintes itens, na visão de Sonia Mendonça:

a) a superação – via indústria – do grau de vulnerabilidade


externa da economia brasileira face às oscilações e crises
do mercado mundial; b) a condenação da exportação de
bens primários como sustentáculo exclusivo da economia
nacional; c) o estabelecimento da identidade entre
industrialização e "grandeza nacional"; e d) a convocação

2
Para maiores detalhes a esse respeito, ver TOTA, Antonio Pedro. O
imperialismo sedutor. SP: Cia. Das Letras, 2000.

152
do Estado para a tarefa de implantação da indústria
pesada, não apenas ampliando suas funções de
coordenação econômica, como também aquelas de
investidor nos setores de infra-estrutura básica.
(MENDONÇA, 1985, p. 21).

A queda do Estado Novo não veio alterar tal situação.


Se num primeiro momento o governo Gaspar Dutra rompia com
a concepção varguista de nacionalismo econômico e
intervencionismo, adotando o liberalismo econômico, logo tal
política foi refutada, devido ao esgotamento das reservas a ao
crescimento da dívida externa. Já a partir de 1947, adota-se um
maior controle cambial e das importações, privilegiando-se alguns
setores tais como a maquinaria, o que acabou beneficiando o setor
industrial. Logo,

os interesses do setor industrial já tinham sido objeto de


políticas específicas havia alguns anos e os pleitos a favor
da modernização da infra-estrutura, recorrentes ao longo
da administração Dutra, são sinais inequívocos da
consolidação do setor secundário como motor do
desenvolvimento da economia nacional. (SARETTA,
1995, p. 123).

Ao mesmo tempo, redefinem-se as condições da


dependência brasileira em relação aos E.U.A. Com o final da
Segunda Grande Guerra e o advento da Guerra Fria, verifica-se
uma mudança no processo de construção da hegemonia
estadunidense junto aos países latino-americanos. De acordo com
Maria Ciavatta,

A preocupação dos Estados Unidos com a influência da


União Soviética nos países europeus traduziu-se para a
América Latina na Doutrina Truman, em 1947, a qual
expressava a hostilidade americana face à expansão do
socialismo. Entre outros aspectos, a Doutrina Truman
indicava e justificava a interferência norte-americana em
assuntos políticos internos das nações dependentes –
orientação que será fortalecida nas décadas seguintes,

153
com o estabelecimento dos regimes ditatoriais em vários
países latino-americanos. A Doutrina Truman é
particularizada em um programa de assistência e
cooperação para com as "áreas subdesenvolvidas", o Ponto
IV, anunciado pelo Presidente Truman como um
programa em favor da "paz e liberdade". (CIAVATTA,
s.n.t., s.p.)

O novo governo identificava-se com a defesa dos "valores


ocidentais", colocando-se claramente ao lado dos E.U.A. na
polarização que se desenhava no mundo pós-guerra. Durante o
conflito recém-findo, a colaboração brasileira para o esforço de
guerra criou a idéia de uma relação "especial" entre os dois países,
que se prolongaria mesmo após o final do conflito, garantindo a
cooperação estadunidense aos projetos de superação das condições
de subdesenvolvimento do país. De fato, mesmo com as
preocupações dos E.U.A. com o Plano Marshall e com a situação
no Extremo Oriente, não faltaram atenções para o Brasil.

Talvez em nenhum outro continente, a avassaladora


presença dos Estados Unidos se fazia sentir tão
amplamente quanto na América Latina do imediato pós-
guerra. Pela primeira vez na história, adquiriam o virtual
monopólio de influência na região, constituindo
praticamente sua única fonte de capitais, da assistência
técnica e militar e seu mais importante mercado.
(MALAN, In: FAUSTO, 1984, p. 58).

É nesse contexto que se pode compreender o surgimento


dos programas de cooperação entre E.U.A. e Brasil. No que
concerne ao setor educacional, já em 1941 estabeleceu-se um
programa de intercâmbio, onde jovens de países latino-americanos
eram selecionados para estudarem nos Estados Unidos, inclusive
na área da indústria. (TOTA, 2000, p. 81). Em 1943 realizou-se
em Havana a I Conferência de Ministros e Diretores de Educação
das Repúblicas Americanas, sendo aprovada no referido evento a
Recomendação XV, intitulada "Escolas de Ensino Industrial e
Técnico". Tal Recomendação considerava a importância cada vez

154
maior da formação de mão-de-obra especializada para as atividades
de direção e execução do processo produtivo, o que demandará um
número cada vez maior de escolas técnicas, desde que voltadas
prioritariamente para as atividades práticas, com o objetivo de
capacitação de trabalhadores capazes de contribuir para o
desenvolvimento econômico de seus países; para que isso se
concretizasse, recomendava-se que fossem multiplicados as escolas
técnicas, incluídas aí as industriais, articuladas com a educação
primária e secundária, e que visassem a preparação para o trabalho
para uma melhor capacitação do trabalhador, sem prejudicar sua
formação cultural, e ao mesmo tempo se estimulassem os serviços
de orientação profissional para auxiliar no melhor aproveitamento
dos indivíduos para o progresso social. (Apud FONSECA, C. S.,
1961, pp. 562-3, v. 1). A mesma Conferência

recomendava que os governos individualmente, ou por


meio de convênios, tomassem providências destinadas a
elevar o nível educacional, a estender facilidades
educacionais e a melhorar, em geral, o papel da educação,
como uma contribuição importante para o entendimento
e a solidariedade interamericana. (FONSECA, C. S.,
1961, p. 563, v. 1, grifo nosso).

Com base nesta Resolução, firmou-se um acordo entre o


Ministério da Educação e Saúde e o Inter-American Educational
Foundation Inc., órgão subordinado a The Office of the Coordinator
of Inter-American Affairs (OCIAA), cuja cláusula IV estabelecia a
criação de uma comissão especial que teria como função a
aplicação do programa de cooperação educacional entre os E.U.A.
e o Brasil: nascia a Comissão Brasileiro-Americana de Educação
Industrial (CBAI). O programa seria dirigido por um
superintendente brasileiro e um representante estadunidense. O
brasileiro seria o titular da Diretoria do Ensino Industrial do
Ministério da Educação, no caso Francisco Montojos, substituído
em 1949 por Italo Bologna; em 1951, assumia o cargo Sólon
Guimarães; este, por sua vez, foi substituído, a partir de 1953, por

155
Flávio B. Sampaio, sucedido em 1955 por Carlos Pasquale. Em
dezembro do mesmo ano, retorna ao cargo Francisco Montojos,
que permaneceu até fevereiro de 1961, quando foi substituído por
Armando Hildebrand, coincidindo com a transição para o governo
Jânio Quadros. No caso do representante estadunidense, vários
engenheiros sucederam-se no cargo, sendo que o primeiro titular
foi John B. Griffing.
De acordo com Celso Suckow da Fonseca, o programa
de ação da CBAI compunha-se de doze pontos:

1) Desenvolvimento de um programa de treinamento e


aperfeiçoamento de professores, instrutores e
administradores;
2) Estudo e revisão do programa de ensino industrial;
3) Preparo e aquisição de material didático;
4) Ampliação dos serviços de bibliotecas; verificar a
literatura técnica existente em espanhol e português;
examinar a literatura técnica existente em inglês e
providenciar sobre a aquisição e tradução das obras
que interessarem ao nosso ensino industrial;
5) Determinar as necessidades do ensino industrial;
6) Aperfeiçoamento dos processos de organização e
direção de oficinas;
7) Desenvolvimento de um programa de educação para
prevenção de acidentes;
8) Aperfeiçoamento dos processos de administração e
supervisão dos serviços centrais de administração
escolar;
9) Aperfeiçoamento dos métodos de administração e
supervisão das escolas;
10) Estudo dos critérios de registros de administradores e
professores;
11) Seleção e orientação profissional e educacional dos
alunos do ensino industrial;

156
12) Estudo das possibilidades do entrosamento das
atividades de outros órgãos de educação industrial
que não sejam administrados pelo Ministério da
Educação, bem como a possibilidade de estabelecer
outros programas de treinamento, tais como ensino
para adultos, etc. (FONSECA, C.S., 1961, p. 565.
v. 1).

Para a concretização do acordo de cooperação


educacional, a Inter-American Educational Foundation Inc.
empenharia-se em enviar especialistas para o desenvolvimento do
ensino industrial no Brasil. Também professores e técnicos
brasileiros iriam aos E.U.A. para realizarem treinamento na área.
Comprometia-se ainda a entidade estadunidense com a preparação
de material didático e recursos auxiliares para a formação de
docentes. O Relatório do Ponto IV de 1957 estabelecia duas
características básicas do Programa: a preparação de educadores e
projetos para solucionar problemas educacionais que estão a
entravar o progresso econômico brasileiro, e "estimular o conceito
de 'companheiros de progresso', que se enquadra tão bem dentro
do conceito do sistema interamericano".3 Observe-se o cuidado em
colocar a relação de "companheirismo" entre as duas nações, e não
a dependência de uma em relação a outra. Em outro texto, essa
questão volta à tona, quando se destaca

a harmonia que se nota neste empreendimento em que


brasileiros e americanos trabalham ombro a ombro. [...]
Foi uma agradável impressão ver que o Brasil e os
Estados Unidos, através da CBAI, estão trabalhando por
um sistema educacional mais de acordo com as
necessidades locais.4

3
EXTRATO do Relatório de 1957 da USOM/B (Ponto IV). Boletim da
CBAI, Curitiba, v. XIII, n. 1, p. 13, jan. 1959.
4
A COMISSÃO Brasileiro-Americana perante a indústria nacional e a Escola
Técnica de Curitiba. Boletim da CBAI, Curitiba, v. XIII, n. 2, p. 8, fev. 1959.

157
Retornando ao já citado Relatório, destaca-se o
entendimento entre os governos do Brasil e dos E.U.A. sobre a
necessidade do Acordo de Cooperação, pois o mesmo atenderia os
interesses de ambas as partes. Curiosamente, na seqüência é
destacado apenas o benefício que o Programa traria para o Brasil,
que seria a preparação de educadores para resolver problemas
educacionais que obstam o desenvolvimento do país; em nenhum
momento aparece qual seria a vantagem dos E.U.A. na
participação do Acordo. A omissão, muitas vezes, pode ser
extremamente esclarecedora...
Segundo Celso Suckow da Fonseca, os recursos
financeiros para o programa seriam da ordem de US$
500.000,00 por parte do governo brasileiro, e de US$
250.000,00 por parte da Fundação estadunidense, que deveriam
ser aplicados entre 01 de janeiro de 1946 e 30 de junho de 1948.
(FONSECA, C. S., 1961, p. 565. v. 1). Maria Ciavatta informa
que

no período mencionado, o orçamento para a educação


industrial foi de US$ 5.135.000,00 aproximadamente.
Isto dá uma idéia da importância que teve a CBAI no
desenvolvimento do ensino industrial no Brasil. A
Comissão recebeu o equivalente a quase 20% do
orçamento total para a educação industrial. Inclui-se no
orçamento total a manutenção das unidades escolares,
pagamento de pessoal, material didático, etc. Logo, o
equivalente a quase 20% deste total pode ser considerado
um grande investimento. (CIAVATTA, s.n.t., s.p.).

De acordo com o item 12 do programa de ação acima


citado, podemos observar que há uma clara tentativa de
homogeneização das atividades referentes ao ensino industrial no
país, não se restringindo apenas às Escolas Técnicas e Industriais
oficiais mantidas pelo MES. Nenhuma instituição deveria fugir
do padrão que se pretendia impor a esse ramo de ensino,
caracterizando tal programa, e outros de cooperação internacional,
como "instrumentos ideológicos, através dos quais se instauraria o

158
novo cosmopolitismo e se reforçaria a condição de dependência",
com o objetivo de "reformar o ensino brasileiro e difundir os
valores, as normas e os princípios da sociedade capitalista"
(NUNES, 1980, p. 38).
Em termos práticos, a CBAI iniciou suas atividades em
1947, com uma reunião de diretores de estabelecimentos de
ensino industrial, realizada entre janeiro e fevereiro no Rio de
Janeiro, cidade definida como sede do programa. Na II Reunião de
Diretores de Estabelecimentos de Ensino Industrial, caracterizada
como "um pequeno curso de especialização de dirigentes de
estabelecimentos de ensino industrial" (FONSECA, C. S., 1961,
p. 566. V. 1), os dirigentes de instituições de ensino industrial, ao
participarem de conferências com especialistas estadunidenses,
tomaram ciência do conteúdo e dos objetivos do programa. Estes,
de acordo com Francisco Montojos, eram os seguintes:

a) promover o aperfeiçoamento de nossos diretores,


ampliando-lhes os conhecimentos sobre
administração escolar e suscitando e desenvolvendo
neles novas atitudes e novas disposições em relação
aos problemas do ensino industrial;
b) assegurar uma unidade de orientação, de espírito e de
diretrizes nas escolas de ensino industrial do país;
c) assegurar à administração central de ensino
informações sobre as escolas e sobre o campo
industrial a que cada uma serve, de modo a
contribuir para o esclarecimento da política a ser
seguida na educação industrial;
d) analisar a eficiência do ensino ministrado nas escolas
e confrontar resultados;
e) fornecer subsídios para o planejamento dos trabalhos
escolares dos estabelecimentos federais no ano
corrente de 1947;
f) iniciar o levantamento de dados para a organização
de um plano de melhoria e enriquecimento do
equipamento e material didático das escolas federais

159
o qual será realizado em parte com os recursos da
CBAI;
g) colaborar para que os diretores das escolas de ensino
industrial melhor se conheçam mutuamente e, por
esta forma, intensifiquem a troca de informações e
de experiências e dêm (sic) início à formação de um
desejável espírito de grupo;
h) levar os diretores a melhor conhecerem as técnicas e
processos em uso nas grandes organizações
industriais do país;
i) despertar o interesse das autoridades, dos industriais
e do público em geral, para os problemas da
educação industrial;
j) servir com experiência e dar indicação da
possibilidade e da eficiência da realização de reuniões
nestes moldes;
k) enfim, não é de se desprezar o fato de ter a
administração central do ensino, com esta reunião,
oportunidade de colher impressões e apurar seu
julgamento sobre a formação de cada diretor, seu
interesse e entusiasmo pelas coisas da educação em
geral e, de modo particular, pelos problemas do
ensino industrial. (MONTOJOS, 1949, p. 57).

Na programação do evento, além das reuniões de estudo


sobre a situação do ensino industrial no Brasil, havia também a
realização de trabalhos práticos, por parte dos diretores, bem como
visitas a fábricas situadas nas proximidades.
Como se pode observar, a idéia é a de se fazer um
profundo diagnóstico da situação do ensino industrial, dentro de
uma visão ainda marcadamente centralizadora, agora sob a batuta
não só da Divisão do Ensino Industrial (DEI), mas
principalmente da CBAI. Fica evidenciada a grande
responsabilidade dos diretores das escolas técnicas e industriais,
pois serão eles os responsáveis pelo encaminhamento as ações
propugnadas pela CBAI para a preparação da força de trabalho
ajustada às novas necessidades da racionalidade capitalista. No

160
dizer do então Diretor do Ensino Industrial do Ministério da
Educação,

reputo fundamental e decisivo o papel do diretor em um


estabelecimento de ensino. Ele é que lhe imprime o
caráter e lhe vitaliza as atividades: [...] Quer como agente
do poder público juntos às comunidades, quer como
representante da sociedade na tarefa ingente de orientar a
educação das novas gerações e a formação da mentalidade
técnica do país, quer ainda como chefe de uma empresa
que dirige e administra, a tarefa do diretor é servir.
(MONTOJOS, 1949, p. 58).

Também no mês de fevereiro de 1947, iniciou-se o


primeiro curso voltado aos professores das escolas industriais
federais. Tal curso dividia-se em duas etapas:

na primeira, seriam os professores selecionados,


concentrados na Escola Técnica Nacional, no então
Distrito Federal, a fim de procederem a uma revisão de
conhecimentos gerais e técnicos, estudo da língua inglesa
e atualização e ampliação dos conhecimentos sobre a vida
econômica e social do Brasil; a segunda parte constaria de
aperfeiçoamento nos Estados Unidos, para onde
seguiriam os professores das diferentes escolas, que se
houvessem revelado capazes na primeira fase do curso.
(FONSECA, C. S., 1961, p. 567. v.1)

Em maio do mesmo ano, os professores participantes do


curso vão aos E.U.A., onde passam um ano, sendo seis meses de
estágio em escolas profissionais locais, três meses em indústrias e
outros três meses em um curso de formação pedagógica
(FONSECA, C. S., 1961, p. 567. v. 1). Ainda em 1947, no
mês de setembro, é a vez dos diretores de dez das escolas técnicas e
industriais federais rumarem aos E.U.A. para freqüentar o curso
de especialização.

No Pennsylvania State College desenvolveu-se o curso,


constando do respectivo currículo, análise do trabalho,

161
organização e planejamento de cursos, metodologia do
ensino, organização e direção de oficinas, objetivos e
organização do ensino industrial, administração do
ensino industrial, supervisão do ensino industrial e
métodos de inquérito, sendo os professores personalidades
de destaque no ensino industrial americano.
(FONSECA, C. S., 1961, p. 568. v. 1).

Os demais diretores vão fazer o mesmo curso nos


E.U.A. a partir de fevereiro de 1948.
Enquanto isso, ao longo do ano de 1947, cursos para
professores são realizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em
Recife, que servirão para a futura implementação dos cursos de
férias, nessas mesmas cidades.
O governo Gaspar Dutra, em sua Mensagem ao
Congresso Nacional de 1948, reconhecia que "a rede de ensino
industrial, [...] não obstante o seu gradativo desenvolvimento,
ainda está muito longe de atender às necessidades da nossa
formação econômica e da mão-de-obra qualificada, reclamada pela
indústria brasileira". (BRASIL/MEC/INEP, 1987, p. 166. V.1).
Sem sombra de dúvida, esse é o grande mote apregoado para a
expansão do ensino industrial, que já vinha desde a década de
1930, e se estenderá ao longo da chamada República populista
(1946-1964). No caso do período Gaspar Dutra, a questão
centra-se na ampliação do espaço físico das escolas e na compra de
novos equipamentos para as mesmas, aliadas à colaboração
estadunidense via CBAI. Tal situação é explicitada na Mensagem
do presidente Dutra ao Congresso Nacional, de 1949:

[...] Não se limitou o Governo a construir novos edifícios


ou ampliar os existentes. Melhora, renova e amplia as
atuais instalações das escolas e adquire novos
equipamentos. No exercício passado, cerca de Cr$
8.000.000,00 foram despendidos na aquisição de
máquinas operatrizes, aparelhos, utensílios de oficinas e
de laboratórios e materiais diversos, a serem distribuídos
pelas diferentes escolas.

162
Para 1949, estão previstas, entre outras, as seguintes
providências: continuação do aparelhamento das oficinas
e laboratórios escolares; organização de novos tipos de
séries metódicas; e prosseguimento no programa de
construções. (BRASIL/MEC/INEP, 1987, p. 180. V.1)

Em junho de 1948 encerrou-se o prazo de vigência do


Acordo, que através de novo documento é renovado por um ano, e
assim sucessivamente ao longo de todo o período de
funcionamento da CBAI, até 19635.
Em janeiro de 1949, em seu discurso de posse, o
presidente dos E.U.A., Harry Truman, propôs quatro diretrizes
para a política externa estadunidense, e uma delas, a quarta,
especificava: "tornar o conhecimento técnico norte-americano
disponível para as regiões mais pobres do mundo". (Apud
MALAN, In: FAUSTO, 1984, p. 68). Essa linha de ação se
concretizou num programa que se tornou conhecido como Ponto
IV, e que estabelecia uma verba de US$ 45 milhões destinados
aos países latino-americanos na forma de cooperação e assistência
técnica. A partir de junho de 1950, quando o Congresso dos
E.U.A. aprova o Ponto IV, a CBAI passa a se subordinar a esse
programa.6 O Ponto IV pode ser considerado como um
desdobramento, ainda que insatisfatório, dos trabalhos da Missão
Abbink, constituída em 1948, que realizou estudos detalhados a
respeito dos problemas da economia brasileira7, incluindo a
insuficiência de mão-de-obra qualificada, e recomendando projetos

5
As atividades da CBAI no Brasil se prolongarão até 1963, com a edição do
Decreto nº 53.041, que considerava não haver mais conveniência na
manutenção do acordo de cooperação. Tal Decreto foi uma resposta do governo
brasileiro à participação do Ponto IV na conspiração contra o então presidente
João Goulart. Ver AMORIM, 2004, p. 339.
6
Quando da aprovação do Ponto IV, a verba destinada ao programa reduziu-se
para US$ 34, 5 milhões. Ver MALAN, In: FAUSTO, 1984, pp. 68-9.
7
Outros países latino-americanos tinham as suas Comissões específicas. Apud
MALAN, In: FAUSTO, 1984, p. 69.

163
para a superação das várias dificuldades. (IANNI, 1977, pp. 95 e
99). De acordo com Gérson Moura, o Ponto IV

era uma espécie de primo pobre do Plano Marshall; este


era um plano que os Estados Unidos puseram em ação na
Europa desde 1947, com a finalidade de recuperar a
economia européia abalada pela guerra e se contrapor à
influência da União Soviética. O contraste entre o Plano
Marshall e o Ponto 4 era cruel: o primeiro dispunha de 3
bilhões e 100 milhões de dólares e o segundo, de apenas
35 milhões; o primeiro emprestava e doava com vistas ao
reerguimento da economia industrial do 1º mundo; o
segundo propunha-se a fornecer programas de assistência
técnica e a desenvolver a exploração de matérias-primas
nas áreas "backward"(atrasadas). No Brasil, o Ponto 4
interessou-se particularmente na assistência a programas
de saúde e treinamento industrial. (MOURA, 1984, p.
80)

A disparidade verificada entre os valores dos recursos


claramente indica a prioridade do governo estadunidense no
momento, até pelo fato de a Europa ser considerada como área
estratégica pelos E.U.A., nos embates da Guerra Fria. Mas a
América Latina não ficou de fora das suas preocupações, como
bem demonstram os acordos de cooperação firmados na época.
Se considerarmos que o terceiro ponto do supracitado
discurso de posse de Truman estabelecia o "fortalecimento das
nações 'amantes da liberdade'" (Apud MALAN, In: FAUSTO,
1984, p. 68), podemos concluir que o conteúdo do Ponto IV
subordina-se a essa lógica.
Um exemplo da maneira como os E.U.A. encaravam a
colaboração com os países latino-americanos a partir do pós-guerra
é dado pelo supracitado John Griffing:

Os Estados Unidos não aceitam a teoria antiquada de


que algumas nações deveriam ser fortes e ricas e fabricar
mercadorias para vender às nações mais pobres que só
produzem matérias-primas. Eles reconhecem, pelo
contrário, o princípio básico de que quanto maior for a

164
proporção de produção de alimentos e de artigos
manufaturados pelo Brasil, maior será sua força como
um aliado na defesa do hemisfério e seu valor como um
comprador de produtos dos Estados Unidos em tempo de
paz. É vantajoso para os Estados Unidos de qualquer
modo, que a sua nação irmã, abaixo do Equador, faça o
maior progresso em produção, industrialização,
prosperidade e padrão de vida.
Consideremos um exemplo específico. Há atualmente um
movimento no Brasil para estabelecer uma grande fábrica
nacional de tratores e maquinaria agrícola. De acordo
com a atitude antiga, os Estados Unidos deveriam
deplorar esta realização porque isto significa perda de
venda de maquinaria. Por outro lado, uma visão mais
esclarecida encontra na popularização de um trator
nacional, mais barato e eficiente, um meio de criar uma
fonte de riqueza que poderá determinar a aquisição de
centenas de espécies de mercadorias.8

Ficam claros aqui alguns componentes do projeto de


americanização da América Latina, destacando-se a ideologia do
progressivismo, já que o representante estadunidense defende a
necessidade de produção de bens manufaturados para o progresso
econômico do Brasil, o que o tornaria um parceiro mais forte na
luta contra a expansão do socialismo no continente. Nesse caso,
também a ideologia tradicionalista, da defesa dos valores
ocidentais, está presente. Por fim, o valor da democracia, aqui
como expressão de uma soberania que o Brasil adquiriria através
do desenvolvimento do setor industrial, que atingiria a todos sem
exceção. Sob esse ponto de vista, para as camadas menos
favorecidas da população o ensino técnico-profissional poderia ser
visto como uma possibilidade de ascensão social, por isso a
necessidade de promover a sua expansão, desde que de acordo com
os parâmetros traçados pela CBAI. Clarice Nunes acrescenta, a

8
GRIFFING, John B. Cooperação brasileiro-americana de ensino industrial.
Boletim da CBAI, Rio de Janeiro, v. I, n. 1, p. 1-2, jan. 1947.

165
respeito dessa passagem, que também "estava presente a função
ideológica de preparar pessoas ajustadas a suas respectivas
responsabilidades, convencidas da racionalidade capitalista e da
possibilidade de vigência de um regime democrático". Também
não deixa de notar as novas relações de dependência a partir da
criação de exigências de importação, bem como "a identificação
dessa política com as necessidades de manutenção da coexistência
pacífica". (NUNES, 1980, p. 42).

Conclusão

A partir da nova conjuntura advinda com o pós-guerra,


baseada na divisão do mundo em dois blocos opostos, e com o
alinhamento do Brasil no bloco liderado pelos E.U.A., há um
crescimento da influência estadunidense no Brasil, através da
divulgação do american way of life, tão bem expressado na ideologia
do americanismo. Tem-se assim que

a política cultural instaurada com a redemocratização


estava impregnada pelos valores do capitalismo central
que, no intuito de reorganizar a relação dominadora,
fornecia incentivo e apoio à industrialização brasileira,
como também estimulava a reestruturação funcional do
sistema de ensino nessa direção, com a finalidade de
controlar as novas necessidades político-econômicas
geradas no âmbito da sociedade dependente. (NUNES,
1980, p. 35).

No caso específico do ensino industrial, verifica-se uma


grande ênfase no discurso da urgente necessidade da preparação de
técnicos para atender as demandas do setor secundário da
economia, cuja qualificação, além de permitir-lhes a garantia de
emprego e ascensão social, possibilitaria ao país a superação de sua

166
condição de subdesenvolvido9. Portanto, há que se destacar a
maior relevância dada ao ideal de progressivismo no âmbito de tal
ideologia, mas ressaltando-se que não é suficiente apenas a
vontade política de alcançar o desenvolvimento, é necessário que se
conheçam os caminhos adequados para tanto. Esta será, pois, a
missão da CBAI: a divulgação dos métodos e procedimentos
baseados na racionalização científica como o percurso a ser
percorrido na formação de professores para este ramo de ensino, e
que posteriormente empregarão tais processos no trabalho docente.

Referências

AMORIM, Mário Lopes. Da Escola Técnica de Curitiba à


Escola Técnica Federal do Paraná: projeto de formação de
uma aristocracia do trabalho (1942-1963). 2004. Tese
(Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
São Paulo.
BOLETIM DA CBAI. Rio de Janeiro: Comissão Brasileiro-
Americana de Educação Industrial, 1947-1957.
BOLETIM DA CBAI. Curitiba: Comissão Brasileiro-Americana
de Educação Industrial, 1958-1961.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. INSTITUTO
NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS. A educação nas mensagens presidenciais
(1890-1986). Brasília: INEP, 1987. V.1.

9
Tal discurso está colocado de forma muito clara e explícita nos exemplares do
Boletim da CBAI, periódico editado para divulgação das atividades da CBAI,
publicados a partir de 1947 até 1961.

167
CIAVATTA, Maria. A Comissão Brasileiro-Americana de
Educação Industrial formando o trabalhador para a
produtividade. S.n.t., mimeo.
FONSECA, Celso Suckow da. História do ensino industrial
no Brasil. RJ: Nacional, 1961. 2 v.
IANNI, Octavio. Estado e planejamento econômico no Brasil
(1930-1970). RJ: Civilização Brasileira, 1977.
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MENDONÇA, Sonia R. Estado e economia no Brasil:
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MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil – a penetração
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NUNES, Clarice. Escola e dependência – o ensino
secundário e a manutenção da ordem. RJ: Achiamé, 1980.
SARETTA, Fausto. A política econômica brasileira
(1946/1950). Revista de sociologia e política, Curitiba, n. 4 e
5, p. 113-129, 1995.
TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor. SP: Cia. Das
Letras, 2000.

Mário Lopes Amorim. Endereço: rua Maximino Zanon, 345 –


ap. 44B – CEP: 82510-250 Curitiba/Paraná. Endereço
eletrônico: marioamorim@utfpr.edu.br. Instituição: Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Endereço da
instituição: avenida Sete de Setembro, 3165 – CEP: 80230-901.

168
Curitiba/Paraná. Área de atuação: Programa de Pós-Graduação
em Tecnologia (PPGTE), atuando como Professor Colaborador,
ministrando a disciplina Contexto Sócio-Histórico da Educação
Profissional.

Recebido em: 19/08/2007


Aceito em: 15/11/2007

169
.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
A POLÍTICA EDUCACIONAL NO RIO GRANDE
DO SUL E A QUESTÃO DA NACIONALIZAÇÃO
DO ENSINO (1930/1945)
Berenice Corsetti
Dilmar Kistemacher
Alessandra Vieira Padilha

Resumo
Este trabalho aborda a política educacional implementada no Rio
Grande do Sul, no período de 1930/1945. Tratamos aqui
especificamente da questão da nacionalização do ensino, ingrediente
dessa política que teve forte presença no cenário gaúcho desde a
Primeira República, sobretudo pela presença das regiões coloniais.
Procuramos evidenciar a postura adotada sobre o assunto pelo Estado
e pela Igreja, cujas posições foram analisadas a partir do discurso
percebido nas diferentes fontes históricas consultadas. A investigação
até agora realizada revelou contradições e conflitos entre as duas
instituições, mas também as mediações realizadas que consagraram a
política educacional nacionalizadora implementada à época, com a
preservação da posição da Igreja Católica em relação ao seu papel no
campo educacional.
Palavras-chave: Política educacional – Nacionalização do ensino –
Rio Grande do Sul

THE EDUCATIONAL POLICIES IN GRANDE DO SUL


AND THE MATTER OF TEACHING NATIONALIZATION
(1930/1945)
Abstract
The present work approaches the educational policies implemented in
Rio Grande do Sul during the years 1930 to 1945. We address,
more specifically, the matter of teaching nationalization, which is an
ingredient from these policies that strongly appeared in the state
scenario since the First Republic, especially in countryside areas. We
aimed at putting in evidence the posture on this matter adopted by
the State and the Church, whose positions have been analyzed based
on the discourse collected from different historical sources. The
investigation realized so far has revealed contradictions and conflicts
between the two mentioned institutions. It has also revealed the
achieved mediations that consecrated the educational and
nationalizing policies implemented at that time, which preserved the
Catholic Church position concerning its role in the educational field.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Keywords: Educational Policies – Teaching nationalization - Rio
Grande do Sul

LA POLÍTICA EDUCACIONAL EN EL RIO GRANDE DO


SUL Y LA CUESTIÓN DE LA NACIONALIZACIÓN DE
LA ENSEÑANZA (1930/1945)
Resumen
Este trabajo aborda la política educacional implantada en Rio Grande
do Sul, en el período de 1930/1945. Tratamos aquí específicamente
de la cuestión de la nacionalización de la enseñanza, ingrediente de
esa política que tuvo fuerte presencia en la escena gaucha desde la
Primera República, sobretodo por la presencia de regiones coloniales.
Buscamos evidenciar la postura adoptada sobre el asunto por el
Estado y por la Iglesia, cuyas posiciones fueron analizadas a partir del
discurso percibido en las distintas fuentes históricas consultadas. La
investigación hasta ahora realizada ha revelado contradicciones y
conflictos entre las dos instituciones, pero también las mediaciones
realizadas que consagraron la política educacional implantada en la
época con el objetivo de nacionalizar la enseñanza, con la
preservación de la posición de la Iglesia Católica en relación a su rol
en el campo educacional.
Palabras-clave: Política educacional – Nacionalización de la
enseñanza – Rio Grande do Sul

172
1. Introdução

Neste trabalho pretendemos apresentar parte dos


resultados alcançados através de uma investigação que vem sendo
realizada sobre a política educacional implementada no Rio
Grande do Sul, no período de 1930/1945. A pesquisa está sendo
desenvolvida a partir de fontes primárias de largo espectro, ou seja,
fontes oriundas dos setores executivo e legislativo, jornais de
época, fontes da Igreja Católica e legislação do período.
O estudo da política educacional rio-grandense adotada
entre 1930 e 1945 envolve diversos aspectos das ações
governamental e privada concretizadas à época. Interessa-nos,
nesse momento, tratar especificamente da questão da
nacionalização do ensino, ingrediente dessa política que teve forte
presença no cenário gaúcho desde a Primeira República, sobretudo
pela presença das regiões coloniais. Os demais elementos apenas
serão abordados na medida do necessário para o esclarecimento do
tema proposto.
Diante do exposto, trataremos de evidenciar a postura
adotada sobre a nacionalização do ensino a partir do discurso
percebido em algumas das diferentes fontes históricas consultadas,
que revelam a posição adotada sobre o assunto pelas distintas
instâncias sociais investigadas, ou seja, o Estado e a Igreja.

2. Contextualizando o tema

Entre 1930 e 1945, a história brasileira iniciou um


expressivo esforço de construção de um projeto nacional baseado
na industrialização, fundamentado numa política de substituição
de importações. O modelo de desenvolvimento nacional
constituído a partir de então se relacionou com a consolidação do
poder central, que se esboçou em 1930 e se confirmou em 1937.

173
O país foi dotado de um centro de decisões com considerável
autonomia, no contraponto aos grupos econômicos e políticos
tradicionais. Diversas ações políticas foram desenvolvidas,
caracterizando políticas públicas peculiares da época, tanto no
campo econômico como social.
O Rio Grande do Sul, entre 1930 e 1945, de forma
distinta do processo que se desenvolvia a nível nacional, manteve
sua economia baseada na agropecuária. É um período em que as
atividades econômicas permitiam a seus dirigentes – homens de
Estado, empresários e muitos outros – alimentarem-se de muito
otimismo, frente à convicção de que uma industrialização
diferenciada surgiria organicamente das forças econômicas sulinas.
Na década de 1950, essa certeza deu lugar a dúvidas e ao
pessimismo, o que reorientará a ação do Estado no campo
econômico. Para os fins deste trabalho, iremos nos restringir á
caracterização do período que é alvo de nosso interesse.
Durante os anos situados entre 1930 e 1945, a
economia política gaúcha caracterizou-se por atingir o apogeu de
seu modelo histórico de desenvolvimento, construído ao longo de
um século.
A zona rural da pecuária e seus produtos históricos, o
comércio, as cidades e as charqueadas e os frigoríficos; a zona rural
marcada pela pequena produção agropecuária e seus produtos
históricos, seu comércio, cidades, artesanatos e manufaturas, e a
zona rural marcada pelas explorações relativamente grandes de
arroz, trigo e gado e seus produtos históricos, fusionam-se por
inteiro nesses anos, compondo a estrutura produtiva e de
intermediação denominada de mercado sul-rio-grandense.1
O referido modelo histórico de desenvolvimento
implicou num processo de acumulação de riquezas, de capital e de
dominação política bastante própria, com características
econômicas, políticas e ideológicas. O modelo histórico gaúcho foi

1
MULLER, 1979, p.363

174
composto por uma economia regional com linhas próprias, cujo
eixo central esteve fundamentado nas atividades agropecuárias
conectadas às atividades fabris e exportadoras. A ideologia de
"democracia agrária", "desenvolvimento harmônico das forças
produtivas" e a perspectiva do Estado depender sempre de suas
próprias forças para avançar no seu desenvolvimento, completou o
esse modelo.
Evidenciou-se, assim, uma dinâmica econômica
caracterizada por sua dependência das remessas para outras regiões
brasileiras e da expansão dos mercados urbanos, bem como por
encontrar, na organização agrária, um mercado pouco expressivo
para seu crescimento. O papel do Rio Grande do Sul, no cenário
nacional, restringiu-se, nesse período, o de ser uma área de
abastecimento, sobretudo de matérias-primas para o exterior e de
gêneros alimentícios para o mercado interno nacional.
Em termos políticos, o período em questão foi marcado
pelo governo de Flores da Cunha (interventor de 1914/1930 e
governador de 1930 a 1937), bem como pela administração dos
interventores indicados durante o Estado Novo: o coronel Daltro
Filho (1937/1938), o coronel Osvaldo Cordeiro de Farias
(1938/1943) e o coronel Ernesto Dornelles (1943/1945).
Durante o período ditatorial, consolidou-se a intervenção estatal
na economia, na política e na sociedade. O Rio Grande do Sul
passou a aplicar uma série de medidas determinadas pelo governo
federal. Foram extintos os partidos políticos, queimadas as
bandeiras estaduais e eliminados os símbolos regionais.
A campanha de nacionalização teve forte extensão no
Estado, sobretudo nas regiões coloniais de origem italiana e alemã.
As pesquisas que realizamos demonstraram o impacto das medidas
nacionalizadoras implementadas no período, integrando a política
educacional adotada à época, cujo conjunto de ingredientes
estamos ainda investigando.

175
3. A nacionalização do ensino no Rio Grande do Sul
no período de 1930/1945

A preocupação com a nacionalização do ensino é tema


candente nas fontes históricas do período que investigamos,
demonstrando sua importância como elemento constitutivo da
política educacional do período. Para fins deste estudo,
destacaremos alguns documentos que, por sua relevância,
permitem perceber como a questão foi encaminhada no estado.
Muito expressivo no tocante à importância da
nacionalização para os dirigentes rio-grandenses é o relatório
apresentado ao Secretário da Educação e Saúde pública, Coelho
de Souza, pelo diretor da Seção Administrativa, encarregado dos
serviços atinentes à nacionalização do ensino, em 10 de fevereiro
de 1939. Constitui-se em rico documento, de doze páginas, cujos
pontos principais passaremos a destacar a seguir.
Afirmava então o referido diretor que, com o despontar do
Estado Novo fazia-se necessário aplicar, fora do discurso, mas
efetivamente na prática os ideais em prol da unidade nacional, para a
consolidar um país unido e forte. Assim, era posto em prática o plano
de nacionalização do ensino nas regiões de imigração, em específico no
Rio Grande do Sul onde se cultivava a língua pátria e as tradições
germânica e italiana, trazidas pelos imigrantes.
A solidariedade forte entre os colonos e a vontade de
manterem as suas tradições e a falta de investimento por parte do
governo na instrução pública possibilitou a criação de associações e
escolas comunitárias nas zonas de colonização.
As aulas isoladas ou nos colégios foram influenciadas, de
um lado, pelo Sínodo Rio-Grandense e sua Associação dos
Professores Evangélicos, e de outro lado, pelos professores de
formação católica, dirigida pela União Popular do Rio Grande do
Sul. No interior, estas aulas, eram realizadas em língua
estrangeira, alemã ou italiana, salvo algumas exceções, como por
exemplo, nas escolas adventistas. Já nas grandes cidades e na
capital o ensino era transmitido em língua estrangeira e em

176
português, as quais dispunham de professoras, de formação
italiana, mantidas pelo consulado italiano.
Nestas aulas percebeu-se a prática política e ideológica
relacionada às idéias fascistas direcionadas às crianças. Devido às
queixas foram criados dois Decretos nº 7212, de 08/04/1938 e nº
7247 de 23/04/1938, o primeiro obrigava às instituições a se
registrarem junto ao órgão competente, sob pena de fechamento
do estabelecimento, enquanto o segundo decreto estipulava o
tempo de menos de uma hora de atividade, em sala de aula, em
língua estrangeira, "[...] dando ao aviso a maior publicidade, que os
estabelecimentos, que até 23 de maio não houvessem
providenciado para o registro, teriam suas portas cerradas" 2
Nem sempre estas diretrizes, previstas nas leis
mencionadas foram seguidas pelas escolas, como ocorreu nas
escolas italianas que estavam estabelecidas na capital e nas grandes
cidades, as quais não realizaram tais determinações, pois
entendiam que elas se referiam em especial às escolas germânicas e
não as de influência italiana, uma vez que o governo italiano
gozava de uma excepcional relação com o governo brasileiro.
A maioria dos professores não falava o idioma português.
Tanto as salas de aula quanto os livros didáticos fornecidos
gratuitamente eram "verdadeiras alavancas desagregadoras da
mentalidade infantil", pois faziam referência a Mussolini e às
idéias fascistas, principalmente nas zonas de colonização italiana.
O não cumprimento da Lei, com o devido registro das escolas,
implicou no fechamento das mesmas. Como aponta o relatório,

As crianças cumprimentavam aos mestres com a


saudação fascista e cantavam a giovinezza. [...] Na Escola
Rosa Maltone, a professora do Estado quis inaugurar um
retrato do Sr. Presidente da república, o que não lhe foi
permitido senão sob a condição de que fosse suspenso

2
RELATÓRIO, 1939, p.2

177
debaixo da efígie do Sr. Mussolini [...].3 (Relatório, p.4-
5).

Assim, diante do "flagrante" de desrespeito às


determinações, em conformidade com a legislação, fora
determinado o fechamento de escolas, as quais seriam reabertas
mediante o registro junto à secretaria e a nacionalização, pelo
menos do ambiente, acabando desta forma com os abusos que
ocorriam em tempos anteriores, contra a nação brasileira.
O Secretário, em visita às colônias alemães no interior,
a fim de verificar a execução das leis de nacionalização do ensino,
relata a predominância da cultura alemã e do uso do idioma
alemão entre os colonos, os quais se identificavam como "alemães"
e não como brasileiros, como o secretario expressa este sentimento
quando da visita às colônias, "[...] Senti-me estrangeiro em minha
própria terra"4
Alguns dos professores eram aqueles que melhor estavam
preparados para lecionar, porém não tinham estes maiores
conhecimentos do português. Assim, nas escolas paroquiais, tanto
católicas como evangélicas, também se verificou o
descumprimento de tais leis: "(...) em sua totalidade lecionavam
em alemão, sendo o português tratado como uma mera disciplina e
o que é pior, por forma não satisfatória dada a carência de
conhecimento do vernáculo".5
No mesmo documento, o encarregado do serviço de
nacionalização do ensino relata um episódio em visita às escolas
nas zonas de colonização alemã, nas quais as crianças não se
identificavam como brasileiras e sim como alemães,

É profundamente doloroso ouvir de um pequenino teuto-


brasileiro de 3ª ou 4ª geração, nascido em Candelária,

3
Idem, p.4-5
4
Idem, p.7
5
Idem, p. 5-6

178
que era alemão, porque lá nascera e Candelária era
território germânico. Na mesma aula desconhecem o
presidente da República, mas o nome de Hitler lhes é
familiar.6

Diante desse quadro junto às escolas, fora solicitado o


apoio por parte das comunidades religiosas, "[...] pelo exato
cumprimento das nossas disposições, que lhes demandavam muito
maior esforço, apelamos às congregações religiosas, pedindo lhes o
incitamento da boa vontade de seus filiados, o que nos
prometido".7 (Relatório,1938, p.6).
Contudo, a solicitação de apoio a estas comunidades não
fora colocado em prática, já que "[...] a reserva, má vontade
quando não a maneira hostil por que são recebidas as medidas do
Estado pela família do aluno teuto, pelo professor e, seja licito
afirmá-lo, pelas próprias confissões religiosas, posto que as
últimas, ordinariamente, alardeiam o contrário" (Relatório, 1939,
p.8).
A fim de fazer cumprir as determinações previstas nas
leis referentes à nacionalização do ensino e que se cumprisse de
modo adequado tal exigência, foram designados cinqüenta
professores públicos do curso normal e seis contratos especiais para
lecionarem aulas de português, história, geografia e civismo, além
de realizarem a fiscalização da nacionalização.
Mesmo com a publicação das leis da colocação de
professores do estado para realizarem a fiscalização da
nacionalização do ensino, em diversos municípios, tanto nas
comunidades religiosas, quanto na sociedade civil, foram os
mesmo descumpridos e nalguns lugares estes professores foram
"corridos" por realizarem o trabalho de fiscalização. "A Diretora do
Grupo Escolar de Rolante, [...] fiscalizando o Colégio Sagrada

6
Idem, p.7
7
Idem, p.7

179
Família, foi três vezes vaiada pelo corpo discente, em presença de
seus professores" (Relatório, 1938, p.10).
O descumprimento por parte da comunidade pode ser
claramente percebido: "[...] na igreja o sermão é feito em língua
estrangeira e até para a primeira comunhão, os alunos que a falam
tem preferência, realizando-se cerimônia à parte" (Relatório,
1938, p.10).
Assim, segundo o redator, houve a necessidade de fazer
cumprir a lei, uma vez que as determinações por parte do Estado
não estavam sendo cumpridas, tendo em vista que "a experiência
de um ano letivo, tal foi a vigência do Decreto 7212, mostrou-
nos, que sem enérgicas medidas repressivas não haveria
possibilidades de nacionalizarmos o ensino" (Relatório, 1939,
p.10).
A resistência, a burla, e ainda os abusos verificados nas
escolas, contra as determinações do Estado, como o "encontro de
desenhos com a cruz da suástica em cadernos de escolares"
(Relatório, 1939, p.11) e a apreensão de documentos em poder de
professores "alemães", os quais taxavam o Secretário da Educação
e o Diretor encarregado do serviço de nacionalização de ensino, de
"comedores de alemães" (Relatório, 1939, p.11) e diante de
manifestações contrárias de cooperação com as autoridades
estaduais, "[...] fez-se mister a decretação de uma lei mais
enérgica, coibidora de todos os abusos: o Decreto 7614, de 12 de
dezembro último, posto imediatamente em vigor" (Relatório,
1939, p.11).
Esta medida tinha como objetivo por fim ao não
cumprimento das leis anteriores de nacionalização do ensino.
Contudo, o diretor salienta a necessidade de maiores
investimentos, por parte do governo, tanto de fiscais quanto de
recursos financeiros para a construção escolas públicas, "[...] para
suprirem as particulares que forem fechadas por desistência da
atividade escolar ou por determinação nossa" (Relatório, 1939,
p.12).

180
Ao final do documento, o Diretor da Seção
Administrativa registrou o seguinte alerta:

[...] não devemos descurar que a nacionalização do ensino


está intimamente subordinada à nacionalização da igreja,
e que está última foge à nossa alçada, para ela, creio,
cumpre-nos chamar a atenção dos poderes competentes,
afim de que tenhamos maior amparo para a consecução
do objetivo a que nos propusemos: a obtenção de um
Brasil unido e forte.8

Esta consideração nos remete às informações que


obtivemos no Arquivo Nacional, na documentação do Ministério
da Justiça relacionada às Seções de Segurança Nacional, que
demonstram a compreensão do governo da Nação sobre o assunto,
e que revelam, no período, a repressão exercida sobre as regiões
coloniais.
Um dos setores onde se pôde perceber os reflexos da
repressão estabelecida a partir do governo federal, no sentido de
tolher os movimentos políticos locais, foi o da prática religiosa,
onde as medidas cerceadoras determinadas pelo governo federal,
em relação ao uso do idioma das nações do eixo, em lugares
públicos, afetavam diretamente as práticas e atividades religiosas
no Rio Grande do Sul.
Diante dessa situação, em 13.12.1939, D. João Becker,
Arcebispo metropolitano de Porto Alegre, junto com todos os
bispos do Estado, D. Hermeto José Pinheiro, de Uruguaiana, D.
Joaquim Ferreira de Mello, de Pelotas, D. Antônio Reis, de Santa
Maria, D. José Barea, de Caxias do Sul, e D. Frei Cândido, de
Vacaria, tentou intervir junto ao governo federal no sentido de
eliminar as medidas repressivas e que afetavam a atividade religiosa
no Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo em que afirmavam a boa
vontade de todo o episcopado do Estado, no sentido de auxiliar o

8
Relatório apresentado a Coelho de Souza pelo diretor da Seção Administrativa,
em 10 de fevereiro de 1939, p. 12.

181
governo da República a nacionalizar tanto a pregação como o
ensino em geral, bem como a implantar e difundir os autênticos
sentimentos de brasilidade, apontavam os reflexos negativos
resultantes da proibição governamental de exercer a pregação e o
ensino do catecismo em língua estrangeira nos templos.
Evidenciaram as autoridades religiosas as graves
dificuldades e os inconvenientes, tanto de ordem religiosa, como
social e política. Argumentaram, outrossim, que a possível
ausência de nacionalização era decorrente, sobretudo, do descuido
dos governos passados, que teriam deixado aquelas regiões
coloniais quase em completo abandono, principalmente no que diz
respeito à instrução pública.
Colocando, também a contribuição oferecida pela
população de origem estrangeira ao progresso material e espiritual
do país, e se propondo auxiliares do governo, os bispos rio-
grandenses propuseram a seguinte norma: o clero pregaria e
ensinaria o catecismo sempre em português, usando a língua
estrangeira apenas quando necessário para a devida compreensão
dos fiéis, dos quais muitos ainda não conheciam o idioma do país.
Finalmente, alertavam os signatários do documento que se o
governo federal proibisse, realmente, a pregação e o ensino do
catecismo em língua estrangeira, haveriam de acatar suas
determinações, mas não poderiam assumir a responsabilidade pelas
conseqüências daí resultantes que, a seu ver, viriam a ser graves,
não apenas para a Igreja Católica como, também, para o Estado
Novo.9
A partir de agosto de 1939, o Arcebispo de Porto Alegre
distribuiu orientação ao clero de Porto Alegre, no sentido de
realizar as práticas e os sermões e capelas em português, mas
podendo repetir a sua falação no idioma das pessoas estrangeiras
presentes à cerimônia religiosa, se o número delas fosse elevado e
se o julgassem oportuno. Se num ou noutro núcleo colonial, os
9
Correspondência dirigida por D. João Becker ao Presidente Getúlio Vargas, em
13.02.1939 –Arquivo Nacional - SPE-IJ9 1422.

182
fiéis ainda não soubessem bem o português, os sacerdotes depois
da prática no vernáculo, estariam obrigados a repeti-la na língua
dos referidos fiéis. Esse programa havia sido combinado com as
autoridades eclesiásticas superiores do Rio de janeiro e o governo
federal, e seria executado por ordem do governo do Estado do Rio
Grande do Sul, de comum acordo com a Cúria Metropolitana de
Porto Alegre.10
Apesar desse acerto entre as autoridades eclesiásticas e
federais, o acordo não foi cumprido no Rio Grande do Sul, tendo
o chefe de Polícia de Porto Alegre, Capitão Aurélio da Silva Py,
baixado "instruções" relativas às prédicas ou sermões religiosos,
segundo as quais somente eram permitidos os sermões em língua
nacional, ficando a repetição dos mesmos, em língua estrangeira,
apenas limitadas às vilas e núcleos coloniais afastados onde
existiam estrangeiros de maior idade e em número bastante
elevado, medida esta de caráter excepcional e temporário, ficando,
além disso, a critério da Chefia de Polícia. Qualquer infração às
disposições estabelecidas implicaria em penas respectivas, perdendo
a faculdade concedida, devendo falar aos fiéis, exclusiva e
obrigatoriamente, em língua nacional. Além dessas punições, pelas
infrações não previstas até então, ficavam os sacerdotes ou
ministros de culto sujeitos às sanções legais que no caso
coubessem, de acordo com as circunstâncias.11
Os reflexos das medidas adotadas pelo Capitão Py, nos
meios católicos regionais, foram significativos, tanto entre os
dirigentes eclesiásticos como nas comunidades atingidas pelas
disposições policiais. Assim, percebe-se a manifestação de D. João
Becker ao Delegado de Polícia de Porto Alegre, denunciando o
não cumprimento da combinação feita pelo Núncio Apostólico

10
Circular expedida por D. João Becker, Arcebispo Metropolitano de Porto
Alegre, em 02.08.1939 – Arquivo Nacional - SPE IJ 1 1422.
11
Instruções sobre prédicas ou sermões religiosos do Capitão Aurélio da Silva,
em setembro de 1939 – Arquivo Nacional - SPE IJ2 1422.

183
Monsenhor Bento Aloisi Masella, Embaixador do Sumo Pontífice
junto ao Governo Brasileiro, com o Cardeal D. Sebastião Leme,
que fora explicitamente aprovado pelo Ministro da Justiça e pelo
Presidente da República e que não estava sendo observada, na
região.12 Nesse mesmo sentido, movimentaram-se as comunidades
coloniais, enviando telegramas e abaixo-assinados, solicitando o
fim dessas imposições que limitavam a prática religiosa nas regiões
de colonização.13
A posição do chefe de Polícia é justificada ao Ministro
da Justiça através da colocação de que o problema que se
apresentava, em termos das instituições religiosas no Rio Grande
do Sul, referia-se à Igreja Evangélica Alemã, que obedeceria à
orientação política do Partido Nacional-Socialista. Segundo
relatório, preparado pela Chefia de Polícia de Porto Alegre, 90%
dos Pastores Protestantes, no Estado, eram alemães natos e na
sua maioria membros destacados do Partido. O Pastor Hugo
Kumer fora surpreendido, em Santa Cruz, pregando contra a
orientação do governo. Tendo sido preso, em seu poder haviam
sido encontrados além de material de propaganda nazista, regular
quantidade de selos destinados à aposição na carteira partidária,
mediante o pagamento da mensalidade, o que levava a crer fosse
ele o encarregado desse serviço.
Também o Diretor do Pró-seminário de São Leopoldo,
Pastor Franzmeyer, era alto funcionário da Polícia Alemã,
segundo havia sido apurado pela chefia de Polícia de Porto Alegre.
De acordo o Capitão Aurélio Py, a língua havia contribuído
preponderantemente para essa situação, pois, com ela, eram
mantidos uma civilização e um espírito de raça muito saudável às
teorias totalitárias. Em torno do idioma, iam se formando as
comunidades de origem, que sempre haviam constituído campo

12
Correspondência enviada por D. João Becker ao Capitão Aurélio da Silva Py,
em 03.10.1939 – Arquivo Nacional - SPE-IJ1 1422.
13
Arquivo Nacional – SPE –IJ2 1422

184
fértil onde se enraizavam falsas e impatrióticas teorias políticas
importadas de além-mar. Assim, a língua, na opinião da
autoridade policial máxima do Rio Grande do Sul, havia sido a
pedra angular dos processos de penetração estrangeira, no Brasil e,
como tal, devia ser reprimida.14
Podemos, perceber, portanto, que a relação entre o
Estado e a Igreja foi marcada por conflitos e contradições, mas
também por mediações que integraram a política educacional do
período estudado. Em 1942, através de Circular da Secretaria de
Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública, podemos
identificar o convênio assinado entre o Governo do Estado e a
Arquidiocese de Porto Alegre, relativo ás escolas católicas. O
texto, publicado pela UNITAS, esclarecia a necessidade da
integral nacionalização do ensino, pelo qual vinham se batendo,
desde a muito, ambos os pactuantes, bem como afirmava a
utilidade social e nacional de uma perfeita harmonia e colaboração
entre os poderes temporal e espiritual, assim estabelecendo:
1° - A Arquidiocese de Porto Alegre tem ampla liberdade
e autonomia de fundar e manter escolas católicas, bastando que as
mesmas se sujeitem às clausulas do presente convênio, para terem
o amparo da lei e a proteção do Estado;
2° - A Cúria Metropolitana fornecerá á Secretaria da
Educação a lista completa das escolas católicas da Arquidiocese,
declinando qualquer responsabilidade pela conduta de todas
aquelas que, embora de orientação católica, não se incluam na
referida lista;
3° - A aprovação que se fundarem novas escolas
católicas, as mesmas serão registradas na Secretaria da Educação,
por intermédio da Cúria Metropolitana, a qual, igualmente, dará
baixa das que deixarem de existir;

14
Correspondência do Capitão Aurélio da Silva Py ao Ministro da Justiça, em
06.10.1939 – Arquivo Nacional - SPE-IJ1 1422. Relatório da Chefia da
Polícia de Porto Alegre, sobre "Religião e Política Nazista", em 07.07.1939,
Arquivo Nacional - SPE-IJ1 1422.

185
4° - A Cúria Metropolitana se compromete, sem
prejuízo da completa autonomia administrativa e confissional das
referidas escolas, a manter nas mesmas um ensino rigorosamente
nacional, de acordo com a legislação federal e estadual atinente à
matéria;
5° - A Cúria Metropolitana retirará da direção dessas
escolas toda pessoa, eclesiástica ou leiga, que procure embarcar o
espírito do convênio que ora se firma, de conformidade com a
clausula;
6°- A Secretaria da Educação, reconhecendo a
benemerência da Igreja Católica na difusão e nacionalização do
ensino, retirará dessas escolas os professores fiscais que até agora
ali mantêm;
7° - A Secretaria da Educação fará fiscalizar,
mensalmente, por um professor designado para cada município, e
trimestralmente, pelo Delegado Regional, as referidas escolas;
8°- A Secretaria da Educação se responsabiliza pela
conduta cordial e animada de colaboração desses fiscais;
9°- Qualquer queixa ou reclamação que surgir a respeito
das escolas católicas, será tratada, diretamente, entre os signatários
do presente convênio e as averiguações sobre a procedência ou não
procedência das mesmas far-se-ão por pessoa ou pessoas da inteira
confiança de ambas as partes;
10°- Os pactuantes se comprometem a evitar atitudes de
hostilidade entre os elementos responsáveis pela direção de suas
escolas, embora essas funcionem no mesmo turno e nas
proximidades uma da outra;
11°- As escolas católicas da zona rural não são obrigadas
a observar o período de férias prescrito para as escolas públicas;
12°- Os pactuantes se esforçarão no sentido de que este
convênio seja também firmado entre o Estado e os bispos
sufragâneos;
13°- A violação consciente e deliberada de qualquer
desses dispositivos, da parte de um dos pactuantes, acarretará o

186
rompimento do mesmo, assumindo cada um as responsabilidades,
perante a sua consciência e perante os seus concidadãos.15
Nesse mesmo ano, estabeleceram-se as normas oficiais a
serem observadas pelas Escolas Católicas da Arquidiocese de Porto
Alegre. Dentre elas destacamos as que nos parecem mais
expressivas para evidenciar a importância da questão da
nacionalização e da mediação ocorrida entre o Estado e a Igreja
Católica, sobre o tema. Além das normas relativas ao registro e
inspeção das escolas, bem como sobre a forma de realizar os
exames, as orientações sobre o culto cívico merecem destaque:
1) As escolas católicas devem cumprir, rigorosamente,
as determinações de caráter cívico, emanadas da
Secretaria da Educação.
2) Toda Escola deverá ter:
a) uma Bandeira Nacional de tamanho
conveniente e um mapa do Brasil em ponto
grande;
b) em todas as salas de aula um quadro com a
Bandeira Nacional, e outro, com o verso: AMA
COM FÉ E ORGULHO A TERRA EM
QUE NASCESTE.
3) A atitude cívica será computada obrigatoriamente
na apreciação da conduta geral de cada aluno.
4) São absolutamente proibidos:
a) O emprego de idiomas estrangeiro, mesmo
como língua auxiliar;
b) Inscrições em língua viva estrangeira;
c) Homenagens a nações estrangeiras, seus chefes
e membros de governo, como colocação de
retratos, bandeiras, etc.

15
UNITAS, 1942, N° 5-6, p. 138-139.

187
d) Saudações características de partidos
estrangeiros.
5) Haverá cerimônias de culto cívico:
a) No início do ano letivo;
b) Aos sábados pela manhã;
c) Nos feriados nacionais;
d) Na festa da bandeira.
6) As datas nacionais:
a) Serão celebradas no próprio dia;
b) Coincidindo com domingo ou dia santo de
guarda, serão celebradas na véspera, sempre que
não haja determinação expressa em contrário;
c) Devendo, por determinação expressa, celebrar-se
em domingo ou dia santo de guarda, as
cerimônias cívicas obedecerão a um horário, que
não prejudique o cumprimento dos deveres
religiosos dos professores e alunos.
7) As comemorações da "Semana da Pátria", da
"Semana da Asa" e outras, obedecerão a instruções
prévias da Secretaria da Educação.
8) Para as grandes comemorações em conjunto,
aconselha-se aos colégios católicos entrar em
entendimentos não só com os Grupos Escolares da
localidade, mas também com as autoridades civis e
militares, representantes da Liga de Defesa
Nacional, entidades desportivas, etc.
16

Esta documentação é preciosa para se perceber a


importância das medidas nacionalizadoras que atingiram as escolas
católicas, consideradas foco de resistência à nacionalização
pretendida pelo Estado brasileiro. A adesão da Igreja foi sendo

16
UNITAS, 1942, Nº 1-2, P. 17-18.

188
obtida, com a preservação de sua posição na disputa pelos espaços
educacionais, assim expressa, em 1945, através de parte que
selecionamos do Manifesto do Episcopado Brasileiro sobre o
momento internacional e nacional:
Só o Estado de tipo totalitário monopoliza o ensino e
transforma as escolas em instrumento de propaganda de ideologias
partidárias. O respeito à verdadeira liberdade de consciência das
famílias exige que, na orientação espiritual da educação nas
escolas, não se contrarie a orientação do lar, e que o professor não
destrua o que constroem os pais.17

4. Considerações finais

Os elementos que aqui apresentamos constituem parte


dos resultados da investigação que vimos realizando sobre a
política educacional no Rio Grande do Sul, no período de
1930/1945. Nossa preocupação, nesse momento, foi apresentar
os aspectos mais significativos de um dos traços fundamentais
dessa política, ou seja, a nacionalização do ensino.
Como pudemos evidenciar através da documentação de
época com a qual trabalhamos, a nacionalização do ensino foi
ingrediente forte de contradições e até de conflitos, entre o Estado
e a Igreja no Rio Grande do Sul. As regiões coloniais foram o
"lócus" privilegiado do confronto ocorrido e que sofreram, de
forma mais consistente, a ação governamental no período.
Ao longo dos testemunhos históricos apresentados,
pudemos perceber as mediações ocorridas, sobretudo entre o
Estado e a Igreja Católica, com esta adotando a orientação
nacionalizadora estabelecida pelo Estado, mas preservando a defesa
de sua posição como protagonista importante no campo
educacional.

17
UNITAS, 1945, Nº 7-9, P. 179.

189
Referências

MÜLLER, Geraldo. A economia política gaúcha dos anos 30 aos


60. In: DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius
(org.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1979.
RELATÓRIO, apresentado ao Secretário de Educação e Saúde
Pública, J. P. Coelho de Souza pelo diretor da Seção Administrativa,
encarregado dos serviços atinentes à nacionalização do ensino. Porto
Alegre, 1939.
UNITAS, Revista da Arquidiocese de Porto Alegre. Porto Alegre,
1942.
_______ Revista da Arquidiocese de Porto Alegre. Porto Alegre,
1945.

Berenice Corsetti. Professora do Programa de Pós-Graduação


em Educação. Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS. e-mail: bcorsetti@unisinos.br
Dilmar Kistemacher. Acadêmico do Curso de História da
UNISINOS. Bolsista de Iniciação Científica. e-maill:
kistemacher@yahoo.com.br
Alessandra Vieira Padilha. Acadêmica do Curso de História da
UNISINOS. Bolsista de Iniciação Científica. e-mail:
nanda_padilha@yahoo.com.br

Recebido em: 08/06/2007


Aceito em: 15/11/2007

190
DAS SCHULBUCH (O LIVRO ESCOLAR), 1917-
1938. UM PERIÓDICO SINGULAR PARA O
CONTEXTO DA IMPRENSA PEDAGÓGICA NO
PERÍODO
Lúcio Kreutz

Resumo
No início do século XX o processo educacional brasileiro foi
favorecido pelos movimentos em favor do ideário liberal, pela
crescente afirmação do Estado/Nação, pelo Projeto Republicano e
pelas iniciativas da Igreja da Restauração. Estas tendências
motivaram a mobilização em favor do processo educacional brasileiro,
incentivando a produção da imprensa pedagógica. O presente artigo
trata do periódico Das Schulbuch (O Livro Escolar), publicado pela
Editora Rotermund, de São Leopoldo, de 1917-1938, salientando
suas interfaces e contraposições com as tendências especificadas
acima. Único periódico sobre o livro escolar conhecido até o presente,
Das Schulbuch é muito pouco conhecido na história da educação
brasileira e constitui-se em rica fonte de pesquisa sobre propostas
pedagógicas da época, sobre a produção e uso de livros escolares,
especialmente nas escolas da imigração.
Palavras-chave: Imprensa pedagógica; livros escolares; história da
educação.

DAS SCHULBUCH (THE SCHOOL TEXT BOOK) 1917-


1938. A PECULIAR JOURNAL IN THE PEDAGOGICAL
CONTEXT AT THAT TIME
Abstract
In the beginning of the 20th Century the brazilian educational
process was helped by the movements in favor of the liberal proposals,
by the increasing affirmation of the Estate/Nation, by the
Republican Project and by the initiative of the Church of
Restoration. These tendencies motivated a movement in favor of the
brazilian educational process, encouraging a production of pedagogic
press. The present article deals with the periodic Das Schulbuch (The
School Book), published by Rotermund Publishing Company of Sao
Leopoldo, from 1917-1938, emphasizing its interfaces and
counterpoints with the tendencies specified above. The only periodic
about the school book known to this date, Das Schulbuch is not well-
known in the history of brazilian education and constitutes a rich
research source about the pedagogic proposal of that period of time,

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
concerning the production and use of school books, specially in the
immigration schools.
Keywords: Pedagogic press; school books; history of the education.

DAS SCHULBUCH (EL LIBRO ESCOLAR) 1917-1938.


UN PERIODICO SINGULAR PARA EL CONTEXTO DE
LA IMPRENTA PEDAGOGICA EN EL PERIODO
Resumen
Al principio del siglo XX el proceso educacional brasileño fue
favorecido por los movimientos en favor del ideario liberal, por la
creciente afirmación del Estado/Nación, por el Proyecto Republicano
y por las iniciativas de la Iglesia de la Restauración. Estas tendencias
motivaron la movilización en favor del proceso educacional brasileño,
incentivando la producción de la imprenta pedagógica. El presente
artículo trata del periódico Das Schulbuch (El Libro Escolar),
publicado por la Editora Rotermund, de São Leopoldo, de 1917-
1938, destacando sus peculiaridades y contraposiciones con las
tendencias especificadas arriba. Único periódico sobre el libro escolar
conocido hasta el presente, Das Schulbuch es muy poco conocido en
la historia de la educación brasileña y se constituye rica fuente de
investigación sobre propuestas pedagógicas de la época, sobre la
producción y uso de libros escolares, especialmente en las escuelas de
inmigración.
Palabras-clave: Imprenta pedagógica; libros escolares; historia de la
educación

192
O presente texto é fruto de pesquisa sobre a imprensa
pedagógica produzida para as escolas étnico-comunitárias da
imigração alemã no Rio Grande do Sul. Trabalhando em equipe,
com bom apoio institucional e recorrendo a diferentes estratégias
de buscas, foi possível chegar a resultados bastante surpreendentes
na localização de fontes abrangendo significativo leque de
publicações relativas ao processo escolar desse grupo de imigrantes.
Até o momento conseguimos localizar a coleção quase completa de
dois periódicos das Associações de Professores da imigração alemã
publicados entre 1900 e 1938, um conjunto de 167 livros
didáticos elaborados e impressos para o uso nessas escolas étnicas
e, para surpresa, uma revista sobre o livro escolar. Esta publicação
parece-me algo muito singular para o período histórico em questão
e é objeto do presente texto. Trata-se do Das Schulbuch (O Livro
Escolar), 1917-1938. Publicado por imigrantes alemães no
contexto da produção de material didático para suas escolas
étnicas, objetivava adequá-las o mais possível à realidade brasileira.
Com 52 números editados, apresenta como tema central, inclusive
como título, o Livro Escolar. Entendo que é fonte promissora
para, juntamente com outras, servir de referência de pesquisa sobre
o processo educacional do período, especialmente em relação aos
livros escolares. Por ser uma revista, esta fonte será de interesse
especial para os pesquisadores voltados para a imprensa periódica
na educação. E por ter como título, O Livro Escolar, sendo este o
eixo central dos textos aí publicados, interessa igualmente aos
pesquisadores que tem como objeto de atenção o livro didático.
Portanto um periódico contemplando diretamente duas instâncias
de pesquisa em relação às quais está havendo bastante atenção nos
últimos anos por parte de pesquisadores em história da educação
brasileira.
No período histórico em questão, a imprensa pedagógica
começava a ser considerada instância privilegiada de ação tanto
pelas lideranças governamentais, buscando a instauração do
Estado/Nação, como pela Igreja da Imigração, luterana e católica,
reivindicando a definição dos princípios educacionais como

193
atribuição sua. Por isso desencadeava forte oposição ao avanço do
ideário liberal que propunha a educação como função do Estado,
com um sistema escolar laico. Das Schulbuch foi editado nesse
contexto de disputa pelo processo educacional, considerado
estratégico para os objetivos de ambas as instituições. O escopo do
presente texto é apresentar esse periódico aos pesquisadores na
área, salientando os objetivos de seus editores e as tensões que
envolviam sua publicação no momento histórico em que o direito
sobre o processo escolar provocava tensões e disputas entre Estado
e Igreja. Trata-se igualmente de momento histórico em que havia
freqüentes tensões entre poder público, voltado à formação do
Estado Nacional, e os imigrantes, concentrados
predominantemente em comunidades rurais bastante homogêneas,
afeitos à língua de origem e às demais expressões culturais do
respectivo grupo étnico. Hobsbawm (1984 e 1900), Guibernau
(1997), Gellner (1988) e Anderson (1997), ajudam a perceber
que nesse momento histórico a dinâmica sócio-cultural se
desenvolveu em profunda inter-relação com a questão do nacional
e que o processo identitário não se desencadeava apenas a partir
das diretivas de governos e de agências oficiosas, mas que também
contemplava aspirações e interesses populares. Isso provocava um
movimento contraditório de interesses gerando tensões e alianças,
com reflexos no processo social, político e, principalmente
cultural. Por isso o periódico Das Schulbuch e toda a literatura
escolar dos imigrantes têm profundas interfaces com a formação
do Estado Nacional no Brasil e sua relação com a Igreja da
Imigração. Daí sua importância para a história da educação.

O periódico Das Schulbuch

A editora Rotermund de São Leopoldo, RS, editou 52


números do periódico Das Schulbuch. Organ zum Ausbau der
Schulbuchliteratur in Brasilien, entre 1917 e 1938. Trata-se de um
periódico sobre o livro escolar (Das Schulbuch), com o objetivo de

194
fomentar reflexões relacionadas com a concepção, a elaboração, a
impressão e a difusão da literatura relativa ao livro didático no
Brasil (Organ zum Ausbau der Schulbuchliteratur in Brasilien). Com
número bastante reduzido de páginas - média de dezesseis a vinte -
não é exatamente um periódico na concepção atual. Mas é
significativo para seu período histórico e contexto de produção. No
frontispício de cada número aparecem junto ao título, e em
destaque, três informações:

- A redação está nas mãos de pedagogos renomados;


todas as colaborações devem ser enviadas à Editora
Rotermund e Cia., São Leopoldo.
- Será enviado, gratuitamente, a todos os professores e
interessados.
- Editado segundo a necessidade, trata dos diversos
aspectos que envolvem o trabalho pedagógico. Aceita-se,
gratuitamente, o anúncio de procura e de oferta de vagas
para professor.

Todos os números foram impressos em alemão, letra


gótica. Os três primeiros apareceram respectivamente em julho,
agosto e setembro de 1917. Sobre os números quatro e cinco
ainda não se obteve informações. Houve interrupção de sete anos
na publicação do mesmo, reaparecendo com o número seis em
outubro de 1925. Esse intervalo na publicação do periódico deve-
se à proibição da imprensa alemã no Brasil, logo após a Primeira
Guerra Mundial, de 1917 a 1919, significando duro golpe para a
Editora Rotermund que vinha imprimindo desde 1880 todo um
conjunto de impressos para os imigrantes alemães em sua língua
materna. Entre esses impressos estava um jornal (Deutsche Post),
livros didáticos, anuários, boletins, folhas dominicais e um
almanaque do professor. A editora havia sido alvo de reações,
sofrendo sérios prejuízos durante o período de guerra, motivo que
a levou a suspender por mais tempo as publicações.
O editorial do número seis, em 1925, enfatiza que, em
função da mudança dos tempos, devem seguir-se também

195
transformações na ação pedagógica. Realça que não se pode
depender de manuais escolares impressos em outro país e outra
realidade. O editor ainda faz um apelo para que os professores
divulguem o periódico e colaborem com artigos referentes a seu
trabalho escolar, com relatos sobre suas reuniões, locais e
regionais, e com troca de informações sobre a oferta e procura de
vagas para professor. O periódico dispunha-se a ser um
instrumento de formação e informação para os professores.
Até o presente foram localizados exemplares no acervo
Mentz, Porto Alegre, no acervo Rotermund, São Leopoldo e no
acervo Martius Staden, São Paulo. Dos números editados (52 ao
todo), falta localizar o número quatro e cinco, como foi dito
acima. Em trabalho conjunto com Izabel Cristina Arendt, do
Acervo Documental e de Pesquisa (ADOPE) da UNISINOS e
com o apoio de bolsistas de Iniciação Científica fizemos contato
com os acervos acima citados e, com o apoio do CNPq, realizamos
a microfilmagem e posterior edição digital dos cinqüenta números
já localizados, disponibilizando uma cópia para os acervos que
concorreram com originais.
A concepção do periódico deve-se a Wilhelm Rotermund
(1843-1925), fundador da Editora Rotermund em 1880,
considerado uma das principais lideranças na fundação do Sínodo
Riograndense. É lembrado como pastor luterano, professor, editor,
liderança muito envolvida na dinâmica sócio-cultural e
comunitária dos imigrantes. Nasceu na Alemanha, fez os
primeiros anos de escola com seu pai, professor. Formou-se em
Teologia e fez o doutorado em Filosofia. Trabalhou alguns anos
como professor e como pastor na Alemanha e, em 1874 veio a
São Leopoldo, tornando-se uma liderança muito respeitada entre
imigrantes alemães. No contexto de envolvimento com a dinâmica
sócio-cultural dos imigrantes na função de pastor, de professor e
de editor, centrou sua atenção de forma especial na elaboração e
impressão de livros didáticos. Em 1878, imprimiu, de sua autoria,
em alemão, uma cartilha para as escolas de imigrantes alemães no
Brasil. Preocupado com a pronúncia do português nessas escolas,

196
publicou em 1879, também de sua autoria, A orthoepia da língua
portugueza em exercícios para as escolas alemãs no Brasil".
Continuou a dedicar-se a este objetivo. Ao todo Rotermund é
autor de 16 livros didáticos para as escolas de imigração, dos quais
cinco foram escritos em português. Além dos 16 manuais de sua
autoria, com sucessivas reedições, também editou significativo
número de manuais escolares de outros autores. Até o momento
identificamos 38 desses manuais, boa parte reeditada sucessivas
vezes. Na década de 1930, a Editora Rotermund já havia editado
e reeditado acima de 50 títulos de manuais escolares, vários com
mais de 10 reedições. Em alguns casos ocorreram profundas
reformulações na decorrer das 15 ou mais reedições. Em 1931,
havia vendido 160.000 exemplares de Praktischen Rechenschule
(Das Schulbuch, 40, 1932, p.5). Estas informações sucintas
ajudam a entender a liderança da Editora Rotermund em relação
aos livros escolares, e já apontam para algumas dimensões do
contexto e da dinâmica na qual e a partir da qual foi editado o
periódico Das Schulbuch.
O periódico Das Schulbuch foi precedido praticamente
por um século de presença dos imigrantes alemães no Brasil. Não
tendo escolas públicas à disposição, abriam escolas étnicas, em
condições precárias. Na falta de material didático, produziram
algumas cartilhas manuscritas.Em 1832, oito anos após o início
da imigração alemã no RS, foi impressa a primeira cartilha para
suas escolas no Rio Grande do Sul, sob o título: Neuestes ABC
Buchstabier und Lesebuch zunächst fiir die Kolonie von S't Leopoldo.
Porto Alegre, gedruckt und zu haben in der Buchdruckerey von C.
Dubreuil und Cia., 1832. Além do título, a folha de rosto ainda
tinha a epígrafe: Was Hänschen nicht lernt, lernt Hans
nimmermehr, isto é, o que Joãozinho não aprende, João não
aprenderá mais (HJ,1924,p.410).
Afora estas informações sobre o material didático no
início da imigração, sabe-se pouco sobre o mesmo nas décadas
subseqüentes, até 1870. A partir de então a questão da elaboração
do material didático para as escolas da imigração começou a ter

197
incentivo especial da parte da coordenação do projeto das igrejas,
luterana e católica. Com estas instituições a apoiar o projeto
escolar, entende-se porque houve, pelo menos parcialmente, uma
produção de material didático que, especialmente em temas
relativos à religião e valores ético-morais, mantinha conotação
confessional. No entanto, em relação ao ensino da língua, da
matemática, da história e geografia, o material didático
usualmente era comum a católicos e luteranos. A Editora
Rotermund, de São Leopoldo, normalmente publicava o material
didático dos luteranos. Os católicos recorriam mais à Typographia
do Centro e à Livraria e Editora Selbach, ambas em Porto Alegre.
Para situar melhor a Wilhelm Rotermund, mentor e
editor do Das Schulbuch, no contexto nacional de produção de
livros escolares, é muito valiosa a tese de doutorado de José Luís
Félix (2004) sobre "As gramáticas dos imigrantes alemães para
aprender o português: índices de brasilidade lingüística". No
estudo ele compara as gramáticas elaboradas por Rotermund (RS),
Damm (SC), com as de Júlio Ribeiro e João Ribeiro, considerados
clássicos no período, entre 1890 e 1910. Na pesquisa Félix
conclui que os dois autores de gramáticas para ensinar o português
aos imigrantes alemães apresentam considerável índice de
brasilidade e que estavam bem informados a respeito das discussões
sobre o tema, tanto no Brasil quanto em Portugal e na Alemanha.
Por isso o Das Schulbuch e seu editor não podem ser pesquisados
de modo isolado, reduzindo-os apenas ao horizonte da literatura
escolar dos imigrantes alemães no Brasil. Para pesquisar esse
periódico é necessário ficar atento para as interlocuções com as
discussões pedagógicas em nível nacional e mesmo da Europa e é
preciso, principalmente, buscar as interlocuções e/ou
contraposições com movimentos político-sociais e religiosos.
Rotermund estava assessorado por professores de boa formação
acadêmica, ele mesmo era doutor em filosofia, e com suas
iniciativas no processo educacional visava objetivos religiosos,
sociais e mesmo políticos bastante amplos.

198
Os destinatários do Das Schulbuch

Quando a Editora Rotermund começou a publicar o


periódico Das Schulbuch, em 1917, o número de escolas da
imigração alemã no Rio Grande do Sul era de 787 (sendo 365 de
confissão luterana, 310 católicas e 112 mistas). Havia também
expressivo número das mesmas em outros estados, especialmente
em Santa Catarina. No entanto, o Rio Grande do Sul foi o estado
que sempre teve o maior número de escolas étnicas, até a proibição
das mesmas a partir de 1938. Segundo levantamento das
Associações de Professores dos imigrantes alemães havia no Brasil,
em 1937 – vinte anos após a fundação do periódico Das
Schulbuch – um total de 1579 escolas da imigração alemã, com a
seguinte distribuição por estado: RS, com 1.041; SC, com 361;
ES, com 67; SP, com 61; RJ, com 16 e outros estados com 33
(Kreutz, 2000, p. 356/7).
O periódico sobre o livro escolar estava inserido em
contexto de ampla publicação de jornais, almanaques, revistas e
folhas semanais destinadas aos imigrantes alemães do Rio Grande
do Sul. Em 1938 este conjunto somava 37 títulos diferentes. E
como a escola era uma das instâncias básicas para o projeto de
comunidade desses imigrantes, é fácil entender que nestas
publicações se tratasse quase que ininterruptamente desta
temática. Por isso todas essas publicações são fontes importantes
para a pesquisa sobre o processo escolar. No entanto, destaco a
imprensa pedagógica destinada especialmente para os professores.
Além do Das Schulbuch, foram publicados ainda dois outros
periódicos e um almanaque do professor. Respectivamente:

a) Mitteilungen des katholischen Lehrer- und


Erziehungvereins in Rio Grande do Sul, 1900 a 1940. A partir de
1907 passou para o título Lehrerzeitung. Vereinsblatt des
katholischen Lehrervereins in Rio Grande do Sul.
Trata-se da revista da Associação de Professores da
imigração alemã católica do Rio Grande do Sul. Impressa em

199
alemão, normalmente em letra gótica, sua edição foi mensal, com
raros casos em que era expedida de dois em dois meses. Sua edição
foi suspensa de novembro de 1917 a janeiro de 1920, em
conseqüência da Primeira Guerra Mundial.
A Associação de Professores da Imigração Alemã
Católica (Leherverein) foi fundada em 1898. Dois anos depois,
em 1900, iniciou a edição do Jornal do Professor, com o objetivo
de promover a escola comunitária (paroquial) de acordo com a
perspectiva católica. Dava prioridade para a formação dos
professores, para a garantia da obrigatoriedade escolar mínima de
quatro anos, para um currículo comum e, especialmente, para a
elaboração e impressão de material didático para as escolas da
imigração.

b) Allgemeine Lehrerzeitung für Rio Grande do Sul.


Vereinsblatt des deutschen evangelischen Lehrervereins in Rio Grande
do Sul.
Trata-se da revista da Associação de Professores
Evangélicos de Imigração Alemã do Rio Grande do Sul, publicada
de 1902 a 1938. Os objetivos deste periódico são semelhantes, na
perspectiva evangélica, aos do congênere católico, explicitado
acima.

c) Lehrerkalender. Trata-se de um Almanaque do


Professor, editado pela editora Rotermund, na década de 1930,
com o objetivo de informar aos professores os eventos
importantes, apresentar a oferta de livros didáticos, comentários a
respeito dos mesmos e trazer informações úteis para o dia a dia do
professor, ao estilo de uma agenda.
Das Schulbuch estava em sintonia com esses periódicos,
mas sua especificidade era a proposição de reflexões teóricas sobre
a prática pedagógica e, principalmente, as informações relativas
aos livros didáticos específicos das escolas da imigração. Até o
momento conseguimos localizar e microfilmar 167 desses livros
escolares, tendo informação de vários outros, mas ainda não

200
localizados. Isto nos leva a entender que se formara uma rede de
publicações em torno da questão escolar, considerada de máxima
prioridade para os imigrantes. Nas Assembléias Gerais de
Professores, nas reuniões regionais e locais das Associações de
Professores, o tema do material didático era uma constante. Esta
prioridade aparece claramente no Jornal do Professor de cada
Associação e também no periódico Das Schulbuch. Registra-se, aí,
a preocupação dos professores e das diretorias de escola com a
edição de manuais especialmente adaptados às escolas
comunitárias. Havia consenso quanto à necessidade de provê-las
com bom e adequado material didático. Os manuais escolares
eram tratados, recomendados ou criticados nas assembléias de
professores, em que se discutia a teoria vinculada à prática, sendo
que o relatório dessas avaliações era publicado nos periódicos. Era
costume convidar para as assembléias os autores ou os defensores
dos manuais para fazerem aulas demonstrativas junto aos alunos
da localidade a partir do respectivo manual ou da teoria em
discussão. Depois iniciava o debate. As conclusões eram publicadas
num ou nos dois periódicos de professores e, especialmente, no
Das Schulbuch. A seqüência de críticas e sugestões facultava a re-
elaboração dos manuais, com as incorporações e modificações
sugeridas. Os manuais didáticos não foram impostos. Em cada
área de estudo havia os mais consagrados. Dizia-se que sempre
seria útil ao professor, por mais experiente que fosse, ter um
manual e um roteiro de aula, ainda que não o seguisse
integralmente.
As duas Associações de Professores afirmaram
reiteradamente que uma de suas principais atribuições era o zelo
pelo material didático para as escolas comunitárias. Estimularam
sua elaboração e procuraram editá-lo e vendê-lo ao preço mais
acessível. O periódico Das Schulbuch, embora com objetivos
também comerciais, abordava igualmente e de modo enfático as
questões teóricas e os diversos aspectos que envolvem o trabalho
pedagógico, como estava anunciado no frontispício de cada
número. Os autores de artigos eram professores com formação

201
pedagógica, muitas vezes de nível superior, atuando em escolas
urbanas. Também eram publicados artigos de renomados
educadores de outros países, principalmente da Alemanha. Mas o
Das Schulbuch é um periódico praticamente desconhecido na
historiografia da educação, excetuando-se algumas referências
rápidas ao mesmo. O fato de haver sido impresso em língua
alemã, letra gótica, de difícil acesso, certamente contribuiu para
isto. No entanto, trata-se de uma fonte preciosa para entender o
debate sobre os livros didáticos e as políticas educacionais no
Brasil, no período histórico em questão.

O contexto da produção do periódico Das Schulbuch

O Das Schulbuch foi produzido em momento histórico


de intensa mobilização pelo direito para gerir o processo
educacional, numa disputa entre Estado e Igreja, envolvendo
também a autonomia comunitária e de instituições civis sobre o
processo escolar. A imprensa pedagógica começou a ser
considerada como instância privilegiada para a caracterização e
para a definição de valores ético-morais e para a formação da
cidadania, em momento histórico de crescente afirmação da
nacionalidade. Por isso, importa examinar o contexto histórico no
qual a literatura pedagógica começou a ser de interesse crescente
entre as instituições que disputavam a influência na formação da
opinião pública, com especial atenção para as organizações de
acentuado caráter étnico-cultural dos imigrantes.
O século XIX caracterizou-se pelo avanço na formação
dos Estados/Nação que, para tentar consolidar-se, investiram
fortemente no processo escolar. As igrejas cristãs entenderam-no
como perda de seu direito para gerir a educação, reagindo no
espírito da Restauração Religiosa. O processo escolar e a imprensa
pedagógica tornaram-se, neste contexto, eixo de atenção e campo
de disputa. Os livros escolares de fato já foram sendo bastante
difundidos desde a Reforma Protestante e a Contra-Reforma,

202
especialmente em países de influência protestante. Seu uso na
escola era entendido como um complemento do processo de
ensino e não como seu centro. Bünger (1898) identifica a década
de 1840 como o momento histórico em que se começou a tomar
os manuais didáticos como base para o ensino escolar,
especialmente em países europeus nos quais a maior parte da
população já freqüentava a escola. É importante entender que a
difusão dos impressos pedagógicos, entre os quais os livros
escolares, sempre estiveram vinculados a processos político-sociais
e culturais mais amplos de estruturação das sociedades. A partir do
momento histórico da formação do Estado-Nação, a escola e,
junto com a mesma, o livro didático, foram vistos como instância
privilegiada para a formação e legitimação de novas estruturas
político-sociais. Trata-se de um processo que não teve uma
linearidade de tempo e de políticas públicas entre os diversos
países.
No Brasil, com a crise econômica e política de 1870,
acentuou-se o debate em torno de novos horizontes. O projeto
político republicano foi tomando corpo. Neste contexto, no debate
das décadas subseqüentes, a escola e a imprensa pedagógica
começaram a ser entendidos como um apoio promissor para as
novas propostas. A igualdade, a fraternidade e a justiça, sob a
perspectiva laica da Ilustração, eram enfatizadas como valores
referenciais do ideal republicano, em frontal oposição aos da
Restauração política e religiosa. Sem tradição escolar mais
consistente no Brasil, a escola pública começou a ser defendida
pelos ideais republicanos como a "instituição da Nação" por
excelência. Em A Formação das Almas, Carvalho (1993) afirma
que, tendo sido praticamente nula a participação popular na
instituição da República no Brasil, começava-se a entender como
fundamental uma ação incisiva sobre o imaginário social para a
instituição simbólica da Nação. Também Nagle (1974) realça a
importância que a liderança republicana atribuía à educação
escolar e ao livro didático. Igualmente Lajolo (1998) salienta que
a partir do período republicano houve maior produção de livros

203
didáticos, visando-se especialmente a educação moral e cívica.
Olavo Bilac e Manoel Bonfim começaram a se distinguir como
autores de livros didáticos procurando incutir valores cívicos e
morais, o respeito à Pátria e suas instituições como língua, família
e escola. De 1899 a 1911 Olavo Bilac publicou sete livros
didáticos com acentuada motivação patriótica. Esses livros tiveram
sucessivas reedições. A Editora Francisco Alves foi se firmando
como uma referência na publicação de livros escolares. Mas se o
período republicano iniciou uma política pública em relação ao
processo escolar tratando a produção de impressos pedagógicos
como elemento essencial na formação do Estado/Nação, é preciso
reconhecer que esta ação teve maior reflexo sobre a elite do que na
efetiva difusão de escolas para a camada popular. Em todo caso,
para a elite certamente ajudou a fundamentar um discurso
propositivo, inspirado nos ideais da Revolução Francesa (Kreutz,
2002, p. 102/3).
Considero de suma importância a percepção de que o
projeto republicano com ênfase na escolarização e nos impressos
pedagógicos não se deu em espaço vazio de interesses conflitantes
(Valle, 1997). Ao contrário, foi em momento histórico de agudas
contradições e estranhamentos. Concomitante ao projeto
republicano, e em parte contra este, ocorreu também uma
rearticulação da Igreja Cristã. Acuada pelo avanço do ideário
liberal e da proposta de um Estado laico, a Igreja Cristã, católica e
luterana, reagiu em perspectiva de Restauração Religiosa, tomando
os princípios religiosos como a referência maior para a organização
político-social e cultural. Valores como solidariedade humana e
comunitarismo deveriam ser prioritários na institucionalização
político-social. Nos diversos países da Europa a Igreja cristã havia
perdido muito espaço, pois o capitalismo crescente abalava
estruturas. A hierarquia da igreja católica ensaiou sua oposição ao
avanço do ideário liberal sob o Papa Pio IX. Com as encíclicas
Quanta Cura (1864) e Sylabus (1864), condenava os rumos
liberalizantes do mundo moderno, a autonomia do laico e os
princípios democráticos, propondo um reordenamento espiritual,

204
centralista e hierárquico da sociedade. Sob esta perspectiva a igreja
católica reagiu ao avanço do "liberalismo ateu", investindo
fortemente no processo educacional. Como o liberalismo avançava
mais no contexto urbano, a Igreja da Restauração buscava seu
espaço mais no modelo agrário. Era das comunidades rurais que
provinham os candidatos para a ampliação e renovação de seus
quadros e era neste meio que ela investia fortemente no
associativismo, com a abertura de escolas e com amplo leque de
imprensa para apoiar o processo como um todo. A igreja luterana
teve perspectivas próprias na reação ao liberalismo considerado
ateu, mas para as ações junto aos imigrantes do Rio Grande do
Sul havia bastante similaridade com as da igreja católica.
No Rio Grande do Sul a Igreja Cristã, católica e
luterana, seguia os princípios da Restauração religiosa e política,
embora não de forma unívoca, encontrando junto aos imigrantes
europeus, especialmente os de área rural, um terreno fecundo para
sua ação pastoral. Neste sentido é possível caracterizá-la como
Igreja de Imigração (Kreutz. 1991). Sua preocupação não era
somente o avanço do Estado laico. Havia um "perigo" maior que
se encontrava entre os próprios imigrantes alemães.Tratava-se de
imigrantes de inspiração liberal, sediados especialmente em Porto
Alegre. Eram denominados "Brummer", isto é questionadores da
ordem. Parte deles era de formação acadêmica superior à maioria
dos imigrantes. Os Brummer haviam participado dos protestos e
do movimento revolucionário na Alemanha, em 1848 e haviam
sido contratados pelo governo do Império para lutar na guerra
contra Rosas. Distinguiram-se pela sua posição crítica aos
princípios do conservadorismo político e religioso. Tendo vindo ao
Rio Grande do Sul na década de 1850, começaram a exercer
crescente influência entre os imigrantes por meio da imprensa e
também do magistério.Um dos expoentes desse grupo, Koseritz,
editor e articulista de jornal, criticava o conservadorismo religioso,
despertando a reação da Igreja da Imigração. Rotermund,
fundador do periódico Das Schulbuch e liderança no Sínodo
Riograndense, afirmou que nesta situação específica a igreja

205
católica e a luterana deveriam esquecer suas divergências para
combaterem conjuntamente a influência do ideário liberal desse
grupo dos "Brummer" sobre os demais imigrantes (Kreutz, 1991).
Em sua ação pastoral, a Igreja da Imigração também
investiu profundamente no processo educacional/escolar,
privilegiando os impressos pedagógicos e a organização de escolas
comunitárias de caráter também confessional. Católicos e
luteranos começaram a reconhecer que, frente ao avanço do
ideário liberal, laico e freqüentemente anti-religioso, era
fundamental amenizar suas diferenças confessionais. E
começaram a investir na criação de estruturas sócio-culturais que
lhes permitissem liderança na sociedade. É neste contexto que
lideraram junto aos imigrantes a organização de um processo
escolar étnico com a produção de impressos pedagógicos adequados
a seus objetivos. O exame destes impressos leva-nos a perceber
imediatamente que foram concebidos a partir desse contexto. São
impressos pedagógicos que retratam determinada concepção de
sociedade e de valores, pedagogicamente adequada aos objetivos e
às peculiaridades das forças sociais em disputa de espaço. Em
perspectiva de história cultural, podemos dizer que a imprensa
pedagógica foi tomada como um poderoso instrumento para
"ajudar a conformar determinado modo de sociabilidade, sendo
posta em convergência com outras estratégias políticas e culturais"
(Chartier, 1990; Benito, 2000). O periódico Das Schulbuch
inseria-se nesse contexto de relações de poder.

Interlocução entre autores de livros didáticos e do Das


Schulbuch

No Brasil, os livros de leitura praticamente não existiam


nas escolas até meados do século XIX. Estudos como os de
Bittencourt (1993), Batista (1998), Munakata (1997), entre
outros, realçam que a história inicial do livro didático tem a ver
com a tardia implantação da Imprensa Régia, a partir de 1808.

206
Até então os materiais de leitura eram pouco disponíveis tanto nas
raras escolas quanto na sociedade como um todo. O brasileiro era
um povo predominantemente não-escolarizado. Batista (1998) e
Soares (1996) explicitam que já a partir da primeira metade do
século XIX foram se tornando mais freqüentes os discursos sobre a
necessidade da escolarização do povo e que isto ocorria em várias
esferas da sociedade. As Assembléias Provinciais mobilizavam-se
em torno da elaboração de textos legais para ordenar a instrução
formal, escolar. A legislação sobre o livro, sobre sua escolha e sua
utilização, ficava a cargo das Províncias. Se houve avanço em
termos de discurso e de legislação, a prática efetiva de difusão de
escolas e de impressos educacionais ainda era muito lenta,
marcada fortemente pela herança do Brasil Colônia. Os escravos
continuavam proibidos de freqüentar a escola e para as meninas o
mais importante era uma educação geral, dirigida para o bom
desempenho das atividades domésticas.
Batista (1998), também ressalta que até meados do
século XIX, os livros didáticos usados nas escolas brasileiras
haviam sido produzidos prevalentemente em contexto não
brasileiro. Tratava-se de livros importados de Portugal. A
gradativa institucionalização da escola e de produção de material
didático fez-se mais perceptível a partir da segunda metade do
século XIX. Abílio César Borges, com o seu Primeiro Livro, em
1868, destinado ao aprendizado da leitura e da escrita, iniciou
uma das séries mais editadas no período. Também Felisberto de
Carvalho lançou a publicação de uma série de livros de leitura,
ainda no século XIX, obtendo grande aceitação até metade do
século XX.
No entanto o livro didático foi objeto da política
governamental de forma mais sistemática apenas a partir da
década de 1930. Para Guy de Holanda (apud Freitag, 1987) o
livro didático nacional é uma conseqüência direta da Revolução de
30. Segundo este autor, a queda da nossa moeda, conjugada com
o encarecimento do livro estrangeiro provocado pela crise mundial,
permitiu que o livro didático brasileiro, que antes era mais caro

207
que o impresso no exterior, especialmente na França, competisse
com o mesmo.
A partir do estudo de Félix (2004), citado acima,
sabemos que as principais lideranças na questão do livro escolar
entre imigrantes acompanhavam de perto a discussão sobre o
assunto no Brasil. De 1900 em diante eram usados com
freqüência cada vez maior os livros didáticos em português, não
elaborados para uso específico nas escolas da imigração. Em
publicação anterior (l994) apresento uma relação bastante
significativa desses manuais. Tratava-se especialmente de livros de
leitura, de matemática, de história, geografia e ciências. Na
medida em que as políticas governamentais exigiam maior
adaptação das escolas da imigração com o contexto nacional,
aumentava o uso desses livros em português. O periódico Das
Schulbbuch e os periódicos das duas associações de professores da
imigração apresentam freqüentes referências a este tema. Ainda
não foi realizado estudo específico sobre o diálogo e a inter-relação
entre autores de livros didáticos e de periódicos da imigração com
os considerados como nacionais. Estudos como os de Bastos
(1994; 1997); Peres (1999); Peres e Tambara (2003); Tambara
(2003); Trindade (2001; 2002); Barreto (1986) e Félix (2004),
tratando da imprensa pedagógica do Rio Grande do Sul, poderão
ajudar neste sentido.
Mas é importante lembrar que havia uma certa
concorrência e em vários momentos tornaram-se perceptíveis
fortes tensões entre as políticas públicas relacionadas com escola e
imprensa e as iniciativas dos imigrantes. Sob alguns aspectos os
objetivos eram bem diferentes e até contraditórios. Por isso, a
inter-relação e o diálogo existiram em situações e momentos mais
específicos, mas também não foram poucos os momentos de fortes
tensões, culminando com a proibição da imprensa pedagógica em
língua alemã no final da década de l930. No entanto, o resultado
mais positivo foi a massiva escolarização dos imigrantes no estado.
Mais de mil e duzentas comunidades rurais do Rio Grande do Sul,
com população predominantemente de imigrantes alemães,

208
tiveram índice baixíssimo de analfabetismo nas décadas de 1920 e
1930. É admirável, também, como os imigrantes investiram na
imprensa pedagógica, tanto em periódicos como em livros
escolares. E o que chama mais atenção é o fato de haverem
editado um periódico específico sobre o livro escolar, de 1917 a
1938, e pela pesquisa até o momento, foi o único periódico sobre
este tema até o presente. Considero-o um caso singular,
significativo para a história da educação brasileira. A
disponibilidade de todas estas fontes (periódicos e livros escolares)
em publicação digital realizada pelo nosso grupo de pesquisa, com
cópias disponíveis no Acervo Documental e de Pesquisa
(ADOPE) da UNISINOS, poderá incentivar variadas pesquisas a
partir das mesmas.

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lkreutz@terra.com.br

Recebido em: 10/07/2007


Aceito em: 15/11/2007

213
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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
RESENHA

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Cláudia Regina Costa Pacheco
Elomar Tambara

Resenha do livro:
VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. 1. ed. São
Paulo: Ática, 2007. 328 p.

A primeira edição do livro "História da Educação", de


Cynthia Greive Veiga, publicada neste ano de 2007, vem
contribuir para as reflexões sobre o campo da História da
Educação. A obra se constitui numa importante fonte de
formação e referência para os pesquisadores na área. Trazendo
como foco principal a educação como projeto civilizador das
sociedades ocidentais, desde o século XI até a atualidade, a
professora Cynthia Veiga relaciona as alterações do âmbito escolar
com as transformações políticas, sociais e econômicas. Desta
forma, a autora apresenta a trajetória do ensino e do aprendizado,
das primeiras universidades da Europa Medieval à realidade
brasileira hodierna.
A pesquisa da historiadora e professora doutora em
História e mestre em Educação se propõe sintética, porém não
reducionista. De modo bastante didático são traçados os caminhos
diversos pelos quais passou a educação brasileira.
Dividida em seis capítulos, que se alternam entre aqueles
que tratam a educação de maneira mais geral do Ocidente e
aqueles que abrangem a história da educação no Brasil de modo
mais pormenorizado, a obra apresenta além da parte dos conteúdos
históricos, sociais e políticos, algumas sugestões de atividades
associadas a bibliografia geral e específica recomendadas.
Iniciando sua análise pela criação das universidades na
Europa, Veiga dá continuidade ao seu trabalho examinando o
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
contexto do Brasil Colônia. Aliado a isso, discute a questão da
educação estatal nos diferentes países do Ocidente, abrangendo a
institucionalização da educação pública brasileira. Apresenta ainda
uma reflexão sobre a sociedade do trabalho e os movimentos por
uma nova escola. Para finalizar a autora traz o contexto
republicano e suas influências no campo educacional até as
reformas do regime militar.
Partindo do pressuposto de que o ato de educar se dá de
diferentes formas e que a escola, embora seja protagonista, não é o
único espaço no qual a educação se processa, a autora concebe a
história da educação como um "campo de pesquisa e de saber
sistematizado de um conjunto de problemas proposto pelos
historiadores relativos à educação no passado" (p.10). Para Veiga é
fundamental conhecer os processos e as práticas históricas de
educação para ampliar a compreensão das maneiras como, em
tempos e espaços distintos, a humanidade organizou e organiza
seus modos de aprender e transmitir seus fazeres e saberes.
Nessa perspectiva, a autora instiga a reflexão sobre o
acúmulo das experiências do passado no sentido de ponderar as
experiências do presente de maneira a ter condições de apresentar
soluções mais promissoras para a superação dos problemas da
atualidade.
A partir das memórias de Cora Coralina descritas no
poema "Escola da mestra Silvina", Veiga introduz seu trabalho
examinando as muitas formas de educação, derivadas, sobretudo,
da diversidade cultural e histórica de cada um dos elementos
essenciais da educação nas diversas sociedades, tais como: sujeitos,
espaços, tempos, objetos, saberes e práticas.
No primeiro capítulo, intitulado "Universidades, colégios
e saberes (séculos XII a XXIII)", é abordada a organização dos
colégios como instrumento de distinção social no curso do
processo civilizatório. Destacam-se neste capítulo os movimentos
comunais e a proliferação das corporações de ofício, as chamadas
universitates. Na retrospectiva histórica de Veiga vão sendo
apresentadas as reformas, principalmente as religiosas, que vão

218
alterando radicalmente o cenário educacional. Os colégios passam
a se configurarem como locais essencialmente de aprendizagem
por meio da definição de tempos e espaços escolares específicos,
influenciando, sobretudo, o contexto das universidades. Enfatiza-
se, nesta perspectiva, a crise do modelo escolar do Antigo Regime
e a crítica de Rousseau.
Já no segundo capítulo, denominado "Circulação de
conhecimento e práticas de educação no Brasil colonial (séculos
XVI a XVIII)", de forma mais pormenorizada, são apresentados
elementos referentes à educação brasileira após a chegada do
portugueses. Neste sentido, são examinadas a ação expedicionária
e colonizadora dos portugueses e a ação civilizadora dos jesuítas. A
intervenção da Companhia de Jesus se sobressai tanto nas missões
de catequização dos indígenas quanto nas atividades praticadas nos
colégios jesuítas. Além disso, são discutidas também outras
práticas educativas existentes que não estavam relacionadas à
forma escolar, estavam vinculadas ao aprendizado de ofícios, artes
e educação doméstica.
Em a "Educação estatal em diferentes países do
Ocidente (meados do século XVIII e século XIX)", título do
terceiro capítulo, o foco está no processo de estatização do ensino
e na institucionalização da escola elementar extensiva a toda a
população, apresentando caráter leigo, público e obrigatório. Neste
capítulo são analisadas as associações entre as significativas
mudanças sócio-político e econômicas, bem como as
transformações culturais. A difusão do liberalismo e do
Iluminismo se fazem presentes, além da (re)discussão do ensino
secundário, a organização das escolas normais, a profissionalização
e feminização do magistério.
No quarto capítulo - "A institucionalização da educação
pública no Brasil (meados do século XVIII e século XIX)" - as
atenções estão voltadas para o Brasil Colônia e ao aparecimento da
escola pública. Partindo das proposições do marquês de Pombal e
da sua continuidade na organização do império e da monarquia
constitucional do Brasil tem-se várias iniciativas para a difusão da

219
escola tanto elementar quanto secundária e, ainda a criação de
cursos de nível superior Surge neste momento a perspectiva
inclusiva da escola pública elementar orientada para a população
pobre, negra e mestiça. São características deste contexto a
proliferação das aulas e colégios particulares, bem como o ensino
doméstico, além da ênfase na formação de uma sociedade
brasileira civilizada.
O penúltimo capítulo, denominado "A sociedade do
trabalho e os movimentos por uma nova escola (final do século
XIX e início do XX)" estabelece conexões com a história da
educação geral, discutindo as relações entre as dinâmicas do
trabalho na sociedade industrial, os elementos referentes à
elaboração da intervenção científica na escola e a proposição de
novos procedimentos pedagógicos no intuito de possibilitar uma
maior eficácia em relação as práticas pedagógicas anteriores. A
Escola Nova é abordada destacando-se as suas ações e ideários,
bem como as repercussões que ela apresenta ainda para a
atualidade.
O último capítulo, intitulado "República e educação no
Brasil (1889-1971)" vem debater a redefinição de métodos,
tempos e espaços escolares. O contexto do Brasil República é
marcado pelo crescente processo de profissionalização da educação,
implantação do ensino leigo e redimensionamento político e
cultural da escola. Em consonância com outros países ocidentais,
o Brasil enfrentou, neste período, inúmeras transformações nos
âmbitos político social e econômico. Tais mudanças tiveram
repercussão no campo educacional, sobretudo nas discussões
referentes à produção de um sistema nacional de ensino com
centralização política no Ministério da Educação e à questão da
democratização da escola.
Nestes seis capítulos Veiga apresenta um amplo
panorama da educação desde a Idade Média até o ano de 1971.
Alternando entre contextos gerais e específicos, a historiadora
possibilita um entendimento da trajetória que a educação brasileira

220
foi percorrendo, bem como as influências recebidas de outros
países.
É justamente essa alternância entre os contextos
Ocidental e brasileiro que enriquece o trabalho de Veiga. Na obra,
a autora vai traçando uma linha de raciocínio de fácil
compreensão, sem perder o rigor e a cientificidade de sua pesquisa,
muito bem fundamentada nos documentos e bibliografia por ela
utilizados.
O livro de Veiga nos desafia a (re)pensar a História da
Educação como possibilidade de refletir sobre a humanidade e o
projeto de civilização através de uma imaginação histórica.
Enquanto pesquisadores da História da Educação precisamos
conhecer nosso processo histórico, discutir nosso presente para
constituirmos as bases de um futuro que nos torne cada vez mais
"humanos". Aceitemos, então, o desafio.

Cláudia Regina Costa Pacheco é pedagoga, especialista em


Metodologia da Práxis Pedagógica do Ensino Médio e Superior,
Mestre em Educação (UFSM), Doutoranda em Educação, NA
Linha de Pesquisa de História da Educação da FaE/PPGE/
UFPel e pesquisadora do CEIHE (Centro de Estudos e
Investigações em História da Educação). E-
mail:claudiareginapacheco@gmail.com
Elomar Tambara é professor titular de História da Educação da
Faculdade de Educação da UFPel. Pesquisador CEIHE. Publicou
vários livros, dentre eles: "Positivismo e educação" e "Introdução à
História da Educação do Rio Grande do Sul". E-mail:
tambara@ufpel.tche.br

Recebido em: 30/10/2007


Aceito em: 15/11/2007

221
.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
DOCUMENTO

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
APRESENTAÇÃO: O CENTRO REPUBLICANO
CONSERVADOR E A REFORMA DE ENSINO
PROPOSTA POR TAVARES DE LYRA - 1907
Elomar Tambara

As primeiras décadas da República são caracterizadas por


muitas reformas em termos de educação. Dentre as quais se
destacam a reforma Benjamin Constant, 1891, a Rivadavea
Correia, 1911 e a Carlos Maximiliano, 1915 Em todas elas pode-
se observar intensa luta entre diversos segmentos sociais com
interesses divergentes em relação à Educação. De modo especial os
positivistas sempre tiveram uma especial atenção em relação às
reformas educacionais.
A rigor, os maiores expoentes do positivismo no
Congresso Nacional eram os parlamentares gaúchos devido,
principalmente, à ascendência do ideário Castilhista sobre os
mesmos. Entretanto, havia outros segmentos positivistas que
também exerciam pressão sobre o congresso no sentido de impor
suas concepções. Entre eles destaca-se o Centro Republicano
Conservador de São Paulo cuja manifestação, por ocasião do
trâmite da reforma "Tavares de Lyra" publicamos nesta seção
"Documentos".
Em 1907, o Ministro de Estado da Justiça e Negócios
Interiores, Sr. Tavares de Lyra, apresentou ao Presidente Affonso
Penna uma exposição sobre a reforma do ensino público. Em sua
mensagem de 23 de junho de 1907, ao Congresso Nacional, o
presidente submeteu à apreciação a referida reforma e, em sua
exposição, o Ministro Tavares de Lyra iniciou apresentando a tese
adversária, isto é, a posição positivista contrária à intervenção
estatal, caracterizada pela posição do jurista João Barbalho,
secretário de Benjamin Constant, que o substituiu no Ministério
da Educação.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Se o Estado não há de ser professor, também não é
possível admitir-se a União-docente; si a funcção do
Estado quanto ao ensino deve ser simplesmente
cooperativa e supplementar da acção individual, não se
poderia pretender mais para a União. Por mais preciosas
que sejam as vantagens da instrucção pública, é certo que
em absoluto não é ella interesse directo e immediato da
nação; neste sentido, não é o assumpto nacional e escapa
por isso ao Governo Federal. Toca-lhe, porém,
incontestavelmente, a attribuição de crear e manter
institutos technicos para o preparo do pessoal destinado
ao serviço militar de terra e marinha, porque esse serviço
é inteiramente nacional. (Documentos, V.2, p.4).

Entretanto, a posição do Ministro era diametralmente


oposta. Entendia como atributo da União a ingerência no ensino
público. A posição em si, na verdade, é bastante tímida e busca, de
certa forma, criar mecanismos de intervenção indireta no sistema
escolar brasileiro.

Não sou dos que pensam que a União está impedida de


manter escolas primárias. Seria absurdo que não pudesse
fazer, quando à associações e a simples particulares se
concede amplamente o exercício desse direito. O que se
poderia, quando muito, era exigir que se subordinasse ao
regimento que o Estado houvessem estabelecido para as
escolas livres. Actualmente julgo bastante que os poderes
federaes estimulem a iniciativa particular e robusteçam os
esforços dos Estados entrando si assim entenderem em
acordo com elles. Aliás, a doutrina de que a União deve
procurar esse acordo já está consignada em nossa
legislação como se evidencia do dispositivo constante no
art. 7 da lei n 1.617 de 30 de dezembro ultimo. Augusto
tavares de Lyra. (Documentos, V.2, p.6).

Na sessão de 11 de setembro de 1907, entrou em


tramitação o projeto que autoriza o governo a reformar o ensino
secundário e superior e a promover o desenvolvimento e a difusão
do ensino primário.

226
Nesta mesma sessão, a Comissão de Instrução Pública
da Câmara Federal apresentou seu parecer sobre o referido projeto,
no qual criticou a forma pela qual se estabelecia a divisão de
atribuições com relação ao ensino, e culpou a esta divisão pela
situação caótica na qual se encontrava a instrução pública no
Brasil.

O que, então, nesses estados se passou todos sabem: a


crise foi medonha. Municípios pobres sem recursos para
fazer face às despezas que a constituição lhes commettera,
crearam duas ou três cadeiras muito distantes umas das
outras, quasi sempre entregues a incompetentes, desde
que professores habilitados não se sujeitavam a perceber o
mesquinho ordenado de 30$ e 40$ o mais que podiam
pagar muitas municipalidades do interior! (Idem, p.31).

O importante a ressaltar em termos de política pública é


a interpretação que a Comissão dava sobre as atribuições da União
com relação à instrução pública. Segundo ela, continuava vedada
ao Poder Federal a intervenção no ensino primário.

Como agir de modo pratico e vantajoso se a Constituição


federal cometeu ao Estado a direcção do ensino primário,
reservando para a União o encargo do secundário e do
superior, porém não privativamente, o que tem dado
origem a creação de academias em vários Estados da
Federação? (Idem, p.36).

As soluções propostas pela Comissão derivaram para a


implantação efetiva da instrução obrigatória.

A instrucção obrigatória é uma necessidade imperiosa e


inadiável, é urgente arrancar dos braços da ignorância a
mocidade que se vae formando, cega a luz da intrucção,
carecedora de todos os recursos da intelligência,
analphabeta, ignara vasta sementeira aos vicios abjectos,
ao proletariado, à mendicidade, à vagabundagem e até o
crime. (Idem, p.38).

227
A Comissão atacou um dos institutos mais questionados
na organização escolar brasileira que é a questão dos equiparados,
e que sempre constituiu motivo para polêmica. Neste sentido a
Comissão questionou:

Há reforma possível dentro do regimen actual,


mantendo-se a perniciosa instituição dos equiparados, à
conta da qual se vão catalogando todos os males e a
decadência mesmo do ensino secudário? Não são elles a
gafeira desse ramo de instrucção nacional? Ano falta
quem pense assim, atribuindo todo o prejuízo e
desorganização do nosso ensino de 2 grao a creação dos
equiparados já tendo apparecido na câmara um projeto
restringindo-lhes as prerogativas: mas justos não são em
absoluto, esses conceitos nem verdadeira essa afirmação.
(Documentos, v.2, p.72).

Em verdade, não foram poucos os projetos apresentados


à câmara, no sentido não só de controlar o processo de
equiparação dos estabelecimentos de ensino ao Colégio D. Pedro
II, mas também da supressão pura e simples deste instituto. Desde
1899, quando da instituição do sistema de equiparação, nota-se
que, paulatinamente, se vão afrouxando os mecanismos de
controle desse processo o que, aos críticos do sistema consistia no
grande problema de educação no Brasil. Mas, segundo a Comissão
de Instrução Pública, de forma alguma se podia culpar esta
instituição da situação de precariedade da instrução no Brasil.

A creação dos equiparados se nos afigurou sempre uma


necessidade. Em um paiz de tamanha extensão territorial,
sempre fáceis e promptos meios de comunicação em
todos os sentidos, carecendo de facilitar o mais possível a
todo mundo os conhecimentos mais úteis e precisos que a
instrucção do 2 grao ministra, quando o Governo não
pode manter em cada cidade um instituto modelo dessa
categoria, a fundação de gynasios dirigidos por
particulares ou associações equiparados aos officiaes e
sujeitos a directa fiscalização do poder público, nos

228
assumptos mais importantes do ensino é um dos mais
poderosos instrumentos de civilização e de progresso.
Nem descuidado andou o legislador, quando regulando as
equiparações, precreveu que nenhuma seria concedida,
sem que o instituto, que se propuzesse a gozar das
regalias requeridas, provasse – a posse de um patrimônio
nunca inferior a 50.000$ representado em prédios ou
apolices da dívida federal; a freqüência média de 60
alumnos, durante dous annos antes da concessão; a
instalação de gabinetes e laboratórios para o estudo
prático das sciencias; a observancia dos programmas e
regimen do Gymnasio Nacional; impondo-lhe ainda
depois da equiparação, a fiscalização directa de um agente
do poder público. (Documentos, v.2, p.73).

Quando do início da discussão, a posição da Comissão


de Instrução Pública foi questionada. A corrente de pensamento
que defendia a intervenção da União não aceitava as restrições
colocadas pela Comissão que, de certa forma, endossou a visão
tradicional sobre o tema. A questão instrução pública assume
maior importância nesta época, em decorrência, sem dúvida, das
transformações sócio-econômicas da República Velha,
principalmente das mudanças no perfil do mercado do trabalho.

Nós vemos agora pelo debate que encetamos, pela


importância que elle assume na imprensa e na tribuna,
que o ensino é questão capital actualmente, tão grave que
chega a affectar a própria ordem na República. Nós não
podemos ser uma Republica de analphabetos
simplesmente porque a Commissão não autorize a União
a fundar escolas.
Porque vamos exigir a interpretação restricta deste ponto
da constituição na esperança de que os Estados cumpram
seu dever?
Acho que a respeito, este rigor de constitucionalista é a
corda de enforcar das próprias aspirações nacionaes.
(Idem, p.84).

229
Apesar de defender a participação da União no ensino
primário, o deputado Castro Pinto também entendia que não era
possível pretender que a defesa do ensino oficial significasse, na
verdade, a prevalência do ensino leigo sobre o religioso, pois esta
não passaria de uma questão inexistente.

O ensino oficial leigo é uma grande mentira e o professor


não é uma machina de que se faça parar certa peça, que é
a consciência do individuo para reproduzir
mecanicamente o programma official. (Idem, p.88).

Em sua crítica ao projeto, o deputado pelo Rio Grande


do Sul Pedro Moacyr, afirmou que ele "principia por violar
flagrantemente a constituição, ingerindo a União na questão de
ensino primário, que é privativo dos estados e municípios" (Idem,
p.94).
Na sessão seguinte (26 de setembro), o deputado Afonso
Costa voltou a defender o projeto do Governo no qual foi
prontamente refutado pelo deputado Pedro Moacyr, como
demonstra este pequeno excerto desta sessão.

O Sr. Afonso Costa:


O primeiro ponto, pois, que devemos firmar, de modo
inequívoco, é este: a União deve intervir, já e já, em
matéria de instrucção primária nos diferentes Estados da
República. A intervenção é pois necessária (apoiados)
O Sr. Pedro Moacyr. Perfeitamente inconstitucional.
(Idem, p.155).

Na continuação da sessão, Afonso Costa reiterou seu


posicionamento, por entender que não era mais justo, nem
conveniente, abandonar, à simples iniciativa dos Estados, a
manutenção de escolas e difusão do ensino primário.
Entretanto, o deputado Augusto de Freitas questionou a
fala de Affonso Costa, mormente no que dizia respeito à

230
possibilidade, aventada por este último, de fechar os
estabelecimentos de ensino particulares:

O Sr Augusto de Freitas:
Mas pergunto ao nobre Deputado, tanto confio na
lealdade de sua consciência, na superioridade de suas
convicções, si é efficaz esta fiscalização, si sob a
superintendência do fiscal, a instrucção secundária ou
superior, nos estabelecimentos equiparados, vae ser uma
verdade, porque fechar as portas dos collegios particulares
dos estabelecimentos de ensino superior, fundados por
particulares ou associações? (apoiados). (Idem, p.215).

Na sessão de 3 de outubro de 1907, o deputado


Carvalhal pediu que fosse publicada no Diário do Congresso a
representação dirigida à Casa pelo Centro Republicano
Conservador (São Paulo), acerca da reforma da instrução pública.
Esta representação constitui, sem dúvida, uma das peças
mais representativas do predomínio positivista nas organizações
republicanas em geral. Os elementos caracterizadores da República
eram identificados com as propostas defendidas pela ortodoxia
positivista.
A principal diretriz defendida pelo Centro era a da
identificação da República "com a mais completa liberdade
espiritual". Considerava que "os privilégios concedidos pelo poder
civil aos adeptos de qualquer doutrina, além de iníquos, por um
lado, e humilhantes por outro, sempre têm servido para retardar o
natural advento das idéias e opiniões legítimas que precediam a
regeneração dos costumes." A separação entre Igreja e Estado não
se referia apenas às Igrejas teológicas como a Católica, mas
também à separação do Estado com relação à "igreja metafisica e
scientificas como os colegios, lyceus, gymnasios, academias e
quaesquer outras instituições da mesma natureza" (Idem, p.278).
O Centro Republicano Conservador apontava como
modelo a ser seguido pela União, em termos de Instrução Pública,
o Rio Grande do Sul, que interpretou de forma adequada a

231
Constituição Federal, transferindo sua Carta Magna a reafirmação
da liberdade profissional1.
É importante notar a assunção da abdicação provisória
do positivismo, no sentido de admitir a intromissão estatal no
ensino elementar:

Como substituto temporário da mãe de família e mesmo


como seu auxiliar o Estado deve manter o ensino
primario, porém, mantel-o sempre leigo e nunca
obrigatório que o contrário seria impor doutrinas,
systemas de educação, tornar-se despótico, anti-
republicano. (Idem, p.280).

As principais reivindicações do Centro Republicano


Conservador eram:

O Centro Republicano Conservador entende:


• Que deve ser abolido todo ensino official, superior e
secundário;
• Que a Constituição não permittindo essa medida
radical, se pode contudo preparal-a desde já, limitando
a funcção do Estado nesta matéria, a de simples
auxiliar da iniciativa privada;
• Que os institutos officiaes sejam equiparados aos
estabelecimentos particulares, concorrendo com estes,
em completa igualdade de condições, para a
distribuição do ensino;

1
"Contudo, há um ensino que o Estado tem de manter provisoriamente até
que a família se regenere e as mães possuam o preparo moral e intellectual
para minstra-o aos filhos: é o ensino primário. Deixar á livre concurrencia
dos particulares a instrução secundária e superior, e manter apenas o
enisno primário, é conseqüência prática dessa liberdade espiritual que a
Constituinte republicana proclamaou em 7 de janeiro de 1891" (Idem,
p.280).

232
• Que deve ser permittido a qualquer cidadão no gozo de
seus direitos civis e politicos, estudar, ensinar ou
aprender, livremente nas escolas ou academias
officiaes, mediante, apenas, o pagamento de uma taxa
afixada e a responsabilidade pelos prejuizos materiaes
causados;
• Que os atestados, certificados, diplomas e outras
provas de habilitação, fornecidas por professores ou
corporações docentes officiaes ou particulares, não
gozarão de privilégio algum perante o Estado;
• Que os cargos públicos devem ser providos por
concurso nos graos inferiores, antiguidade e
excepcionalmente mérito, nos graos médios, e livre
escolha nos graos superiores, sem que se exijam como
prova de capacidade para exercel-os, diplomas ou
titulos de qualquer especie;
• Que, para auxiliar o ensino technico sejam creados sem
privilégios estabelecimentos práticos de agricultura,
manufactura, commercio e indústrias conexas;
• Que o ensino primário deve continuar a ser mantido
pelo Estado, mas auxiliado pela União e permanecer
leigo, gratuito e não obrigatório. (Idem, p.287-8).

Nota-se claramente que as principais aspirações dos


positivistas estão contempladas: a liberdade espiritual, a liberdade
profissional, a abolição do ensino superior e secundário oficial e a
equiparação entre institutos de ensino particulares e oficiais.
Nas sessões onde houve a terceira e decisiva discussão do
projeto número 242, que autoriza o Governo a reformar o ensino
secundário e superior e promover o desenvolvimento e a difusão do
ensino primário ocorreu um acirramento nos debates entre os
"oficialistas" e os positivistas.
Na sessão de 17 de outubro, o deputado José Bonifácio
lembrou que, em relação ao ensino superior, já de uma feita, em
1898, surgira uma emenda ao orçamento do Interior que
autorizava as faculdades a se emanciparem, convertendo-se em
sociedades de ensino científico livre e leigo. Era a desoficialização

233
do ensino superior que havia de trazer, no seu conceito, a ruína, o
desaparecimento, a queda desse ramo do ensino. Este mesmo
deputado criticou o posicionamento positivista sobre a questão,
argumentando com premissas oriundas da própria ideologia
positivista, principalmente das posições "revisionistas" de Little,
que entendia como conveniente a atividade estatal na área de
instrução.
Em verdade, o objetivo do deputado José Bonifácio (em
oposição aos positivistas) era caracterizar a precária situação dos
colégios particulares e, particularmente, do processo de
mercantilização do ensino que, segundo ele, estaria ocorrendo a
partir da facilitação dos processos de equiparações, os quais
consistiam, junto com as idéias positivistas, em verdadeiros
inimigos do ensino oficial.

Outro inimigo perigoso, tenaz e ousado, que se ri dos


governos e despreza soberanamente a eli, está nos
collégios particulares e equiparados.
Malsinada, desde a origem, fundando-se em uma
disposição emxertada no regulamento, assim se exprimiu
o Sr. Dunshee de Abranches, a equiparação de collegios
particulares havia de desacreditar-se e deixar bem patente
aos olhos de todos que o Estado não deve em um paiz,
como o Brazil, despojar-se em favor de instituições
particulares, de prerrogativas que só a elle devem
competir, que as de conferição de diplomas, validade de
exames etc. (Documentos, v.2, p.308).
Sr. José Bonifácio (continuando) Aos abusos desses
collegios, que substituiram o devotamento do ensino pela
ganancia do lucro, devem se juntar como causas que
concorreram para o mal, a desidia dos ficaes e a inércia
dos governos. (Idem, p.310).
Dirá talvez alguém que há completo cerceamento da
liberdade de ensino. O orador contesta a procedência
dessa affirmação e declara que ninguém mais que elle
defende essa liberdade como deve ser entendida em uma
sociedade bem organizada. (Idem, p.311).

234
Em sessão de 29 de outubro de 1907, o deputado
Gracho Cardoso contestou a posição do positivismo gaúcho, e
referiu-se explicitamente a Pedro Moacyr, entendendo que a
instrução primária "não estava nem podia estar fora da alçada do
Governo da União"(Idem, p.430). Entretanto, diferenciando-se de
certos posicionamentos que defendiam a participação da União na
intrução, entendia que "a gratuidade com o caracter absoluto de
que se reveste no projeto, não me parece proficuamente adoptável"
(Idem, p.432). Compreendia o orador que da obrigatoriedade do
ensino elementar decorreria, quase que naturalmente, a
gratuidade, "com a latitude porém, que lhe empresta a honrada
Commisão de Instrução Publica somente em raros paizes se
encontra radicada".
Note-se que, em termos ideológicos, os congressistas
possuíam posições bastante ecléticas, pois o mesmo Gracho
Cardoso aproximava-se da posição positivista em outras questões.
Afirmava ele, utilizando João Barbalho.

O fim da constituição foi, inilludivelmente, banir da


escola a cathequese, a depndência, o privilégio
confessional, a intolerância e o fanatismo. Instituição de
caracter temporal, secular, diz o eminente Sr. Dr. João
Barbosa, o Estado não tem na sua missão a catechese e a
propaganda religiosa! (Idem, p.433).

O posicionamento favorável à intervenção da União na


instrução pública foi emitido pelo deputado Virgílio de Lemos, que
se posicionou contra a posição da Comissão de Instrução,
defendendo a idéia de que o governo era competente para
promover diretamente, não só nos territórios federais, como
também nos Estados, o desenvolvimento e a difusão do ensino
elementar, criando, fundando, organizando como bem lhe
aprouvesse, os institutos escolares que reportasse necessários, à
realização daquele nobre, generoso e patriotico desideratum (Idem,
p.442).

235
No prosseguimento da discussão (31 de outubro), o
deputado Pedro Moacyr retomou a crítica ao projeto. Ressaltou
primeiramente "que a câmara entende que o assunto continua a
não merecer sua atenção" (Idem, p.474) e destacou um aspecto
caro a algumas correntes do positivismo, que é atribuição do
desmantelo do ensino "a certos defeitos de nossa raça".
A questão dos equiparados retornou à Câmara (6 de
novembro), quando o deputado Passos de Miranda defendeu a
permanência desta instituição. Segundo o autor, a crítica aos
equiparados provinha de setores vinculados ao ensino oficial "que
não olhavam para a própria cauda e não viam com bons olhos a
clientela que lhes fugia da exploração pedagógica das aulas
particulares, fora do Gymnasio" (Idem, p.478). A campanha
contra a iniciativa particular no ensino fazia parte de um
posicionamento corporativo dos lentes oficiais, preocupados em
garantir privilégios. Segundo o deputado, os abusos que
eventualmente alguns colégios apresentavam, decorriam "menos
delles próprios que da nossa legislação pedagógica incongruente, da
pilheira da fiscalização, da inércia dos governos" (Idem, p.484).

Precizo se torna, portanto, que recorramos à iniciativa


privada e que também a estimulemos com elementos de
vida e expansão. Ora, isto só terá eficácia, dando-se-lhe
proteção mais ou menos idêntica a que se concede ao
collegios governativos, em face da extensão do território,
das difficuldades de locomoção da deficiência de pessoal
idoneo da insuficiência pecuniária das famílias brasileiras,
da falta de estabelecimentos proporcionaes ao preparo da
totalidade dos jovens aptos para o estudo e
accommodados às necessidades evolutivas da cultura
intellectual da nação. (Idem, p.485).

Quando, em novembro, a discussão chegou ao final, o


deputado Pedro Moacyr denunciou, na Câmara, que a mobilização
dos congressistas ao discutirem os problemas da instrução pública
pouco resultou de positivo, pois a "Comissão de Instrução Pública"
julgou-se no direito de rejeitar quase a totalidade das emendas e

236
substitutivos. Segundo o deputado, isto ocorreu porque a
instrução era colocada como uma questão menor, de tal forma
que, frequentemente, a própria comissão não tinha todos os seus
cargos ocupados (Idem, p.568).
No caso específico da tramitação deste projeto, as
dificuldades na composição foram sempre muito sérias como
denunciou o deputado pelo Rio Grande do Sul Pedro Moacyr:

Pois bem; o projecto não teve primeiro e segundo


relatores para defendel-o; não teve agora, por occasião da
votação, um relator ad hoc pertencente à Commissão de
Instrução Pública; não teve a seu favor o prestígio de
uma questão governamental ou questão política, ou
questão de pensamento da maioria da câmara. É,
portanto, um projecto perfeitamente abandonado,
engeitado à porta da Câmara. (Não apoiados. Trocam-se
apartes) (Idem, p.547).

Evidencia-se, que neste período havia uma guerra de


posições muito bem definida e que os contendores se utilizavam de
todos os argumentos e artifícios possíveis para fazer prevalecer o
seu entendimento sobre a matéria. De outra parte, é fundamental
perceber a necessidade de resgatarmos os documentos que dão
sustentabilidade material aos posicionamentos que cada doutrina
propugnava e de que lócus o fazia. É neste sentido que a
publicação deste documento do Centro Conservador Paulista é
merecedor de todos os elogios.

Elomar Tambara é professor titular de História da Educação da


Faculdade de Educação da UFPel. Pesquisador CEIHE. Publicou
vários livros, dentre eles: "Positivismo e educação" e "Introdução à
História da Educação do Rio Grande do Sul". E-mail:
tambara@ufpel.tche.br

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Recebido em: 30/10/2007
Aceito em: 15/11/2007

238
DOCUMENTO ENVIADO PELO CENTRO
REPUBLICANO CONSERVADOR AO
CONGRESSO NACIONAL - 1906

Srs. Membros do Congresso Nacional – O Centro


Republicano Conservador, sociedade politica, installada nesta
Capital em 21 de abril de 1906, no cumprimento do seu
programa que ora vos envia, vem por seus directores
provisorios,abaixo nomeados propôr-vos uma solução para o
magno problema que ides discutir na actual sessão legislativa – a
reforma do ensino publico.
Não de hoje a necessidade palpitante de reorganizar a
instrucção publica, quer no Brazil quer em França e em outros
paizes occidentaes, proncipalmente latinos. Esta reorganização,
porém, tão ardentemente desejada, debalde será proseguida
emquanto novas opiniões, novos habitos, novos costumes,
uniformes e geralmente espalhados, não fizeram surgir uma
doutrina commum, acceita por todos, cuja influencia seja devida
unicamente a seu proprio prestigio. Só assim se poderá realizar a
verdadeira reforma do ensino publico.
Comtudo, até que se attinja este futuro remoto, convém
tratardo presente e estabelecer as condições que melhor se adaptam
á realizaçãodo ideal vindouro e satisfazem as necessidades actuaes.
Com este intuito e tendo em vista propriamente nossa
Patria, tal como se acha organizada no seu codigo politico, o
problema da reorganização do ensino deve ser estudado e resolvido.
A questão comprehende duas partes: a reforma
pedagógica em si mesma e o papel do Estado em semelhante
forma.
Destas só trataremos da ultima, cuja solução depende de
vós e dos outros orgãos do poder civil.
Para mostrar qual tem sido a peoccupação do governo
nesta materia, citemos, sem querer remontar a outras épocas e a
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
outros documentos, os tópicos da ultima falla do thorno e da
recente Mensagem presidencial, em que, a seu modo, os Chefes do
Executivo solicitam providencias ao Poder Legislativo:
O Sr. D. pedro II, assim exprimia-se em 3 de maio de
1889:
"Entre as exigencias da instrucção publica, sobresae a
creação de escolas technicas adaptadas ás condições e
conveniencias locaes; a de duas universidades, uma ao sul e outra
ao norte do Imperio,para centros do organismo scientificos e
proveitosa emulação, de onde partirá impulso vigoroso e
harmonioso de que tanto carece o ensino, assim como a de
faculdades de sciencias e lettras, que, apropriadas ás Provincias, se
vincularizem ao systema universitário, assentando tudo livre e
firmemente na instrucção primaria e secundaria." (Diario de
Pernambuco, de 6 de maio de 1889, pág. 3.)
O Sr. Affonso Penna, actual Presidente da Republica,
escreve em sua Mensagem inaugural, de 13 de maio deste anno:
"Reina a mais absoluta tranquilidade em toda a
Republica, que, fôra de agitações que poderiam pertubar seu
progressivo desenvolvimento, procura – dentro da ordem e á
sombra das leis – encaminhar com segurança a solução dos
problemas que entendam com o seu engrandecimento moral e
material... Dentre esses problemas, um dos mais importantes é,
sem duvida, o da instrucção publica, que nos últimos annos,
forçoso é dizel-o, tem vivido em um regimen de vacillações e
incertezas, cujas deploraveis consequencias avultam e se
accentuam cada dia.
Normalizar esse ramo do serviço publico é uma
necessidade que se impõe; e eu espero e confio que para isto não
poupareis esforços, discutindo e votando uma reforma séria e
capaz de satisfazer as exigencias do ensino moderno. Devemos
cuidar com attenção do ensino profissional e technico, tão
necessario ao progresso da lavoura, do commercio, industria e
artes." (Diario Official, de 4 de maio de 1907; pág. 3. 071.)

240
Comparando a falta do throno com a Mensagem
presidencial, vê-se que na esphera governativa, já se progrediu,
embora muito mais lentamente do que a situalção comporta. Ao
passo que o ex-Monarcha aconselhava ao Pariamento a instituição
retrograda de universidades, a creação de faculdades de sciencias e
lettras, verdadeiras fabricas de bachareis e doutores, o actual
Presidente pede ao Congresso particular attenção para o ensino
industrial, base do desenvolvimento economico do paiz.
Não obstante, tanto na falla como na Mensagem,
persiste o erro fundamental – recurso a meios politicos para resolver
problemas moraes. Em ambas, predomina a falsa noção de sanar
males sociaes, aperfeiçoando a instrucção mantida pelo Estado.
Esta doutrina, sociologicamente errônea, si era
compativel, até certo ponto, com o governo monarchico, tornou-se
inexplicável a contradictoria depois da fundação da Republica.
Nas Monarchias, a separação dos poderes é apenas uma
aspiração; o Estado não só mantém a ordem mas ainda pretende
dirigir as consciências; as opiniões e os costumes são impostos pela
força que é mais ou menos oppressoraconforme se affasta ou se
approxima da franca liberdade. É assim que, entre nós, pelo
Codigo Penal e pela Constituição do Imperio, o atheu devia ser
punido e o catholicismo era imposto como religião do Estado.
Nas Republicas, taes como resultam da philosophia da
historia, a separação dos poderes é o seu caracter distinctivo; as
autoridades que andam devem ser diversas das autoridades que
aconselham; aquellas impedem ou consentem os actos materiaes
contrários ou compativeis com a ordem; as outras dirigem as
consciências que, sem constrangimento, se lhes subordinam. É por
isso que a Republica Brazileira, pela Constituição de 24 de
fevereiro, estabeleceu a liberade religiosa, separando a Igrja do
Estado, e a liberdade Profissional, não exigindo diploma para se
exercerem profissões de qualquer natureza moral, intellectual e
industrial.
Dada a nova situação politica, inaugurada
revolucionariamente em 15 de novembro de 1889, os problemas

241
que a Monarchia aspirava resolver no seu regimen retrogrado,
devem ser resolvidos de accôrdo com o regimen progressista da
separação dos poderes.
A Constituição Federal lançou, ainda que
incompletamente, as bases fundamentaes da nova éra politica, já
proclamadas de modo categórico, cerca de dous mezes antes da
promulgação daquelle codigo, na seguinte notável Mensagem, que
o principal director de nosso Centro, Demetrio Ribeiro, então
Deputado no Congresso Constituinte, apresentou a esta
assembléa, em 7 de janeiro de 1891:
"Considerando que a política republicana se baseia na
mais completa liberdade espiritual;
<<Que os privilégios concedidos pelo Poder civil aos
adeptos de qualquer doutrina, além de iníquos, por um lado, e
humilhantes por outro, sempre teem servidopara retardar o natural
advento das idéas e opiniões legitimas; que precedem a regeneração
dos costumes;
<<Que e, face da crise espiritual que caracteriza a
phase actual da sociedade, é inútil e vexatoria a attitude tutelar do
poder publico em relação ás concepções theoricas, theologicas,
metaphysicas ou scientificas;
<<Que nas reformas políticas devem ser ponderadas as
condições materiaes em que se acham os serventuários das
funcções que forem eliminadas;
O Congresso nacional, reunido em sessão, no primeiro
anniversario do decreto que instituiu a separação da Igreja do
Estado, resolve louvar aquelle acto governa mental, affirmando
desta arte sua effectiva solidariedade com o principio politico da
completa separação entre o espiritual e o temporal e suas
consequencias prayicas." (Diario do congresso, de 8 de janeiro de
1891, pág. 57.)
Aprovada por grande maioria, pelos mesmos que, 47 dias
depois, decretaram a Constituição da Republica, esta noção é o
voto expresso, a interpretação fiel e insophismavel do texto
constitucional, que já em 7 de janeiro, estava discutido e

242
approvado no que se refere justamente ás garantias de ordem e de
progresso as quaes os legisladores constituintes chamaram –
declaração de direitos – segundo a formula consagrada pela
Revolução Franceza.
Reconhecida constitucionalmente a separação dos
poderes, a plena liberdade espiritual e suas conseqüências praticas, o
Poder Imperial, sob sua tríplice fórma de Executivo, Legislativo e
Judiciário póde intervir apenas em negocios relativos á
manutenção da ordem material. Qualquer outra intervenção é
abusiva e despotica, contraria aos principios republicanos,
incorporados á Constituição de 24 de fevereiro.
A moção de 7 de janeiro, que os vossos antecessores de
91 approvaram, depois que já tinham feito relativamente ao § 24,
art.72, - que assegura a liberdade profissional – refere-se
igualmente á separação da igreja e do Estado e á eliminação de
toda tutela do poder publico ás concepções theoricas,
metaphysicas, ou scientificas. É lógico, pois que a Constituição
aboliu tanto os provilegios acclesiasticos como os escolásticos ou
academicos;não separou o Estado das igrejas theologicas, como a
Igreja Catholica, mas tambem das igrejas metaphysicas e
scientificas, como os collegios, lyceus, gymnasios, academias e
quaesquer outras instituições da mesma natureza. No Brazil, pela
Constituição da Republica, o Estado não reconhece, ou não
privilegia mais, nem padres, nem bacharéis, nem doutores, nem
mestres theologicos, nem professores metaphysicos e scientificos.
A formula celebre – A igreja livre no Estado livre – é applicavel a
todas as igrejas, a todas as crenças, a todas as doutrinas; sejam
pregadas por padres, ou diplomados de qualquer espécie; em nome
de Deus, das entidades ou das leis naturaes. Eis o que
verdadeiramente resulta da nossa Constituição politica,
interpretada pelo espirito republicano. Eis o que os proprios
constituintes explicaram votando a moção de 7 de janeiro de
1891.
Além disso, vós o sabeis há um estado da Republica, o
glorioso rio Grande do Sul, onde o grande lemma da política

243
moderna foi positivamente adoptado, em toda sua plenitude, de
maneira clara e decisiva, a qual não permitte que uma
hermenêutica sophistica venha apoiar interpretações retrogradas.
Deixai que vos recorde o admiravel texto da Constituição do Rio
Grande do Sul.
Lê-se no seu art. 71 § 5º: "Não são admittidos no
serviço do Estado os privilegios de diplomas escolasticos ou
academicos, quaesquer que sejam, sendo livre no seu território o
exercicio de todas as profissões de ordem moral, intellectual e
industrial."
O Estado de Minas acaba de reconhecer tambem
praticamente os mesmos principios liberaes, pelo orgão do seu
Presidente.
A liberdade profissional e conseqüente abolição dos
privilegios ecclesiasticos, escolasticos ou academicos, é portanto,
um facto legal, uma conquista positiva da politica republicana no
Brazil, apezar de opiniões adversas de ordinario só
recommendaveis pelo numero e nunca pelo valor; filhas do
interesse individual e jámais oriundas da dedicação ao bem
publico; nascidas, quasi sempre, não da alma republicana,
espontaneamente contraria a todos os privilegios, mas inspiradas
em doutrinas pseudo-liberes de muitos, que julgam ser a nossa
Republica uma monarchia sem a dynastia de Bragança.
Si a plena liberdade espiritual é a base, o alicerce da
Republica Brazileira, si sua consequencia praticaé a abolição dos
primeiros envolve a extinção do ensino theologico, a abolição dos
ultimos abrange a eliminação do ensino metaphysico e scientifico,
ministrado pelas escolas e academias.
Em todos os casos, o ensino é o fundamento dos
deveres. O padre e o doutor, o mestre enfim, fornecem aos
alumnos as theorias da ordem que constituem o guia da vida
privada e publica. Ora, é claro que a vida privada e a vida publica
modificam-se, tranformam-se atravez das épocas. A familia e a
cidade antigas são as mesmas da idade média; a doutrina que
imperava entre os greco-romanos differe muito da que é o credo

244
dos catholicos; os deveres de uns divergem dos deveres de outros.
Nas épocas de fé mais ou menos unânime, os povos por ella
congraçados podem receber de mestres mantidos pelos governos as
noções da ordem universal, o ensino de doutrinas que são
geralmente acceitas e constituem a razão dos actos privados e
publicos. Mas nos periodos de revolução, nas éras, como a nossa,
em que as opiniões se dividem, em que predominam as doutrinas
mais controvertidas e contradictorias, até em principios
fundamentaes do saber, como os conhecimentos mathematicos,
nessas phases desordenadas da civilização, os Governos mantendo
o ensino, privilegiam naturalmente a doutrina ou doutrine
especiaes a que porventura adhiram. Si tal acontece, esses
Governos se tornam mais ou menos despoticos, impondo ou
protegendo a propaganda de similhante doutrina.
O regimen de liberdade, inaugurado com a Republica e,
melhor do que em nenhuma outra,com a Republica Brazileira, é o
que deixa o ensino á livre iniciativa de individuos e associações
independentes do Estado. Então os fieis das diversas igrejas, os
adeptos das varias doutrinas, irão espontânea e livremente receber
dos mestres de sua escolha, ou indicados por pessoas de sua
confiança, as noções indispensaveis á vida, necessarias ao
cumprimento dos deveres pessoaes, domesticos e cívicos.
Comtudo, ha um ensino que o Estado tem de manter
provisoriamente até que a família se regenere e as mães possuam
preparo moral e intellectual para ministral-o aos filhos; é o ensino
primário.
Formando um dos elementos da educação domestica, a
sabedoria universal assignalou a competencia das mães para
realizal-o. Só ellas podem conhecer sufficientemente a natureza
das crianças cuja vida lhes é comum durante o melindroso período
da gestação e continúa inteiramente ligada a dellas nos primeiros
annos da infancia e meninice. Só a ellas compete guiar a
intelligencia infantil, pondo-a em serviço dos sentimentos
generosos e dos actos dignos.

245
Como substituto temporário da mãe de família e mesmo
como seu auxiliar, o Estado deve manter o ensino primario,
porem, mantel-o sempre leigo e nunca obrigatório, que o contrario
seria impôr doutrinas, systemas de educação, tornar-se despotico,
anti-republicano.
Deixar á livre concurrencia dos particulares a instrucção
secundaria e superior, e manter apenas o ensino primario, é a
consequencia pratica dessa liberdade espiritual que a Constituinte
republicana proclamou em 7 de janeiro de 1891.
Todos estes principios republicanos aprendidos
incontestavelmente nas lições de Augusto Comte e nas dos seus
discipulos em diversos gráos, não constituem, todavia, uma
aspiração exclusiva do positivismo, para que entendam taxal-as de
sectários, no sentido do termo.
O Centro Republicano Conservador, que ora vos dirige
esta representação, é um exemplo disso. Si conta entre seus
membros correligionários sympathicos á causa positivista, possue
tambem outros que não commungam as mesmas crenças.
Convém lembrar, pois, que ha diversos autores de grande
nomeada entre os intellectuaes do Occidente, defensores de idéas
semelhantes por meios differentes.
Sem citar muitos publicistas, indicamos o celebre autor
da Reforma social, o illustre Frederico Le Play, cuja escola, sem
romper com a espiritualidade antiga, manterão as tradições
catholicas, invocando o Decálogo e o Evangelho e firmando-se ao
mesmo tempo, na observação minuciosa dos diversos povos,
defende victoriosamente os dogmas mais adiantados da politica
scientifica, as applicações mais racionaes da politica republicana.
Permiti, legisladores, que reproduzamos alguns topicos
interessantes da obraadmirável de Le Play, a respeito do papel do
ensino em si mesmo e particularmente ao ensino official,
primário, secundário e superior.
<<Ensino primário. – Os verdadeiros principios do
ensino estão demonstrados desde muito tempo pela pratica
universal dos povos prósperos. Entretanto são regados pelos

246
innovadores contemporaneos, que não apóiam em nenhuma
competencia pessoal suas pueris e perigosas invenções.
Conforme uma opinião espalhada, exixtiria um meio
seguro de mudar o que é imperfeito ou vicioso na tendencia actual
das sociedades: seria aperfeiçoar o estado intellectual da juventude.
As pessoas collocadas neste ponto de vista querem
formar opportunamentegerações que applicarão mais tarde idéias
novas que a autoridade não póde inculcar aos homens feitos sem
levantar resistencias insuperáveis. Pensam que o legislador deveria
retomar certas tradições excepcionaes da antiguidade e crear com
todos os elementos uma nova ordem social. Pretendem preparar
educadores segundo "a doutrina do progresso" e substituil-os por
via de constrangimento aos chefes de familia, para a direcção
intellectual e moral das crianças.
Esta maneira de ver repousa em uma confusão de idéias e
leva até ao erro o exagero de uma verdade. Vou provar por motivos
tirados da razão e da experiencia que jámais se fundará uma
sociedade prospera sobre um systema de ensino, mesmo quendo este
seja levado ao mais alto gráo de perfeição...
<<A mais elevada expressão e a mais legitima
representação de uma sociedade se acham sobretudo em duas
classes de pessoas: nas que cultivam com superioridade as
profissões liberaes; nas que, dirigindo com proveito as principaes
operações das artes usuaes, têm sob suas ordens immediatas a
massa da população. Ora, se se recorre ao auxilio desses homens
de escol para procurar a origem das idéas justas e da sã pratica que
fazem o exito delles, remonta-se sempre por esta investigação a
duas causas primarias: as faculdades excepcionaes que esses
homens devem á bondade divina; ao desenvolvimento que
tomaram essas faculdades pelo governo da familia, o exercicio da
profissão e a pratica dos deveres públicos.
Os homens de sentimento esclarecido que tiveram a
bondade de fazer diante de mim esta revista retrospectiva de sua vida
raras vezes puderam atribuir ao ensino recebido nas escolas a
acquisição de uma parte essencial de seu saber...

247
<<A inferioridade relativa do papel do ensino é mesmo
sensível para a infancia e a juventude, e se se applicasse sómente á
vida do escolar a analyse que acabo de assignalar para uma
existencia inteira, chegar-se-hia á mesma conclusão. É preciso
collocar no numero das acquisições mais úteis da primeira idade a
iniciação nos afectos de familia, o amor do torrão natal e da
patria, as crenças religiosas, o apêgo ás tradições nacionaes e ás
relações sociaes da raça, enfim certa intelligencia do mundo
physico. Nos povos modelos, esta aprendizagem constitue o grande
ensino social. Dá suas principaes forças aos jovens, lettrados ou
illettrados. Excede muito, por sua importância, ao ensino escolar
propriamente dito...
<<Em resumo a instrucção de cada em se compõe de
duas partes distinctas: o ensino escolar, que sempre faltou a uma
porção considerável da especie humana, e que jámais excedeu
limites muito estreitos; a educação social, que é dada a todos os
homens desde o berço até ao tumulo pela pratica da vida, e que em
todos os tempos tornou famosos homens cujo ensino escolar fôra
desprezado. Enganaram-se, pois, quando, confundido dous elementos
tão distinctos,affirmamque um governo, apoderando-se da direcção
das escolas, elevaria seguramente uma raça de homens acima de todas
as outras. Em principio, para attingir este fim seria precizo que o
governo se apoderasse além da vida dos cidadãos.
De facto, esta dupla usurpação, commetida em um povo
rico e poderoso, teria sempre como resultado definitivo uma
abominável degradação...
<<O dominio do ensino é determinação em todos os
povos pelas mesmas condições. Comprehende os conhecimentos
que podem ser inculcados pelas lições do mestre mais efficazmente
que pela pratica da vida. Ainda é precizo notar que a educação
intervem nesse dominio por uma grande parte, mesmo no que
concerne aos conhecimentos mais elementares; e tal é o caso
quanto á lingua materna. Seguramente as escolas têm grande
aptidão para completar em um tempo bastante limitado a
intelligencia da linguagem. auxiliam até muito o desenvolvimento

248
do espírito, sobretudo quando aos primeiros elementos o estudo de
uma lingua extrangeira. Mas seriam inhabeis em dar á criança esta
primeira iniciação que é o resultado de uma maravilhosa aptidão das
mais. E, como a língua materna resume com uma força
incomparável as idéas, os interesses e os sentimentos de uma
nação percebe-se que estes são partilhados por todos os membros
de uma raça, até pelos illustrados que não os completam por um
ensino methodico...
<<Os que esperam reformar nossa época pelo ensino
escolar não percebem as difficuldades que oppõe a seu systema a
própria natureza do escolar; ou antes gabam-se de obvial-as pelo
ascendente do mestre. Conforme seu thema favorito, este ultimo é
chamado a reagir sobre a intelligencia e os interesses civis nações
modernas por um sacerdocio analogo ao que o padre exerce na
ordem mo ral. Mas os factos não justificam de modo algum essa
assimilação; e a opinião de todos os povos desmente as esperanças
que com esforço recommendam.
Resulta destas considerações que os governos tenteariam
em vão imprimir um vivo impulso ás sociedades tomando por ponto de
apoio o ensino da infancia. Sua impotencia a este respeito resulta
ao mesmo tempo da propria natureza do serviço, da raridade dos
educadores capazes de exercer a alta funcção que se pretende lhe
confiar, e da resistencia passiva dos escolares. Mas se a observação
desmente as esperanças exaggeradas que certas escolas políticas e
sociaes propagam a respeito, põe em evidencia os bons resultados que
uma judiciosa pratica pode dar. É digno de nota que as regiões onde
o ensino primário se mostra mais fecundo são precisamente
aquellas em que jamais se tentou eleval-o acima do papel modesto
que lhe atribue a natureza das cousas...
<<Ensino secundario – A suppressão de toda
intervenção do Estado seria ainda aqui o ponto de partida da reforma.
No que concerne ao preparo para as profissões usuaes, cessar-se-
hia de obstar a fundação dos estabelecimentos privados, que são os
unicos a se adaptarem a uma multidão de necessidades especiaes.
No que concerne á preparação do ensino superior os habeis

249
professores de nossos lyceos e de nossos collegios continuariam em
melhores condições o serviço que lhes é confiado. Uns creariam a
titulo privado pequenas emprezas urbanas ou ruraes. Outros
reunir-se-hiam em corporações livres e dirigiriam grandes
externatos...
<<Ensino Superior – o vicio do regimen reside
sobretudo na intervenção do Estado, que submete o ensino, como
tantos outros ramos de actividade, a uma burocracia, isto é, a
funccionarios que são os únicos a ter o privilegio de alliar a
realidade do poder á ausência de responsabilidade. Não tendo
contacto algum directo com os alumnos, esses funccionarios não
podem detel-os no caminho da desordem, e, entretanto,
attribuindo-se a autoridade, isentam nesta materia os professores
de deveres de vigilância. Por uma ingerencia inopportuna, nossas
burocracias universitarias destruíram as relações naturaes de
respeito e de affeição que essa vigillancia faz nascer. Tem dado
assim á nossa juventude lettrada um espírito de insubordinação,
cujo vestigio não se encontra nas universidades livres das Ilhas
Britannicas e da Scandinavia. Nossos governantes successivos não
se inquietam com essa desordem, mas conservando a universidade
organizada pelo Imperio fomentaram o espirito revolucionario que
a todos destruio.
<<A substituição do estado ás corporações livres não é
menos funesta ás sciencias e ás lettras do que aos alumnos e aos
mestres. É muito natural que o nível dos conhecimentos humanos
se abaixe nas sociedades em que se pagam menos as altas
notabilidades que as cultivam. As sciencias positivas, que fazem
agora tão grandes progressos, tendem cada vez mais a se tornarem
cosmopolitas. Concentrar-se-hão em grandes fócos de ensino nos
povos que gozam melhor organização universitaria. Já o estado de
equilibrio que reinava, há um seculo, manifestamente rompeu-se
em detrimento de nosso paiz. não se vêem mais, como no tempo
de Christina e Frederico II, nossos scientistas dirigindo academias
nas capitaes extrangeiras. Os que adquirem fama por seus
primeiros trabalhos são breves detidos em seu esforço por nosso

250
systema burocratico. Não podendo se elevarem ás grandes posições
que a sciencia proporciona em outra parte, abandonam a carreira
para procurarem a fortuna e a influencia nas altas funcções de
administração e de política. Este genero de imigração, especial a
nosso pais causa a sciencia incauculaveis damnos, sem levantar
muito os serviços publicos, aos quaes affluem estes scientistas em
busca de melhor situação.
<< A solidariedade estabelecida fóra de proposito entre
o Estado e certas corporações é sobretudo compromettedora para
as sciencias sociaes. O erro, que ahi se torna bem claro demasiadas
vezes, não é para temer quando se produz sob os auspicios de uma
corporação privada que as instituições rivaes podem livremente
combater. Esta inspecção reciproca é particularmente efficaz nas
corporações de ensino quando se realiza entre leigos e clerigos. Tal
era o regimen de ensino sob o qual se formaram em França tantos
homens illustres durante a primeira metade do seculo XVII. Ao
contrario, o erro toma um caracter realmente perigoso quando é
subvencionado pelo Thesouro Publico. Protegendo os conhecimentos
que não repousam sobre axiomas indiscutiveis, o Estado se acha
invencivelmente conduzido a fazer policia. Mas a opinião publica,
neste ponto muito suspeitosa, ergue-se quasi sempre contra elle,
ainda quando protege a verdade: e só este facto bastaria para
condemnar o regimen actual. Dahi os inextrincaveis embaraços
que se manifestam em nosso alto ensino; dahi as destituições que
dão o prestigio da perseguição a más doutrinas; dahi enfim em
tristes debates que muitas vezes têm aggravado o antagonismo
social no seio dos nossos corpos politicos...
<< É mortificante pensar que as paixões políticas e os
habitos de uma centralização exaggerada nos impeçam de perceber
as verdades que tinham um caracter de evidencia para nossos
grandes estadistas do seculo XVII. É assim que a opinião do
Cardeal Richelieu se acha nitidamente expressa nos termos
seguintes: "Já que a fraqueza de nossa condição humana requer um
contrapeso em tudo, é mais razoavel que as universidades e os

251
Jesuitas ensinem á porfia, a fim de que a emulação lhes aguce a
virtude".
(Testement Politique, ire partie, ch. II section II.)
<< Aquelles que acreditam que o Estado póde reivindicar
utilmente o patronato das sciencias, das lettras e das artes perceberão
o perigo desse erro, quando se derem ao trabalho de observar a este
respeito a situação relativa das diversas regiões. Constatarão em breve
que nas sociedades enriquecidas pelo commercio e pela industria, as
universidades livres creadas pelos dotes e legados dos particulares se
mostram cada vez mais superiores ás universidades regidas pelo
Governo e sustentadas pelo imposto...
"Em resumo a unica situação digna para as sciencias e as
lettras, para os corpos docentes e para os alumnos, é a que os colloca
sob a autoridade das corporações livres, ciosas de conservar sua
independencia estimuladas ao mesmo tempo pela concurrencia de suas
rivaes em assegurar-se do erro ou do relaxamento que lhes faziam
perder a confiança do publico..."
(La Reforme sociale em France, I, chapitre V.)
Herbert Spencer, o autor de Systema de Philosophia
Synthetica, e chefe da chamada Escola Evolucionista, o escriptor
cujo prestigio encheu o seculo XIX, é tambem um advogado
famoso da eliminação do ensino official.
Ainda uma permitti alguma citações.
Na sua Extatistica Social, publicada em 1868, escreve
Spencer, entre outros, o seguinte trecho sobre o assumpto em
debate:
"Assim no presente como em outros casos observamos a
regra da lei abstracta, fortalecida por considerações secundarias. O
allegado direito da educação pelo Estado torna-se insustentavel:
primeiro como logicamente apoiando-se em outras pretenções
demasiado absurdas e ainda como incapaz de definição. Todavia
pudesse estabelecer-se a pretenção, isso implicaria o dever do
Governo fortificar despoticamente seu Systema de disciplina e o
dever do governado submeter-se. Essa educação não deve ser
tratada do mesmo modo que outras cousas, porque, neste caso, o

252
'interesse e o juízo daquelle que aproveita não constituem
sufficiente segurança para as vantagens do proveito'; é um meio
com os mais suspeitosos antecedentes tendo sido muitas vezes
empregado em outras circunstancias e muitas vezes reprovado.
Nada é a presunpção implicita de que 'o interesse e o juizo' de um
governo devem constituir uma sufficiente segurança admissivel.
Ao contrario, a experiencia prova que os interesses de um governo
e de todas as instituições que elle pode crear, são directamente
oppostos á educação de espécie mais importante. Dizer ainda que o
ensino official é necessario porque outro tem falhado, pressuppõe
uma deploravel vista estreita sobre o progresso humano; e além
disso, envolve o extranho sceptismo de que, embora as forças
naturaes tenham elevado o cultivo do espirito humano até a sua
presente altura e breve o vão augmentar de incomparavel valor,
ellas não o servirão mais por muito tempo.
"A crença de que a educação é um preventivo do crime,
não tendo fundamento algum em theoria nem nos factos, não
póde tambem ser invocada como pretexto parainterferencia..."
(social Statistics), chapiter XXVI § 11).
No seu ultimo livro, publicado 34 annos depois da
Estatística Social, livro em que parece, aliás, arrependido da sua
obra philosophica, Spencer mantém, tudo, as mesmas idéas sobre
a educação ministrada pelos governos.
"Muito cedo na vida, diz elle, succedeu achar-se em
minoria, uma minoria quase sempre tão pequena que se reduzia ás
vezes a uma minoria de um só. Numa época em que a educação
pelo Estado era discutida mais como materia de interesse
especulativodo que como materia de política chamada pratica,
achei-me em opposição quase com todos, exprimindo uma
desaprovação que dura até agora comquanto se tenha tornado um
axioma político para o maior numero, que um governo é
responsável pela cultura mental de seus cidadãos..." Faites et
commentaires, trad. de Aug. Dietrich, 2éme ed. pag. 94).
Como vêies, legisladores, além dos positivistas com
Augusto Comte, ha os catholicos com Le Play e os livres

253
pensadores com Spencer, que, systematica ou empiricamente, de
modo mais ou menos completo e decisivo defendem um dos
grandes lemmas da verdadeira politica moderna: a abolição do
ensino official.
Este principio é hoje um artigo de fé republicana; um
dogma das sociedades livres, que não foi inteiramente respeitado
pela nossa Constituição, mas nella se acha contido de modo
implícito, dado o espírito liberal que presidio a sua elaboração.
No entanto, explicitamente o estatuto federal formulou
as seguintes disposições.
"Art. 34 Compete privativamente ao Congresso
Nacional... n. 30 – Legislar sobre a organização municipal do
Districto Federal, bem como sobre a policia, o ensino superior e
os demais serviços que na Capital forem reservados para o
Governo da União.
Art. 35 Incumbe outrosim ao Congresso, mas não
privativamente...
3º Crear instituições de ensino superior e secundário nos
Estados; 4º prover a instrução secundaria no Districto Federal."
Assim, enquanto pelo §24 do art. 72 ficam extinctos os
privilegios escolásticos ou academicos, inherentes aos diplomas
dados pelas escolas de ensino secundario e superior, pelo art. 34,
n. 30 e art. 35, ns. 3 e 4, o estado deve prover taes ensinos.
Ha uma antinomia nessas disposições. Mas póde ser
attenuada se se meditar sobre os próprios termos do texto
constitucional.
A Constituição, incumbindo ao Congresso a função de
legislar sobre o ensino secundario e superior provel-o e crear
institutos correspondentes, não não o obrigoa, nem podia obrigal-
o, á vista do § 24 do art. 72 a manter os privilegios dos diplomas
fornecidos por taes institutos. Sendo assim, o Estado póde
ministrar o ensino como qualquer particular; as escolas ou
academias officiaes se tornam apenas auxiliares das escolas ou
academias particulares sem possuírem nenhuma prerogativa
especial.

254
Portanto, congressistas, podeis legislar sobre o ensino
secundário e superior, provel-o, crear estabelecimentos do gênero,
limitando a intervenção do Governo ao simples auxilio da
iniciativa privada cujo estado actual é insufficiente e precario.
Deste modo, o Estado prepara gradativamente o regimen de
completa abstinção official, permittindo que o esforço individual
desenvolva espontaneamente a instrucção indispensavel a todos os
cidadãos e a peculiar ás diversas profissões.
Para facilitar e preparar o advento desse regimen, o
Governo póde e deve admitir em seus institutos a docência livre.
Assim, qualquer cidadão, em pleno gozo de seus direitos civis e
políticos, poderá ministrar o ensino, dispondo do material das
escolas ou academias officiaes, mediante apenas o pagamento de
uma taxa previamente fixada e a responsabilidade pelos prejuízos
materiaes causados. Então os privilégios dos diplomas
despparecem totalmente. A' opinião publica compete reconhecer
quaes os homens de verdadeiro valor mental, de valiosa cultura de
espirito, os verdadeiros doutores, independentemente de qualquer
titulo.
Em taes condições, aos vários cargos do Estados podem
concorrer quaesquer cidadãos, sem que mereçam mais vantagens
na concurrencia os que apresentarem attestados, certificados,
diplomas ou outros títulos, fornecidos por professores ou
corporações docentes.
Quanto ao chamado ensino technico ou profissional, ao
ensino propriamente destinado a fazer agricultores, fabricantes,
commerciantes, industriaes enfim, o Estado deve principalmente
prover, auxiliando sempre a iniciativa privada, já pela concessão de
subvenção, já por meio de premios aos diversos productos
agricolas, ás manufacturas e industrias dignas de ser mantidas e
aperfeiçoadas.
Como os officios se aprendem não ouvindo discursos e
lendo dissertações, mas executando o trabalho, o Estado poderá
instituir não só escolas mas officinas, campos de criação, fazendas
modelos, exposições permanentes, e outras instituições

255
congêneres, onde, sem privilegio algum, os que puderem e
quizerem, possam achar estimulo para se consagrarem á
aprendizagem dos trabalhos industriaes.
Mantendo este apoio á industria, e abolindo os
privilegios theoricos, as vocações praticas, que são as mais
numerosas, não serão desviadas paras as carreiras lettradas em
busca de um vão titulo. Só irão consagrar-se ao estudo das
profissões mais elevadas as almas verdadeiramente capazes de
seguil-as, aquellas que se dedicam ao seu árduo e nobre officio sem
ambicionarem rendosas posições materiaes, e que se contentam
apenas com a satisfação do dever cumprido, alliando uma vida
sobria e modesta ao prestigio intelectual e moral.
Além do clericalismo, legalmenteabolido pela
Constituição da Republica, ficam por este modo também
eliminados os dous vícios não menos funestos – o bacharelismo e o
medicalismo – pragas que infestam a sociedade contemporânea,
como o clero, a nobreza e a realeza decadentes infestavam a
sociedade anterior á Grande Revolução.
Inspirado em todas estas idéas, sem as quaes a Republica
não passa de uma monarchia disfarçada, convencido e persuadido
de todos esses princípios, que são axiomas de um verdadeiro
regimen de liberdade e responsabilidade, o Centro Republicano
Conservador vem offerecer ao vosso juízo considerandos e theses
conseqüentes sobre a reforma da instrucção publica, esperando que
vos mostreis dignos das funções de que fostes investidos, e que
estaes animados do mesmo espírito de ordem e de progresso, que
assignalou os primeiros legisladores da Republica, os constituintes
de 91, aquelles mesmos que approvaram a celebre moção de 7 de
Janeiro.
Assim,
Considerando que a plena liberdade espiritual, com suas
consequencias praticas, é a base fundamental do regimen
republicano;
Considerando que a Constituição de 24 de Fevereiro,
inspirada nesse grande principio da política moderna, estabeleceu a

256
liberdade religiosa pela separação da Igreja do Estado, e abolio os
privilégios de diplomas escolásticos ou academicos, assegurando a
liberadade profissional.
Considerando que a plena liberdade espiritual não se
coaduna com a manutenção do ensino official, que se tem de
basear forçosamente em principios religiosos, quer theologicos
como o ensino catholico, quer metaphysicos ou scientificos, como
a instrucção acadêmica;
Considerando, no entanto, que a Constituição deu ao
Congresso Nacional a attribuição de legislar sobre o ensino
superior no Districto Federal, crear instituições de ensino superior
e secundario nos Estados e prover a instrucção secundaria no
Districto Federal;
Considerando ainda que a antinomia dos preceitos
constitucionaes, mantendo o ensino de Estado e abolindo os
privilégios dos diplomas escolasticos ou acadêmicos, não póde ser
resolvida no sentido verdadeiramente republicano senão por um
Congresso Constituinte;
Considerando que é necessario conciliar quanto possivel
as disposições constitucionaes com o principio da liberdade
espiritual, reduzindo ao minimo a intervenção directa do Estadono
ensino publico e facilitando a concurrencia das instituições
particulares;
Considerando que o ensino technico é, depois do
primário, o que deve merecer maior solicitude, como destinado a
preparar aptidões praticas, de que tanto carece o progresso
econômico do paiz;
Considerando, enfim, que, devendo competir ao Poder
Publico, actualmente, ministrar o ensino primário, essa
attribuição póde e deve, nas circunstancias actuaes, ser exercida
pela União e pelos Estados concurrentemente, e sem embaraçar a
iniciativa individual e das mãis de familia;
O Centro Republicano Conservador entende:
1º Que deve ser abolido todo ensino official, superior e
secundário.

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2º Que, a Constituição não permittindo essa medida
radical, se póde contudo preparal-a desde já, limitando a funcção
do Estado, nesta materia, á de simples auxiliar da iniciativa
privada.
3º Que os institutos officiaes sejam equiparados aos
estabelecimentos particulares, concorrendo com estes, em
completa igualdade de condições, para a distribuição do ensino.
4º Que deve ser permitido a qualquer cidadão no gozo de
seus direitos civis e políticos, estudar, ensinar ou aprender,
livremente nas escolas ou academias officiaes, mediante, apenas, o
pagamento de uma taxa fixada e a responsabilidade pelos prejuizos
materiaes causados.
5º Que os attestados, certificados, diplomas ou outras
provas de habilitação, fornecidas por professores ou corporações
docentes, officiaes ou particulares, não gozarão de privilegio algum
perante o Estado.
6º Que os cargos publicos devem ser providos por
concurso nos grãos inferiores, antiguidade e excepcionalmente
mérito, nos graos médios, e livre escolha nos graos superiores, sem
que se exijam com prova de capacidade para exercel-os, diplomas
ou títulos de qualquer especie.
7º Que, para auxiliar o ensino technico, sejam creados
sem privilegios estabelecimentos praticos de agricultura,
manufactura, commercio e industrias connexas.
8º Que o ensino primário deve continuar a ser mantido
pelo Estado, mas auxiliado pela União e permanecer leigo,
gratuito e não obrigatório.
Pelo Centro Republicano Conservador: Dr. José Eduardo
Teixeira de Souza. – Herculano Inglez de Souza. – Dr. José Frederico
de Almeida Fagundes. – A. Miranda Freitas. – Paulino van Erven.
– Antonio dos Reis Carvalho. – Orlando Corrêa Lopes. (*)

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ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES

A revista História da Educação aceita para publicação


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originados de estudos teóricos, pesquisas, reflexões metodológicas e
discussões em geral, pertinentes ao campo historiográfico. Os
textos devem ser inéditos, de autores brasileiros ou estrangeiros,
em português ou espanhol. A revista publica, também, trabalhos
encomendados e traduções de artigos que possam contribuir
significativamente na área da História da Educação. Possui,
ainda, duas outras sessões: resenhas e documentos. A primeira
apresenta o conteúdo e comentários sobre publicações recentes ou
reconhecidas academicamente. A sessão documentos publica
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Conselho Editorial e/ou a pareceristas ad hoc. A seleção dos
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em CD-ROM identificado acompanhado de uma via impressa em
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resumo) é de 35.000 caracteres (contando espaços) e para a
resenha é de 17.000 caracteres (contando espaços). Os resumos
em português, inglês e espanhol devem ter no máximo, cada um
deles, 790 caracteres (contando espaços).

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. XX-XX, Set/Dez 2007


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
O trabalho deverá conter: a) título do trabalho em
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(ABNT). Quando for o caso, as ilustrações e tabelas devem ser
apresentadas no interior do manuscrito na posição que o autor
julgar mais conveniente. Devem ser numeradas, tituladas e
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