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Segurança Estrutural

Luı́s Canhoto Neves e André Ramos Barbosa

1 de Junho de 2010

1
Conteúdo

Conteúdo 2

1 Introdução 7

2 Segurança estrutural 9
2.1 Risco em engenharia civil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 Probabilidade de rotura aceitável . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3 Fiabilidade estrutural 13
3.1 Revisões de probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3.2 Probabilidade condicionada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.3 Distribuições de probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
3.4 Problema fundamental da fiabilidade estrutural . . . . . . . . . 20

4 Avaliação semi-probabilı́stica da segurança 25


4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.2 Objectivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.3 Eurocódigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.4 Estados limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
4.5 Situações de projecto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4.6 Coeficientes parciais de segurança . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.7 Combinações de acções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

5 Acções permanentes e sobrecarga 41


5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.2 Acções permanentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.3 Sobrecarga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

6 Acção do vento 47
6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
6.2 Métodos de análise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
6.3 Acção do vento sobre estruturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
6.4 Velocidade do vento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
6.5 Acção do vento em edifı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
6.6 Exercı́cio 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

7 Acção da neve 73
7.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
7.2 Quantificação da acção da neve . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

2
7.3 Modelação da acção da neve . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
7.4 Situação persistente vs. acidental . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
7.5 Exercı́cio 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
7.6 Exercı́cio 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

8 Sismos e dimensionamento sı́smico de estruturas de acordo


com o Eurocódigo 8 91
8.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
8.2 Caracterização da acção sı́smica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
8.3 Introdução à dinâmica de estruturas sujeitas a movimentos do
solo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
8.4 Dimensionamento sı́smico de estruturas de acordo com o Eu-
rocódigo 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

Bibliografia 121

3
Prefácio

Este documento pretende servir de base ao estudo da quantificação da segu-


rança estrutural e das acções presentes em estruturas. Embora se faça uma
curta introdução ao tema da fiabilidade estrutural, este é apenas apresentado
como fundamento para a análise semi-probabilı́stica presente nos modernos
regulamentos estruturais.
Este documento é publicado no momento em que foram tornados públicos
os anexos nacionais a parte dos Eurocódigos. Assim, não foi possı́vel, em
tempo útil, corrigir e alterar toda a informação presente neste documento e,
embora se tenha tentado que este seguisse as indicações dos Anexos Nacionais,
existirão, sem dúvidas valores e metodologias que, estando de acordo com os
documentos principais dos Eurocódigos, não estão em completo acordo com os
Anexos Nacionais.
Este é um documento que está em desenvolvimento há cerca de um ano, e
cujo desenvolvimento continuará durante algum tempo mais. Assim, sugestões
e correcções são bem vindas. Não sendo um documento terminado, existem
erros, gralhas e falhas, de maior ou menor gravidade. No entanto, considerou-
se que, neste momento, era preferı́vel publicar um texto imperfeito, que não
publicar coisa alguma.
Este texto não teria sido possı́vel sem o apoio da Enga . Carla Marchão, que
reviu e ajudou na elaboração de textos que resultaram em partes significativas
deste documento. Ao Filipe Ribeiro, tenho que agradecer ter preparado e
resolvido os exercı́cios apresentados.

5
Capı́tulo 1

Introdução

Uma das principais preocupações do Engenheiro de Estruturas é garantir que


as estruturas que dimensiona e constrói cumprem a função para a qual foram
projectadas com uma margem de segurança adequada. Esta questão levanta
dois problemas fundamentais: (a) como se mede a segurança de uma estrutura e
(b) quão seguro é suficientemente seguro. A resposta à segunda questão parece
óbvia. A estrutura deve ser tão segura quanto possı́vel. Isto não é verdade por
duas razões. A primeira é puramente económica. Qualquer estrutura tem um
custo, para aumentar a segurança indefinidamente, o custo seria tão alto que a
sociedade não estaria disposta a suportá-lo. A segunda razão está relacionada
com a funcionalidade das estruturas. Qual seria a utilidade de um edifı́cio que
tivesse vigas tão altas que não teria janelas ou portas?
Quanto ao modo de medir a segurança estrutural, tem ocorrido ao longo do
tempo uma significativa evolução. Hoje, é geralmente aceite que a segurança
estrutural só pode ser medida numa perspectiva probabilı́stica. De facto, as
grandezas que influenciam a segurança, nomeadamente acções, geometria e
caracterı́sticas dos materiais, variam de estrutura para estrutura, dentro de
cada estrutura, e ao longo do tempo, só podendo ser caracterizadas de um
modo probabilı́stico.
Nesta disciplina, serão introduzidos conceitos básicos de análise proba-
bilı́stica da segurança estrutural. Posteriormente, serão estudados métodos
simplificados de obter nı́veis de segurança adequados. Finalmente serão estu-
dados métodos de quantificação dos parâmetros mais significativos para uma
análise de segurança estrutural.

7
Capı́tulo 2

Segurança estrutural

O comportamento estrutural depende de um vasto conjunto de factores que


incluem, entre outros, as propriedades dos materiais utilizados, a geometria da
estrutura e as acções a que a estrutura pode estar sujeita durante a sua vida.
Todos estes parâmetros estão associados a grande incerteza, tornando tarefa
do Engenheiro Civil particularmente difı́cil.
Assim, o Projectista deve considerar que todas as variáveis que considera no
dimensionamento de uma estrutura podem ter valores substancialmente difer-
entes daqueles que ele previu. A principal questão é como deve o engenheiro
tratar esta questão.
A primeira medida é aceitar que existe um risco em todas as actividades, e
que a segurança absoluta não existe.
Por outro lado, deve considerar valores o mais realistas possı́veis para os
diferentes parâmetros, não esquecendo a sua variabilidade.
Por último, deve projectar estruturas que não sejam muito susceptı́veis a
erros ou desvios.
Sabendo que todas as estruturas estão associadas a um risco de colapso,
surgem duas questões fundamentais. Que risco é aceitável e como é que eu
posso quantificar esse risco.
Dentre as diferentes engenharias, a Engenharia Civil é talvez aquela em que
os erros e os acidentes são menos aceites pela sociedade. Com efeito o primeiro
conjunto de leis escritas, conhecido por código de Hammurabi (Figura 2.1), já
incluı́ leis e punições para os construtores de casas.
Assim, o risco associado à construção de uma estrutura é, há várias décadas,
considerado nas leis de cada Paı́s, definindo valores máximos da probabilidade
de uma estrutura colapsar, sob diferentes cenários. Por outro lado, as estru-
turas de engenharia civil são, na realidade protótipos, já que não existem duas
estruturas iguais, e cada uma tem que ser dimensionada com base em mode-
los matemáticos e experiência obtida com outras estruturas, necessariamente
diferentes.

2.1 Risco em engenharia civil

Qualquer actividade humana envolve risco, sendo o principal objectivo do En-


genheiro Civil manter o risco associado a uma estrutura a nı́veis aceitáveis,

9
Se uma casa mal construı́da causa
a morte de um filho do dono da
casa, então o filho do construtor
será condenado à morte

Figura 2.1: Código de Hammurabi

sendo o risco aceitável dependente da estrutura, da sociedade, do local, entre


outros factores.
O risco pode ser visto como:

Risco = Pf × C (2.1)
em que Pf é a probabilidade de um evento ocorrer e C é o custo associado a
esse evento.
A probabilidade de rotura deve ser definida em termos do custo associado
a cada evento. Esta relação conduz a dois conceitos importantes. Por um lado,
devemos considerar probabilidades de falha mais baixas, ou seja, margens de
segurança maiores, para estruturas cuja falha esteja associada a maiores custos.
Por exemplo, uma barragem ou uma central nuclear deve ter uma probabilidade
de falha menor que uma edifı́cio de habitação que, por outro lado, deve ter uma
probabilidade de falha menor que um edifı́cio agrı́cola.
Por outro lado, temos que diferenciar o que designamos por falha. Assim,
o colapso de um edifı́cio tem que estar associado a uma probabilidade de falha
mais baixa que o aparecimento de fendas. Embora ambas as situações devam
ser evitadas, a primeira está associada a custos muito mais altos.
Rapidamente se conclui que a análise de segurança de uma estrutura é um
problema probabilı́stico, e que só poderá ser compreendido se tivermos em
conta as propriedades estatı́sticas dos vários parâmetros.

2.2 Probabilidade de rotura aceitável


De um modo muito simples, podemos dizer que o objectivo de um engenheiro
é obter uma estrutura que cumpra a função para a qual foi prevista, com o
menor custo possı́vel. Se neste custo incluirmos o custo de falha, como descrito
acima, obtemos uma probabilidade de rotura que está associada ao menor
custo. Este tipo de análise, denominada análise de risco é fundamental em
grandes projectos, como sejam centrais nucleares ou plataformas off-shore. Em
geral, podemos dizer que cada estrutura é o melhor equilı́brio possı́vel entre

10
o custo e a segurança. Se considerarmos o custo medido pelo risco, como
apresentado na eq. (2.1), podemos dizer que a estrutura ideal é a de menor
custo total, como apresentado na Figura 2.2.

Custo Total

Custo

Custo Construção

Risco

Segurança

Figura 2.2: Segurança versus Custo

Para estruturas comuns, não faz sentido em realizar uma análise de risco,
sendo preferı́vel definir qual a probabilidade de falha aceitável para uma classe
de estruturas baseado em resultados como os apresentados na Figura 2.2.
A principal dificuldade desta metodologia prende-se com a definição de
custo de falha, já que é necessário contabilizar perdas de vidas humanas, custos
de reconstrução e custos sociais e polı́ticos.
Outra alternativa consiste em definir a probabilidade falha máxima aceitável
por comparação com outros riscos que se considera semelhantes. Na Tabela
2.1 apresenta-se a probabilidade de morte de uma pessoa exposta a diferentes
ambientes ao longo de um ano. Verifica-se que o valor de mortes devida a
falha estrutural é extremamente baixo, mesmo quando comparado com outros
eventos raros.

11
Tabela 2.1: Probabilidade de morte em diferentes actividades (adaptado de [2])

Actividade/Causa Número de mortes por hora por


108 pessoas
Montanhismo 2700
Viagem aérea 120
Mergulho 59
Viagem de carro 56
Exploração de carvão 21
Estaleiro de construção 7.7
Trabalhador fabril 2
Acidente doméstico (todos) 2.1
Acidente doméstico (pessoas saudáveis) 0.7
Incêndio doméstico 0.1
Falha estrutural 0.002

12
Capı́tulo 3

Fiabilidade estrutural

Como vimos, a segurança de uma estrutura é, acima de tudo, um problema


probabilı́stico, e podemos dizer que uma estrutura é segura se a probabilidade
de rotura associada a um certo perı́odo de referência T , for inferior a um valor
padrão. Neste caso uma estrutura pode classificar-se como fiável. Salienta-se
desde já que dizer-se que a estrutura é segura não é equivalente a dizer que
nunca ocorrerá o colapso da estrutura, mas apenas que a probabilidade de
rotura é pequena ou até desprezável. A disciplina que aborda a questão se
uma estrutura é ou não fiável, designa-se por fiabilidade estrutural.
Existem várias definições possı́veis para o termo fiabilidade. O documento
ISO 2394 fornece uma definição que corresponde ao que é aceite em muitos
paı́ses europeus, que se lê: fiabilidade é a capacidade da estrutura de desem-
penhar os requisitos funcionais definidos sob condições especı́ficas durante o
perı́odo de vida útil para o qual a estrutura é dimensionada. Note que esta
definição tem quatro partes principais:

• requisitos de desempenho - definição dos critérios de rotura

• requisitos temporais - determinação do perı́odo de tempo em que a es-


trutura se encontrará em serviço

• nı́vel de fiabilidade - determinação da probabilidade de rotura

• condições especı́ficas - limitação das incertezas associadas aos potenciais


usos e funcionalidades

A fiabilidade estrutural está intimamente ligada à determinação de prob-


abilidades. Assim, neste capı́tulo, primeiro introduzem-se alguns conceitos
básicos da teoria da probabilidade antes de se apresentar alguns exemplos de
determinação da fiabilidade estrutural.

3.1 Revisões de probabilidades


A teoria da probabilidade lida com o tratamento dos resultados (ou amostras)
de processos que são usualmente designados como experiências. O conjunto
de resultados possı́veis é designado como o espaço amostral ou espaço de
amostragem, e cada resultado de uma experiência é designado como uma
amostra ou como resultado elementar. O espaço de amostragem pode ser

13
contı́nuo ou discreto. No primeiro caso o número de amostras possı́veis é
contı́nuo enquanto no segundo caso o número de amostras é finito ou contável.
Um evento é um sub-conjunto do espaço de amostragem e representa um
conjunto de amostras. Um evento único consiste numa única amostra enquanto
um evento composto consiste em mais do que uma amostra. Se Ω representar o
espaço de amostragem e se E representar um evento, então pode ainda definir-
se o complemento do evento E por E, que corresponde a todos os pontos de
amostragem em Ω que não estão contidos em E.
A probabilidade de ocorrência de um evento E pode ser definida como:

nE
p = limn→∞ (3.1)
n
em que nE é o número de vezes que se observa o evento E num total de n
observações. Define-se assim uma medida de probabilidade, P , que pode ser
atribuı́do a cada evento, definido-se probabilidade do evento E pelo sı́mbolo
P (E).
Em Engenharia Civil esta definição é pouco útil, já que não é possı́vel con-
struir um grande número de estruturas e verificar qual o número de colapsos.
Assim, a noção Bayesiana de probabilidades, que considera que a probabilidade
é o grau de certeza de que um determinado evento vai ocorrer, é substancial-
mente mais útil.
A noção Bayesiana de probabilidade é bastante mais subjectiva, depen-
dendo de quem faz a análise e em que condições. No entanto, é bastante
mais intuitiva, já que serve de base à tomada de decisões quotidiana. Em
geral, não necessitamos de definir numericamente a probabilidade de um carro
se aproximar demasiado depressa, quando atravessamos a rua, mas avaliamos
essa probabilidade de um modo intuitivo e qualitativo.
A teoria de Bayes é apenas uma quantificação dessa metodologia. Desse
modo, podemos definir a teoria da probabilidade com base em 3 axiomas:

Axioma 1 A probabilidade de um evento está sempre compreendida no in-


tervalo fechado entre 0 e 1

0 ≤ P (E) ≤ 1 (3.2)

Axioma 2 A probabilidade do evento que compreenda o espaço amostral, Ω,


é igual a 1
P (Ω) = 1 (3.3)

Axioma 3 A probabilidade da união de eventos mutualmente exclusivos é


igual à soma das probabilidades de cada evento
n n
!
[ X
P Ei = P (Ei ) (3.4)
i=1 i=1

onde P () representa a probabilidade, E representa um evento, Ei representa


um conjunto de eventos disjuntos (mutualmente exclusivos), e Ω é o espaço dos
eventos possı́veis.

14
Caracterização de variáveis aleatórias
Uma variável aleatória pode ser definida através de uma função que relacione
os possı́veis valores de um parâmetro com a sua probabilidade de ocorrência
ou a probabilidade daqueles serem ultrapassados. Para variáveis contı́nuas,
geralmente utilizadas em segurança estrutural, é fundamental definir a função
de probabilidade cumulativa, (FX ), dada por:

FX (x) = P (X ≤ x) (3.5)
É também útil definir a função de densidade de probabilidade (fX ) dada
por:

∂FX (x)
fX (x) = (3.6)
∂x
Na Figura 3.1 é apresentado o exemplo de uma função densidade de prob-
abilidade e correspondente função probabilidade cumulativa.
0.015

1.0
Probabilidade Acumulada

0.8

0.010
Probabilidade

0.6

0.4

0.005

0.2

0.000 0.0

0 50 100 150 200 250 0 50 100 150 200

Vari ável Variável

Figura 3.1: Função densidade de probabilidade e função probabilidade cumu-


lativa

As variáveis aleatórias podem ainda ser caracterizadas pelos seus momentos,


como sejam a média e a variância, definidos como:

Z +∞
µ= x f (x) dx (3.7)
−∞
Z +∞
2 2
V ar = σ = (x − µ) f (x) dx (3.8)
−∞

O desvio padrão é dado por:



σ= V ar (3.9)
Em engenharia é comum definir a variabilidade de uma variável em termos
do seu coeficiente de variação (CoV), dado por:

σ
CoV = (3.10)
µ

15
Este indicador é adimensional, permitindo assim a comparação da variabil-
idade de grandezas de escalas muito diferentes (módulo de elasticidade versus
extensão máxima).
Quando um problema involve mais que uma variável aleatória, é fundamen-
tal avaliar a relação entre as várias variáveis. Em engenharia civil, diferentes
variáveis podem estar intimamente relacionadas, e esta relação pode ter im-
pactos significativos em termos de segurança estrutural. O modo mais simples
de relacionar duas variáveis aleatórias é o coeficiente de correlação, dado por:

E[(X − µX )(Y − µY )]
ρX,Y = (3.11)
σX σY
onde E[] representa o valor esperado e X e Y são duas variáveis aleatórias. A
correlação indica se a relação entre as duas variáveis tende a ser linear. Na
Figura 3.2 são apresentados exemplos de variáveis fortemente correlacionadas
e variáveis não correlacionadas. Se as variáveis forem perfeitamente correla-
cionadas, o coeficiente de correlação toma os valores 1 ou -1, conforme um
maior valor de uma das variáveis esteja associado a uma maior ou menos valor
da outra, respectivamente. Se as variáveis forem independentes, então são não
correlacionadas (ρ = 0).
Em geral, diferentes propriedades do mesmo material apresentam correlação
significativa, e esta deve ser considerada na análise de segurança.

ρ=0
2 1.0

ρ≃1
Variável Y

Variável Y

1 0.5

0 0.0
0.0 0.5 1.0 0.0 0.5 1.0

Variável X Variável X

Figura 3.2: Coeficiente de correlação

3.2 Probabilidade condicionada


Um dos fundamentos de análise probabilı́stica em Engenharia Civil é o Teorema
de Bayes. Este teorema define a probabilidade de um evento ocorrer, sabendo
que um segundo evento ocorreu. Assim, podemos dizer que a probabilidade de
um evento A ocorrer, sabendo que B ocorreu é dada por:

P (A ∩ B)
P (A|B) = (3.12)
P (B)
ou, alternativamente:

16
P (A ∩ B) = P (A|B) × P (B) (3.13)
Como exemplo de aplicação do teorema de Bayes, considere-se o pilar de
uma ponte. Este pilar pode sofrer o impacto de um camião (P = 10%) ou de
um carro (P = 20%). No caso de um impacto por um camião, a probabilidade
de rotura é 50%, no caso do automóvel 20%. O objectivo é determinar qual a
probabilidade de ocorrer a rotura do pilar.
O problema pode ser analisado usando uma árvore de eventos. Assim,
temos três eventos iniciais: (i) impacto de camião, (ii) impacto de automóvel,
e (iii) não ocorre impacto. A probabilidade de cada um destes eventos é um
dos dados do problema. A probabilidade de falha, sabendo que cada um destes
eventos aconteceu é dada por:

P (falha|automóvel) = 0.2 (3.14)


P (falha|camião) = 0.5 (3.15)
P (falha|sem impacto) = 0.0 (3.16)

Sabendo que os eventos são independentes, a probabilidade de cada ramo da


árvore é o produto das probabilidades de todos os eventos nesse ramo. Assim,
a probabilidade de ocorrer o impacto de um camião, seguido de colapso, é dado
por, a partir da equação 3.13:

P (camião e falha) = P (falha|camião) × P (camião) (3.17)


Considerando que os eventos descritos em cada ramo da árvore são dijun-
tos, e usando a equação 3.1, a probabilidade de ocorrer colapso é a soma das
probabilidades de todos os ramos conducentes a colapso.

0.5 Falha 0.05

Camião 0.5

Sem Falha 0.05


0.1

0.2 Falha 0.04


0.2
Impacto Automóvel 0.8

Sem Falha 0.16


0.7

1
Sem Impacto Sem Falha 0.7

Figura 3.3: Cálculo da probabilidade de rotura de um pilar de uma ponte

Assim, a probabilidade de ocorrer colapso é igual à soma de todas as prob-


abilidade dos ramos associados com colapso:

Pfalha = 0.05 + 0.04 = 0.09 (3.18)


Por outro lado, sabendo que ocorreu colapso, a probabilidade de ter sido
causado pelo impacto de um camião pode ser dada como o quociente entre as

17
probabilidades de falha na sequência de impacto de um camião pela probabil-
idade de falha:

P (camião e falha) 0.05


P (camião|falha) = = = 0.56 (3.19)
P (falha) 0.09

3.3 Distribuições de probabilidades


A distribuição de probabilidades de cada variável aleatória é, em geral, aprox-
imada a uma distribuição teórica.
As distribuições mais comuns em engenharia civil incluem:

• Normal
• Lognormal
• Poisson

Distribuição normal
A distribuição normal é extremamente comum em engenharia, já que qualquer
grandeza resultante da soma de várias variáveis aleatórias independentes tende
para uma distribuição normal.
A distribuição normal, ou Gaussiana, é simétrica, caracterizada por moda
igual à média, como apresentado na Figura 3.4, e tem função de densidade de
probabilidade:

(x − µ)2
1 −
f (x) = √ exp 2σ 2 (3.20)
σ 2π
onde µ e σ são a média e o desvio padrão.
Esta expressão é relativamente complexa e, frequentemente, considera-se a
distribuição normal padrão, Y , definida por:

X −µ
Y = (3.21)
σ
A função densidade de probabilidade da distribuição normal padrão é dada
por:

x2
1 −
f (x) = √ exp 2 (3.22)

O valor desta função, assim como do seu integral (correspondente à função
de probabilidade cumulativa) é apresentado em Tabelas e na maioria das máquinas
de calcular cientı́ficas.
A distribuição normal é, em engenharia civil, utilizada para modelar as
propriedades de um grande conjunto de grandezas. Em particular, o peso
próprio de materiais, a módulo de elasticidade do aço e do betão, ou os er-
ros geométricos em elementos podem, em geral, ser modelados como variáveis
normais.

18
0.015

0.010

Probabilidade
0.005

0.000

0 50 100 150 200 250

Vari ável

Figura 3.4: Função de densidade de uma variável com distribuição normal

A principal desvantagem desta distribuição, em engenharia civil, é assumir


que as variáveis aleatórias poderem tomar valores negativos. Ora, muitas
grandezas em Engenharia, como seja a tensão de cedência do aço ou o módulo
de elasticidade do betão, são sempre positivas tornando-se necessário utilizar
outras distribuições.
Esta distribuição tem algumas propriedades que tornam o seu uso partic-
ularmente simples. Em primeiro lugar, o produto de uma variável aleatória
normal por uma constante é uma variável aleatória normal. Assim:

X ∼ N (µ, σ) ⇒ Y = k · X ∼ N (k · µ; k · σ) (3.23)

Além disso a soma de duas variáveis com distribuição normal, é uma variável
com distribuição normal. Assim, para X1 e X2 estatisticamente independentes:

  
X1 ∼ N (µ1 , σ1 )
q
⇒ X1 + X2 ∼ N µ1 + µ2 ; σ12 + σ22 (3.24)
X2 ∼ N (µ2 , σ2 )

Generalizando, podemos dizer que uma combinação linear de variáveis aleatórias


normais independentes é uma variável aleatória normal. Assim, sejam Xi um
conjunto de variáveis normais independentes, com média µi e desvio padrão
σi . Seja y uma variável aleatória definida como:

n
X
Y = a0 + ai · X i (3.25)
i=1

então Y é uma variável aleatória normal, com média e desvio padrão:


 Pn
 µz = a0 + i=1 ai · µi
pPn (3.26)
σz = 2 2
i=1 ai · σi

19
Distribuição lognormal
A distribuição lognormal é obtida por exponenciação da distribuição normal.
Assim, se X for uma variável aleatória normal, Y = eX tem distribuição log-
normal. Como a combinação linear de variáveis normais é normal, também o
produto e exponenciação de variáveis lognormais é lognormal.
Esta distribuição tem a vantagem de tomar apenas valores positivos. Verifica-
se que o produto de variáveis aleatórias independentes tende para uma dis-
tribuição lognormal.

0.4
Probabilidade

0.2

0.0

0 20 40 60 80 100 120 140

Variável aleatória

Figura 3.5: Função de densidade de uma variável com distribuição lognormal

A distribuição lognormal é utilizada, em engenharia civil, fundamental-


mente, para variáveis constantes no tempo, com significativa variabilidade,
mas que apenas podem tomar valores positivos. É comum utilizar variáveis
lognormais para propriedades resistentes de materiais, por exemplo.

Distribuição de Poisson
A distribuição de Poisson é útil para modelar o número de vezes que dado
evento ocorre num perı́odo de tempo. É utilizada para definir o intervalo
de tempo entre sismos, ou outros eventos raros. A função de densidade de
probabilidade desta distribuição é dada por:

e−λ λk
P (N = k) = em que 1/λ é o perı́odo de retorno.
k!

3.4 Problema fundamental da fiabilidade estrutural


Comecemos esta análise por considerar uma estrutura cujo comportamento é
definido por duas variáveis aleatórias:
- R - resistência da estrutura
- S - efeito das acções

20
0.45

0.4

0.35

0.3

Probabilidade
10
0.25

5
0.2
2
0.15 1

0.1

0.05

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18

Variável

Figura 3.6: Função de densidade de uma variável com distribuição Poisson

Podemos dizer que a estrutura não falha enquanto a resistência R for maior
que o efeito das acções S.
Podemos definir uma função g, designada função estado limite, e uma
variável Z, denominada margem de segurança, dadas por:

 Z <0 Ocorre falha
Z = g(R, S) = R − S → Z =0 Situação limite (3.27)
Z >0 Não ocorre falha

Se as duas variáveis, R e S fossem conhecidas com absoluta precisão, a


estrutura era segura quando Z > 0. No entanto, estas duas variáveis depen-
dem das propriedades dos materiais, das acções a que a estrutura está sujeita,
da geometria, etc. Estas grandezas não podem ser conhecidas com absoluta
precisão, nomeadamente porque a estrutura ainda não foi construı́da.
Assim, o problema pode ser visto num âmbito probabilı́stico, e a probabil-
idade de rotura pode ser dada por:

Pf = P (Z < 0) (3.28)

Consideremos, simplificadamente, que as variáveis R e S são independentes


e com distribuições normais caracterizadas por:

R ∼ N (µR , σR )
(3.29)
S ∼ N (µS , σS )

Nesse caso, como vimos acima, a função Z é uma combinação linear de


variáveis normais independentes, apresentando uma distribuição normal, com
média e desvio padrão:

µZ = p
µR − µS
2 + σ2 (3.30)
σZ = σR S

A probabilidade de falha é dada pela equação 3.28 que, normalizando a


variável Z fica:

21
! !
Z − µZ − µZ µZ
pf = P (Z < 0) = P < =Φ − (3.31)
σZ σZ σZ

O quociente µZ /σZ é denominado ı́ndice de fiabilidade, β.


Quando a função Z é uma combinação linear de variáveis aleatórias, na
forma:
n
X
Z = a0 + ai × X i (3.32)
i=1

onde ai são constantes e xi são variáveis aleatórias normais independentes,


então a média de Z, µZ , e o desvio padrão, σZ , são dados por:

n
X
µZ = a0 + ai × µxi (3.33)
i=1
v
u n
uX
σZ = t a2i × σx2i (3.34)
i=1

Exemplo
Consideremos uma viga metálica simplesmente apoiada de comprimento L =
8m, a que é aplicada uma carga vertical P a meio vão, como representado na
Figura 3.7. Considere que a força P tem distribuição Gaussina com média
15kN e desvio padrão 4 kN. Considere que o momento de flexão elástico (wel )
é caracterizado por uma distribuição normal de moda 3 × 10−4 m3 e variância
9 × 10−10 m6 . Considere que a tensão de cedência do aço (fy ) é 200MPa.
O momento máximo actuante na viga é dado por:

Pl
Ms = (3.35)
4
O momento resistente é dado por:

Mr = wel × fy (3.36)
Assim, a função estado limite pode ser dada por:

Figura 3.7: Viga simplesmente apoiada

22
Pl
Z = Mr − Ms = wel × fy − (3.37)
4
Considerando que apenas as variáveis P e wel são variáveis aleatórias, a
função Z é uma combinação linear de variáveis aleatórias normais. Assim, a
média e o desvio padrão de Z são dados por:

n
X l
µZ = a0 + ai × µxi = 0 + fy × µwel − × µP (3.38)
i=1
4
v v !2
u n u
u X
2
u l
σZ = t ai × σxi = tfy2 × σw
2 2 + − × σP2 (3.39)
i=1
el
4

Todas as variáveis têm distribuição normal (ou Gaussiana). A média de


P , µP , é 15kN e o desvio padrão, σP , é 4 kN. Quanto ao módulo de flexão
elástico, wel , a média é igual à moda (já que a distribuição é normal), enquanto
o desvio padrão é igual à raiz quadrada da variância. Assim, e convertendo
todas as unidades para kN e m:

8
µZ = 200 × 103 × 3 × 10−4 − × 15 = 30kN · m (3.40)
v 4
u !2
u 8
σZ = t(200 × 103 )2 × (3.0 × 10−5 )2 + − × 42 = 7.48kN · m (3.41)
4

Donde o ı́ndice de fiabilidade é igual a:

β = µZ /σZ = 4.01 (3.42)

23
Capı́tulo 4

Avaliação semi-probabilı́stica da
segurança

4.1 Introdução
Quando se analisa uma estrutura é fundamental garantir que esta tenha uma
probabilidade de atingir o colapso extremamente baixa e que permaneça ad-
equada ao uso durante toda a sua vida útil. Estas duas condições devem ser
verificadas considerando as acções a que a estrutura pode estar sujeita durante
a sua vida.
Por exemplo, sabendo que é impossı́vel prever qual o maior sismo que ocor-
rerá em Portugal nos próximos 50 anos ou qual será o maior nevão na Guarda
no próximo ano, resulta que esta avaliação terá que ser, necessariamente, prob-
abilı́stica.
No Capı́tulo anterior, foram abalizados métodos probabilı́sticos para avaliar
a segurança de estruturas. No entanto, estes métodos são relativamente com-
plexos, e a sua utilização para estruturas correntes é desnecessária, sendo pre-
ferı́vel aplicar métodos simplificados.
Os regulamentos modernos preconizam métodos de verificação da segurança
baseado no método dos coeficientes parciais de segurança. Este é um método
usualmente designado por semi-probabilı́stico, no sentido em que, embora se
considere que os vários parâmetros que influenciam a segurança da estrutura
são probabilı́sticos, se mede a probabilidade de rotura de um modo indirecto.
Neste capı́tulo será descrito o método dos coeficientes parciais de segurança,
focando-se a análise na norma EN1990, também designada Eurocódigo 0.

4.2 Objectivos
O objectivo do engenheiro civil é dimensionar e projectar estruturas que, com
o adequado nı́vel de fiabilidade e de um modo económico:

• suportem as acções e influências que ocorram durante a construção e o


uso esperado da estrutura (estados limite últimos)
• permaneçam utilizáveis sob as acções expectáveis (estados limite de serviço)
• tenham adequada resistência, capacidade de serviço, e durabilidade

25
• tenham uma capacidade resistente suficiente, por um perı́odo de tempo
adequado, quando sujeitas a um incêndio
• não sejam afectadas por eventos como explosões, erros humanos ou im-
pactos de um modo que seja desproporcionado à causa original (robustez).

Estes objectivos são traduzidos para expressões numéricas, mais ou menos


complexas, em regulamentos, como sejam os Eurocódigos.

4.3 Eurocódigos
Em 1975, a Comissão da Comunidade Europeia optou por um programa de
acção na área da construção, com objectivo de eliminar entraves técnicos ao
comércio e a harmonização das especificações técnicas. Com efeito, a existência
de diferentes regulamentações em diferentes paı́ses dificultava enormemente a
competição entre empresas de diferentes paı́ses, limitando um dos objectivos
da União Europeia.
Assim, foram elaboradas um conjunto de regras técnicas harmonizadas para
o projecto de obras de construção as quais, numa primeira fase, serviriam
como alternativa para as regras nacionais em vigor nos Estados-Membros e
que, posteriormente, as substituiriam.
O desenvolvimento destes regulamentos resultou numa primeira geração dos
Eurocódigos na década de 80. Em 1989 foi decidido converter os Eurocódigos
em documentos normativos EN.
O programa relativo aos Eurocódigos Estruturais inclui as seguintes normas,
cada uma das quais é, geralmente, constituı́da por diversas Partes, como se
apresenta na Tabela 4.1.
Embora o objectivo fosse o desenvolvimento de normas uniformes a nı́vel
Europeu, rapidamente ficou claro que era necessário deixar espaço para que
cada estado membro pudesse incluir pequenas alterações, de modo a definir as-
pectos locais (velocidade do vento, altura de neve, intensidade de sismos), mas
também a introduzir regras que respeitassem as tradições de dimensionamento
e construção em cada paı́s.
Estas alterações são introduzidas nos anexos nacionais, que são incluı́dos
em cada parte dos Eurocódigos. Sempre que haja diferenças entre o documento
geral e o anexo nacional, prevalece o anexo nacional de cada paı́s.

Tabela 4.1: Organização dos Eurocódigos


EN 1990 Eurocódigo: Bases para o projecto de estruturas
EN 1991 Eurocódigo 1: Acções em estruturas
EN 1992 Eurocódigo 2: Projecto de estruturas de betão
EN 1993 Eurocódigo 3: Projecto de estruturas de aço
EN 1994 Eurocódigo 4: Projecto de estruturas mistas aço-betão
EN 1995 Eurocódigo 5: Projecto de estruturas de madeira
EN 1996 Eurocódigo 6: Projecto de estruturas de alvenaria
EN 1997 Eurocódigo 7: Projecto geotécnico
EN 1998 Eurocódigo 8: Projecto de estruturas para resistência
aos sismos
EN 1999 Eurocódigo 9: Projecto de estruturas de alumı́nio

26
4.4 Estados limite
Como foi referido, uma estrutura deve ser suficientemente resistente de modo
a evitar o colapso. Como as consequências do colapso de uma estrutura são
extremamente graves, o engenheiro tem que garantir que a probabilidade deste
evento é extremamente baixa. Como tal, para esta verificação, denominada
verificação a estados limite últimos, devemos considerar valores das acções com
uma probabilidade de serem excedidos muito baixa.
Por outras palavras, considerando o custo do colapso de uma estrutura,
para a verificação de estados limite últimos, consideramos valores das acções
(neve, vento, peso de veı́culos, etc.) muito maiores que aqueles que esperamos
que venham a surgir na estrutura.
Por outro lado, devemos verificar que a estrutura é durável e permanece
adequada ao uso durante toda a sua vida. No entanto, se as condições de
utilização não se verificarem, as consequências são substancialmente menos
graves, donde a probabilidade de serem violados os estados limite de utilização
pode ser substancialmente mais alta que na situação anterior. Assim neste
caso, consideramos valores das acções mais baixos, tanto mais baixos quanto
menos grave for a violação das condições.
No caso de estados limite de utilização, temos que distinguir duas situações
distintas: estados limite irreversı́veis e estados limite reversı́veis.
Os primeiros, sendo irreversı́veis, não devem ser ultrapassados durante a
vida da estrutura, enquanto os estados limite reversı́veis não devem ser ul-
trapassados durante perı́odos de tempo longos. Assim, devem considerar-se
diferentes valores das acções dependendo da gravidade do estado limite e da
sua reversibilidade.
Mais ainda, o nı́vel de fiabilidade requerido para uma dada estrutura de-
pende:
• da causa e/ou modo possı́vel de colapso;
• dos possı́veis consequências da rotura, em termos de perda de vidas e
potenciais perdas económicas
• da aversão pública a colapsos
• dos custos associados à redução dos custos do colapso
Na realidade, estes conceitos estão intimamente ligados ao conceito de risco
descrito anteriormente. A probabilidade aceitável de rotura deve diminuir com
o aumento dos custos associados à rotura. Ora estes custos dependem das
consequências da rotura, mas também do modo de rotura. Com efeito, antes da
ocorrência de uma rotura dúctil são, em geral, observáveis sinais de dano, o que
permite evacuar a estrutura e reduzir os custos associados ao colapso. Por outro
lado, uma rotura frágil ocorre sem aviso, aumentando as suas consequências.
Por outro lado, devemos considerar os custos sociais e polı́ticos de um co-
lapso. A rotura de uma estrutura de maior importância social, como sejam
pontes, escolas, ou hospitais, têm um maior impacto na sociedade, o que im-
plica que estas estruturas possam ser dimensionadas de modo a que sejam mais
seguras.
Além das limitações associadas a estados limite últimos e de utilização, o
Eurocódigo considera que os danos causados por eventos extraordinários, como

27
sejam impactos, explosões e erros humanos, não devem ser desproporcionados.
Este conceito de proporcionalidade entre ocorrência está associado à robustez
estrutural. No entanto, embora esta seja uma propriedade desejável das estru-
turas, não existe, neste momento, consenso como pode ser medida a robustez
estrutural.

Classificação das acções


As acções podem ser divididas conforme a sua variabilidade no tempo em per-
manentes, variáveis, acidentais e sı́smicas.
As acções permanentes incluem todas as acções constantes ou com pequena
variação no tempo, e ainda aquelas que diminuem de modo monotónico ao longo
da vida da estrutura. Assim, incluem o peso próprio da estrutura, restantes
acções permanentes (peso de paredes, revestimentos e equipamentos perma-
nentes) e o pré-esforço, entre outras.
As acções variáveis incluem todas as acções que, embora seja expectável
que ocorram durante a vida da estrutura, têm uma intensidade que varia no
tempo de modo significativo. Assim, pode incluir-se nesta classe sobrecargas
de utilização (peso de utilizadores, veı́culos, e equipamentos não permanentes,
incluindo mobiliário, livros, ar-condicionados, etc), neve e vento.
As acções acidentais são acções que são bastante mais raras que as anteri-
ores. Estas incluem, por exemplo, o efeito de explosões ou impactos. Assim, a
vasta maioria das estruturas não vai ser sujeita a acções deste tipo. No entanto,
é fundamental verificar que, se tal acontecer, os efeitos não são catastróficos.
Note-se que a mesma acção pode ser considerada acidental numa situação e
variável noutra. Por exemplo, a acção da neve é, em alguns locais, uma acção
acidental, mas noutras, é claramente variável.
Por último, as acções sı́smicas simulam o efeito de um sismo intenso. Os
sismos são também eventos raros e, como tal, esta acção deve ser analisada de
um modo diferente do utilizado para as acções variáveis.
As acções podem ainda ser classificadas em termos da sua variação no espaço
como fixas ou livres. As acções fixas são acções em que a sua intensidade e
direcção são determinadas, sem ambiguidade, a partir da intensidade e direcção
num ponto da estrutura. Assim, por exemplo, o peso da neve numa cobertura
pode em geral ser considerado uma acção fixa, já que sabendo o valor de peso
da neve num ponto da cobertura, podemos saber o carregamento em todos os
outros. Por outro lado, a sobrecarga devida ao peso de veı́culos numa ponte
deve ser considerado uma acção livre, já que, em geral, diferentes pontos da
ponte estão sujeitos a diferentes sobrecargas não correlacionadas.
De acordo com a sua natureza, as acções podem ser consideradas estáticas
ou dinâmicas. Entende-se por acções estáticas aquelas que, por actuarem lenta-
mente, não provocam acelerações significativas na estrutura. Esta distinção é
algo mais complexa que as anteriores, já que depende, não só da acção, mas
também da estrutura. Uma acção sı́smica é claramente uma acção dinâmica,
enquanto o peso próprio ou a neve são claramente acções estáticas. Já a so-
brecarga e a acção do vento podem ter caracterı́sticas estáticas ou dinâmicas,
dependendo da estrutura em análise. Por exemplo, em pontes pedonais, a so-
brecarga devido à passagem de pessoas pode induzir fenómenos de vibração.
No entanto, em edifı́cios estes fenómenos raramente são significativos.

28
Em termos de origem, as acções podem ser classificadas como directas ou
indirectas. As acções directas estão associadas a forças directamente aplicadas
à estrutura, como sejam sobrecargas ou peso da neve. As acções indirectas estão
associadas a deformações ou acelerações impostas, provocas por variações de
temperatura ou humidade, assentamentos diferenciais, ou sismos.

Vida útil
Cada estrutura é dimensionada para durar, sem reparações de grande dimensão,
um determinado perı́odo de tempo. Este perı́odo depende do tipo de estrutura,
da sua importância e da sua utilização. O perı́odo a considerar influência
não só as questões relacionadas com a durabilidade, mas também as acções a
considerar e, em alguns casos, a resistência da estrutura.
Assim, a probabilidade de uma estrutura ser sujeita a um grande nevão
aumenta com a sua vida útil, donde vidas úteis mais longas estão associadas a
acções de maior intensidade. Por outro lado, fundamentalmente em estruturas
metálicas, verifica-se que a resistência de uma secção depende do número de
ciclos de carga aplicados, associado ao fenómeno da fadiga. Assim, para estru-
turas com uma vida útil mais longa é necessário considerar um maior número
de ciclos e, consequentemente, assumir que estes vão ter maior impacto na
resistência. Também nas estruturas em madeira, se verifica uma redução da
resistência com o aumento do perı́odo de aplicação das cargas.
Devemos ter em atenção que nem todos os elementos da estrutura têm,
necessariamente, a mesma vida útil. Por exemplo, embora as pontes sejam
dimensionadas para uma vida útil de 100 anos, quer as juntas quer os aparelhos
de apoio têm vidas úteis substancialmente mais pequenas.
Em geral, a vida útil das estruturas pode ser definida como se apresenta na
Tabela 4.2.

Tabela 4.2: Vida útil


Categoria de Vida útil Exemplos
vida útil (anos)
1 10 Estruturas temporárias (cimbres)
2 10-25 Elementos substituı́veis (aparelhos de apoio)
3 15-30 Estruturas agrı́colas ou similares (estruturas
onde raramente entram pessoas)
4 50 Edifı́cios e outras estruturas comuns
5 100 Edifı́cios monumentais, pontes e outras estru-
turas especiais

4.5 Situações de projecto


As estruturas devem ser dimensionadas de modo a incluir todas as situações
previsı́veis durante a vida da estrutura, desde a sua construção até à demolição.
As situações de projecto a considerar são:

• persistente

29
• transitória

• acidental

• sı́smica

A situação persistente corresponde à utilização normal da estrutura, sendo a


situação observada durante grande parte da vida da estrutura. Assim, durante
a situação persistente, a estrutura vai estar sujeita às acções permanentes e às
variáveis.
A situação transitória corresponde a situações temporárias previsı́veis, como
sejam o perı́odo de construção ou de reparação da estrutura.
A situação acidental corresponde à exposição a eventos extraordinários,
como sejam incêndios e explosões. Por último, a situação sı́smica corresponde
à ocorrência de um sismo.
Note-se que, embora a estrutura esteja sempre exposta à situação de pro-
jecto persistente, e quase todas as estruturas estejam sujeitas a situações tran-
sitórias, a vasta maioria das estruturas não estará sujeita a situações acidentais
ou sı́smicas.
A probabilidade de ocorrência de cada uma destas situações é diferente,
donde o valor das acções a considerar deve ser mais alto para as mais prováveis
e prolongadas no tempo e menor para as mais raras e que ocorrem durante
menos tempo.

Estados limite últimos


Os estados limite últimos correspondem a situações em que a segurança de
pessoas ou da estrutura está em causa. Em alguns casos, a segurança do
conteúdo da estrutura, quando este é extremamente valioso ou perigoso, pode
ser analisado como um estado limite último (e.g., centrais nucleares).
Os estados limite últimos a considerar são:

• perda de equilı́brio (EQU);

• falha por rotura de elementos, deformação excessiva, formação de mecan-


ismos ou perda de estabilidade de elementos estruturais (STR) ou terreno
(GEO);

• fadiga (FAT).

Entende-se por perda de equilı́brio situações em que a estrutura ou parte


dela se mova como um corpo rı́gido. Este é um modo de rotura comum em
algumas estruturas de fundação, assim como em paredes de alvenaria.
A rotura de elementos dá-se quando, para elementos pouco dúcteis, quando
se atinge as tensões resistentes. A formação de mecanismos é outro modo de
rotura, comum em estruturas dúcteis, e ocorre quando a resistência de um
número suficiente de secções é atingida, transformado a estrutura numa estru-
tura hipo-estática. A perda de estabilidade está associada a pontos de equilı́brio
instável provocados, entre outros, por encurvadura de elementos ou partes da
estrutura. A rotura por deformação excessiva ocorre quando, por efeito da sua
deformação, um elemento perde o contacto com um dos apoios. A fadiga ocorre

30
quando um elemento é sujeito a tensões próximas da tensão resistente, ciclica-
mente. Por acumulação de dano, e ao fim de um grande número de ciclos, a
rotura pode ocorrer para tensões inferiores à tensão resistente inicial.

Estados limite de utilização


Os estados limite de utilização (ELUt) correspondem a situações em que está
em causa:

• o funcionamento da estrutura numa situação de uso normal

• conforto dos utilizadores

• aparência da estrutura

• durabilidade

Os estados limite de utilização incluem a limitação de três aspectos funda-


mentais: deformações, vibrações e danos, incluindo fendilhação.
Os estados limite de serviço podem ser divididos em três classes:

• estados cuja violação não é aceitável;

• violação é aceitável durante um perı́odo de tempo definido e com uma


frequência definida

• violação é aceitável durante um perı́odo de tempo relativamente longo


definido.

O Eurocódigo não apresenta, com a excepção dos estados limite de fendilhação,


limites para estes estados, devendo estes ser definidos pelo dono de obra.

4.6 Coeficientes parciais de segurança


Os métodos modernos de verificação da segurança estrutural baseiam-se na
utilização dos denominados coeficientes parciais de segurança. De acordo com
este método, uma estrutura é considerada suficientemente segura se o estado
limite não for ultrapassado considerando valores de dimensionamento para as
propriedades geométricas, acções relevantes e propriedades dos materiais e ele-
mentos estruturais. Assim. é verificada a segurança se:

Rd ≥ Sd (4.1)

onde Rd é a resistência calculada com base em valores de dimensionamento, e


Sd é o efeito das acções de dimensionamento.
A verificação a cada estado limite deve ser realizada para cada situação de
projecto condicionante, assim como para os casos de carga crı́ticas.
Um caso de carga é composto por uma combinação de acções que se con-
sidera razoável actuarem em conjunto, como se verá à frente.

31
Valores de dimensionamento
Os valores de dimensionamento são definidos como valores pessimistas de cada
parâmetro da estrutura, escolhidos de modo a garantir uma probabilidade de
falha suficientemente baixa.

Propriedades de materiais e elementos


De acordo com o EC0[1], o valor de dimensionamento da resistência e do efeito
das acções pode ser calculado baseado em metodologia correntes, como sejam
a limitação de tensões de acordo com a resistência dos materiais (no caso das
resistências) ou cálculo de esforços seguindo uma análise elástica linear, desde
que todas as propriedades sejam consideradas através dos seus valores de di-
mensionamento.
Assim, dada propriedade, Xd , é calculada a partir de um valor caracterı́stico
ou nominal, Xk , afectado ou não de um coeficiente de segurança. No caso de
propriedades dos materiais e dos elementos, considera-se o valor caracterı́stico
cuja probabilidade de ser excedido é igual a 5%, como se representa na Figura
4.1. No caso de propriedades que variam muito pouco, como sejam as dimensões
ou o módulo de elasticidade, pode considerar-se o valor nominal, ou seja, o valor
definido em projecto. Este, em geral, corresponde ao valor médio.
Para as acções, o valor de dimensionamento corresponde, em geral, ao per-
centil 98% para um perı́odo de referência de um ano. Isto corresponde a um
perı́odo de retorno de 50 anos ou, por outras palavras, é equivalente a dizer
que os valores nominais das acções são os maiores valores esperados durante
um perı́odo de 50 anos.
Para as propriedades em que é claro que uma variação provoca uma diminuição
ou aumento da segurança, a propriedade deve ser afectada de um coeficiente
de segurança, γm . Este é o caso, por exemplo, da tensão de cedência do aço ou
da resistência à compressão do betão. Propriedades cujo efeito na resistência
da estrutura não é clara, como seja o módulo de elasticidade, tradicionalmente
não se utilizam coeficientes parciais de segurança. No entanto, quando se avalia

0.12

0.10

0.08
Probabiidade

0.06

0.04 Tensão
Característica

0.02

0.00
10 20 30 40
Tensão resistente

Figura 4.1:

32
a resistência à encurvadura, e outras formas de colapso por instabilidade, os
valores considerados para o módulo de elasticidade devem ser os valores carac-
terı́sticos, minorados por coeficientes parciais de segurança, já que, neste caso
especı́fico, o módulo de elasticidade afecta muito claramente a resistência do
elemento.
Por último, é necessário, em alguns casos, incluir o efeito do volume, escala,
humidade e duração das cargas. Isto é feito através de uma parâmetro η, na
forma:

Xk
Xd = η (4.2)
γm
Com efeito, em materiais frágeis, como seja a madeira e o vidro, a falha
de um elemento ocorre em torno do maior defeito. Por exemplo, sabemos que
um vidro que tem uma fissura ou um risco tem uma resistência substancial-
mente menor, e a rotura se inicia nesse defeito. Quanto maior for o elemento,
maior a probabilidade de existir um defeito significativo e, como tal, menor é
a resistência.
A humidade e a duração das cargas afecta a resistência da madeira, como
pode ser comprovado carregando uma estante com livros. Ao longo do tempo
as deformações das prateleiras aumentam, eventualmente levando ao colapso.
Todos estes fenómenos sao incluı́dos no parâmetro η.

Propriedades geométricas
As propriedades geométricas variam, em geral, relativamente pouco. Como
resultado, estas podem ser consideradas como definidas pelo seu valor nominal,
como definido em projecto.

Acções
As acções incluem todas as forças, pressões ou deslocamentos impostos que
possam ser aplicados à estrutura, quer por causas naturais, quer pelo homem.
Assim, são propriedades que são estocásticas, já que é impossı́vel prever a
máxima velocidade do vento, ou a máxima altura de neve sobre um edifı́cio
nos próximos 50 anos.
As acções são, à excepção das acções sı́smicas, definidas no Eurocódigo 1,
organizado nas seguintes partes:

• Parte 1-1: Acções gerais: Pesos volúmicos, pesos próprios, sobrecargas


em edifı́cios

• Parte 1-2: Acções gerais: Acções em estruturas expostas ao fogo

• Parte 1-3: Acções gerais: Acções da neve

• Parte 1-4: Acções gerais: Acções do vento

• Parte 1-5: Acções gerais: Acções térmicas

• Parte 1-6: Acções gerais: Acções durante a execução

• Parte 1-7: Acções gerais: Acções acidentais

33
• Parte 2: Acções de tráfego em pontes
• Parte 3: Acções induzidas por guindastes e máquinas
• Parte 4: Acções em silos e tanques

Acções permanentes As acções permanentes, referidas pela letra G, variam


muito pouco no tempo e podem, em geral, ser bem aferidas, com base nas
propriedades geométricas das estruturas e na densidade dos materiais usados.
Assim, em geral, podemos dizer que o valor que caracteriza as acções perma-
nentes é o valor nominal. Se as cargas permanentes, ou uma parcela destas,
apresentar grande dispersão ou quando a estrutura for particularmente sensı́vel
a variações da carga permanente, então deve considerar-se os percentis de 5%
e 95%, conforme a carga permanente seja favorável ou desfavorável. Por out-
ras palavras, o valor mais desfavorável com uma probabilidade de 5% de ser
ultrapassado.
Assim, as acções permanentes incluem o peso próprio da estrutura, mas
também:
• elementos não estruturais:
– revestimentos de coberturas;
– acabamentos de superfı́cie e recobrimentos;
– divisórias e materiais de revestimento;
– corrimãos, guardas de segurança, guarda-corpos e lancis;
– revestimentos de paredes;
– tectos falsos;
– isolamento térmico;
– equipamentos de pontes;
• equipamentos fixos:
– equipamentos para elevadores e escadas rolantes;
– equipamentos de aquecimento, ventilação e ar condicionado;
– equipamentos eléctricos;
– condutas sem o respectivo conteúdo;
– redes e condutas de cabos.
As cargas devidas a divisórias amovı́veis devem ser consideradas como so-
brecargas.

Acções variáveis As acções variáveis são bastante mais difı́ceis de prever


que as acções permanentes. Assim, torna-se necessário considerar a sua vari-
abilidade no dimensionamento estrutural.
Em termos de acções associadas a efeitos ambientais, como sejam o vento e
a neve, existem longos registos, que permitem definir distribuições adequadas
de probabilidade e a definição de valores caracterı́sticos, em geral com uma
probabilidade de não serem excedidos de 98% ao longo de um ano.
Para outras acções, como seja o peso de ocupantes em edifı́cios, não é
possı́vel recolher dados estatı́sticos relevantes, donde é definido um valor nom-
inal, que tenta aproximar-se da metodologia definida para acções ambientais.

34
Acções acidentais As acções acidentais correspondem a fenómenos que não
se espera que a estrutura seja sujeita, como sejam impactos ou explosões. Como
resultado, estas acções são extremamente difı́ceis de quantificar. Em geral,
são definidos valores de dimensionamento com uma probabilidade de serem
excedidos de 10−4 .

Exemplo
Considere um tirante traccionado, como o representado na Figura 4.2. Con-
sidere que a tensão resistente tem uma distribuição normal com média 500MPa
e desvio padrão igual a 50MPa e a área da secção transversal tem um valor
nominal de 5cm2 . Considere que a força aplicada tem uma distribuição nor-
mal com média 80kN e desvio padrão 32kN. Assuma um coeficiente parcial de
segurança de 1.1 para a tensão resistente e 1.5 para a força.

Figura 4.2:

Sabendo que os valores caracterı́sticos correspondem ao percentil 98% para


as acções e 5% para as resistências, podemos concluir que os valores carac-
terı́sticos das duas grandezas são:

P (σ < σk ) = 0.05 → fk = 417.76M P a (4.3)

P (F < Fk ) = 0.98 → Fk = 145.7kN (4.4)


onde σk e Fk são os valores caracterı́sticos da tensão resistente e da força
actuante, respectivamente.
Assim, a estrutura é segura se:

Rd ≥ Sd ⇔ A × σd ≥ Fd (4.5)
Considerando os valores dos coeficientes de segurança dados, temos:

σk
Rd ≥ Sd ⇔ A × ≥ Fk × 1.5 ⇔ 189.9kN ≥ 218.58kN (4.6)
1.1
Donde se conclui que a segurança não é verificada.
Como se pode concluir da equação 4.6, os dois lados da inequação são rela-
tivamente próximos, e portanto se a resistência ou a área do tirante fossem um
pouco maiores, já se verificaria a segurança. Apenas como exemplo, vejamos o
que acontece se compararmos os valores médios.

Rm ≥ Sm ⇔ A × σm ≥ Fm (4.7)
Substituindo pelos valores dados acima, temos:

Rm ≥ Sm ⇔ 250 ≥ 80 (4.8)

35
Ou seja, embora a resistência média seja 3 vezes superior à força actu-
ante média, a segurança não é verificada, já que a probabilidade de rotura é
demasiado elevada, como traduzido, indirectamente, na equação 4.6.
Esta relação é aproximadamente constante em todas as estruturas de engen-
haria civil, sendo maior quando a incerteza nas grandezas em jogo é maior (e.g.,
estruturas geotécnicas). Assim se compreende que o colapso de estruturas seja
tão raro, e quase sempre associado a erros graves, mais do que acções maiores
que o esperado.

Valores representativos das acções


Os valores caracterı́sticos ou nominais descritos acima referem-se ao valor de
uma acção com uma probabilidade de 98% de não ser ultrapassada durante um
determinado perı́odo. Em algumas situações, como veremos adiante, é impor-
tante saber qual o valor das acções variáveis que é excedido apenas durante um
intervalo de tempo (e.g., metade da vida da estrutura, uma semana, ...).
De acordo com a metodologia proposta no EC0, estes podem ser obtidos
multiplicando os valores nominais das acções variáveis, Qk , por coeficientes de
redução, Ψ.
Na Figure 4.3 é representado o valor de uma acção genérica evoluindo ao
longo do tempo. Na figura podemos ver que, ao longo da vida útil da estrutura,
há significativas variações da intensidade da acção. A partir desta evolução
é possı́vel definir valores caracterı́sticos, de combinação, frequentes e quase-
permanentes, em função da fracção da vida útil em que são excedidos.

Valor de combinação
O valor de combinação Ψ0 Qk é utilizado na combinação de acções e para a
verificação de estados limite de serviço irreversı́veis. O valor de Ψ0 é definido de
modo a que a probabilidade de ocorrer Q1, k+ψ0 Q2, k seja igual à probabilidade
de ocorrer Q1, k.

Qk Valor caracterı́stico
Ψ0 Qk Valor de combinação
Ψ1 Qk Valor frequente

Ψ2 Qk Valor quase permanente

Vida útil
Figura 4.3:

36
Valor frequente
O valor frequente é dado pelo produto Ψ1 Qk e é utilizado para a verificação
a situações acidentais e de estados limite reversı́veis. É definido de modo a
que só seja excedido durante uma pequena parte da vida da estrutura. Para
edifı́cios, considera-se que o valor Ψ1 Qk só é excedido em 1% da vida útil da
estrutura. No caso de pontes é o valor que, em média, é excedido uma vez por
semana, ou seja, o valor com um perı́odo de retorno de uma semana.

Valor quase-permanente
O valor quase-permanente Ψ2 Qk é utilizado na verificação a acções acidentais,
sismos, e estados limite de serviço reversiveis. Pode ainda ser utilizado na
quantificação de efeitos de longo prazo, como seja a fluência. Corresponde a
um valor que é excedido durante uma parte significativa da vida da estrutura.
No caso de edifı́cios corresponde ao valor que é excedido durante 50% da vida
da estrutura.
Os valores definidos no EC0 para os coeficientes de redução são apresentados
na Tabela 4.3. Note-se que estes são os valores sugeridos pelo EC0, podendo
ser alterados pelos respectivos anexos nacionais.

Tabela 4.3: Coeficientes de redução das acções


Uso Ψ0 Ψ1 Ψ2
Sobrecargas em edifı́cios
Categoria A : áreas domésticas 0,7 0,5 0,3
Categoria B : escritórios 0,7 0,5 0,3
Categoria C : zonas concentração de 0,7 0,7 0,6
pessoas
Categoria D : zonas comerciais 0,7 0,7 0,6
Categoria E : zonas de armazenagem 1,0 0,9 0,8
Categoria F : zonas de passagem 0,7 0,7 0,6
veı́culos com peso inferior a 30kN
Categoria F : zonas de passagem 0,7 0,5 0,3
veı́culos com peso ≥ 30kN e ≤ 160kN
Categoria H : Coberturas 0 0 0
Acção da neve
Filândia, Islândia, Noruega, Suécia 0,70 0,50 0,20
Outros paı́ses acima do 1000m 0,70 0,50 0,20
Outros paı́ses abaixo do 1000m 0,50 0,20 0
Vento 0,6 0,2 0
Temperatura 0,6 0,5 0

Embora os valores apresentados na Tabela 4.3 sejam difı́ceis de definir, uma


análise cuidada mostra que são relativamente intuitivos. Considere-se, por ex-
emplo, as áreas da categoria E (zonas de armazenagem). Neste tipo de áreas,
os carregamentos são muito altos durante quase toda a vida da estrutura. As-
sim, temos valores dos coeficientes de redução próximos de 1, representado um
carregamento homogéneo ao longo do tempo. No caso de acções climatéricas
(vento e neve) temos valores de Ψ2 iguais a 0, indicando que durante 50% da
vida da estrutura não há carregamentos da neve ou do vento significativos. No

37
entanto, em paı́ses com climas muito mais frios (e.g., Suécia) o valor de Ψ2 é
diferente de zero para a neve, já que há neve durante mais de metade do ano.

4.7 Combinações de acções


Ao longo da sua vida uma estrutura está sujeita a um conjunto de acções
que incluem o peso próprio, a sobrecarga de utilização, o vento, a neve, e
eventualmente, sismos e acções acidentais.
Embora todas estas acções possam ocorrer, e tenham um valor máximo
expectável definido acima, não é razoável considerar que todas vão atingir o
seu valor máximo simultaneamente.
Assim, a metodologia definida no EC0 baseia-se nos seguintes princı́pios:

• as acções permanentes estão sempre presentes;

• uma das acções variáveis, acidentais, ou sismo é definida como acção


principal

• a acção principal toma o valor máximo expectável

• todas as outras acções que possam existir são consideradas com valores
reduzidos

• os valores a considerar devem ser os mais desfavoráveis

Devemos definir combinações de acções em função dos custos associados


à violação do estado limite em questão. Assim, para estados limite últimos
devemos ter uma combinação de acções que tenha uma probabilidade de ser
excedida muito baixa. Como resultado, estaremos a dimensionar a resistência
da estrutura para valores bastante acima daqueles que, provavelmente, serão
observados. Como resultado, durante a vida da estrutura, a probabilidade das
acções actuantes ser maior que a resistência assim determinada é extremamente
baixa, como é desejável para situações com custos muito altos como o colapso
da estrutura. Para estados limite de serviço essa probabilidade pode ser sig-
nificativamente mais alta, dependendo das consequências de violação. Com
efeito, os custos associados a deformação ou fendilhação excessiva são muito
mais baixos, e uma probabilidade mais alta de ocorrência é aceitável.

estados limite últimos


Para situações persistentes ou transitórias, a combinação de acções a consid-
erar para estados limite últimos depende do tipo de estado limite (equilı́brio,
elementos estruturais, solos). Quando se verifica a segurança de elementos
estruturais (STR), a combinação é dada por:
X
Sd = γG Gk + γQ,1 Qk,1 + γQ,i Ψ0,i Qk,i (4.9)
i>1

onde Sd é o valor de dimensionamento, Q1 é a acção variável de base, e as


acções Qi são as outras acções variáveis. γG , γQ,1 e γQ,i são os coeficientes de
segurança associados às acções permanentes, acção de base e outras variáveis,
Gk é o valor caracterı́stico ou nominal da acção permanente, Qk,1 é o valor

38
caracterı́stico da acção de base e Qk,i o valor caracterı́stico de cada uma das
outras acções. Ψ0,i representa o coeficiente de redução associado ao valor de
combinação para a acção i.
Esta combinação deve ser repetida considerando cada acção variável rele-
vante como acção de base, permitindo assim simular as situações mais gravosas.
Assim, quando se considera a acção de base o vento, tentamos modelar o maior
vendaval expectável para a estrutura, quando a acção de base é a neve, mod-
elamos o maior nevão. Finalmente, no caso da sobrecarga, a sua consideração
como acção de base pode corresponder a situações de remodelações em áreas de
habitação (em que todo o mobiliário é colocado numa área limitada), situações
de concentração grande de pessoas (áreas de reunião) ou de veı́culos (pontes).
Os coeficientes de segurança a considerar dependem se a acção é favorável
(i.e., a sua existência aumenta a segurança da estrutura) ou desfavorável (i.e.,
a sua existência diminui a segurança da estrutura). Os valores definidos no
EC0 são apresentados na Tabela 4.4.
Note-se que o valor do coeficiente de segurança para acções variáveis fa-
voráveis é nulo. Na prática, isto quer dizer que apenas se devem considerar as
acções variáveis que conduzam a uma redução da segurança. Se isto não fosse
considerado, terı́amos estruturas que só eram seguras quando estivesse vento
ou nevasse.
Para estados limite de equilı́brio, a combinação de acções é feita com base na
mesma equação, mas com os coeficientes de segurança das acções permanentes
dados na Tabela 4.5.
Quando a verificação de equilı́brio também envolve a verificação da re-
sistência de elementos estruturais pode verificar-se o equilı́brio considerando
quer os coeficientes de segurança apresentados na Tabela 4.5 quer os descritos
na Tabela 4.4. Alternativamente, pode considerar-se a verificação de equilı́brio
considerando γGj,sup = 1, 35, γGj,inf = 1, 15, γQ,i = 1, 50 se desfavorável e 0 se
favorável, desde que considerar o coeficiente de segurança das acções perma-
nentes igual a 1 não leve a resultados mais desfavoráveis.
Para situações acidentais a combinação é substancialmente diferente, na
forma:
X
Sd = Gk + Asd + (Ψ1,1 ou Ψ2,1 )Qk,1 + Ψ2,i Qk,i (4.10)
i>1

Tabela 4.4: Coeficientes de segurança das acções

Acção Favorável Desfavorável


Permanente γG = 1 γG = 1.35
Variável γQ = 0 γQ = 1.5

Tabela 4.5: Coeficientes de segurança das acções

Acção Favorávels Desfavorável


Permanente γG = 0.9 γG = 1.1

39
em que Asd representa o valor de dimensionamento da acção acidental.
Para a situação de sismo, deve considerar-se:
X
Sd = Gk + Esd + Ψ2,i Qk,i (4.11)
i≥1

Note-se que as duas últimas combinações não consideram coeficientes de se-


gurança. Com efeito, a intensidade destas acções é tão grande, que se deve con-
siderar que, caso ocorram, existirão danos. Por outro lado, as acções variáveis
estão associadas a um coeficiente de redução menor. Com efeito, como estas
acções são extremamente rápidas (um sismo dura segundos, enquanto uma a
acção de um nevão pode durar uma semana), não é expectável que as acções
variáveis tenham valores próximos dos máximos.
Mais ainda, como estas acções são extremamente raras, é aceitável uma
probabilidade de colapso maior, no caso de ocorrência.

Combinações para estados limite de serviço


Em termos de estados limite de serviço são definidas três combinações difer-
entes, com diferentes probabilidades de ocorrência. Quanto mais grave for a vi-
olação do estado limite de serviço, menor deve ser a probabilidade de ocorrência
e, como tal, maior o valor das acções a considerar.
Assim, devemos considerar:

Combinação caracterı́stica
X X
Ed = Gk,j + P + Qk,1 + Ψ0,i Qk,i (4.12)
i>1

Combinação frequentes
X X
Ed = Gk,j + P + Ψ1,1 Qk,1 + Ψ2,i Qk,i (4.13)
i>1

Combinação quase permanente


X X
Ed = Gk,j + P + Ψ2,i Qk,i (4.14)
≥1

A combinação caracterı́stica é utilizada na verificação de estados limite de


utilização irreversı́veis. A combinação frequente é utilizada para a verificação
de ELUt reversı́veis, enquanto a combinação quase-permanente é utilizada para
a quantificação de efeitos de longo prazo ou quando estão em jogo questões de
aspecto da estrutura.

40
Capı́tulo 5

Acções permanentes e sobrecarga

5.1 Introdução
As acções permanentes e as sobrecargas são, para grande parte das estruturas,
as acções mais condicionantes. As acções permanentes incluem, não só o peso
próprio da estrutura, mas o peso de todos os equipamentos e materiais presentes
na estrutura com carácter permanente. A sobrecarga, por seu lado, modela o
peso de pessoas e bens que estão associados ao uso da estrutura, nomeadamente
mobiliário, equipamento não permanente, elementos não estruturais (paredes
divisórias e revestimentos) e veı́culos.

5.2 Acções permanentes


Em termos de acções permanentes há a considerar o peso próprio da estru-
tura e o peso de elementos não estruturais. O peso próprio compreende todos
os elementos estruturais, incluindo vigas, pilares, lajes e fundações. O peso
próprio pode ser calculado como o produto do volume pelo seu peso especı́fico
(frequentemente denominado, nos Eurocódigo, densidade):

G=Ω×γ (5.1)
onde G representa o peso próprio, Ω representa o volume, e γ representa o peso
especı́fico.
Em geral, o peso próprio pode ser modelado como uma força uniformemente
distribuı́da ao longo de:

• uma linha, para elementos lineares (e.g.,vigas, pilares ou cabos)

• uma área, para elementos bi-dimensionais (e.g., lajes)

• um volume, para elementos tri-dimensionais (e.g., solos)

O peso próprio é, em geral, classificado como uma acção permanente fixa, o
que quer dizer que sabendo o seu valor num ponto, podemos determinar o seu
valor em todos os outros. Neste sentido, o peso próprio da estrutura pode ser

41
afectado do mesmo coeficiente de segurança ao longo da estrutura, não sendo
necessário considerar alternância de carregamentos.
Embora o peso próprio varie relativamente pouco, deve, contudo, ser con-
siderado uma como uma variável aleatória. Na realidade, quer o volume, Ω,
quer o peso especı́fico, γ, apresentam alguma variabilidade, como se apresenta
na Tabela 5.1.
Os dados apresentados mostram que o aço tende a apresentar pequena vari-
abilidade, que aumenta para o betão e para as alvenarias. A madeira apresenta
uma maior variabilidade, já que as suas propriedades variam de elemento para
elemento, mas também ao longo do tempo, como consequência das variações
de teor em humidade.
Estes valores devem, no entanto, ser considerados indicativos, já que para
alguns materiais, os desvios nas dimensões são independentes das dimensões
do elemento. Assim, o coeficiente de variação tende a descer com o aumento
das dimensões dos elementos
O peso dos elementos não estruturais podem ser calculados com base em
informação de fabricantes ou fornecedores. As Tabelas Técnicas possuem uma
compilação extensiva deste tipo de informação.
Note-se que o peso de elementos não estruturais deve ser considerada uma
acção livre, no sentido em que pode variar significativamente de ponto para
ponto. Assim, os coeficientes de segurança para esta acção devem ser diferentes,
caso a acção seja favorável ou desfavorável.
O peso de paredes divisórias deve ser modelado como uma força distribuı́da
ao longo do ser desenvolvimento em planta. No entanto, para as paredes interi-
ores é comum, em Portugal, modelar o seu peso como uma força uniformemente
distribuı́da em planta, igual a 0.3 ou 0.4 do peso de um metro linear de parede,
conforme se trate de área de escritórios ou habitação, respectivamente.

5.3 Sobrecarga
A sobrecarga é uma acção que modela o peso de pessoas e equipamentos asso-
ciados à utilização da estrutura, nomeadamente peso de ocupantes, mobiliário,
equipamento móvel, veı́culos e produtos armazenados. Estes valores são ex-
traordinariamente difı́ceis de prever, já que dependem da utilização do espaço,
variam fortemente de estrutura para estrutura, e a recolha de dados estatı́sticos
significativos é muito complexa. Com efeito, se numa ponte é possı́vel pesar
os veı́culos que a atravessam, num edifı́cio é impossı́vel pesar mobiliário e uti-
lizadores.

Tabela 5.1: Coeficiente de variação do volume e densidade de diferentes mate-


riais estruturais
Material Volume Peso especı́fico Peso próprio
Aço Estruturala 0.03 0.01 0.031
Betãob 0.02 0.04 0.031
Alvenaria 0.04 0.05 0.080
Madeirac 0.01 0.10 0.10
a b c
Aço estrutural enformado a frio, laje com 300mm de espessura, viga com
200mm de espessura.

42
Assim, é necessário utilizar modelos simplificados, que o tempo tem demon-
strado serem adequados. Estas dificuldades resultam em valores para as as
sobrecargas que variam significativamente de paı́s para paı́s.
Em geral a sobrecarga pode ser definida como uma força uniformemente dis-
tribuı́da em planta, excepto em pontes, onde os modelos são significativamente
mais complexos.
Em termos de sobrecargas, os edifı́cios são divididos em classes, em função
da utilização prevista, como se apresenta na Tabela 5.2.
Para cada uma destas utilizações, o Eurocódigo sugere uma gama de val-
ores aceitáveis da sobrecarga. Em Portugal, na elaboração do Anexo Nacional,
tentou-se que os valores da sobrecarga fossem tão próximos dos valores utiliza-
dos no anterior Regulamento de Segurança e Acções quanto possı́vel. Assim,
os valores da sobrecarga definidos para cada utilização são os apresentados
na Tabela 5.3. Nesta tabela são apresentados dois valores da sobrecarga, um
correspondente a uma carga uniformemente distribuı́da (normalmente condi-
cionante) e uma carga concentrada, que é significativa para a verificação da
segurança de elementos de pequenas dimensões.
As sobrecargas são consideradas acções livres, donde podem estar ou não
presentes em qualquer ponto da estrutura. Assim, devemos considerar a so-
brecarga majorada onde for desfavorável, e não devemos considerar onde for
favorável, para determinado estado limite.
O valor da sobrecarga tende a diminuir, em edifı́cios, com o aumento da
área ocupada. Com efeito, não é expectável que uma sala com o dobro da
área tenha o dobro dos ocupantes. Esta variação é considerada no Eurocódigo
definindo um coeficiente de redução associado à carga, na forma:
A 5
αA = + Ψ0 ≤ 1 (5.2)
A0 7
onde A0 é uma área de referência, igual a 10m2 , e A é a área de influência do el-
emento em análise. Esta redução apenas deve ser considerada para pavimentos
com uma utilização das classes A a D.
Por outro lado, quando temos edifı́cios altos, não é expectável que todos
os pisos estejam carregados com a máxima sobrecarga simultaneamente. As-
sim, para elementos verticais (pilares e paredes resistente) em que descarregam
vários pisos, o Eurocódigo considera um factor de redução com o número de
pisos dado por:
n−2
αn = 2 + Ψ0 (5.3)
n
em que n é o número de pisos. Esta redução corresponde a considerar que dois
dos pisos estão sujeitos à sobrecarga regulamentar, enquanto todos os outros
estão sujeitos ao valor de combinação desta acção. Também esta redução só
pode ser aplicada a pisos com utilização das classes A a D.
Ambas as reduções só podem ser utilizadas quando a acção de base é a
sobrecarga, e não podem ser aplicadas simultaneamente.

43
Tabela 5.2: Categorias de utilização
Categoria Utilização Exemplos
A Actividades Salas em edifı́cios de habitação; quartos e
domésticas e enfermarias de hospitais; quartos de hotéis,
residenciais cozinhas e lavabos.
B Escritórios
C1: Zonas com mesas, etc.; por exemplo,
em escolas, cafés, restaurantes, salões de
jantar, salas de leitura, recepções.
C2: Zonas com assentos fixos; por exem-
plo, em igrejas, teatros ou cinemas, salas
de conferências, salas de aulas, salas de re-
união, salas de espera.
C Locais de reunião C3: Zonas sem obstáculos para a movi-
(com excepção mentação de pessoas; por exemplo, em
das utilizações museus, salas de exposição, etc. e em aces-
correspondentes às sos de edifı́cios públicos e administrativos,
categorias A, B e hotéis, hospitais, e em átrios de entrada de
D) estações de comboio.
C4: Zonas em que são possı́veis activi-
dades fı́sicas; por exemplo, salões de dança,
ginásios, palcos.
C5: Zonas de possı́vel acolhimento de mul-
tidões; por exemplo, edifı́cios para even-
tos públicos, tais como salas de concer-
tos, salas para actividades desportivas in-
cluindo bancadas, terraços e zonas de
acesso; plataformas ferroviárias.
D Actividades comer- D1: Zonas de lojas em geral.
ciais
D2: Zonas de grandes armazéns.
E1 Locais susceptı́veis
de acumulação
de mercadorias,
incluindo zonas de
acesso Zonas de
armazenamento,
incluindo livros e
outros documentos
E2 Actividades indus-
triais
F Locais de cir- Garagens; zonas de estacionamento; zonas
culação e de de estacionamento em altura
estacionamento
para veı́culos
ligeiros
G Locais de cir- Vias de acesso; zonas de carga e descarga;
culação e de zonas acessı́veis a veı́culos de bombeiros
estacionamento
para veı́culos
médios (

44
Tabela 5.3: Valores da sobrecarga de acordo com o Anexo Nacional

Categorias de zonas carregadas qk Qk


[kN/m2 ] [kN ]
Pavimentos
Categoria A 2.0 2.0
Categoria B 3.0 4.0
Categoria C
C1 3.0 4.0
C2 4.0 4.0
C3 5.0 4.0
C4 5.0 7.0
C5 6.0 4.5
Categoria D
D1 4.0 4.0
D2 5.0 6.0
Varandas Ver a Nota 1 Ver a Nota 3
Escadas Ver a Nota 2 Ver a Nota 3
Categoria F 2.5 5.0
Categoria G 15 75
NOTA 1: Deve adoptar-se uma sobrecarga uniformemente distribuı́da idêntica
à do pavimento adjacente, com um mı́nimo de 5,0 kN/m2 numa faixa de 1 m
de largura adjacente ao parapeito. NOTA 2: Deve adoptar-se uma sobrecarga
uniformemente distribuı́da idêntica à do pavimento adjacente, com um mı́nimo
de 3,0 kN/m2. NOTA 3: Deve adoptar-se uma sobrecarga concentrada idêntica
à do pavimento adjacente.

45
Capı́tulo 6

Acção do vento

6.1 Introdução
Nesta nota serão descritas as metodologias fundamentais para a definição da
acção do vento em estruturas, com particular ênfase na norma EN 1991-1-4
(EC1-4). Esta norma apresenta linhas de orientação para a determinação das
acções naturais do vento para o projecto estrutural de edifı́cios e de obras de
engenharia civil. Tal inclui a totalidade ou partes da estrutura ou elementos lig-
ados à estrutura, como, por exemplo, componentes, elementos de revestimento
e respectivas ligações, assim como guardas de segurança e barreiras anti-ruı́do.
Esta parte do EC1 aplica-se a:

• Edifı́cios e obras de engenharia civil com alturas inferiores a 200m

• Pontes com vãos inferiores a 200m

O efeito do vento em estruturas é uma questão relativamente complexa por


vários motivos. Em primeiro lugar, a velocidade do vento varia fortemente,
quer temporalmente, quer espacialmente. Por outro, em algumas estruturas, a
acção do vento interage com a estrutura, provocando movimentos vibratórios
que evoluem ao longo do tempo.

6.2 Métodos de análise


A interacção do vento com as estruturas pode ser muito complexa, formando
movimentos de ar e consequentemente variações de pressão que são extrema-
mente difı́ceis de prever. Verifica-se que, para estruturas flexı́veis, estas variações
de velocidade podem interagir com a estrutura, causando vibrações muito sig-
nificativas. Para estruturas mais rı́gidas, o vento funciona como uma acção
estática, bastante mais simples de analisar.
Em função do tipo de estrutura podemos dividir a acção do vento em:

• quase-estática - frequência da estrutura muito alta

• dinâmica - estrutura em ressonância com a turbulência ou rajadas de


vento

47
• aero-elástica - movimento da estrutura interage com vento

O primeiro corresponde a situações em que não há interacção entre a vi-


bração da estrutura e do vento. Efectivamente, para edifı́cios baixos ou estru-
turas muito rı́gidas, a frequência de vibração da estrutura está muito acima da
do vento e, consequentemente, este não provoca vibrações significativas. Neste
caso podemos considerar que a acção do vento é equivalente a uma força ou
pressão estática.
No segundo caso, a estrutura tem uma frequência mais baixa, que está mais
próxima da frequência de libertação de vórtices ou das rajadas de vento. O
terceiro caso é claramente o mais complexo, já que os movimentos da estrutura
são muito significativos e alteram o movimento do ar. Assim, o vento e a
estrutura interagem resultando em fenómenos de vibração complexos. Esta
análise apenas é significativa para estruturas muito flexı́veis, como sejam pontes
suspensas, estruturas esbeltas ou asas de aviões.
Nestas notas, dar-se-á particular ênfase ao comportamento quase-estático.

6.3 Acção do vento sobre estruturas


Na situação quase-estática, a estrutura pode ser considerada como rı́gida e
indeformável.
A partir da equação de Bernoulli, temos:

v2 p
+ h + = Constante (6.1)
2 ρ
onde v é a velocidade do vento, h a altura em relação a um referencial qualquer,
ρ a massa especı́fica, e p a pressão.
Portanto se imaginarmos uma parede infinita, e considerando um ponto
muito afastado da parede e outro muito próximo, temos:

v12 p1 v2 p2
+h+ = 2 +h+ (6.2)
2 ρ 2 ρ
Assumindo que a velocidade junto à parede é nula (ver Figura 6.1), e que
a pressão num ponto distante da parede é nula (na realidade é igual à pressão
atmosférica, e igual para os dois pontos), temos:

v12 p2 1
= ⇒ p2 = v12 ρ (6.3)
2 ρ 2
Assim, se soubermos qual a velocidade do vento, podemos calcular a pressão
na parede definida acima.

6.4 Velocidade do vento


Devido à sua variabilidade no tempo e no espaço, a velocidade do vento pode
ser dividida em duas partes. Um valor médio (vm ) e uma parcela de flutuação
em torno deste, associado a rajadas, como se representa na Figura 6.2.

48
V = v1 v12 p2
V=0 2 = ρ

p = 12 v 2 ρ

Figura 6.1:

Figura 6.2:

Velocidade média do vento


De um modo simples, podemos dizer que a velocidade do vento depende de
factores como:

• região

• época do ano

• direcção do vento (em algumas zonas, é predominante o vento de Norte,


por exemplo)

• altura ao solo

• obstáculos ao vento (outros edifı́cios, construções, obstáculos naturais)

O valor médio da velocidade do vento (vm ) é definido a partir do valor


caracterı́stico da média em 10 minutos, 10 metros acima do solo, em terreno

49
aberto (vb,0 ). Sendo esta uma caracterı́stica metereológica, depende da região
a analisar, e é definida em mapas como o apresentado na Figura 6.3.

Figure 1. Overlook of the European wind map for basic wind velocities v
Figura 6.3: Velocidade média do vento

Em termos de velocidade do vento, o território nacional é dividido em duas


zonas:

• zona A - todo o território, excepto o correspondente à zona B

• zona B - os arquipélagos da Madeira e Açores, zonas a menos de 5km do


mar e zonas com altitude superior a 600m.

A dependência da direcção do vento e da época do ano é dada definindo a


velocidade fundamental do vento como:

vb = cdir · cseason · vb,0 (6.4)


onde cdir é coeficiente que modela a variabilidade em função da direcção e
cseason coeficiente que modela a variabilidade em função da época do ano.
Em geral, podemos considerar que

vb,0 = vb (6.5)
No caso de estruturas em que dada situação de projecto ocorre apenas entre
Maio e Agosto, o coeficiente cseason pode ser reduzido até 0.9.
A velocidade do vento aumenta com a altura ao solo, dependendo ainda dos
obstáculos no terreno. Sabemos que junto ao mar temos, em geral, uma veloci-
dade do vento maior que a escassas centenas de metros, numa zona abrigada
por edifı́cios. Esta variação pode ser considerada através de:

vm (z) = cr (z) · c0 (z) · vb (6.6)

50
em que cr (z) é um coeficiente que define a influência da rugosidade do terreno
e da altura de referência, ze e c0 (z) é coeficiente de orografia (em geral, toma
um valor igual a 1).
O coeficiente de rugosidade cr (z), pode ser dado por:
(  
kr · ln zz0 para zmin ≤ z ≤ zmax
cr (z) = (6.7)
cr (zmin ) para z ≤ zmin
onde z0 é o comprimento de rugosidade, kr é factor de terreno dependente do
comprimento de rugosidade z0 , e zmax é a altura máxima de estruturas às quais
este regulamento é aplicável (zmax = 200m) . O factor de terreno é dado por:
 0.07
z0
kr = 0.19 · (6.8)
z0,II
onde z0,II é o comprimento de rugosidade correspondente ao terreno II (z0,II =
0, 05m) e zmin é a altura mı́nima a considerar para cada tipo de terreno.
Na Figura 6.4 é apresentada a variação da velocidade do vento em altura,
para os diferentes tipos de terreno considerados.
A classificação do terreno em termos de rugosidade pode ser feita com base
nas descrições apresentadas na Tabela 6.1. Nesta tabela é também apresentado
o valor do comprimento de rugosidade z0 e da altura mı́nima, zmin , a considerar.
No entanto, o Anexo Nacional do Eurocódigo substitui esta Tabela pela
Tabela 6.2.

Pressão do vento
Considerando a expressão deduzida em (6.3), a pressão do vento numa parede
infinita, será dada por:

1 2
qm (z) = · ρ · vm (z)
2

25

20

15 Terreno 0
Altura

Terreno I
10
Terreno II

5 Terreno III
Terreno IV
0
0 0.5 1 1.5
Velocidade do vento

Figura 6.4: Variação da velocidade do vento em altura

51
Tabela 6.1: Rugosidade do terreno
Categoria de terreno z0 zmin
0 Zona marı́tima ou costeira exposta ao mar aberto 0,003 1
I Lagos ou zona plana e horizontal com vegetação desprezável e sem 0,01 1
obstáculos
II Zona de vegetação rasteira como erva e obstáculos isolados (árvores, 0,05 2
edifı́cios) com separações de, pelo menos, 20 alturas de obstáculos
III Zona regularmente coberta de vegetação ou de edifı́cios ou com 0,3 5
obstáculos isolados com separações de, no máximo, 20 alturas de
obstáculos (como aldeias, terreno suburbano, floresta permanente)
IV Zona na qual pelo menos 15% da superfı́cie está coberta de edifı́cios 1,0 10
cuja altura média é superior a 15 m
A rugosidade deve ser definida considerando um ângulo de ±15 em torno da direcção do vento
considerada. Em geral, podemos considerar que a zona a considerar é a mesma para todas as
direcções.

Tabela 6.2: Rugosidade do terreno


Categoria de terreno z0 zmin
I Zona marı́tima ou costeira exposta ao mar aberto 0,005 1
II Zona de vegetação rasteira como erva e obstáculos isolados (árvores, 0,05 3
edifı́cios) com separações de, pelo menos, 20 alturas de obstáculos
III Zona regularmente coberta de vegetação ou de edifı́cios ou com 0,3 8
obstáculos isolados com separações de, no máximo, 20 alturas de
obstáculos (como aldeias, terreno suburbano, floresta permanente)
IV Zona na qual pelo menos 15% da superfı́cie está coberta de edifı́cios 1,0 15
cuja altura média é superior a 15 m

52
No entanto, devemos considerar que este valor foi obtido a partir da veloci-
dade média ao longo de 10 minutos. Na realidade, é fundamental calcular a
pressão de pico, no instante em que esta toma o seu valor máximo.
Na Figura 6.2 é apresentado o diagrama de velocidades num dado instante.
Como se pode observar, a velocidade do vento varia substancialmente do valor
médio. Assim deve considerar-se o valor da velocidade do vento associado à
envolvente representada.
O valor da pressão pode ser corrigido para se obter a velocidade de pico em
função da altura z, usando:

2
qp (z) = [1 + 7 · Iv (z)] · 12 · ρ · vm (z) (6.9)
Com a intensidade da turbulência, Iv (z), dada por

kI
para zmin ≤ z ≤ zmax

Iv (z) = c (z) · ln(z/z0 )
 o
Iv (zmin ) para z < zmin
em que kI é o factor de turbulência com valor recomendado 1,0 e co é o factor de
orografia, definido anteriormente como 1,0. Assim, a expressão (6.9) resume-se,
para z ≥ zmin , a:
 
7 2
qp (z) = 1 + · 12 · ρ · vm (z) (6.10)
ln(z/z0 )
Para z < zmin a expressão a utilizar será:
 
7 2
qp (z) = 1 + · 12 · ρ · vm (zmin ) (6.11)
ln(zmin /z0 )

Pressão do vento em estruturas


A resultante da pressão do vento em estruturas ou elementos estruturais pode
ser dado de dois modos diferentes:

• coeficientes de força

• coeficientes de pressão

De acordo com o EC1, devem utilizar-se coeficientes de força para:

• Placas de sinalização

• Elementos estruturais com secção transversal rectangular

• Elementos estruturais com secção com arestas vivas

• Elementos estruturais com secção poligonal regular

• Cilindros circulares

• Esferas

• Estruturas treliçadas e andaimes

53
• Bandeiras

Devem ser determinados coeficientes de pressão para:


• Edifı́cios
• Cilindros circulares
• Coberturas isoladas
• Paredes, parapeitos e vedações autoportantes

No caso de se utilizarem coeficientes de força, a resultante da acção do vento


numa estrutura ou elemento estrutural é dado por:

Fw = cs cd · cf · qp (ze ) · Aref (6.12)


em que cs cd é o factor estrutural, cf é o coeficiente de força para a estrutura ou
o elemento estrutural, qp (ze ) é a pressão dinâmica de pico à altura de referência
ze , e Aref é a área de referência da estrutura ou do elemento estrutural.

Coeficientes de pressão
Alternativamente, a força total pode ser calculada somando as pressões apli-
cadas aos vários elementos da estrutura. Em termos de pressões, há a distinguir
três parcelas:

• pressões exteriores
• pressões interiores
• atrito

As pressões exteriores estão associadas à pressão em superfı́cies exteriores da


estrutura, enquanto as pressões interiores resultam da existência de aberturas
na estrutura.
A resultante de cada uma destas componentes é dada por:
- forças exteriores:
X
Fw,e = cs cd · we · Aref (6.13)
superf icie

- forças interiores:
X
Fw,i = wi · Aref (6.14)
superf icie

- forças de atrito:
Ff r = cf r · qp (ze ) · Af r (6.15)
Os coeficientes de pressão e de força relacionam a pressão num ponto de
uma estrutura especı́fica com o valor de pressão sob condições idênticas, mas
considerando uma parede infinita. Os coeficientes de pressão são definidos

54
Figura 6.5: Convenção de sinais para a pressão do vento

positivos caso se trate de pressão, e negativos caso de trate de sucção, como se


representa na Figura 6.5.
O factor estrutural define o aumento de pressão devido a efeitos de am-
plificação dinâmica. Assim, este factor é igual a 1 quando a estrutura não
apresenta vibrações significativas sob acção do vento, e o vento pode ser anal-
isado de um ponto de vista quase-estático. Segundo o EC1, as estruturas em
que se pode considerar que o factor estrutural é unitário são:

1. edifı́cios de altura inferior a 15 m

2. elementos de fachada e de cobertura com uma frequência própria superior


a 5 Hz

3. edifı́cios porticados com paredes estruturais e altura inferior a 100m e


cuja altura seja inferior a 4 vezes a profundidade na direcção do vento

4. chaminés com secções transversais circulares cuja altura seja inferior a 60


m e 6,5 vezes o diâmetro

Estas estruturas incluem a vasta maioria dos edifı́cios construı́dos em Por-


tugal. Em geral, as estruturas com altura superior a 15 m têm paredes estrutu-
rais, verificando também a relação entre dimensões referidas. No entanto, em
coberturas isoladas pode ser necessário considerar a amplificação dinâmica.

6.5 Acção do vento em edifı́cios


A tı́tulo de exemplo, considere-se a análise de um edifı́cio industrial, rectangular
em planta.
Deve considerar-se que existem pressões exteriores e interiores quer na
fachada, quer na cobertura.

55
Fachadas
Coeficientes de pressão exterior

Em termos de fachada, as estruturas são divididas em três grupos conforme a


relação entre as suas dimensões exteriores, como se apresenta na Figura 6.6.
Para cada uma destas zonas, o coeficiente de pressão exterior a considerar
é apresentado na Tabela 6.3.
Para edifı́cios, o EC1 fornece dois valores para cada coeficiente de pressão,
cpe,10 e cpe,1 . Estes dois valores pretendem quantificar a variabilidade da resul-
tante da pressão do vento em função da área do elemento. Por outras palavras,

Figura 6.6:

Tabela 6.3: Coeficiente de pressão exterior em fachadas de edifı́cios

Zona A B C D E
h/d cpe,10 cpe,1 cpe,10 cpe,1 cpe,10 cpe,1 cpe,10 cpe,1 cpe,10 cpe,1
5 -1,2 -1,4 -0,8 -1,1 -0,5 +0,8 +1,0 -0,7
1 -1,2 -1,4 -0,8 -1,1 -0,5 +0,8 +1,0 -0,5
< 0, 25 -1,2 -1,4 -0,8 -1,1 -0,5 +0,7 +1,0 -0,3

56
como a pressão do vento varia de ponto para ponto, quanto maior for a área
afectada, menor a probabilidade de estar toda sujeita a um valor elevado de
pressão. Assim, o EC1 define que para valores da área inferiores a 1m2 se
deve considerar cpe,1 , enquanto para valores superiores a 10m2 se deve consid-
erar cpe,10 . Como se apresenta na Figura 6.7, para valores intermédios deve
interpolar logaritmicamente, usando:

cpe = cpe,1 − (cpe,1 − cpe,10 )log10 A (6.16)

onde A é a área considerado em metros quadrados.

Variação da velocidade do vento em altura

Como se referiu anteriormente, a velocidade do vento varia em altura. Se, para


edifı́cios relativamente baixos, não faz sentido considerar essa variação, quando
temos estruturas de grande altura não podemos neglegenciar esta questão.
Segundo o EC1 (ver Figura 6.8) temos três situações diferentes. Para
edifı́cios baixos podemos considerar a pressão do vento constante e igual ao
seu valor máximo. Para estruturas mais altas, devemos dividir em duas zonas,
em cada uma das quais se considera o correspondente valor máximo da veloci-
dade do vento. Para estruturas muito altas, devemos dividir em tantas regiões
quantas as necessárias para que os erros não sejam excessivos.

Coberturas planas
Em termos de coberturas planas, devem ser definidas 4 zonas de diferentes
pressões, como se representa na Figura 6.9. No caso de coberturas deve considerar-
se se existem parapeitos ou a arestas arredondadas, já que estas reduzem a
pressão do vento na cobertura, como se pode verificar na Tabela 6.4.
Os valores do coeficiente de pressão a considerar são apresentados na Tabela
6.4.
A falta de correlação das pressões do vento entre o lado de barlavento e o
lado de sotavento pode ser considerada como segue. Para edifı́cios com h/d ≥ 5,
a força resultante é multiplicada por 1. Para edifı́cios com h/d ≤ 1, a força
resultante é multiplicada por 0,85. Para valores intermédios de h/d, pode
efectuar-se uma interpolação linear.

Figura 6.7: Interpolação logarı́tmica para os coeficientes de pressão exterior

57
Figura 6.8: Definição da altura de referência em edifı́cios

Coeficientes de pressão interna


O coeficiente de pressão interna, cpi , depende das dimensões e da distribuição
das aberturas na envolvente do edifı́cio. As aberturas de um edifı́cio incluem
aberturas pequenas como janelas abertas, ventiladores, chaminés, etc. assim
como permeabilidade secundária como, por exemplo, fugas de ar pelas por-
tas, janelas e serviços e através da envolvente do edifı́cio. A permeabilidade
secundária situa-se, tipicamente, entre 0,01% e 0, 1% da área da face.
Deve considerar-se que uma face de um edifı́cio é dominante quando a área
de aberturas nessa face é pelo menos o dobro da área de aberturas e de pas-
sagens nas faces restantes do edifı́cio considerado.

58
]
Figura 6.9: Coeficientes de pressão em coberturas de edifı́cios

Tabela 6.4:
Tipo de cobertura Zona
F G H I
cpe,10 cpe,1 cpe,10 cpe,1 cpe,10 cpe,1 cpe,10 cpe,1
Beirados com aresta viva -1,8 -2,5 -1,2 -2,0 -0,7 -1,2 ±0.2
Com parapeitos hp/h=0,025 -1,6 -2,2 -1,1 -1,8 -0,7 -1,2 ±0.2
hp/h=0,05 -1,4 -2,0 -0,9 -1,6 -0,7 -1,2 ±0.2
hp/h=0,10 -1,2 -1,8 -0,8 -1,4 -0,7 -1,2 ±0.2
Beirados ondulados r/h = 0,05 -1,0 -1,5 -1,2 -1,8 -0,4 ±0.2
r/h = 0,10 -0,7 -1,2 -0,8 -1,4 -0,3 ±0.2
r/h = 0,20 -0,5 -0,8 -0,5 -0,8 -0,3 ±0.2

No caso de um edifı́cio com uma face dominante, a pressão interna deve


ser considerada igual a uma fracção da pressão externa nas aberturas da face
dominante. Devem utilizar-se os valores dados pelas expressões (6.17) e (6.18).
Quando a área das aberturas na face dominante é o dobro da área das
aberturas nas restantes faces:

cpi = 0, 75 · cpe (6.17)


Quando a área das aberturas na face dominante é pelo menos 3 vezes a área
das aberturas nas restantes faces:

cpi = 0, 90 · cpe (6.18)

59
No caso de edifı́cios sem uma face dominante, o coeficiente de pressão in-
terna cpi deve ser determinado a partir da Figura 6.10 e é em função da relação
entre a altura e a profundidade do edifı́cio, h/d, e do ı́ndice de aberturas µ para
cada direcção do vento, que deve ser determinada a partir da expressão (6.19).

Figura 6.10: Coeficiente de pressão interior

P
area de aberturas em que cpe ≤ 0
µ= P (6.19)
area de todas as aberturas
No caso em que não for possı́vel, ou em que não se justifique, o cálculo de
coeficientes de pressão interior para um caso particular, cpi deve ser considerado
como o mais oneroso de +0,2 e -0,3.

60
6.6 Exercı́cio 1
Considere o seguinte edifı́cio cujas dimensões se indicam na Figura 6.11, local-
izado em zona rural, onde Vb,0 = 26m/s.

12 m

30 m
wind
direction 15 m

Figure 8.Figura
Simple6.11: Geometria
rectangular do edifı́cio
building with flat roof

Determine, de acordo com o Eurocódigo 1, os diagramas de cargas cor-


respondentes à acção do vento, considerando que este actua segundo a direcção
representada, assim como a resultante desta acção ao nı́vel das fachadas.

Resolução

z0 = 0, 05m
Zona rural ⇒ T erreno tipo II ⇒ (6.20)
zmin = 2m

1) Determinação da pressão do vento devida à velocidade de pico


 
2 7
qp (z) = qb × [Cr (z)] × 1 +    (6.21)
ln zz0

Velocidade básica do vento : EC1-4 (4.2)

vb = Cdir × Cseason × vb,0 = 1 × 1 × 26 = 26m/s (6.22)


Pressão básica do vento : EC1-4 (4.5)

1 1, 25
qb = × ρ × vb2 = × 262 = 422, 5N/m2 = 0, 42kN/m2 (6.23)
2 2
Factor de rugosidade : EC1-4 (4.3.2)
(  
Kr × ln zz0 , zmin ≤ z ≤ zmax
Cr (z) = (6.24)
Cr (zmin ), z ≤ zmin
Como z = 12m,

61
 0,07  0,07
z0 0, 05
Kr = 0, 19 × = 0, 19 × = 0, 19 (6.25)
z0,II 0, 05
Logo,
 
12
Cr (z) = 0, 19 × ln = 1, 04 (6.26)
0, 05
Portanto,

 
2 7
qp (z) = 0, 42 × (1, 04) × 1 +    = 1, 034kN/m2 (6.27)
12
ln 0,05

2) Determinação da acção do vento no exterior


EC1-4 (7.2.2) 2.1) Fachadas
De acordo com a Figura 6.12:

e = min(b; 2h) = min(30; 24) = 24m ⇒ e = 24 ≥ d (6.28)


Os valores dos coeficientes de pressão exterior podem ser obtidos da Tabela
EC1-4 (4.3.2) 6.3 .
Para valores de hd intermédios efectua-se uma interpolação.

h 12
= = 0, 8 (6.29)
d 15
Neste caso devem ser utilizados os valores de cpe,10 , uma vez que se está
a analisar a resultante das pressões nas fachadas. Caso se estivesse a anal-
isar um elemento pequeno, utilizar-se-iam os valores de cpe,1 . Para situações
EC1-4 (7.2.1) intermédias pode usar-se uma interpolação logaritmica .
Os coeficientes de pressão a usar nas fachadas são apresentados na Tabela
6.5.

Tabela 6.5:
Zona Fachada A B D E
cpe -1,2 -0,8 0,773 -0,45

EC1-4 (7.2.3) 2.2) Cobertura

e = 24m
Portanto, para a cobertura os coeficientes de pressão os apresentados na
Tabela 6.6.

Tabela 6.6:
Zona Cobertura F G H I
cpe -1,8 -1,2 -0,7 ±0, 2

2.3) Pressão do vento nas superfı́cies exteriores

62
%

Figura 6.12: Zonas de paredes verticais para e ≥ d

63
Figura 6.13: Zonas para coberturas planas

64
Uma vez determinados os coeficientes de pressão, que relacionam a pressão
num ponto de uma estrutura especı́fica com o valor de pressão sob condições
idênticas, mas considerando uma parede infinita, pode calcular-se o valor da
pressão exercida pelo vento nas fachadas e cobertura.

we = qp (z) × cpe = 1, 034 × cpe [kN/m2 ] (6.30)


De acordo com o sinal de cpe estabelece-se que, quando we < 0 o vento
provoca sucção, enquanto que, quando we > 0, o vento provoca pressão.
i)Fachadas

Zona D : we = 1, 034 × 0, 773 = 0, 80 kN/m2




Zona E : we = 1, 034 × (−0, 45) = −0, 47 kN/m2


(6.31)
 Zona A : we = 1, 034 × (−1, 2) = −1, 24 kN/m2
2

Zona B : we = 1, 034 × (−0, 8) = −0, 83 kN/m

Figura 6.14: Pressão exterior do vento nas fachadas [kN/m2 ]

ii)Cobertura

F : we = 1, 034 × (−1, 8) = −1, 86 kN/m2



 Zona
G : we = 1, 034 × (−1, 2) = −1, 24 kN/m2

Zona

(6.32)
 Zona H : we = 1, 034 × (−0, 7) = −0, 72 kN/m2
I : we = 1, 034 × (±0, 2) = ±0, 21 kN/m2

Zona

Deve salientar-se a possibilidade de ocorrência de pressão ou sucção na zona


I.
3) Determinação da acção do vento no interior EC1-4 7.2.9
Há 3 situações possı́veis:

65
Figura 6.15: Pressão exterior do vento na cobertura - Corte A-A [kN/m2 ]

Figura 6.16: Pressão exterior do vento na cobertura - Corte B-B [kN/m2 ]

66
1. No caso em que não for possı́vel, ou em que não se justifique, o cálculo
de coeficientes de pressão interior para um caso particular, cpi deve ser
considerado como o mais gravoso de +0,2 e -0,3.
2. Se existir uma face dominante, isto é:
• se a área de aberturas numa das faces é pelo menos o dobro da área
de aberturas e passagens das restantes faces do edifı́cio, então:

cpi = 0, 75 × cpe
• no caso da área de aberturas numa das faces ser pelo menos 3 vezes
a área das aberturas das restantes faces então:

cpi = 0, 90 × cpe

3. Se não existir face dominante, o valor de cpi pode ser calculado em função
da parcela da fachada sujeita a pressões negativas:

P EC1-4: 7.2.9
area de aberturas onde cpe ≤ 0
µ= P (6.33)
area total de aberturas

Através do projecto de arquitectura é possı́vel medir de forma exacta


estas áreas. Aqui assume-se que a permeabilidade de todas as fachadas
e cobertura é semelhante.

Assim sendo, observando as Figuras 6.14, 6.15 e 6.16:


1) Para cpe (zona I) = −0, 2
2 × 15 × 12 + 30 × 12 + 15 × 30
µ= = 0, 76 (6.34)
2 × 15 × 12 + 2 × 30 × 12 + 15 × 30
h
Sabendo que d = 0, 8, utilizando o gráfico referido, obtém-se:

cpi = −0, 22 (6.35)


2) Para cpe (zona I) = +0, 2
Não esquecer que a largura da zona I é 3,0m.

2 × 15 × 12 + 30 × 12 + (15 − 3) × 30
µ= = 0, 71 ⇒ cpi = −0, 15 (6.36)
2 × 15 × 12 + 2 × 30 × 12 + 15 × 30
Para determinar as pressões no interior segue-se um procedimento
semelhante ao exterior, ou seja:

wi = qp (z) × cpi
4) Pressão total em cada zona
4.1) Para cpe (zona I) = −0, 2

X
Fw,e = cs cd × we × Aref (6.37)

67
X
Fw,i = wi × Aref (6.38)
Mas cs cd considera-se, neste caso, igual a 1, uma vez que a altura do Edifı́cio
é inferior a 15m.
Desta forma,

wtotal = we + wi = (cpe + cpi ) × qp (z) (6.39)

Assim sendo,

wD = (0, 77 + 0, 22) × 1, 034 = 1, 02kN/m2




wE = (0, 45 − 0, 22) × 1, 034 = 0, 24kN/m2


(6.40)
 wA = (1, 2 − 0, 22) × 1, 034 = 1, 01kN/m2
wB = (0, 8 − 0, 22) × 1, 034 = 0, 60kN/m2

Figura 6.17: Coeficientes de pressão em cada zona das fachadas

Para a cobertura,

wG = (1, 2 − 0, 22) × 1, 034 = 1, 01kN/m2




wH = (0, 7 − 0, 22) × 1, 034 = 0, 50kN/m2


(6.41)
 wI = (0, 2 − 0, 22) × 1, 034 = −0, 03kN/m2
wF = (1, 8 − 0, 22) × 1, 034 = 1, 63kN/m2

Neste caso, como se está a considerar o sinal positivo o do cpe , na zona I


ter-se-à uma acção contrária ao sentido do cpe , ou seja, ter-se-à uma pressão
na cobertura.
4.2) Para cpe (zona I) = +0, 2; cpi = −0, 15
O procedimento de resolução é em tudo semelhante ao seguido em 4.1).

68
Figura 6.18: Pressão nas fachadas [kN/m2 ]

Figura 6.19: Coeficientes de pressão em cada zona da cobertura

69
Figura 6.20: Pressão na cobertura - Corte B-B [kN/m2 ]

Figura 6.21: Pressão na cobertura - Corte A-A [kN/m2 ]

70
Resultante da acção do vento nas fachadas
Para a situação resolvida em 4.1), ao nı́vel das fachadas, a acção do vento
tem uma resultante com a direcção e sentido do vento, ou seja:

h
Sabendo que d < 1, a resultante deve ser multiplicada por 0,85, sendo o
seu valor:

Fw = (we + wi ) × Aref = (1, 02 + 0, 24) × 30 × 12 × 0, 85 = 385, 56kN (6.42)

71
Capı́tulo 7

Acção da neve

7.1 Introdução
Neste nota serão analisadas as metodologias fundamentais para a definição
da acção do neve em estruturas, com particular ênfase na norma EN 1991-1-3
(EC1-4). Ao contrário de outros paı́ses Europeus, em Portugal, grandes nevões
são raros, sendo mesmo muito raros em grande parte do território nacional.
Assim, esta acção raramente é condicionante em grande parte do Paı́s. No
entanto, em algumas áreas, nomeadamente o Norte interior e em altitude, a
acção da neve pode ser importante no dimensionamento de coberturas.

7.2 Quantificação da acção da neve


O efeito da acção da neve em coberturas depende, fundamentalmente, de três
factores:

• localização geográfica

• geometria da cobertura

• vento ao nı́vel da cobertura

O primeiro define a quantidade de neve que é expectável para um determi-


nado horizonte de projecto. A geometria da cobertura influencia a quantidade
de neve que se pode acumular. Efectivamente, enquanto numa cobertura plana
se pode acumular uma quantidade de neve próxima da observada ao nı́vel do
solo, numa cobertura inclinada, esta desliza e nunca se acumula.
O vento também influencia a quantidade de neve a considerar, já que em
zonas varridas pelo vento, este arrasta a neve, impedindo a sua acumulação,
mas também provocando a sua acumulação em algumas regiões da cobertura.

Neve ao nı́vel do solo


A localização da estrutura define o valor caracterı́stico do peso da neve ao nı́vel
do solo. Considerando as caracterı́sticas climáticas, Portugal continental pode
ser dividido em três zonas (A, B, e C) como representado na Figura 7.1.

73
Figura 7.1: Zonamento do território para a acção da neve

Além desta divisão, há a considerar que a quantidade de neve aumenta com
a altitude. Assim, o valor caracterı́stico da neve ao nı́vel do solo, sk , é dado
por:
 !2 
H
sk = Cz 1 +  (7.1)
500

onde Cz é um parâmetro que depende da zona onde se localiza a estrutura,


como se apresenta na Tabela 7.1 e H é a altitude do local.

Zona Cz
A 0.3
B 0.2
C 0.1

Tabela 7.1: Valor do parâmetro Cz

7.3 Modelação da acção da neve


Na modelação das acções da neve consideram-se duas situações disitintas, a
primeira para situações de projecto do tipo persistente e a segunda para acções
da neve excepcionais, devido a acumulação de neve associada a uma queda ex-
cepcional ou devido a ventos excepcionais durante o nevão que podem provocar
acumulações diferenciadas nas estruturas.
O efeito da acção da neve é feito, para a situação persistente, considerando
uma força vertical distribuı́da em planta. O valor dessa força é dado por:

74
s = µi Ce CT sk (7.2)
onde µi é o coeficiente de forma, dependente da geometria do telhado, Ce é o
coeficiente de exposição, e CT é o coeficiente térmico.
O coeficiente térmico é unitário, excepto quando a temperatura da cober-
tura é significativamente superior à temperatura ambiente. Esta situação
ocorre em coberturas aquecidas ou em coberturas envidraçadas em edifı́cios
em que o interior é aquecido em permanência. Nenhuma destas duas situações
é comum em Portugal.
O coeficiente de exposição depende da protecção ao vento resultante da
envolvente ao edifı́cio, nomeadamente outros edifı́cios ou o terreno circundante.
Este coeficiente toma os valores apresentados na Tabela 7.2.
O coeficiente de forma, µi , depende da geometria da cobertura como se
apresenta na secção seguinte.

Coeficiente de forma
De acordo com o EC1, a acção da neve deve ser, para a situação persistente,
considerada para dois estados possı́veis: não deslocada e deslocada.
A primeira corresponde à acção da neve sem o efeito do vento assumindo-se
que a quantidade de neve é distribuı́da de forma idêntica nas coberturas. Na
segunda situação assume-se que o vento fez deslocar a neve para uma posição
eventualmente mais gravosa.
Para coberturas correntes, o efeito da neve é quantificado com base em dois
valores, µ1 e µ2 , dados na Figura 7.2 em função do ângulo da vertente.
Em coberturas de uma vertente apenas é necessário considerar a situação
de neve não deslocada, como se apresenta na Figura 7.3.
Para coberturas com duas vertentes, devemos considerar três situações, cor-
respondentes a neve não deslocada, e a deslocamentos de neve que conduzem
a redução do peso da neve em cada uma das vertentes. Embora a situação de
neve deslocada corresponda, para estas coberturas, a um peso total da neve
menor, a assimetria do carregamento pode ser mais gravoso para alguns tipos

Tabela 7.2: Coeficiente de exposição ao vento

Topografia Ce
a
Exposta ao vento 0,8
Normalb 1,0
Abrigadac 1,2
a
Topografia exposta ao vento: zonas planas, sem obstáculos e expostas
de todos os lados, sem ou com pouco abrigo conferido pelo terreno, por
construções mais altas ou por árvores.
b
Topografia normal: zonas nas quais não há uma remoção significa-
tiva da neve na construção, pelo vento devido à natureza do terreno, à
existência de outras construções ou de árvores.
c
Topografia abrigada: zonas nas quais a construção em causa é consid-
eravelmente mais baixa do que o terreno circundante ou está rodeada
por árvores altas e/ou por outras construções mais altas.

75
2.0

1.6
µ2
µ 1.0
0.8
µ1

0° 15° 30° 45° 60°


a

Figura 7.2: Valor do coeficiente de forma

µ1

Figura 7.3: Coeficiente de forma para coberturas de uma vertente

de estruturas. O peso da neve a considerar nestas situações é apresentado na


Figura 7.4.

µ1(a 1) µ1( a2)

0,5µ1(a 1) µ1( a2)

µ1(a 1) 0,5µ1(a 2)
a1 a2

Figura 7.4: Coeficiente de forma para coberturas de duas vertentes

No caso de coberturas múltiplas de duas vertentes deve considerar-se a


distribuição do peso da neve apresentado na Figura 7.5.
O EC1 apresenta ainda metodologias aplicáveis a coberturas cilı́ndricas e
regras a adoptar em coberturas próximas de outras mais altas.

76
µ1(a1) µ1(a2) µ1(a1) µ1(a2)
Caso (i)

µ2(a) a = (a1+ a2)/2


Caso (ii)

µ1(a1) µ1(a2)

a1 a2 a1 a2

Figura 7.5: Coeficiente de forma para coberturas múltiplas de duas vertentes.


Caso 1: neve não deslocada; Caso 2: neve deslocada

7.4 Situação persistente vs. acidental


Vimos anteriormente como se quantifica o valor do peso da neve para situações
persistentes, ou seja durante a vida normal da estrutura. Este valor deve ser
combinado com outras combinações usando, para estados limites últimos, a
expressão:
X
Sd = γG · Gk + γQi · Qk,i + γQj ψ0,j Qk,j (7.3)
i>1

No entanto, o EC1 considera que podem ocorrer situações excepcionais que,


embora muito raras, podem ser muito gravosas. Devido à sua raridade, estas
situações devem ser consideradas como acidentais, devendo ser combinadas com
outras acções na forma:
X
Se = Gk + Ai + (ψ1,i ou ψ2,i ) · Qk,i + γQj ψ2,j Qk,j (7.4)
i6=j

onde Ai representa a acção acidental, neste caso a neve.


Assim, para além das situações de neve não deslocada e deslocada descritas
acima, para a zona A do território nacional (ver Figura 7.1) deve considerar-se,
adicionalmente, a possibilidade de um deslocamento excepcional da neve. O
peso de neve a considerar neste caso é dado por:

s = µi sk (7.5)
em que µi é o coeficiente de forma correspondente à situação de deslocamento
excepcional, descrito no Anexo B do EC 1-4, e substancialmente diferente do
descrito para a situação persistente.
Na Figura 7.6 é apresentado o peso de neve a considerar para um desloca-
mento extraordinário da neve em coberturas múltiplas de duas águas. Note-se
que nesta situação se considera que apenas existe neve em duas vertentes cen-
trais. O valor máximo do peso da neve é dado por:

 2h/sk
µ1 = min 2b3 /(ls1 + ls2 ) (7.6)
5

em que os comprimentos de deslocamento são:

77
ls1 = b1 ls2 = b2 (7.7)
em que b1 e b2 devem ser medidos do lado da estrutura mais desfavorável.

µ1

s1 s2

1 2

Figura 7.6: Coeficientes de forma considerando um deslocamento ex-


traordinário

Adicionalmente considera-se que, em alguns concelhos da zona A, além


deste deslocamento excepcional, deve considerar-se uma queda excepcional de
neve com valor dado por:

s = µi Ce CT Cesl sk (7.8)
em que Cesl vale 2.5, e todos os outros valores são iguais aos considerados para
a situação persistente.

78
7.5 Exercı́cio 1
Considere o seguinte edifı́cio, localizado no distrito da Guarda, no concelho
de Aguiar da Beira, em zona rural e a uma altitude de 400m. Determine os
carregamentos de dimensionamento para a combinação de acções persistente e
acidental como resultado da acção da neve ao nı́vel da cobertura.

Figura 7.7: Estrutura

Considere o peso da estrutura igual a 3, 0kN/m2

Resolução
O edifı́cio situa-se no concelho de Aguiar da Beira, distrito da Guarda. Situa-
se, portanto, na zona A e num dos concelhos onde é necessário considerar uma
queda excepcional de neve.
Assim sendo, o valor do peso da neve para situações persistentes, deve
ser combinado com outras acções usando, para os estados limite Últimos, a
expressão:
X
Sd = γG .Gk + γQ,i .Qk,i + γQ,j .ψ0,j .Qk,j (7.9)

Considerando condições excepcionais, deve-se combinar as acções como


situação acidental, utilizando a expressão:
X
Se = Gk + Ai + (ψ2,i ).Qk,i + ψ2,j .γQ,j .Qk,j (7.10)

onde a acção acidental é a acção da neve.


Tendo em consideração a localização do edifı́cio em estudo , deve considerar- EC 1-3, NA
se, para além das situações de neve deslocada e não deslocada, a possibilidade
de um deslocamento excepcional da neve. Sendo o peso da neve igual a S =
µi .Sk , sendo µi o coeficiente de forma correspondente a esta situação, para o
tipo de coberturas descrito no Anexo B.
Devido ao facto do edifı́cio se encontrar num dos concelhos referidos no
anexo nacional, considera-se também uma queda excepcional de neve com valor:

79
S = µi .Ce .Ct .Cesl .Sk (7.11)
onde Cesl = 2, 5.
Em resumo, atendendo ao quadro A1 do EC1-3 e ao tipo de cobertura em
estudo (não pontifica no Anexo B), é apenas necessário considerar 2 situações:
1) Situação persistente:

S = µi .Ce .Ct .Sk (7.12)

2) Situação acidental

S = µi .Ce .Ct .Cesl .Sk (7.13)

Observação
Apesar do valor do peso da neve ser maior na situação acidental, depois de
combinadas as acções não é evidente que a combinação acidental seja a mais
gravosa. Aliás, geralmente, é a combinação persistente a condicionante, uma
vez que nesta as acções vêm afectadas de coeficientes de segurança, e que os
valores reduzidos das outras acções são mais altos.

Situação persistente i) Determinação do valor da neve ao nı́vel do solo:


"  2 #
H
Sk = Cz . 1 + (7.14)
500
n o
Sabendo que H = 400m e que Cz = 0, 3(A); 0, 2(B); 0, 1(C) (pelo zona-
mento definido no anexo nacional), temos:
"  2 #
400
Sk = 0, 3 × 1 + = 0, 492kN/m2 (7.15)
500

ii) Determinação do coeficiente de exposição:

Ce = 0, 8 (zona rural)

iii) Determinação do coeficiente térmico:

Ct = 1, 0 (salvo coberturas aquecidas ou em vidro)

EC1-3 (5.3.3) iv) Determinação do coeficiente de forma da cobertura. :

Figura 7.8: Caso 1

80
Figura 7.9: Casos 2 e 3
Nota: Não esquecer que se considera que a carga actua verticalmente e que se
refere à projecção horizontal da área da cobertura.

3
α = arctg( ) ≈ 16, 7 ◦ ⇒ µ1 = 0, 8 (7.16)
10
v) Determinação do valor do peso da neve:

S = 0, 8 × 0, 8 × 1 × 0, 492 = 0, 31kN/m2

(7.17)
S = (0, 8 × 0, 5) × 0, 8 × 1 × 0, 492 = 0, 16kN/m2
Obtém-se assim os carregamentos apresentados na Figura 7.10. O carrega-
mento associado ao peso próprio da estrutura está apresentado na Figura 7.11.

Figura 7.10: Peso neve [kN/m2 ] - Situação Persistente: neve não deslocada
(topo); neve deslocada (baixo)

81
Figura 7.11: Peso próprio [kN/m2 ]

Utilizando a combinação correspondente aos ELU: S = γG .G + γQ .Q,


obtém-se:

S = (1, 35 × 3, 0 + 1, 5 × 0, 31) = 4, 52kN/m2



(7.18)
S = (1, 35 × 3, 0 + 1, 5 × 0, 16) = 4, 29kN/m2
Resultando no carregamento apresentado na Figura 7.12.

Figura 7.12: Combinações para estados limite últimos na situação persistente:


neve não deslocada e neve deslocada

82
Figura 7.13: Peso neve [kN/m2 ] - Situação acidental devido a queda excep-
cional de neve

83
2) Situação acidental

S = µi .Ce .Ct .Cesl .Sk (7.19)

Cesl = 2, 5

v) Determinação do valor do peso da neve:

S = 0, 31 × 2, 5 = 0, 775kN/m2

(7.20)
S = 0, 16 × 2, 5 = 0, 4kN/m2

Utilizando a combinação de acções para a situação acidental: S = G + A

S = 3, 0 + 0, 775 = 3, 775kN/m2

(7.21)
S = 3, 0 + 0, 4 = 3, 4kN/m2

Figura 7.14: Combinação Acidental

Tal como referido, verifica-se que a situação Acidental não é a mais gravosa.

7.6 Exercı́cio 2
Considere o edifı́cio industrial representado, com coberturas mútiplas, situado
no distrito da Guarda, concelho de Aguiar da Beira, em zona rural, a uma
altitude de 450 m.
Defina as cargas actuantes na estrutura devido à acção da neve e indique
como procederia para determinar o momento solicitante de dimensionamento.

84
Figura 7.15: Estrutura

Resolução
Neste caso, há duas situações a considerar. Na situação persistente, segue-
se um procedimento semelhante ao do exercı́cio anterior. Enquanto que na
situação acidental, devido à tipologia da cobertura, além do valor excepcional
de queda de neve, é necessário considerar um deslocamento excepcional de neve
de acordo com o estipulado no Anexo B do EC1-3.
Para determinar o momento de dimensionamento devido à acção da neve,
utilizam-se as expressões de combinações de acções correspondentes aos ELU
para situações persistentes, e as combinações correspondentes a situações aci-
dentais para os casos em que se consideram condições excepcionais da acção
da neve.

1) Situação persistente
i) Determinação do valor da neve ao nı́vel do solo
"  2 #
H
Sk = Cz . 1 + (7.22)
500
n o
Sabendo que H = 450m e que Cz = 0, 3(A); 0, 2(B); 0, 1(C) (pelo zona-
mento definido no anexo nacional), temos:
"  2 #
450
Sk = 0, 3 × 1 + = 0, 543kN/m2 (7.23)
500

ii) Determinação do coeficiente de exposição

Ce = 0, 8 (zona rural)

iii) Determinação do coeficiente térmico

Ct = 1, 0 (salvo indicação em contrário)

iv) Determinação do coeficiente de forma da cobertura

 α1 = 40 ◦ ⇒ µ1 (α1 ) = 0, 8 × (60−40)

30 ≈ 0, 53
α2 = 30 ◦ ⇒ µ1 (α2 ) = 0, 8 (7.24)
α = α1 +α = 35 ◦ ⇒ µ2 (α) = 1, 6
 2
2

85
µ1(a1) µ1(a2) µ1(a1) µ1(a2)
Caso (i)

µ2(a) a = (a1+ a2)/2


Caso (ii)

µ1(a1) µ1(a2)

a1 a2 a1 a2

Figura 7.16: Coeficientes de forma para coberturas múltiplas - Casos de neve


não deslocada e deslocada

Figura 7.17: Peso da neve - Situação persistente [kN/m2 ]

86
v) Determinação do valor do peso da neve:

 S(µ1 (α1 )) = 0, 53 × 0, 8 × 1 × 0, 543 = 0, 23kN/m2


S(µ1 (α2 )) = 0, 8 × 0, 8 × 1 × 0, 543 = 0, 35kN/m2 (7.25)


S(µ2 (α)) = 1, 6 × 0, 8 × 1 × 0, 543 = 0, 70kN/m2

2) Situação acidental - Queda excepcional ou deslocamento


excepcional
Nota: As situações de projecto e as disposições de carga a considerar em função
das condições locais são apresentadas no Anexo A do regulamento (EC 1-3)
i) Deslocamento excepcional
O valor da acção da neve na cobertura é dado por:

S = µi .Ce .Ct .Cesl Sk


onde

Cesl = 2, 5

Logo

S = µi × 0, 8 × 1 × 2, 5 × 0, 543
Assim, os valores notáveis da carga da neve na cobertura são:

 0, 23 × 2, 5 = 0, 575kN/m2

⇒S= 0, 35 × 2, 5 = 0, 875kN/m2 (7.26)


0, 70 × 2, 5 = 1, 75kN/m2

Logo:

Figura 7.18: Peso da neve associado a uma queda excepcional [kN/m2 ]

ii) Queda excepcional


Para o caso de deslocamento excepcional da neve, o coeficiente de forma da
cobertura deve ser obtido no Anexo B do regulamento, sendo substancialmente
diferente do obtido para a situação persistente.
Note-se que neste caso se considera apenas existir neve nas duas vertentes
centrais.
Assim sendo, o coeficiente de forma a utilizar é:

87
1

ls 1 ls 2

b1 b2
b3

Figura 7.19: Coeficiente de forma considerando um deslocamento excepcional


 2 × h/Sk
µ1 = min 2 × b3 /(ls1 + ls2 ) (7.27)
5

As extensões do deslocamento da neve são dadas por:

ls1 = b1 , ls2 = b2

Portanto,


 2 × h/Sk = 2 × 3/0, 543 = 11, 05
µ1 = min 2 × b3 /(ls1 + ls2 ) = 2 × (2 × 5, 15 + 3, 57)/(5, 15 + 3, 57) = 3, 2
5

(7.28)
Assim,

⇒ µ1 = 3, 2

Logo,

S = 3, 2 × 0, 543 = 1, 74kN/m2 (7.29)

88
Figura 7.20: Peso da neve associado a um deslocamento excepcional [kN/m2 ]

89
Capı́tulo 8

Sismos e dimensionamento
sı́smico de estruturas de acordo
com o Eurocódigo 8

8.1 Introdução

O dimensionamento sı́smico de estruturas tem como objectivos principais, na


ocorrência de um evento sı́smico, a protecção de vidas humanas, a limitação
de danos estruturais, e a manutenção em funcionamento de infra-estruturas
e equipamentos vitais para a operacionalidade da protecção civil. O cumpri-
mento destes objectivos está naturalmente ligado à definição e caracterização
dos eventos sı́smicos. Uma acção sı́smica corresponde a um fenómeno natural
resultante de movimentos tectónicos (intraplacas ou interplacas), que provo-
cam, como consequência, movimentos nas direcções horizontais e vertical do
solo que se transmitem às estruturas de Engenharia Civil. As estruturas tem
de ser dimensionadas para resistir a estes movimentos do solo e para tal po-
dem ser seguidas diversas filosofias de dimensionamento. Qualquer filosofia
de dimensionamento de estruturas rege-se pelo mesmo objectivo fundamental
que é o de garantir que se dimensionem estruturas fiáveis, económicas e que
apresentem um bom desempenho estrutural, traduzido pelos regulamentos em
critérios de verificação de segurança a estados limite últimos e de utilização.
Posto de outra forma, pode dizer-se que no dimensionamento sı́smico de estru-
turas procura-se que a probabilidade que os efeitos das acções sı́smicas excedam
as resistências seja tão pequena quanto se verifique ser técnica-cientifica e eco-
nomicamente viável. As filosofias de dimensionamento estão intrinsecamente
ligadas às acções e às forças que estas provocam (se verticais, se horizontais,
quase-estáticas ou dinâmicas), aos métodos de análise existentes, a sua maior ou
menor complexidade e até aos procedimentos de dimensionamento mais comum
numa dada região. Estas filosofias estão associadas à evolução do conhecimento
cientifico ao longo dos tempos e estão muitas vezes associados aos materiais e
configurações estruturais mais comuns numa dada região. A importância de se
definir uma filosofia de dimensionamento racional torna-se bastante evidente
quando se trata do dimensionamento sı́smico de estruturas onde se permite
que o comportamento da estrutura entre em regime não-linear, quando esta se
encontra sujeita a um sismo de grande intensidade. Como exemplo, refira-se

91
que a documentação nacional do Eurocódigo 8 define que o perı́odo de retorno
da acção de dimensionamento é de 475 anos para estruturas correntes. Se a
estrutura fosse dimensionada para permanecer em resposta elástica, durante
a ocorrência de um sismo intenso (perı́odo de retorno elevado), os esforços
elásticos provocados seriam de tal forma elevados que tornaria o custo de con-
strução da estrutura incomportável.
Com base nesta ideia primordial, as diversas filosofias de dimensionamento
sı́smico de estruturas assentam na ideia de que durante a ocorrência de um
sismo intenso as estruturas podem estar sujeitas a respostas fora do regime
elástico dos materiais sendo comum utilizar-se apenas uma fracção das forças
elásticas, que por vezes é 4 a 6 vezes inferiores. Desta forma, para o dimen-
sionamento, as estruturas terão que resistir a esforços menores que os esforços
elásticos, mas visto que o sismo é uma movimento de base, os deslocamentos es-
pectáveis serão superiores aos que corresponderiam ao limite elástico dos mate-
riais. Assim, o deslocamento máximo corresponderá certamente a deformações
inelásticas dos materiais e para cargas cı́clicas traduz-se por uma capacidade de
dissipação de energia por histerése dos materiais. A consequência directa deste
tipo de racionalização é que para sismos mais frequentes (perı́odo de retorno
mais baixo) admite-se que a estrutura possa entrar em regime não linear, ao
contrário do que acontece, por exemplo, para a acção do vento. Outra con-
sequência de se admitir um comportamento não linear das estruturas é que
a probabilidade anual de se atingir o nı́vel de forças próximo do que está as-
sociado ao sismo de dimensionamento pode atingir 1 a 3%. Note-se que este
valor é significativamente mais alto do que se associa à probabilidades anuais
de excedência das cargas gravı́ticas que ronda 0.01%. Para as acções sı́smicas, a
estrutura terá então que ter um comportamento dúctil que é conseguido através
de regras prescriptivas de regularidade. Pelas razões anunciadas, salienta-se que
a não existência de uma filosofia de dimensionamento racional e clara poderá
originar consequências gravosas associadas a probabilidades relativamente altas
de se atingir o comportamento não-linear da estrutura.
Com o sentido de se definir alguns princı́pios e critérios de dimensionamento
e verificação de segurança de estruturas, a Comunidade Europeia tem estado
a promover o desenvolvimento de um conjunto de Eurocódigos que têm como
objectivo harmonizar e estandardizar processos de dimensionamento de estru-
turas para facilitar a livre distribuição dos produtos e serviços ligados ao pro-
jecto e construção de estruturas dentro da Comunidade Europeia. Conforme
foi discutido no capı́tulo referente à Fiabilidade Estrutural em mais detalhe,
os Eurocódigos procuram que a fiabilidade de uma estrutura seja garantida
utilizando métodos semi-probabilı́sticos, que utilizam coeficientes parciais de
segurança para as acções e para a resistência dos materiais, que incluem efeitos
de incertezas e imperfeições associados aos modelos de análise de estruturas e à
fase de construção. Para fazer face ao dimensionamento de estruturas em zonas
de sismicidade não desprezável a Comunidade Europeia e os seus estados mem-
bros têm estado a desenvolver o Eurocódigo 8 (EC8 - EN1998). As cláusulas do
EC8 podem classificar-se em dois tipos, nomeadamente Princı́pios, que são obri-
gatórios, e Regras de Aplicação, que são procedimentos que são aceites como
base para demonstrar que os Princı́pios são verificados. No sentido de facilitar
a aplicação dos eurocódigos em cada Estado membro da Comunidade Europeia,
os Estados membros definem Anexos Nacionais onde certos parâmetros de di-
mensionamento são definidos. O Anexo Nacional do EC8 para o território

92
nacional (Continente e Ilhas) define, entre outros parâmetros, o zonamento
sı́smico e os valores que permitem definir o espectro de resposta de dimension-
amento.
Neste capı́tulo apresenta-se em mais detalhe os conceitos necessários para
execução de projectos sı́smicos de edifı́cios, focando-se por isso na Parte 1 do
EC8 (EC8-1) e abordando-se algumas questões associadas ao dimensionamento
de fundações superficiais de acordo com a Parte 5 do EC8 (EC8-5). O EC8-1
apresenta as regras gerais para a concepção sismo-resistente de edifı́cios e ac-
tualiza a acção sı́smica que deve ser considerada em projecto relativamente à
que consta no regulamento nacional em vigor, o Regulamento de Segurança e
Acções (RSA, 1983). A caracterização da acção sı́smica e a sua representação
em termos de espectros de amplitude são assuntos discutidos na secção 2 deste
capı́tulo. Na secção 3 apresentam-se os conceitos de dinâmica de estruturas
sujeitas a movimentos de base. Os princı́pios e as regras de aplicação do di-
mensionamento sı́smico de estruturas e suas fundações de acordo com o EC8,
são apresentados na secção 4.

8.2 Caracterização da acção sı́smica

A maioria dos sismos tem origem no interior da Terra em falhas que rompem
com alı́vio das tensões que se vão acumulando ao longo de décadas e séculos.
A este fenómeno de alı́vio de tensões está associado o movimento da terra e
à libertação de energia que se transforma em energia de ondas sı́smicas que
se propagam a partir da rotura da falha, correspondendo a uma deformação
diferencial entre dois lados de uma falha, conforme se pode ver na figura 8.1.
Estas ondas sı́smicas propagam-se a grandes velocidades e provocam vibrações
do solo com deslocamentos rápidos, sendo capaz de induzir acelerações (forças
de inércia) ou deslocamentos diferenciais importantes quando comparadas com
a resistência a esforços e às deformações das estruturas. As vibrações dos solos
que se verificam num dado local dependem fundamentalmente da magnitude do
sismo, do tipo de rotura a que a falha foi sujeita, da distância do local em estudo
ao plano da falha, bem como a estratigrafia (tipo de solos e sua distribuição
em profundidade) e topografia envolvente do local. De forma muito sucinta,
a amplitude de vibração do solo é tanto maior quanto maior a magnitude e
menor a distância ao plano da falha. Quanto ao efeito do tipo de solos (site
effects), quanto mais brando for o solo na proximidade das fundações, maiores
são as vibrações associadas a perı́odos mais longos. Este efeito de sı́tio, ou de
local, é mais importante quando a estrutura se encontra localizada numa zona
de vales aluvionares onde as ondas sı́smicas tendem a demorar mais tempo a
atenuarem-se. Na figura 8.1 ilustra-se este efeito onde devido à presença de
um vale de solos mais brandos há um aumento da amplitude e uma alteração
do conteúdo das frequências das vibrações. Na proximidade da falha, podem
existir outros fenómenos como é o exemplo da directividade das vibrações que
aumentam a amplitude das vibrações para perı́odos curtos.
A caracterização das acções sı́smicas para um dado local para que seja
possı́vel a sua quantificação é um processo complexo, que passa pelo conheci-
mento da sismicidade histórica e de possı́veis efeitos locais, conforme discutido
de seguida.

93
Figura 8.1: Sistema de um grau de liberdade

Sismicidade histórica, sismicidade instrumental e efeitos de


sı́tio
A caracterização da acção sı́smica para Portugal Continental e Ilhas passa
pelo conhecimento de sismicidade do território nacional. A sismicidade para
um dado local é definida de forma probabilı́stica com base na informação da
sismicidade histórica, sismicidade instrumental e de evidências geológicas. A
sismicidade histórica assenta sobre relatos históricos de sismos e seus efeitos que
têm sido cadastrados em registos públicos ao longo dos tempos. Para Portugal
Continental existem registos com cerca de 2000 anos. Na figura 8.2, obtida do
sı́tio da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sı́smica, apresenta-se uma carta
com a distribuição dos sismos históricos desde 63 a.C. até 1909. Esta figura
mostra que existem duas zonas sismogénicas principais. A primeira zona sis-
mogénica está associada à fronteira entre as placas tectónicas Euro-Asiática
e a Africana (sismicidade interplacas), enquanto a segunda está associada a
zonas com actividade sı́smica dentro de Portugal Continental, ou seja, dentro
da placa Euro-Asiática (sismicidade intraplacas). As acções sı́smicas geradas
na zona que se localiza na fronteira das duas placas tectónicas Euro-Asiática
e Africana, são designadas por acções interplacas ou ainda, de acordo com a
nomenclatura do EC8, acções sı́smicas do tipo 1. Os epicentros dos sismos
gerados nesta zona situam-se todos perto do Banco de Gorringe, localizado
aproximadamente a 200 km a sudoeste do Cabo de S. Vicente. A maior con-
centração dos sismos extende-se numa zona que vai até ao Golfo de Cádiz. De
entre os sismos históricos que ocorreram nesta zona interplacas, salientam-se
o sismo ocorrido em cerca de 63 a.C. que afectou as costas de Portugal e da
Galiza tendo sido seguido de um grande maremoto (tsunami), o sismo de 382
d.C., também sentido em todo o território, o sismo de 24 de Agosto de 1356 que

94
provocou grandes estragos em Lisboa, e finalmente o sismo de 1 de Novembro
de 1755 que provocou estragos muito importantes no Algarve e em Lisboa e
que foi seguido de um grande tsunami e cujo efeito se fez sentir em maior grau
no Algarve e em Lisboa. O sismo mais recente que teve origem nesta zona
interplacas foi o sismo de 28 de Fevereiro de 1969 que, apesar de fortemente
sentido, causou apenas ligeiros danos materiais, tendo como consequência a
evolução que se verificou na rede sismográfica nacional nas últimas décadas.
Muito recentemente, em Dezembro de 2009, foi registado um sismo com uma
intensidade de V na escala de Mercalli e 6,1 graus na escala de Richter e foi
particularmente sentido na região sul do Paı́s tendo sido considerado como
o mais forte nos últimos 40 anos na proximidade do Continente. Para além

Figura 8.2: Epicentros estimados de sismos históricos, 63 a.C. a 1909

dos sismos gerados na zona interplacas, há ainda registos de sismos gerados

95
na placa Euro-Asiática provocados pelo movimento de falhas locais, designa-
dos por sismos intraplacas. Os sismos históricos deste tipo que merecem ser
destacados concentram-se em duas zonas principais, o vale inferior do Tejo e
a região de Algarve. Pela análise dos registos na figura 8.2 é bem visı́vel a
concentração de epicentros na região sul de Portugal (tanto em terra como no
mar) e na região do Vale do Tejo, em particular junto à cidade de Lisboa e zona
de Santarém. Pode observar-se a ocorrência de sismos importantes em 1017,
1344, 1512, 1531, 1597, 1748, 1757, 1899 e 1909. É evidente que a sobreposição
de alguns destes sismos resulta da falta de informação sobre a correcta local-
ização epicentral. Contudo, de acordo com o conhecimento actual, é possı́vel
afirmar que estes sismos ou foram originados no interior da própria região do
Vale inferior do Tejo, ou foram originados no mar, aproximadamente ao largo
de Lisboa. Apenas para alguns destes sismos chegaram aos nossos dias relatos
suficientemente fiáveis. Da lista dos vários sismos listados aqui para os sismos
intraplacas, os mais destrutivos e devidamente cadastrados são o de 1531 e o
de 1909. O primeiro é o sismo de 26 de Janeiro de 1531, que destruiu muitas
aldeias no vale de Santarém. O sismo de 1909 é considerado como o sismo mais
destruidor do século passado tendo destruı́do quase por completo a vila de
Benavente e tendo sido responsável por causar grandes danos noutras aldeias
próximas de Benavente e na parte ocidental da cidade de Lisboa.
A sismicidade instrumental no paı́s existe desde o inı́cio do século XX.
A sismicidade instrumental é definida com base nos registos sı́smicos obtidos
pelas redes sismográficas e acelerométricas que permitem uma caracterização
da acção dos sismos com um maior detalhe. Estes instrumentos, geralmente
conhecidos como sismógrafos ou acelerómetros, registam a passagem das ondas
sı́smicas nos locais onde são instalados. Em Portugal, o Instituto de Meteorolo-
gia (IM) é a instituição que gere a rede sismográfica do paı́s, tendo a seu cargo
53 estações sismográficas, das quais 26 se encontram em Portugal Continental
e as restantes nas Ilhas. Os dados provenientes destas estações são processados
e arquivados pelo IM, sendo disponibilizados através da publicação de um bo-
letim mensal e de um anuário com o resumo da informação macrossı́smica. Tal
com a sismicidade histórica, a sismicidade recente mais significativa concentra-
se essencialmente na região sul.
Com base nos dados existentes da sismicidade histórica, sismicidade in-
strumental e evidências geológicas (conhecimento e caracterização de falhas e
consideração de efeitos des sı́tio) é possı́vel definirem-se leis de atenuação que
fornecem uma medida da intensidade de uma acção sı́smica em função da mag-
nitude, da distância do plano da falha ao local em estudo, da influência das
camadas superficiais dos solos (nos últimos 30 metros) e do tipo de falhas. Es-
tas leis são probabilı́sticas na sua natureza e fornecem tipicamente um valor
médio e desvio padrão do parâmetro que caracteriza a intensidade duma acção
sı́smica associada a dado um perı́odo de retorno. O parâmetro que é mais
utilizado para caracterizar a acção sı́smica é a aceleração máxima do solo em
rocha. Este é o valor adoptado pelo EC8 para se definirem as acções sı́smicas
de dimensionamento.

Magnitude e intensidade sı́smica


A dimensão de um sismo pode ser definida com base num de dois parâmetros.
O primeiro é a intensidade sı́smica que é um parâmetro baseado no efeito de um

96
sismo num dado local. O segundo parâmetro é a magnitude que é uma grandeza
determinada instrumentalmente e que está relacionada com a quantidade de
energia libertada pelo sismo. Embora a magnitude seja o parâmetro mais
comentado pelos média para reportar a dimensão de um sismo, é a intensidade
sı́smica que é um valor mais adequado para quantificar os efeitos dos sismos nas
estruturas de Engenharia Civil, por ser uma medida indirecta da a magnitude
do sismo, da distância da estrutura ao local da estrutura e dos efeitos de sı́tio.
Para um dado local, a intensidade é referida em numeração romana de
acordo com uma escala de intensidades. A escala de intensidades mais comuns
é a escala de Mercalli modificada que se apresenta na tabela 8.1.
Para sismos moderados, a magnitude é baseada em medições precisas da
amplitude das ondas sı́smicas nos sismogramas, para distâncias conhecidas en-
tre o foco e a estrutura em estudo, enquanto para sismos fortes a medida de
magnitude mais apropriada é ao parâmetro de magnitude do momento sı́smico
dado por:
2
Mw = log10 M0 − 6 (8.1)
3
onde M0 = µAs e µ é o módulo de rigidez de corte das rochas adjacentes à
falha, A é a área ao longo do qual se deu a falha e s é o deslocamento sobre o
plano da falha.

Caracterização matemática do movimento do solo

O equipamento que mede os movimentos de vibração do solo e que transforma


este movimento num registo temporal do evento sı́smico é chamado sismógrafo.
Este equipamento consiste num sensor (sismómetro) que detecta e amplifica os
movimentos do solo e num registador que produz um registo temporal analógico
ou digital do movimento sı́smico, registo esse que é chamado um sismograma,
que pode ser um registo das velocidades ou das acelerações do movimento do
solo. Quando o registo é feito em termos de acelerações então o sismograma
pode ser designado por acelerograma.
Considerando que um registo temporal sı́smico (sismograma) pode ser rep-
resentado por uma função periódica f (t) que apresente um mı́nimo de regular-
idade, as séries de Fourier podem ser utilizadas para decompor o registo das
acelerações de um sismo numa soma funções oscilatórias simples, nomeada-
mente em senos e cosenos (senos desfazados de π/2). Assim,

f (t) = A1 sin(ω1 t + φ1 ) + A2 sin(ω2 t + φ2 ) + . . . (8.2)

onde ωi são as frequências angulares de cada função i, e φi são os desfazamentos.


Assim, a cada função harmónica i estará associada uma frequência em Hz, fi =
ωi 2π
2π ou de forma equivalente um perı́odo, Ti = ωi . Para funções aperiódicas a
representação exacta de f (t) exigiria um número infinito de funções sinusoidais,
sendo, no entanto, possı́vel conseguir boas aproximações com um número finito
de funções. Recorrendo à análise de Fourier é possı́vel determinar o espectro de
amplitudes de acelerações, que corresponde a um gráfico onde se representam
as amplitudes de cada função sinusoidal em função da respectiva frequência.

97
Tabela 8.1: Escala de Mercalli Modificada (MMI) - Versão simplificada
Escala Intensidade Descrição
Grau I IMPERCEPTÍVEL Apenas registado pelos aparelhos de precisão,
ou sismógrafos.
Grau II MUITO FRACO Sentido por um muito reduzido número de
pessoas em repouso, em especial pelas que
habitam em andares elevados.
Grau III FRACO Sentido por um pequeno número de habi-
tantes. Bem sentido nos andares elevados.
Grau IV MÉDIO Sentido dentro das habitações, podendo des-
pertar do sono um pequeno número de pes-
soas. Nota-se a vibração de portas e janelas e
das loucas dentro dos armários.
Grau V POUCO FORTE Praticamente sentido por toda a população,
fazendo acordar muita gente. Há queda de
alguns objectos menos estáveis e param os
pêndulos dos relógios. Abrem-se pequenas
fendas nos estuques das paredes.
Grau VI FORTE Provoca inı́cio de pânico nas populações.
Produzem-se leves danos nas habitações,
caindo algumas chaminés. O mobiliário menos
pesado é deslocado.
Grau VII MUITO FORTE Caiem muitas chaminés. Há estragos lim-
itados em edifı́cios de boa construção, mas
importantes e generalizados nas construções
mais frágeis. Facilmente perceptı́vel pelos con-
dutores de veı́culos automóveis em trânsito.
Desencadeia pânico geral nas populações.
Grau VIII RUINOSO Danos acentuados em construções sólidas. Os
edifı́cios de muito boa construção sofrem al-
guns danos. Caiem campanários e chaminés
de fábricas.
Grau IX DESASTROSO Desmoronamento de alguns edifı́cios. Há
danos consideráveis em construções muito
sólidas.
Grau X MUITO DESASTROSO Abrem-se fendas no solo. Há cortes nas canal-
izações, torção nas vias de caminho de ferro e
empolamentos e fissuração nas estradas.
Grau XI CATASTRÓFICO Destruição da quase totalidade dos edifı́cios,
mesmo os mais sólidos. Caiem pontes, diques
e barragens. Destruição das redes de canal-
ização e das vias de comunicação. Formam-se
grandes fendas no terreno, acompanhadas de
desligamento. Há grandes escorregamentos de
terrenos.
Grau XII CATACLISMO Destruição total. Modificação da topografia.
(Este grau nunca foi presenciado no perı́odo
histórico.)

98
8.3 Introdução à dinâmica de estruturas sujeitas a
movimentos do solo
Efeitos do movimento do solo nas estruturas
Quando o movimento do solo se verifica ao nı́vel das fundações de uma estru-
tura, a estrutura estará sujeita a movimentos impostos na base e responderá de
forma diferente em função da sua massa e rigidez. O equilı́brio que rege o movi-
mento ao longo do tempo da estrutura e da fundação é um equilı́brio dinâmico.
Considere o sistema estrutural representado na figura 8.3(a) e considere que
o carro aı́ representado se encontra a vibrar. Este sistema corresponde a um
oscilador de um único grau de liberdade (movimento de vibração numa única
direcção). Devido ao movimento de vibração do sistema aparecem um conjunto
de forças que permitem que o corpo se encontre em equilı́brio dinâmico, forças
essas representadas na figura 8.3(a).

Figura 8.3: Sistema de um grau de liberdade: (a) Equilı́brio com base num
referencial global fixo; (b) Equilı́brio com base num referencial do solo

Neste sistema, devido ao movimento do solo e para um dado instante t,


geram-se forças de inércia, FI , ao nı́vel da massa da estrutura, que de acordo
com a segunda Lei de Newton são proporcionais à massa, M , e à aceleração
absoluta, ẍ, por esta sofrida. Para além desta força de inércia, para que se veri-
fique o equilı́brio dinâmico, aparecem forças de amortecimento (damping), FD ,
e forças de restituição (restitution), FR . As forças de amortecimento são muitas
vezes consideradas como sendo proporcionais à velocidade, ẋ, classificando-se o
amortecimento neste caso como amortecimento proporcional ou do tipo viscoso,

99
C. As forças de restituição, conforme o nome indica, são as forças que fazem
com que a estrutura tenda a voltar à posição inicial. Se a estrutura responde
de forma elástica, as forças de restituição dizem-se de restituição elástica, e são
proporcionais à rigidez do sistema, K, e ao deslocamento por este sofrido x. O
equilı́brio dinâmico descrito desta forma pode ser expresso por:

M ẍ = −C ẋ − Kx (8.3)
FI = −FD − FR (8.4)

Se para além deste movimento forem ainda aplicadas forças exteriores ao


grau de liberdade, Fext , a equação de equilı́brio fica então:

FI + FD + FR = M ẍ + C ẋ + Kx = Fext (8.5)
Para a acção sı́smica as forças exteriores são iguais a zero. Se o movimento
ao nı́vel da fundação de uma estrutura devido a um sismo for definido com base
num deslocamento do solo, xg , podemos escrever as equações de movimento
em função de deslocamentos relativos x − xg e de velocidades relativas ẋ −
x˙g , enquanto a massa continua a sofrer acelerações ẍ. Assim a equação de
movimento pode ser escrita como:

M ẍ + C(ẋ − ẋg ) + K(x − xg ) = 0 (8.6)


Salienta-se que na equação 8.6 as forças de restituição e amortecimento são
proporcionais ao movimento relativo entre a massa e o solo, enquanto as forças
de inércia são proporcionais às acelerações sentidas pela massa. Definindo-se
uma nova variável para o deslocamento relativo u = x − xg , e consequente-
mente expressões semelhantes para a velocidade e acelerações, a equação de
movimento pode ser escrita como:

M ü + C u̇ + Ku = −M ẍg (8.7)
Esta última equação é a forma geral em que se define o problema de
equilı́brio dinâmico de estruturas sujeitas a movimentos do solo. A equação 8.7
é semelhante à equação 8.5 em que agora a equação é definida em termos do
movimento relativo e a força exterior é igual ao produto da massa pela acel-
eração do solo num dado instante t.
De interesse para este documento há ainda que referir que todas as estru-
turas reais que têm mais que um grau de liberdade de movimento, respondem
também de forma dinâmica quando ocorre um movimento do solo. O equilı́brio
de forças dinâmicas para uma estrutura que tenha múltiplos grau de liberdade
pode ser escrito através da seguinte equação algébrica:

FI + FD + FR = Fext (8.8)
onde FI é o vector das forças de inércia a actuar sobre as massas associadas
aos graus de liberdade dinâmicos da estrutura, FD é o vector das forças de
amortecimento, viscoso ou de dissipação de energia, FR é o vector das forças
de restituição (forças internas suportadas pela estrutura) e Fext é o vector das
forças exteriores aplicadas. A dimensão destes vectores corresponde ao número

100
de graus de liberdade dinâmica da estrutura e todos os vectores são definidos
em função do tempo t.
A equação 8.8, com base em algumas hipóteses simplificativas, pode ser
escrita como um conjunto de equações de um grau de liberdade todas indepen-
dentes entre si, com a mesma forma apresentada na equação 8.7. A equação 8.7
corresponde a uma equação diferencial de segundo grau e para que a sua solução
seja possı́vel há que definir-se condições inicias para o movimento, para além
das condições de fronteira no espaço. Neste documento não serão abordados os
vários métodos existentes para a resolução deste tipo de equações, deixando-se
esta discussão para outros textos.
Neste documento apresenta-se a forma de caracterização da acção dos sis-
mos e dos seus efeitos nas estruturas com base num método de solução desta
equação diferencial que assenta na análise modal de estruturas e na utilização
do conceito de espectro de resposta para a análise estática de sistemas com
múltiplos graus de liberdade. Este último assunto bem como a definição e
caracterização da acção sı́smica são descritos na secção seguinte.

Espectros de resposta
Considere uma estrutura elástica linear representada na figura 8.4, com uma
massa unitária, M = 1.0, uma rigidez K, e um dado coeficiente de amortec-
C
imento ξ = 2√M K
. Esta estrutura também corresponde a sum sistema vi-
bratório com apenas um grau de liberdade com comportamento idêntico ao
sistema representado na figura 8.3. Assim sendo, a equação de equilı́brio que
rege o movimento é a equação 8.7 e o perı́odo fundamental desta estrutura é
dado por:
r
M
T = 2π
K
.

Figura 8.4: (a) Sistema dinâmico de um grau de liberdade (Pêndulo inver-


tido). Definição de forças dinâmicas com base em: (b) movimentos totais e (c)
movimentos relativos

Considere ainda que submete esta estrutura a um dado movimento sı́smico


de base que se fará sentir com a aplicação de um registo temporal do sismo, por

101
exemplo, uma aceleração de base üg , conforme ilustrado na figura 8.4. Esta
aceleração de base pode corresponder a um acelerograma de um sismo, con-
forme ilustrado no topo esquerdo da figura 8.5. A resposta ao nı́vel da massa
unitária pode ser obtida a partir da resolução da equação de movimento 8.7,
sendo a resposta para essa estrutura definida em termos do deslocamento, u(t),
velocidade, u̇(t) ou aceleração ao longo do tempo ü(t). Para um dado perı́odo
fundamental da estrutura pode seleccionar-se a amplitude máxima da resposta
da estrutura (deslocamento, velocidade ou aceleração), para um dado coefi-
ciente de amortecimento, ξ. Considerando agora a resposta em termos de
acelerações, a amplitude máxima para o perı́odo considerado correponde a um
ponto que pode ser representado num gráfico (por exemplo, o ponto A na
figura 8.5). Se o mesmo movimento sı́smico for aplicado a várias estruturas de
perı́odo diferente, que se obtêm variando a rigidez da estrutura, pode obter-se
a resposta máxima para outros pontos, por exemplo o ponto B ou o ponto
C na figura 8.5. Se se considerar um espectro de perı́odos diferentes podem
ser determinadas as amplitudes máxima de reposta para esses perı́odos. Ao
gráfico que se obtém se se traçar a resposta máxima obtida desta forma para
diferentes perı́odos, designa-se por espectro de resposta de um acelerograma.

Figura 8.5: Esquematização do procedimento de geração do espectro de re-


sposta

O espectro de resposta descrito desta forma corresponde ao espectro de re-


sposta elástico já que se considerou que a resposta é elástica e linear. A grande
vantagem da utilização dos espectros de resposta é que estes permitem obter

102
os valores máximos da resposta quer em termos dos parâmetros associados
ao movimentos (deslocamentos, velocidades e acelerações) quer em termos de
efeitos provocados pelo movimento, por exemplo, esforços de corte ou momen-
tos máximos. Assim, por exemplo, a força de corte máxima que surge na base
(corte basal) do sistema de um grau de liberdade representado na figura 8.4 é
dado por:
Fb = Sa (T ) M (8.9)
onde Sa (T ) é a aceleração obtida do espectro de resposta elástico para uma
estrutura com um dado perı́odo T .

Coeficiente de comportamento e espectro de resposta não-linear


Uma estrutura de Engenharia Civil poderá estar sujeita a acções sı́smicas in-
tensas e é comum admitir-se, nestas situações extremas, que a estrutura pode
entrar em regime de comportamento não-linear dos materiais, permitindo assim
que esta seja dimensionada para esforços consideravelmente inferiores aos que
se obteriam se a estrutura permanecesse em regime elástico dos materiais. O
comportamento não linear pode ser devido à não linearidade geométrica da es-
trutura ou à não linearidade fı́sica dos materiais. Para efeitos de cálculo, já que
uma análise não-linear de uma estrutura é um processo complexo que obriga
a que o Engenheiro tenha um conhecimento mais aprofundado de conceitos e
métodos de análise não-linear de estruturas, em geral, o comportamento não
linear das estruturas é tido em conta apenas de forma simplificada. A não
linearidade geométrica é considerada de forma indirecta limitando-se os deslo-
camentos máximos a que a estrutura pode estar sujeita e a não linearidade
fı́sica é tida em conta usando conceitos ilustrados na figura 8.6 que se passam
a explicar.
Considere que se faz uma análise elástica linear a uma estrutura sujeita
à acção de um sismo e que os resultados são resumidos pela linha recta que
une a intersecção dos eixos cartesianos ao ponto (Fe ,ue ). A força elástica, Fe ,
aqui representa uma força generalizada e pode corresponder, por exemplo, à
força basal para o sistema de um oscilador de um grau de liberdade ilustrado
na figura 8.4, e o deslocamento que se obtém para esta estrutura com com-
portamento elástico corresponde ao deslocamento relativo, ue . Se a estrutura
responder de forma não linear, o limite do comportamento elástico da estrutura
associado à cedência dos materiais, pode ser definido pelo ponto (Fy ,uy ). Este
limite de comportamento elástico não corresponde necessariamente ao ponto de
colapso da estrutura. Desde que a estrutura exiba capacidade de deformação
para além do deslocamento de cedência (ductilidade), o sistema estrutural en-
tra em regime não linear e, para o mesmo deslocamento ue , estará sujeito a
forças menores que Fe . A capacidade última da estrutura é definida pelo ponto
(Fu ,uu ), correspondente ao deslocamento último uu que não tem que ser neces-
sariamente igual ao deslocamento elástico. Salienta-se que a possibilidade de se
poder tirar partido do comportamento não-linear das estruturas tem a ver com
o facto que o sismo corresponde a deformações impostas na base das estruturas
e não a forças aplicadas. Com auxı́lio da figura 8.6 pode ainda definir-se o
conceito de coeficiente de comportamento e ductilidade.
O coeficiente de comportamento é um coeficiente que permite transformar
os resultados obtidos numa análise linear nos que se obteriam numa análise não

103
linear. Podem ser definidos diferentes coeficientes de comportamento depen-
dendo da grandeza que se está a analisar, sendo que o coeficiente de comporta-
mento mais comum é o coeficiente de comportamento em força que é definido
como o quociente entre a força elástica e a força última e é dado por
Fe
q= (8.10)
Fu
De forma idêntica pode definir-se um coeficiente de comportamento em deslo-
camentos como
ue
qd = (8.11)
uu
O valor que se utiliza para o coeficiente de comportamento pode ser definido
em função de diversos parâmetros como o tipo de de estrutura e até da sobr-
eresistência em relação à cedência, Ω0 , ou em termos da capacidade de dis-
sipação de energia do sistema estrutural. A sobreresistência Ω0 corresponde ao
acréscimo de resistência que a estrutura tem após entrar em cedência e é dado
por:
Fu
Ω0 = (8.12)
Fy
No EC8 este parâmetro da sobreresistência é apresentado na forma
αu
Ω0 = (8.13)
α1
onde os quocientes considerados no EC8 são apresentados na figura 8.7.
O coeficiente de ductilidade para os deslocamentos é dado pelo quociente
entre o deslocamento último e o deslocamento de cedência
uu
µ= (8.14)
uy

8.4 Dimensionamento sı́smico de estruturas de acordo


com o Eurocódigo 8
Os aspectos relativos ao projecto de estruturas sujeitas a acções dos sismos é
apresentado no Eurocódigo 8 (EC8). Este documento apresenta os principais
requisitos para o dimensionamento sı́smico de estruturas, bem como os critérios
de verificação de segurança. Salienta-se que este documento corresponde a
um complemento aos Eurocódigos especı́ficos para cada material, em contraste
com a actual Regulamentação Nacional em vigor (RSA e REBAP). O EC8
apresenta-se subdivido nas seguintes partes:

• EN 1998-1: Regras gerais, acção sı́smica e regras para edifı́cios;


• EN 1998-2: Pontes;
• EN 1998-3: Avaliação e reforço sı́smico de edifı́cios;
• EN 1998-4: Silos, reservatórios e condutas enterradas;
• EN 1998-5: Fundações, estruturas de contenção e aspectos geotécnicos;
• EN 1998-6: Torres, mastros e chaminés.

104
Figura 8.6: Comportamento não linear de um sistema de um grau de liberdade

Princı́pios gerais
O Eurocódigo 8 define um conjunto de critérios e recomendações cujo objectivo
de principal é a concepção de estruturas por forma a que na eventualidade da
ocorrência de sismos se possam:

• proteger vidas humanas;

• limitar as perdas económicas (danos materiais);

• assegurar a operacionalidade de estruturas importantes para a protecção


civil.

Requisitos de desempenho estrutural


O Eurocódigo 8 define os seguintes requisitos no que diz respeito ao desempenho
estrutural.

Requisito de não ocorrência de colapso Sob a acção de um sismo raro


(baixa probabilidade de ocorrência) as estruturas não devem colapsar,
com o sentido de limitar os efeitos de colapso parcial ou global da es-
trutura, nomeadamente protegendo as vidas humanas. Para tal, exige-
se que as estruturas tenham a capacidade de se manter integras após
a ocorrência de um sismo considerado no dimensionamento, ou seja,
mantendo a capacidade de suporte das cargas gravı́ticas mesmo após

105
Figura 8.7: Factores de sobreresistência para estruturas tipo: (a) pórtico com
um piso e um vão; (b) pórtico com vários pisos e um vão; (c) pórtico com vários
pisos e vários vãos; (d) pêndulo invertido ou parede isolada; (e) pórtico-parede;
(f) paredes acopoladas

a ocorrência da intensidade do sismo considerada no projecto. Admite-


se que os danos estruturais possam ser bastante elevados ao ponto de
não se justificar a eventual reparação da estrutura. Para fazer face a
este requisito, considera-se que a acção sı́smica de dimensionamento ou
de projecto (Design Seismic Action) para Portugal, corresponde a uma
acção que para casos de edifı́cios correntes tem uma probabilidade de
excedência de 10% em 50 anos, ou seja, um perı́odo de retorno, TR de
475 anos.

Requisito de limitação de danos Sob a acção de um sismo mais frequente


e, portanto, com maior probabilidade de ocorrência, de acordo com o
Anexo Nacional do EC8 esta acção apresenta uma probabilidade de excedência
de 10% em 10 anos (equivalente a 40.9% em 50 anos), ou seja um perı́odo
de retorno de 95 anos. A definição desta acção está associada a limitação
de custos directos e indirectos após ocorrência de um sismo relativamente
frequente. Consideram-se custos directos os custos de reparação dos ele-
mentos estruturais ou não-estruturais e o custos indirectos os custos as-
sociados às perdas indirectas por limitação de uso, custo este mais difı́cil

106
de quantificação.
Os dois requisitos de desempenho estrutural correspondem a perı́odos de
retorno diferentes e dessa forma a acção sı́smica deve ser considerada com dois
nı́veis de intensidade diferentes. Os valores da probabilidade de excedência,
que foram definidos anteriormente, correspondem a valores para estruturas
correntes. A conversão da acção sı́smica de projecto (TR = 475 anos) para a
acção sı́smica correspondente à exigência de limitação de danos (TR = 95 anos)
pode, simplificadamente, ser feita afectando a primeira por um coeficiente de
redução, ν, que varia de 0.4 a 0.55, reflectindo a sismicidade to território na-
cional. A diferenciação da fiabilidade obtém-se classificando as estruturas em
diferentes classes de importância, sendo que a cada classe de importância é
atribuı́do um coeficiente de importância. Assim, quanto maior for o coeficiente
de importância, menor a probabilidade de excedência da acção sı́smica de pro-
jecto.

Requisitos de forma e regularidade


No que diz respeito ao dimensionamento de edifı́cios, o Eurocódigo define
uma série de requisitos que estão relacionados com a forma e regularidade
dos edifı́cios. O cumprimento dos requisitos são obrigatórios para que a es-
trutura em análise possa ser considerada como regular e desta forma possam
ser aplicadas as disposições do Eurocódigo correspondentes. Caso contrário as
estruturas são consideradas como irregulares e é necessário proceder a análises
avançadas, incluindo análises não lineares.

Terrenos de fundação
A NP EN 1998-1 considera 5 + 2 tipos de terreno de fundação, que podem
ser classificados de acordo com a velocidade média das ondas de corte, vs,30 ,
listados na tabela 8.2. Caso não exista uma caracterização da vs,30 podem
ainda ser usados os valores de NSP T ou valores de cu , tipicamente inferidos a
partir de ensaios CPT. A velocidade média das ondas de corte, vs,30 , deverá
ser calculada de acordo com a seguinte expressão:
30
vs,30 = P hi (8.15)
i vi

em que hi e vi representam a espessura (em metros) e a velocidade das ondas


de corte da i−ésima formação ou camada, num total de N existentes nos 30
m superiores. Caso se verifique a ocorrência de solos do tipo S1 e S2, são
necessários estudos especı́ficos de definição da acção sı́smica, não descritos no
EC8, sendo necessário estudos de sismicidade local e por vezes estudos que
envolvam uso de análises que incluem interacção solo-estrutura.

Definição da acção sı́smica


Zonamento sı́smico
O zonamento está fundamentalmente associado à distância de diferentes regiões
administrativas do paı́s às zonas sismogénicas principais. Em relação às fontes
sı́smicas o anexo nacional considera dois tipos de zonas sismogénicas:

107
Tabela 8.2: Classificação dos tipos de terreno de acordo com EC8
Tipo de Descrição do perfil Parâmetros
terreno estratigráfico
vs,30 (m/s) NSP T cu (kPa)
A Rocha ou outra formação > 800
geológica de tipo rochoso, que
inclua, no máximo, 5 m de
material mais fraco à superfı́cie
B Depósitos de areia muito com- 360 − 800 > 50 > 250
pacta, de seixo (cascalho) ou de
argila muito rija, com uma es-
pessura de, pelo menos, várias
dezenas de metros, caracteriza-
dos por um aumento gradual das
propriedades mecânicas com a
profundidade
C Depósitos profundos de areia 180 − 360 15 − 50 70 − 250
compacta ou medianamente
compacta, de seixo (cascalho) ou
de argila rija com uma espessura
entre várias dezenas e muitas
centenas de metros
D Depósitos de solos incoerentes de < 180 < 15 < 70
compacidade baixa a média, ou
de solos predominantemente co-
erentes de consistência mole a
dura
E Perfil de solo com um estrato alu-
vionar superficial com valores de
vs do tipo C ou D e uma es-
pessura entre cerca de 5 m e 20
m, situado sobre um estrato mais
rı́gido com vs > 800 m/s
S1 Depósitos constituı́dos ou con- < 100
tendo um estrato com pelo
menos 10 m de espessura de argi-
las ou siltes moles com um ele-
vado ı́ndice de plasticidade (PI
> 40) e um elevado teor em água
S2 Depósitos de solos com poten-
cial de liquefacção, de argilas
sensı́veis ou qualquer outro perfil
de terreno não incluı́do nos tipos
A a E ou S1

108
• as associadas a falhas que separam as placas tectónicas Euro-Asiática da
Africana;

• as associadas a falhas no interior da placa Euro-Asiática, que por este


motivo se designam por intraplacas.

As primeiras, fontes sı́smicas interplacas, encontram-se localizadas a sul de


Portugal Continental entre o continente europeu e o africano. As acções geradas
nestas zonas sı́smicas são definidas como acções do tipo 1 ou acções afastadas.
Estas acções estão associadas a sismos de magnitude elevada, com uma maior
predominância dos perı́odos longos no espectro de amplitudes, maior duração
e maior potencial de libertação de energia. As segundas, fontes sı́smicas in-
traplacas, correspondem a sismos de menor magnitude, menor duração e pre-
dominância de frequências elevadas (perı́odos curtos).
O zonamento sı́smico apresentado no EC8 para o território nacional teve em
conta estudos recentes de avaliação do risco sı́smico (seismic hazard) avaliado
em termos de um parâmetro escalar da intensidade sı́smica que é a aceleração
máxima na rocha, e como tal, apenas existem definidos mapas do zonamento
sı́smico para este parâmetro da acção sı́smica. As diferentes zonas definidas são
bastante intuitivas depois de se definirem as principais falhas no território na-
cional. No que se refere ao zonamento para a acção sı́smica interplacas (acção
sı́smica do tipo I ou afastada), já que as fontes sı́smicas principais estão local-
izadas a sul e oeste do território nacional, a intensidade sı́smica é superior na
região oeste do Algarve e diminui de sul para norte e de oeste para este. Já no
que diz respeito à acção sı́smica intraplacas pode observar-se que as zonas de
maior intensidade sı́smica são as localizadas no Algarve e Vale do Tejo. Para
as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, importa referir que ambas se
encontram a grandes distâncias das fontes sı́smicas interplacas e como tal, por
exemplo, para o caso dos Açores não existe uma quantificação por parte do
EC8 para sismos do tipo 1. Para a Madeira e Porto Santo que são zonas
de baixa sismicidade, apenas é necessário considerar no dimensionamento de
estruturas, o efeito das acções sı́smicas interplacas idênticas às acções menos
intensas do território continental. No que diz respeito à sismicidade de prox-
imidade (tipo 2), para o arquipélago dos Açores são ainda definidas mais duas
zonas de sismicidade diferente.
Os mapas com os zonamentos sı́smicos apresentam-se na figura 8.8 e os
valores da acção máxima de referência, agR , encontram-se listados na tabela 8.3

Tabela 8.3: Valores da aceleração máxima de referência, agR


Acção sı́smica Tipo 1 Acção sı́smica Tipo 2
Zona Sı́smica agR (m/s2) Zona Sı́smica agR (m/s2)
1.1 2,5 2.1 2,5
1.2 2,0 2.2 2,0
1.3 1,5 2.3 1,7
1.4 1,0 2.4 1,1
1.5 0,6 2.5 0,8
1.6 0,35 - -

109
Figura 8.8: Zonamento sı́smico

Representação básica da acção sı́smica

No EC8, a acção sı́smica de projecto é traduzida por espectros de resposta


elásticos de aceleração que representam a componente horizontal do movimento
do solo e que se encontra num formato do tipo aceleração espectral Sd epara
diferentes perı́odo de vibração da estrutura, T . A acção sı́smica deve ter em
conta o nı́vel de risco associado à importância da estrutura. Neste sentido, a
acção sı́smica de refência é multiplicada por um factor de importância γI , tal
que o valor da aceleração máxima de projecto em rocha é:

ag = γI agR (8.16)

As equações para o espectro de resposta elástica Se (T ) são as seguintes:

0.0 ≤ T ≤ TB , Se (T ) = ag S [1 + T /TB (η 2.5 − 1)] (8.17)


TB ≤ T ≤ TC , Se (T ) = ag S 2.5 η (8.18)
TC ≤ T ≤ TD , Sd (T ) = ag S 2.5 η[TC /T ] (8.19)
TD ≤ T, Sd (T ) = ag S 2.5 η[TC TD /T 2 ] (8.20)

em que Se (T ) é o espectro de resposta elástico, T é perı́odo de vibração dum


sistema linear de um grau de liberdade, ag é aceleração de projecto em rocha
(terreno tipo A), TB é limite inferior do ramo espectral de aceleração constante,
TC é limite superior do ramo espectral de aceleração constante, TD é valor
definidor do inı́cio do ramo de deslocamento constante, S é factor do tipo de
terreno de fundação, η é coeficiente de correcção do amortecimento, com o
valorpde referência η = 1 para um coeficiente de amortecimento ξ de 5%, onde
η = 10/5 + ξ ≥ 0.55,
No dimensionamento de estruturas, o espectro que deve ser utilizado para
o cálculo estrutural designa-se por espectro de resposta de dimensionamento,
Sd (T ) e que depende do perı́odo T . Este espectro de dimensionamento é dado

110
pelas seguintes expressões:

0.0 ≤ T ≤ TB , Sd (T ) = ag S [2/3 + T /TB (2.5/q − 2/3)] (8.21)


TB ≤ T ≤ TC , Sd (T ) = ag S 2.5/q (8.22)
TC ≤ T ≤ TD , Sd (T ) = ag S 2.5/q[TC /T ] ou Sd (T ) = βag (8.23)
2
TD ≤ T, Sd (T ) = ag S 2.5/q[TC TD /T ] ou Sd (T ) = βag (8.24)

em que Sd (T ) é o espectro de resposta de dimensionamento, T é perı́odo de


vibração dum sistema de um grau de liberdade, ag é aceleração de projecto
em rocha (terreno tipo A), TB é limite inferior do ramo espectral de aceleração
constante, TC é limite superior do ramo espectral de aceleração constante, TD é
valor definidor do inı́cio do ramo de deslocamento constante, S é factor do tipo
de terreno de fundação, q é coeficiente de comportamento, β é limite inferior
do espectro considerado para efeitos de dimensionamento (valor recomendado
β = 0.20).

Figura 8.9: Espectro de resposta de dimensionamento para tipos de solos difer-


entes

O coeficiente de comportamento que se apresenta na equação do espectro de


dimensionamento corresponde a um coeficiente de comportamento em forças,

111
ou seja, é uma aproximação da razão entre as forças sı́smicas a que a estru-
tura ficaria sujeita se a sua resposta fosse completamente elástica, com 5 %
de amortecimento viscoso, e as forças sı́smicas que poderão ser adoptadas no
projecto, com um modelo de análise elástica convencional, que continuem a
assegurar uma resposta satisfatória da estrutura.
Os vários parâmetros necessários para definir o espectro de resposta de
dimensionamento são apresentados nas tabelas 8.4 e 8.5

Tabela 8.4: Valores dos parâmetros para definição do espectro de resposta


elástico da Acção sı́smica na Zona Sı́smica 1
Tipo de Terreno S TB (s) TC (s) TD (s)
A 1,0 0,15 0,4 2,0
B 1,2 0,15 0,5 2,0
C 1,15 0,20 0,6 2,0
D 1,35 0,20 0,8 2,0
E 1,4 0,15 0,5 2,0

Tabela 8.5: Valores dos parâmetros para definição do espectro de resposta


elástico da Acção sı́smica na Zona Sı́smica 2
Tipo de Terreno S TB (s) TC (s) TD (s)
A 1,0 0,05 0,25 1,2
B 1,35 0,05 0,25 1,2
C 1,5 0,10 0,25 1,2
D 1,8 0,10 0,30 1,2
E 1,6 0,05 0,25 1,2

No caso de se pretender face ao requisito de limitação de danos os valores


de dimensionamento devem ser afectados do coeficiente de redução listado na
tabela 8.6

Tabela 8.6: Valores do coeficiente de redução ν


Acção sı́smica ν
Tipo 1 0,40
Tipo 2 0,55

Cláusulas especı́ficas para o dimensionamento sı́smico de


edifı́cios - EC8-1
A secção 4 do EC8-1 contém regras gerais para o projecto de edifı́cios sismo-
resistentes e deve ser utilizada em conjunto com as secções 2, 3 e 5 a 9 do EC8-1.
As secções 5 a 9 dizem respeito a regras particulares para vários materiais e
elementos utilizados nos edifı́cios. Na secção 10 são apresentadas orientações
para edifı́cios com isolamento da base. A secção 4 do EC8-1 define princı́pios
básicos de concepção e os critérios de regularidade estrutural. Estes tópicos
não são abordados neste texto. Quanto a outros factores como os coeficientes
de combinação para as acções variáveis, classes de importância e coeficientes

112
de importância, resume-se aqui o que está descrito no EC8 por se considerar
que é importante incluir alguns comentários adicionais.

Classes de importância dos edifı́cios


Com o intuito de diferenciar estruturas de importância social e económica difer-
entes dos edifı́cios correntes, o conceito de classe de importância de edifı́cios em
função do tipo de edifı́cio e para cada classe de importância o EC8 propõe difer-
entes coeficientes de importância, γI . Estes valores encontram-se listados na
tabela 8.7. Assim, para além dos diferentes requisitos regulamentares definidos
na secção anterior, o EC8 associa um risco diferente em função da classe de
importância da estrutura. O risco é variado de forma indirecta através da mul-
tiplicação da intensidade da acção sı́smica definida para edifı́cios correntes por
um coeficiente de importância que altera o valor das acções consideradas no
dimensionamento sı́smico da estrutura.
As classes de importância e respectivos coeficientes para edifı́cios encon-
tram listados nas tabelas 8.7 e 8.8. Os valores apresentados na tabela 8.7
correspondem aos valores sugeridos no EC8 enquanto os valores apresentados
na tabela 8.8 correspondem aos valores definidos no Anexo Nacional. Salienta-
se que existe um diferença considerável, e que de acordo com as regras definidas
no EC8, serão os valores da tabela 8.8 que devem ser utilizados.

Tabela 8.7: Classe, tipo e valores recomendados dos coeficientes de importância


de referência
Classe de Edifı́cios Coeficientes de
Importância Importância de
referência
I Edifı́cios de pouca importância 0.80
para a segurança publica
(edifı́cios agrı́colas, anexos, etc.)
II Edifı́cios correntes não en- 1.00
quadrados nas restantes catego-
rias
III Edifı́cios cuja resistência sı́smica 1.20
e importante sob o ponto de vista
das consequências associadas ao
colapso (escolas, instituições cul-
turais, etc.)
IV Edifı́cios cuja integridade e fun- 1.40
damental durante a ocorrência
de um sismo para a pro-
tecção civil (hospitais, quarteis
de bombeiros, centrais nucleares,
etc.)

Modelação estrutural
A rigidez dos elementos estruturais (de betão armado, mistos e de alvenaria)
deverá ser determinada considerando os efeitos da fendilhação que tendem

113
Tabela 8.8: Valores do coeficiente de importância de acordo com o Anexo
Nacional EC8-1
Classe de Acção sı́smica Acção sı́smica
Importância Tipo 1 Tipo 2
Continente Açores
I 0,65 0,75 0,85
II 1,00 1,00 1,00
III 1,45 1,25 1,15
IV 1,95 1,50 1,35

a reduzir a rigidez da estrutura. Na inexistência de cálculos especı́ficos de-


verá considerar-se uma redução de 50% relativamente à rigidez não fendil-
hada. As paredes de alvenaria que contribuem significativamente para a rigidez
e resistência lateral do edifı́cio devem ser consideradas. A deformabilidade
das fundações deve ser considerada sempre que conduza a uma situação mais
gravosa.

Métodos de análise estrutural


O método de análise estrutural de referência consiste na análise modal con-
siderando o espectro de dimensionamento para a análise elástica. Em determi-
nadas situações de regularidade pode utilizar-se o método das forças laterais.
Além dos métodos anteriores, poderão utilizar-se análises não lineares do tipo:

• análise estática não linear (pushover analysis) ou

• análise dinâmica não linear (nonlinear response history analysis).

Método das forças laterais O método das forças laterais pode ser aplicado
a estruturas cujas respostas podem ser aproximadas pelos modos de
vibração fundamentais nas duas direcções principais. Os respectivos
perı́odos T1 devem ser inferiores ao mı́nimo de 2 segundos ou 4TC :

T1 ≤ min(2s, 4 TC ) (8.25)

Força de corte basal A força de corte basal pode ser determinada em qual-
quer das direcções, no plano horizontal, através da seguinte expressão:

Fb = Sd (T1 ) m λ (8.26)

onde, Sd (T1 ) representa a aceleração espectral para o perı́odo T1 ; T1


representa o perı́odo fundamental de vibração do edifı́cio na direcção
considerada; m representa a massa total do edifı́cio acima do nı́vel das
fundações ou do topo de uma cave rı́gida; λ representa um factor cor-
rectivo que toma o valor 0.85 se T1 ≤ 2TC e o edifı́cio tem mais de dois
andares, ou 1.0 nos restantes casos.
A massa sı́smica a considerar no dimensionamento deve ser calculada
considerando a seguinte combinação para as acções:

114
P P
Gk + ψE Qk
m= (8.27)
g
onde ψE = φψ2 e g é a aceleração gravı́tica.
Os valores a considerar para o coeficiente φ encontram-se no quadro
seguinte:

Tabela 8.9: Valores para o coeficiente de combinação sı́smica φ


Acção Variável Piso
Categorias A a C Cobertura 1
Pisos com ocupações correlacionadas 0.8
Pisos com ocupações independentes 0.5
Categorias D a F e Arquivos 1

Determinação do perı́odo fundamental de vibração O perı́odo fundamen-


tal de vibração pode ser determinado por métodos da dinâmica de estru-
turas, como por exemplo o método de Rayleigh. Em alternativa, para
edifı́cios com altura inferior a 40 m, o perı́odo fundamental de vibração
pode ser calculado aproximadamente pela seguinte expressão:

T1 = Ct H 3/4 (8.28)

onde, Ct toma o valor 0.085 para estruturas metálicas reticuladas; 0.075


para estruturas reticuladas de betão armado ou estruturas metálicas con-
traventadas excentricamente e 0.05 para as restantes estruturas; H repre-
senta a altura do edifı́cio acima do nı́vel das fundações ou do topo de uma
cave rı́gida. Para outro tipo de edifı́cios deve ser consultado o EC8-1.

Determinação das forças sı́smicas horizontais A distribuição das forças


laterais em altura pode ser calculada através da expressão,
si m i
Fi = Fb P (8.29)
sj m j

onde, Fi representa a força horizontal a actuar no piso i; Fb representa a


força de corte basal; si , sj representam os deslocamentos das massas mi e
mj que representam as massas sı́smicas dos pisos i e j, respectivamente.
Em alternativa, e assumindo que os deslocamentos horizontais aumen-
tam linearmente com a altura, a distribuição das forças laterais pode ser
obtida através de
z i mi
Fi = Fb P (8.30)
z j mj
onde zi e zj representam as alturas das massas mi e mj acima do nı́vel
das fundações ou do topo de uma cave rı́gida.

Consideração do efeito da torção Se a massa e rigidez estiverem distribuı́das


simetricamente em planta, e caso a excentricidade acidental não seja con-
siderada de modo mais exacto, os efeitos da torção acidental podem ser

115
considerados através da multiplicação dos efeitos da acção nos elementos
isolados por um factor d, dado por:
x
δ = 1 + 0.6 (8.31)
Le
onde, x representa a distância do elemento em consideração ao centro de
massa, medida na perpendicular à direcção da acção sı́smica considerada;
Le representa a distância entre os dois elementos resistentes mais afasta-
dos, medida na perpendicular à direcção da acção sı́smica considerada.

O EC8-1 apresenta uma série de regras e disposições especı́ficas para estru-


turas de edifı́cios de betão armado, edifı́cios de aço, edifı́cios mistos aço-betão,
edifı́cios de madeira e ainda para edifı́cios de alvenaria. Estes temas especı́ficos,
bem como temas relacionados com a aplicação de análises avançadas para es-
truturas são deixadas para apresentação e discussão noutros textos.

Cláusulas especı́ficas para o dimensionamento sı́smico de


fundações directas - EC8-5
O dimensionamento sı́smico de estruturas no que diz respeito aos aspectos
geotécnicos é abordado no EC8-1 onde é definido que o projecto geotécnico
deve ser realizado em consonância com a Parte 5 do EC8 (EC8-5). Depois
de definidos os esforços de dimensionamento das fundações, o EC8-5 define os
critérios de dimensionamento sı́smico que complementam as verificações de se-
gurança apresentadas no Eurocódigo 7 (EC7), que é o código de referência para
o projecto geotécnico. Apresentam-se aqui considerações especı́ficas necessárias
para o dimensionamento de fundações superficiais, na sequência do que foi ap-
resentado para a parte correspondente ao EC7 na disciplina de Análise de
Estruturas Geotécnicas (AEG) do Prof. Nuno Guerra. Assim, assume-se que
o aluno tem como conhecimentos base alguns conceitos de AEG, nomeada-
mente o que se relaciona com capı́tulos 4, 6 e 8 das folhas de AEG. Sempre
que necessário, remete-se para o EC7 ou alternativamente para as folhas da
disciplina de AEG.
Neste documento introduz o EC8-5 e indicam-se as verificações de segu-
rança adicionais para o dimensionamento sı́smico de fundações. Salienta-se
que existe uma necessidade de melhoramentos nesta área, especialmente no
que diz respeito à interligação do EC7 e do EC8. Primeiro, é de notar que o
EC8-5 apenas aborda a verificação dos estados limite últimos para fundações,
enquanto o requisito de limitação de danos não é explicitamente abordado ao
não existirem considerações de dimensionamento para assentamentos exces-
sivos, deslocamentos ou rotações. Há ainda que salientar que as metodologias
e abordagens de cálculo para o dimensionamento descritas no EC7 e EC8-5
nem sempre coincidem.
O EC8-5 define os requisitos e regras para verificação de segurança de sis-
temas de fundações diferentes, estruturas de suporte e taludes. Salienta-se
desde já que este documento não faz considerações sobre as diferentes abor-
dagens de cálculo, e assim sendo não há uma interligação entre esta parte e
as diferentes abordagens propostas no EC7-1. No Anexo F do EC8-5 pode
encontrar-se uma abordagem semelhante à abordagem de cálculo (AC3). As-
sim, já que em princı́pio, Portugal irá adoptar a abordagem de cálculo 1 (AC1)

116
definida no EC7 parece-nos que ainda existe algum trabalho de integração e
articulação dos dois documentos.
Para a verificação de fundações superficiais, o EC8-5 apresenta expressões
para verificação de segurança do deslizamento e para verificação de segurança
à rotura por insuficiência de capacidade resistente ao carregamento. Mais uma
vez, salienta-se que não é explicitamente considerada uma forma para veri-
ficação de segurança ao estado limite de assentamentos excessivos.
Na Parte 1 do EC8 é definido que os esforços nos elementos da fundação
devem ser determinados com base no cálculo pela capacidade real, tendo em
conta eventuais sobreresistências, não sendo necessário que esses efeitos ex-
cedam os correspondentes à resposta elástica da estrutura (q = 1,0). Assim,
o EC8 obrigada a que sejam calculados os esforços que se obtêm usando os
coeficientes de sobreresistência apropriados Ω tal que seja verificada a equação:

EF d = EF,G + γRd Ω EF,E (8.32)

em que γRd é o coeficiente parcial de segurança, considerado igual a 1.0 para


q ≤ 3 ou 1.2 nos restantes casos, EF,G é o efeito da acção considerando a
combinação utilizada para determinar as cargas e massas sı́smicas, EF,E é o
efeito da acção sı́smica de cálculo, e Ω = R Edi onde Rdi é a resistência de
di

cálculo da zona ou elemento i e Edi é o efeito da acção sı́smica para a situação


de projecto. Assim no caso de fundações de paredes ou pilares de pórticos de
betão armado, por exemplo, o Ω corresponde ao quociente entre a capacidade
resistente da secção de betão armado e o valor dos esforços de dimensionamento
para a combinação de acção do sismo, i.e.,
MRd
Ω=
MEd
. Salienta-se que este valor de Ω terá que ser utilizado para os vários efeitos,
tendo que ser utilizado, também, por exemplo para os esforços transversos.
Por exemplo, poderão existir outros efeitos de sobreresistência que podem fazer
aumentar o valor da capacidade real (necessária) da estrutura ao corte. No caso
de se efectuar um pré-dimensionamento, poderá ser considerado como primeira
aproximação o valor de αu /α1 definido na figura 8.7
De acordo com o EC8-5, a verificação de segurança ao deslizamento para
condições drenadas, a resistência de dimensionamento que se desenvolve na
base da fundação é dada por:
tanδ
FRd = NEd (8.33)
γM
onde NEd é a força normal de dimensionamento, δ é o ângulo de resistência
ao corte na base da fundação, e γM é o coeficiente parcial de segurança dos
materiais.
Na verificação de segurança ao deslizamento para condições não drenadas
a resistência ao deslizamento é dada pelo EC7 (ver AEG).
Caso os solos na envolvente da fundação superficial sejam convenientemente
compactados poderá ser ainda considerada a resistência da passiva do solo, Epd .
Assim para este caso a equação para verificação de segurança é:

VEd ≤ FRd + Epd (8.34)

117
Os critérios de verificação de segurança para os carregamentos verticais são
definidos na secção 5 que por sua vez remete para o Anexo F do EC8-5. De
acordo com a secção 5 e este Anexo F, para a verificação de segurança a car-
regamentos verticais, para além das verificações que constam do EC7, apenas
é necessário verificar a equação seguinte, não sendo clara a compatibilização
entre as abordagens de cálculo definidas no EC7.

(1 − eF )cT (1 − f F )c′M (γM )c′M


b
+ id − 1 ≤ 0 (8.35)
cT k c k
h i h
βV (1 − mF )k′ − N N (1 − mF )k′ − N

onde
γRd NEd
N =
Nmax
γRd VEd
V =
Nmax
γRd MEd
M =
BNmax
Na equação ?? N , V e M são parâmetros adimensionais para a carga ver-
tical, a carga horizontal e o momento flector a actuar na base da fundação,
respectivamente, aquando da ocorrência um sismo, Nmax é o valor da capaci-
dade resistente a um carregamento vertical sem excentricidade, B é a largura da
fundação, F é um parâmetro adimensional correspondente à força de inércia
do solo, e γRd são os coeficientes de parciais de segurança definidos para os
solos, que se apresentam na tabela ??. O forma de cálculo de NEd não é es-
pecificado nesta parte do EC8 e assume-se que o valor de dimensionamento é
consistente com o valor das cargas verticais que se obtém da superestrutura
(parte da estrutura acima das fundações, seja para um edifı́cio ou uma ponte).
Conforme se verá no exemplo seguinte, esta é a única verificação adicional por
consideração da acção sı́smica.
Para solos puramente coerentes:
c
Nmax = (2 + π) B (8.36)
γM
em que c é a resistência ao corte dum solo coerente não drenado, cu , ou a
resistência de corte cı́clico não drenada, τcy,u , para solos incoerentes e γM é o
coeficiente de segurança dos materiais definidos na tabela 8.10.
A força adimensional F é dada por:
ρag SB
F = (8.37)
c
onde ρ é a massa volúmica do solo, ag é o valor da aceleração máxima em rocha
(ag = γI agR ), e S é o parâmetro definido para o solo, sendo ainda necessário
verificar que 0 ≤ N ≤ 1 e kV ≤ 1k.
Para solos puramente incoerentes a capacidade resistente máxima é dada
por
 
1 av
Nmax = ρg 1 ± B 2 Nγ (8.38)
2 g

118
onde g é a aceleração gravı́tica, av é a aceleração vertical do solo que pode
ser considerado igual a 0.5ag S, e Nγ é o coeficiente de capacidade resistente
vertical.
O factor adimensional, F é dado por:
ag
F = (8.39)
gtanφ′d

sendo ainda necessário verificar que:


k′
0 ≤ N ≤ 1 − mF (8.40)

Para a maior parte dos casos F pode ser considerado igual a 0 para solos
coerentes. Para solos incoerentes F pode ser desprezado se ag S ≤ 0.98m/s2.

Tabela 8.10: Parâmetros utilizados na expressão 8.35


Solo puramente coerente Solo puramente incoerente
a 0,70 0,92
b 1,29 1,25
c 2,14 0,92
d 1,81 1,25
e 0,21 0,41
f 0,44 0,32
m 0,21 0,96
k 1,22 1,00
k′ 1,00 0,39
cT 2,00 1,14
cM 2,00 1,01
c′M 1,00 1,01
β 2,57 2,90
γ 1,85 2,80

O coeficiente parcial do modelo, γRd , é apresentado na tabela 8.11

Tabela 8.11: Valores do coeficiente parcial do model γRd


Areia Areia Areia Argila não Argila
compacidade seca saturada sensı́vel sensı́vel
média a elevada solta solta
1.00 1.15 1.50 1.00 1.15

119
Bibliografia

[1] Basis of Structural Design, Eurocode 0, EN 1990. 2001.


[2] Michael H. Faber. Risk and Safety in Civil, Surveying and Environmental
Engineering. Swiss Federal Institute of Technology, 2005.

121

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