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A Reforma do Estado de 1995 e o Contexto Brasileiro

Artigo apresentado no ENANPAD, Salvador, 2006.


Autor: Leonardo José Andriolo

Resumo
O presente trabalho é um ensaio teórico, que tem por objetivo investigar em que
medida a reforma do Estado de 1995 foi adequada ao contexto brasileiro. Num primeiro
momento, o artigo aborda a influência determinante de modelos e teorias administrativas
estrangeiras nas práticas e estudos organizacionais brasileiros. A reforma administrativa, ao se
fundamentar no modelo internacional da Nova Gestão Pública, confirma essa influência. Por
outro lado, a pequena relevância atribuída à dimensão cultural e política, combinada com a
supervalorização da dimensão institucional-legal, teve como conseqüência a desconsideração
de aspectos peculiares e significativos do contexto, condicionando os resultados de todo
processo. O texto sugere que uma outra alternativa de reforma seria possível, tendo como
centro as questões mais diretamente relacionadas com a realidade da administração pública
brasileira.

Introdução
A influência determinante de modelos e teorias administrativas estrangeiras,
principalmente provenientes dos Estados Unidos, nas práticas e estudos organizacionais
brasileiros tem sido destacada por vários autores. Guerreiro Ramos (1983), por exemplo,
observa que o fenômeno da mundialização favorece e estimula a imitação de modelos
estrangeiros por parte dos países marginais do capitalismo. De acordo com este autor, os
países em desenvolvimento adotam padrões estrangeiros com o intuito de poder articularem-
se, por meio de uma aparente modernidade, com as sociedades mais desenvolvidas.
Numa perspectiva histórica, Faoro (1989) destaca que os donos do poder na
sociedade local sempre valorizaram os modos de vida dos países tidos como referência em
cada época (Portugal, Grã-Bretanha, França), como forma de articulação com o mundo
desenvolvido. Para Prestes Motta, Alcadipani e Bresler (2001), historicamente o brasileiro
associa o ser moderno e de boa qualidade com o ser estrangeiro, sendo que essa valorização
do estrangeiro, a que esses autores chamam de estrangeirismo, é um catalisador da adoção dos
modelos oriundos do Primeiro Mundo.
Serva (1990) acrescenta que a expressiva adesão a esses modelos fez com que
adquirissem uma dimensão mitológica, uma vez que se acredita que sempre devem ser
seguidos os modelos modernos vindos dos países desenvolvidos e que as organizações deles
dependem para se desenvolverem.
A administração pública brasileira é um campo em que também se observa, como
norma, a implementação de modelos estrangeiros, quase sempre sem muita preocupação em
adaptá-los às particularidades locais. E esta não é uma característica recente, haja vista que
desde a sua formação, o Estado brasileiro teve como base os modelos europeus (Prestes
Motta, Alcadipani e Bresler, 2001).
Esse quadro não se altera nem com a independência política, porque, mesmo após
tornar-se independente, o Brasil teve que adotar os modelos institucionais predominantes no
mundo, o que teria sido uma forma de obter os requisitos necessários para sua evolução
(Guerreiro Ramos, 1983).
Faoro (1989) relata outro aspecto peculiar de nossa história ao apontar que as
estruturas administrativas da colônia precederam a população e que o modelo de ação, tanto
naquele período, como no Império e na República, era criar a realidade pela lei e pelo
regulamento, na forma dos padrões europeus. A esse respeito, Machado-da-Silva, Guarido
Filho, Nascimento e Oliveira (2001) afirmam que nas sociedades, como a brasileira, que são
altamente influenciadas por padrões estrangeiros, é mais fácil adotar uma estrutura formal
mediante um ato legal do que institucionalizar o correspondente comportamento social.
Esse processo é melhor compreendido quando analisado sob a ótica do formalismo,
fenômeno conceituado por Guerreiro Ramos (1983) como sendo a discrepância entre a
conduta concreta e a norma prescrita que se supõe que deva regulá-la. De acordo com Riggs
(1968), o formalismo é uma das principais características funcionais das sociedades
prismáticas, que são sociedades em transição, intermediárias entre as menos desenvolvidas e
as mais avançadas. Riggs (1968) associa o formalismo à freqüente adoção, pelas sociedades
prismáticas, de modelos e conceitos tomados das sociedades mais avançadas. Sander (1997)
reforça esse argumento ao afirmar que a cópia de modelos estrangeiros produz discrepância
entre os princípios do modelo adotado e os fatos que ocorrem na realidade, concluindo que a
mimesis leva ao formalismo.
Sobre a influência estrangeira na administração pública, Fischer (2003) constata que
os administradores públicos brasileiros, desde sua origem, receberam formação e treinamento
fundamentados em experiências consolidadas em países desenvolvidos, que se constituíram
em mecanismo de reprodução ideológica. Podem ser citados como exemplos dessa influência
a criação, em 1938, do Departamento Administrativo do Serviço Público, DASP, que teve
como fundamento os conceitos da administração científica e o sistema meritocrático norte-
americano, e a criação da Escola Nacional de Administração Pública, ENAP, na década de 80,
inspirada na ENA - École Nationale d’Administration - da França.
Assim, observa-se que no contexto da administração pública a busca por modelos
estrangeiros, supostamente já provados e consagrados, tem sido uma característica histórica
do Estado brasileiro. Nesse sentido, a fundamentação da Reforma do Estado de 1995 em
concepções e modelos estrangeiros, notadamente os relativos à Nova Gestão Pública (NGP),
pode ser vista como um procedimento coerente com o histórico da evolução da gestão pública
brasileira.
Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo investigar, tendo como fonte primária
os documentos-base da reforma do estado e como dados secundários pesquisas realizadas por
outros pesquisadores, as seguintes hipóteses:
a) a Reforma do Estado de 1995 se deu basicamente pela implementação de um
modelo tido como bem-sucedido em países desenvolvidos, com adaptações meramente
operacionais à realidade brasileira;
b) em razão de fundamentarem-se num modelo estrangeiro, as bases principais da
Reforma não são representativas do contexto da administração pública brasileira; e
c) por tratar-se da aplicação de modelo estrangeiro não adequado ao contexto, os
resultados produzidos pela Reforma têm menor possibilidade de solucionar os reais problemas
do Estado brasileiro.

A Nova Gestão Pública


No contexto internacional, identificam-se duas gerações distintas de propostas de
reforma do Estado. A primeira geração tem início na Grã-Bretanha e Estados Unidos, a partir
da eleição dos governos conservadores, mais especificamente a primeira-ministra inglesa
Margareth Thatcher e o presidente americano Ronald Reagan. Os principais objetivos das
reformas, naquele momento, era o corte de custos e o aumento da eficiência do setor público.
São adotadas políticas direcionadas ao ajuste fiscal, através do corte nos gastos públicos,
reformas tributárias, liberalização econômica, desregulamentação e privatizações. Essas
reformas foram conduzidas com base no conceito do Estado mínimo.

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A segunda geração das reformas do Estado se desenvolve nos anos 90 e incorpora
novas propostas, como o fortalecimento da capacidade gerencial do Estado, a melhoria da
qualidade dos serviços públicos e o fortalecimento da accountability.
Abrucio (1997) desenvolveu uma tipologia, a partir da experiência anglo-americana,
que permite uma compreensão mais clara dos movimentos de reforma. De acordo com
Abrucio (1997), o primeiro modelo é o gerencialismo puro, que corresponde à primeira etapa
da experiência na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, sendo direcionado à redução de custos
e ao aumento da eficiência e produtividade.
Seguindo uma linha evolutiva, o segundo modelo é o consumerism, que tem como
principal política a flexibilidade de gestão, a melhoria da qualidade dos serviços e a prioridade
no atendimento às demandas do consumidor. Nessa perspectiva, o cidadão é visto como
cliente.
Por fim, o terceiro modelo da tipologia de Abrucio (1997) é o Public Service
Oriented, que se fundamenta nos temas do republicanismo e da democracia, utilizando-se de
conceitos como accountability, transparência, participação, política, eqüidade e justiça. O
conceito de cidadão também evolui de um referencial individual para um sentido coletivo, de
exercício da cidadania. O autor, contudo, observa que o Public Service Oriented está mais
próximo de ser uma tendência que traz novos temas para a discussão e questiona antigos
pressupostos do que um modelo teórico acabado.
O gerencialismo puro corresponde basicamente à primeira geração de reformas,
enquanto que o consumerism e o Public Service Oriented estão identificados com a segunda
geração, assim como a teoria de “reinvenção do governo”, aplicada nos Estados Unidos,
durante o governo de Bill Clinton. Para Osborne e Gaebler (1997), teóricos do “reinventando
o governo”, não necessitamos de mais ou menos governo: precisamos de um governo melhor.
Relegam, dessa forma, a concepção do Estado mínimo e apostam na melhoria da atividade
governamental.
O o consumerism, o Public Service Oriented e o “reinventando o governo” inserem-
se no movimento denominado Nova Gestão Pública (New Public Management), que pode ser
descrito como o conjunto de discussões relativas à transição de um paradigma burocrático de
administração pública para um novo paradigma gerencial, que incorpore instrumentos
gerenciais utilizados com êxito nas organizações privadas que operam no mercado (Fleury,
2001).
Hood (1991) aponta alguns fatores que propiciaram o surgimento da NGP:
necessidade de reduzir os gastos governamentais e de limitar a expansão do número de
servidores; o culto ao cargo de gerente; o desenvolvimento da tecnologia da informação,
permitindo novos padrões de prestação de serviços; uma agenda internacional voltada para a
discussão do gerenciamento público.
Um outro fator que favoreceu a formação de uma nova concepção de gestão pública
seria a incapacidade de o paradigma burocrático oferecer soluções aos cada vez mais
complexos problemas de gerenciamento dos serviços públicos.
Longe se ser um conjunto teoricamente consistente de idéias e conceitos (Wollmann,
2004), a NGP é uma estrutura complexa de experiências e teorias. Para Fischer (2003), é uma
confluência de teorias e de práticas gerenciais, micro e macro-escalares, que incorpora
experiências internacionais, como as da Inglaterra, Estados Unidos e Nova Zelândia, e
propostas de agências internacionais.
Esse conjunto teórico heterogêneo por vezes contempla conceitos contraditórios. De
um lado, ancorada no paradigma gerencial, a NGP tende a transferir responsabilidades e
recursos às unidades administrativas, promovendo a autonomia e a descentralização. Por outro
lado, a influência do neo-institucionalismo e sua suposição de que as burocracias tendem a

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expandir-se e a buscar seus próprios interesses leva à adoção de maior controle político
externo, com implicações centralizadoras (Wollmann, 2004).
Armstrong (1998) reúne os principais conceitos da NGP em oito elementos, cuja
preponderância varia de acordo com o contexto em que cada reforma se realiza:
a) redução de custos e busca de maior transparência na alocação de recursos;
b) divisão das organizações burocráticas tradicionais em agências separadas, cuja
relação com o Estado se dá através de contratos;
c) separação entre comprador e fornecedor de serviços públicos;
d) introdução de mecanismos de mercado e quase-mercado;
e) descentralização da autoridade gerencial;
f) introdução de sistemas de gestão por desempenho;
g) mudança das políticas de pessoal, alterando a condição de estabilidade de emprego
e estabelecendo critérios de desempenho; e
h) aumento da ênfase na qualidade do serviço e na satisfação do consumidor.

Bases da Reforma do Estado de 1995


Na análise da primeira hipótese, verifica-se que, seguindo a tendência histórica, a
reforma do Estado iniciada em 1995 adota o que chama de paradigma gerencial
contemporâneo, fundamentado no modelo internacional denominado Nova Gestão Pública,
que tem como premissa central a transição de um paradigma burocrático de administração
pública para um novo paradigma gerencial. Dentro desta perspectiva, o Plano diretor da
reforma do aparelho do Estado define como objetivos globais:
- aumentar a capacidade administrativa de governar com efetividade e eficiência,
voltando a ação dos serviços do Estado para o atendimento dos cidadãos;
- limitar a ação do Estado àquelas funções que lhe são próprias;
- transferir da União para os estados e municípios as ações de caráter local; e
- transferir parcialmente da União para os estados as ações de caráter regional.
Na exposição no Senado sobre a reforma da administração pública, o Ministro da
Administração Federal e Reforma do Estado define dois objetivos: a curto prazo, facilitar o
ajuste fiscal, particularmente nos Estados e Municípios; e, a médio prazo, tornar mais
eficiente e moderna a administração pública, voltando-a para o atendimento dos cidadãos
(Bresser Pereira, 1997).
A estratégia de implantação foi concebida a partir de três dimensões: a institucional-
legal, que trata da reforma do sistema jurídico e das relações de propriedade; a cultural,
centrada na transição de uma cultura burocrática para uma cultura gerencial; e a relativa ao
aperfeiçoamento da administração burocrática vigente com a introdução da administração
gerencial.
A proposta de reforma do aparelho do Estado considera a existência de quatro setores
dentro do Estado, sendo que, para cada qual, foram formulados objetivos específicos:
(1) o núcleo estratégico do Estado, responsável pela formulação das Leis e definição
e cobrança do cumprimento das políticas públicas. A proposta previa o fortalecimento do
setor, mantendo as características básicas da administração burocrática e incorporando novos
instrumentos, como os contratos de gestão;
(2) as atividades exclusivas de Estado, onde se exerce o poder de regulamentar,
fiscalizar e fomentar. Neste setor, o objetivo era introduzir as Agências como novo modelo
institucional, na forma de Agências Executivas e Agências Reguladoras, assimilando novos
instrumentos e mecanismos de gestão, por meio da introdução da avaliação de desempenho,
do controle por resultados, da focalização da satisfação do usuário e do controle de custos;
(3) os serviços não-exclusivos ou competitivos, representados por instituições que
não possuem o poder do Estado, mas onde este se faz presente porque os serviços envolvem

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direitos fundamentais, como os da educação e da saúde. A estratégia para este setor foi de
“publicizar” as atividades não-exclusivas de Estado, disseminando-se as organizações sociais,
como forma de propriedade pública não-estatal, sendo administradas pela sociedade, mediante
conselhos, e recebendo o aporte de recursos orçamentários do Estado; e
(4) a produção de bens e serviços para o mercado, que corresponde à área de atuação
das empresas estatais do segmento produtivo ou do mercado financeiro. Em relação a este
setor, foi definido que a produção deve, em princípio, ser realizada pelo setor privado, com
base no pressuposto de que as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e
administradas privadamente, cabendo ao Estado um papel regulador e transferidor de
recursos.
Marini (2003) observa que as principais iniciativas da Reforma foram orientadas
para: a revisão do marco legal (reforma constitucional e da legislação corrente); a proposição
de novos modelos organizacionais (agências reguladoras, executivas e organizações sociais);
a adoção de instrumentos gerenciais (contratos de gestão, programas de qualidade na
administração pública); e a valorização dos servidores integrantes das carreiras estratégicas
(nova política de recursos humanos, revisão da política de remuneração e intensificação da
capacitação de funcionários).
O que se observa é que as principais diretrizes da Reforma do Estado estão em
consonância com os conceitos básicos que orientam a NGP. Adotando-se os elementos
propostos por Armstrong (1998) para caracterizar o novo gerencialismo, verifica-se que todos
os oito elementos estão presentes na reforma brasileira. Alguns de forma central, como por
exemplo, a divisão das organizações burocráticas tradicionais em agências separadas, a
introdução de sistemas de gestão por desempenho, a mudança das políticas de pessoal e a
introdução de mecanismos de mercado e quase-mercado. Outros de forma implícita, como a
redução de custos e a separação entre comprador e fornecedor de serviços públicos.
A influência dos conceitos e teorias da NGP é assumida de forma clara pelo principal
protagonista da reforma, o Ministro da Administração e Reforma do Estado, Bresser Pereira
(2000, p. 11), que declarou que, quando foi convidado para o cargo:
“Já tinha algumas idéias a respeito, já que orientara alunos e presidira a comissão que
reformulou a pós-graduação em administração pública na Fundação Getulio Vargas/SP.
Conhecia muito bem a administração pública burocrática, conhecia a teoria e a prática da
administração de empresas e tinha uma idéia da administração, que eu chamaria um pouco
adiante de “gerencial”, através da leitura do livro de Osborne e Gaebler (1992),
Reinventando o governo. Mas precisava conhecer muito mais a respeito das novas idéias. E
foi o que fiz, viajando para a Inglaterra logo no início do governo e começando a tomar
conhecimento da bibliografia que recentemente havia-se desenvolvido, principalmente
naquele país, a respeito do assunto.” (grifo no original)
Em seguida, o Ministro relata que elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado e a emenda constitucional da reforma administrativa, tomando como base as
experiências recentes em países da OCDE, principalmente o Reino Unido (Bresser Pereira,
2001).
Peci e Cavalcanti (2001), ao analisarem a criação das agências reguladoras, registram
que a reforma brasileira foi inspirada em experiências internacionais, prescindindo de uma
discussão anterior sobre o modelo de regulação. Primeiro foram encaminhados os projetos de
lei e só depois foram discutidos os conceitos básicos do modelo.
Na verdade, o fato de, na reforma do Estado, ser adotado um modelo estrangeiro
apenas confirma uma tendência histórica de se buscar nos países do primeiro mundo as
soluções para os problemas locais. Uma das explicações para esse fenômeno é a tendência,
apontada por Prestes Motta, Alcadipani e Bresler (2001), de os gestores no Brasil
valorizarem de forma exagerada os modelos organizacionais, metodologias e teorias geradas

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em outros países, havendo pouca preocupação com a adequação desses modelos ao nosso
contexto.
E esta não é uma prática isolada do Brasil, mas se repete em outros países em
desenvolvimento. Varas (2005) constata que a justificativa para implementar as reformas do
setor público, em especial na América Latina, é a conveniência de incrementar a legitimidade
do sistema. Outra justificativa é de ordem financeira e se origina em grande parte da
necessidade de implementar o chamado “Consenso de Washington”, resultado da pressão de
organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
Com relação à importação, pelos países latino-americanos, de políticas públicas
formuladas nos países do primeiro mundo, Casals (1998) observa que esse procedimento
tradicional tem como pressuposto um alinhamento com os novos movimentos políticos
mundiais e uma necessidade de inserção entre as ditas nações desenvolvidas, chegando à
mesma conclusão que Guerreiro Ramos (1983) havia expressado com relação às sociedades
em vias de desenvolvimento.
Essa reprodução de modelos, que leva a uma convergência das formas
organizacionais, encontra uma explicação teórica na teoria institucional, através do conceito
de isomorfismo institucional. DiMaggio e Powell (1983) propõem que a convergência ocorre
por meio de três mecanismos: o isomorfismo coercitivo, que ocorre quando uma organização
adota uma nova forma por pressão de que alguma autoridade dominante; o isomorfismo por
mimetismo, que acontece quando, sob condições de incerteza decorrente de problemas
tecnológicos, objetivos conflitantes e exigências ambientais, uma organização copia o que foi
feito por organizações com maior status; e o isomorfismo normativo, que ocorre quando um
órgão profissional decreta a forma como determinados processos devem ser organizados.
O caso das reforma administrativa brasileira pode ser explicado pelo isomorfismo
por mimetismo. Segundo Pollitt (2002), copiar um modelo aparentemente bem-sucedido
ajuda a conferir legitimidade, mesmo que o desempenho não melhore. Observa o autor, no
entanto, que os mecanismos isomórficos não envolvem simples cópia voluntária, uma busca
visando ao melhor desempenho. Os atores que importam a tecnologia podem não agir de
forma totalmente racional, em vista de que outros fatores interferem no processo, como, por
exemplo, a existência de pressão sobre o governo importador, a necessidade de obter uma
forma garantida de legitimar a reforma ou a consolidação de algumas tecnologias como norma
em importantes redes internacionais (Pollitt, 2002).

Condicionantes da implantação da Reforma: a questão da cultura


O ambiente em que a reforma administrativa ocorre envolve um alto grau de
consenso internacional em torno de dois aspectos: a premência de reformar o Estado e a
superioridade da administração gerencial em relação ao modelo burocrático. Fleury (1996)
observa uma surpreendente unanimidade internacional em relação à necessidade de reforma
do Estado, com o objetivo de melhorar seu desempenho, reduzir seu tamanho e torná-lo
socialmente mais responsável. No debate internacional sobre administração pública, é
considerado um fato incontestável que o modelo burocrático, nas bases definidas por Weber,
não consegue mais responder às demandas da sociedade contemporânea (Abrucio, 1997).
Quanto ao segundo aspecto, a administração gerencial, representada pela NGP, tem
sido referenciada com uma conotação mítica, como sendo uma base teórica de tal forma
evidente que se sustenta pelo simples enunciado, sem necessidade de submeter-se a testes
científicos. Pollitt e Bouckaert (2002) chegam a compará-la a uma espécie de religião, um
sistema de crenças baseado na fé, com os seus elementos característicos: missionários usando
símbolos, provérbios e histórias, traduzidas para adaptar-se localmente às percepções dos
grupos dominantes. Nesse mesmo sentido, Beckett (2000) visualiza a NGP e, mais
precisamente a expressão de que “o governo deve funcionar como um negócio”, como uma

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espécie de mantra, que, de tanto ser repetido, acaba sendo assumido como uma verdade
definitiva. Religião ou mantra, o fato é que a nova gestão pública tem palavras de ordem
positivas e é detentora de uma retórica de alto poder mobilizador (Fischer, 2003).
Essa crença na capacidade de a administração gerencial solucionar os problemas da
administração pública brasileira está subjacente nos documentos que fundamentam a reforma.
Em vários momentos a administração gerencial é tratada como forma superior de gestão, que
anularia as formas anteriores, ou para usar a expressão de Carvalho (1999, p. 10), seria “o
bálsamo redentor contra a rigidez burocrática e o patrimonialismo que caracterizam a
administração pública brasileira”.
Mas afinal, esta imagem atribuída à NGP corresponde efetivamente à realidade, ou é
resultado de uma eficaz estratégia de marketing internacional? Na verdade, são raros os
estudos científicos que tem como objeto a avaliação dos resultados produzidos pela NGP.
Esse fato deve-se principalmente às dificuldades metodológicas para definir uma pesquisa
com estas características.
Para Pollitt e Bouckaert (2002), um estudo para avaliar o impacto de uma reforma
necessita que se estabeleça um parâmetro de comparação. Esse parâmetro seria um cenário
que indicaria o que teria acontecido se a reforma não fosse implementada, ou seja um
contrafactual. Ocorre que definir cenários futuros convincentes não é uma tarefa simples. Por
outro lado, os impactos finais de uma reforma são muito difíceis de serem mensurados e
encerram outro problema metodológico: como determinar se os resultados são conseqüência
da reforma ou de outras variáveis intervenientes? Por conta dessas dificuldades
metodológicas, os estudos científicos ficam devendo uma resposta mais conclusiva sobre a
avaliação dos resultados da NGP.
Se o sucesso da Nova Gestão Pública não se origina da comprovação científica de
sua eficácia, resta atribuí-lo à sua retórica com alto poder de persuasão e à propaganda
promovida pelos Estados protagonistas, diretamente interessados na disseminação de suas
teorias.
Desconsiderando a ausência de estudos definitivos sobre os resultados da NGP e
admitindo, por hipótese, que efetivamente esse tipo de reforma produziu impactos positivos
nos países em que foi implantada, restam outras questões importantes a serem discutidas:
existe uma fórmula única, que serve para todos os casos? É viável transplantar tecnologias
administrativas sem uma profunda adequação ao contexto? O modelo que foi bem sucedido
na Inglaterra, Estados Unidos ou Nova Zelândia, repetirá o sucesso num país com
características totalmente diferentes?
Parece evidente que importar uma tecnologia de gestão, para ser implantada em um
contexto completamente diverso, acarreta alguns riscos. Ela poderá fracassar, ou ser
implementada de forma ineficaz, se for inconsistente com os principais valores culturais do
contexto local (Lachman, Nedd e Hinings apud Lynn e Stein, 2001).
Em administração pública, como na administração em geral, não há soluções
generalizáveis. Um modelo bem sucedido num país, pode malograr se implantado em outro.
Muitas vezes, não dá o mesmo resultado nem dentro de um mesmo país, observa Marini
(2003). Assim, não existem tecnologias genéricas que possam ser transplantadas de um local
para outro, em qualquer lugar do mundo, com a certeza de que elas sempre apresentarão os
resultados esperados (Pollitt, 2002).
Pollitt (2004), além de refutar a idéia de uma melhor prática válida para qualquer
circunstância – one best way, entende que, na transferência de um sistema de administração
ou de uma técnica, que devem ser considerados, como fatores fundamentais, a cultura
nacional e organizacional; a estrutura do sistema político; as estratégias administrativas e a
complexidade das tarefas principais. Nesse mesmo sentido, Rezende (2002) observa que os

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projetos de reforma que não levam em conta as particularidades dos sistemas burocráticos e
administrativos tendem a apresentarem resultados pouco efetivos.
Martins (1997) apresenta outros aspectos que considera essenciais ao sucesso de uma
reforma do Estado, mas novamente é salientada a necessidade de adequação cultural:
“qualquer tentativa de reforma das estruturas do Estado, para que possa ser bem sucedida,
deve levar em consideração pelo menos três aspectos: em primeiro lugar, a cultura política
particular sob a qual a administração pública evoluiu em cada país; em segundo lugar, os
processos que levaram (tradicionalmente ou recentemente) às disfunções do serviço
público; e em terceiro lugar, a localização dos principais gargalos da administração
pública.” (p. 14)
A questão da cultura política e institucional também é central para a Organisation de
Coopération et de Développement Economiques (2004), que afirma que a mudança da
estrutura das organizações é extremamente dependente do contexto. E de todas as dimensões
que compõem a gestão, a informal, constituída pelos interesses, valores e atitudes dos
indivíduos, importa mais que os sistemas formalizados.
Argyriades (2004) observa que as perspectivas uniformes e o pensamento
unidimensional conduziram a um enfoque de reforma do Estado em que se privilegiam apenas
os fatores administrativos e econômicos. As intervenções, contudo, ocorrem em sistemas
sociais complexos, onde se encontra oposição de interesses e conflitos, reduzindo a
capacidade de prever e controlar a conduta.
Pollitt (2002) resume bem esse quadro ao salientar que a implementação de uma
reforma na gestão pública deve combinar pelo menos três elementos: a especialização em
gestão técnica, o conhecimento funcional e a atenção ao contexto local. Em relação
especificamente à NGP, é possível que essas técnicas funcionem conforme esperado, mas
somente se forem adequadas para a função e para o contexto administrativo e cultural.
Na análise da segunda hipótese referente à reforma administrativa, observa-se que foi
atribuída pouca importância ao contexto cultural e político da administração pública
brasileira. A análise dos documentos-base da reforma indica que foi supervalorizada a
dimensão institucional-legal, enquanto que a dimensão cultural foi tratada de forma
superficial. Com isso, aspectos peculiares e significativos da administração pública brasileira
foram desconsiderados no processo.
O Plano Diretor da Reforma não desconsidera a questão da cultura, definindo que a
reforma do aparelho do Estado é concebida a partir de três dimensões, sendo uma delas
cultural, centrada na transição de uma cultura burocrática para uma cultura gerencial.
A citação da dimensão cultural, no entanto, parece ter mais uma função decorativa do
que a de estabelecer uma efetiva estratégia de ação, visto que o Plano Diretor é minucioso na
explanação da dimensão institucional-legal, citando as emendas constitucionais que deverão
ser aprovadas, a legislação infra-constitucional que precisará ser revista, os projetos básicos a
serem encaminhados, enquanto a dimensão cultural é tratada de forma superficial e genérica,
informando-se que “viabilizará a operacionalização da cultura gerencial centrada em
resultados através da efetiva parceria com a sociedade, e da cooperação entre administradores
e funcionários” (p. 29). Para Bresser-Pereira (2000, p. 18), “a dimensão cultural da reforma
significa, de um lado, sepultar de vez o patrimonialismo e, de outro, transitar da cultura
burocrática para a gerencial”. O que certamente revela uma boa intenção, mas está longe de
representar uma ação concreta.
Além disso, transformar administradores públicos burocráticos em gerentes é uma
mudança bem mais complexa do que transparece no Plano Diretor da Reforma. Como observa
Junquilho (2004, p. 139), “os gerentes agem condicionados por certos traços da cultura
brasileira que restringem e facilitam as suas ações ao mesmo tempo, configurando um certo

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perfil gerencial, deixando claro que qualquer mudança nesse perfil envolve uma reconstrução
social de significados das ações no seio das organizações do setor público”.
Ainda conforme Junquilho (2004), a administração pública gerencial, como um ideal
a ser buscado, não deve ser vista apenas pelo aspecto objetivo das práticas de gestão, mas
também deve ser considerado o campo da subjetividade, ou sejam, as experiências reais do
trabalho no setor público, onde os administradores têm suas práticas sociais apoiadas, no seu
dia-a-dia, em traços culturais. A reforma administrativa, contudo, não contemplou uma
reflexão sobre essas práticas gerenciais, desprezando a dimensão cultural que, neste caso,
constituiria uma barreira à transformação de “burocratas” em “gerentes”.
O Plano Diretor da Reforma, ao priorizar o conteúdo técnico e institucional,
deixando a dimensão cultural como mera figuração, deixou de considerar adequadamente o
contexto brasileiro, as peculiaridades e as características mais essenciais da nossa
administração pública.
Uma dessas características centrais que identificam a cultura política brasileira é a
herança colonial patrimonialista. Nem as profundas mudanças econômicas e sociais que
ocorreram no país amenizaram o favoritismo e o clientelismo como características culturais,
que moldaram a organização da administração pública, a percepção que a sociedade tem do
Estado e a predisposição de aceitar essas práticas como normais (Martins, 1997).
Para Lustosa da Costa (2005), esse conjunto de peculiaridades, formado pelo
patrimonialismo, personalismo, mandonismo, clientelismo, cartorialismo e autoritarismo,
constitui modos de ser, proceder ou pensar que caracterizam as nossas instituições e as
relações sociais e políticas e é uma das principais causas da pouca efetividade da ação
pública. O autor entende que esta é uma questão central por tratar-se “de uma série de
aspectos diversificados, complexos e inter-relacionados da realidade brasileira que
condicionam o funcionamento do Estado e a ação e o desenvolvimento da Administração
Pública brasileira e continuam a desafiar os cientistas sociais” (p. 5).
O Plano Diretor da Reforma trata do tema “patrimonialismo”, mas o faz numa
perspectiva mundial, sem particularizar o fenômeno no contexto brasileiro, e considera que a
administração pública patrimonialista, a burocrática e a gerencial se sucedem no tempo, sem
que, no entanto, qualquer uma delas seja inteiramente abandonada. Essa abordagem em linha
seqüencial, supõe que um sistema substitui o antecessor, sendo que os elementos dos sistemas
anteriores que persistem tendem a desaparecer dentro do processo natural de desenvolvimento
da sociedade. Nesta lógica de pensamento, uma forma mais moderna de administração, no
caso entendida como a gerencial, substituirá automaticamente as formas anteriores.
Pesquisadores, contudo, têm observado que a administração pública brasileira foi se
expandindo por camadas, e não pela substituição dos sistemas anteriores. Foi o que aconteceu
com a administração patrimonial, que predominou durante o período da República Velha,
sobre a qual foi acrescentada a camada da administração burocrática na década de 30 (Fleury,
1997). Esse mecanismo tem também funcionado nas reformas administrativas mais recentes.
De acordo com Martins (1997), quando surge a necessidade de uma burocracia com aptidões
diferentes, esta é acrescida como uma nova camada às já existentes, evitando, assim,
mudanças estruturais que prejudiquem interesses políticos ou corporativos.
Lessa (2003), sem abandonar a metáfora das camadas arqueológicas, observa que
não se trata apenas de superposição de sistemas, mas também de articulação e de
desenvolvimento combinado. Nunes (2003), que estabeleceu um modelo para definir as
relações entre a sociedade e o Estado no Brasil a partir de quatro padrões institucionalizados
de relações ou quatro gramáticas, o clientelismo, o corporativismo, o insulamento burocrático
e o universalismo de procedimentos, observou que o clientelismo (que é uma das
representações do patrimonialismo) se manteve forte nos períodos democráticos, não
esmoreceu no período de autoritarismo, não se abalou com a industrialização, nem com a

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abertura política. Nunes (2003) constata, ainda, que as instituições formais do Estado foram
impregnadas pelos procedimentos clientelistas, de modo que também os procedimentos
burocráticos acabam dependendo de favores de patronagem, concluindo que “a burocracia
apóia a operação do clientelismo e suplementa o sistema partidário” (p. 33).
A reforma administrativa releva a forte presença do patrimonialismo na cultura social
e política do País. Bresser Pereira (2000) chegou a afirmar que “a cultura patrimonialista já
não existe no Brasil, porque só existe como prática, não como valor” (p. 18). Em seguida,
reconhece que “esta afirmação, entretanto, é imprecisa, já que as práticas fazem também parte
da cultura” (Bresser Pereira, 2000, p. 18). Ora, não se poderia esperar que os partidos
políticos defendessem o patrimonialismo como programa doutrinário, ou que os governantes
o referissem em seus programas de governo. O que importa, contudo, é que as práticas
políticas têm sido fortemente marcadas pelo patrimonialismo, ainda que oficialmente seja
condenado, o que acaba sendo uma manifestação do formalismo, visto que os
comportamentos e as ações não correspondem às regras formais e aos documentos oficiais.
Essa situação também pode ser abordada a partir da análise dos objetivos operacionais e
objetivos oficiais, conforme propõe Perrow (apud Marinho, 1990). Os objetivos oficiais são
representados pelos propósitos gerais da organização tal como existem nos relatórios oficiais,
enquanto que os objetivos operacionais são os que dizem o que a organização está
efetivamente tentando fazer, independentemente do que é oficialmente declarado como sendo
os seus fins. O formalismo é encontrado na medida em que os objetivos oficiais (a dimensão
formal) não coincidem com os objetivos operacionais (a dimensão real).
Em outra simplificação da realidade nacional, a reforma administrativa assume um
dos pressupostos centrais da NGP, o de que o modelo burocrático tradicional, em vista de seu
esgotamento, deve ceder lugar à administração gerencial. Essa assertiva pode ter sido válida,
por exemplo, para a Grã-Bretanha, que, antes da reforma gerencialista, apresentava um
modelo burocrático muito próximo ao weberiano. Já no caso brasileiro, a burocracia estatal
teve um desenvolvimento peculiar.
A burocracia tem seu início na década de 30, com a criação do Departamento
Administrativo do Serviço Público, DASP, para ser um agente modernizador dos processos
administrativos, seguindo os padrões burocráticos. A modernização do DASP, contudo,
convivia com os expedientes clientelistas utilizados pelo Estado Intervencionista da era
Vargas.
Na década de 50, quando se consolida uma elite desenvolvimentista, interessada na
industrialização do País, Nunes (2003) observa que não havia interesse do sistema partidário e
da burocracia tradicional em implementar uma estratégia de desenvolvimento nacional. A
saída encontrada foi criar agências especiais para cuidar desse projeto, insuladas, ou seja,
situadas fora do controle do Congresso e dos partidos políticos. Assim, formou-se um cenário
constituído pelo clientelismo em certas arenas políticas, pelo insulamento burocrático de
outras e pela estrutura corporativista.
Essa configuração não se alterou de forma significativa nas décadas seguintes, de
forma que a burocracia brasileira apresenta duas faces. Temos uma elite burocrática, que se
desenvolveu nas agências insuladas, e para a qual foram adotados acessos mediante concurso,
carreiras, promoção baseada em critérios de mérito e salários adequados e, ao mesmo tempo,
um quadro de servidores de baixa qualificação, onde a norma de admissão era a indicação
clientelista, o critério de promoção baseado na antiguidade e não no mérito e os salários
baixos (Martins, 1997).
Dessa forma, excluindo-se essa burocracia insulada, a administração pública em
geral está longe de apresentar as características básicas do modelo weberiano, como a
impessoalidade, o profissionalismo e a meritocracia. Assim, a proposta de substituição da
administração burocrática está um tanto fora do contexto, visto que, salvo em alguns setores,

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esse modelo sequer chegou a ser concretizado. Deve ser considerado, ainda, que boa parte da
elite burocrática se encontrava em empresas estatais que foram privatizadas no processo de
reforma e, portanto, não fazem mais parte da administração pública.
Por outro lado, a premissa de que a administração gerencial é uma forma de gestão
qualitativamente superior à burocracia merece uma melhor avaliação. Gurgel Junior e Vieira
(2002) analisam a implantação de um programa de renovação organizacional no Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, coerente com as proposições da reforma do
Estado, fundamentado no paradigma administrativo tecnológico-empreendedor, como forma
de superar o modelo burocrático da administração pública, com base na adoção de práticas
administrativas flexíveis, descentralizadas e informatizadas. No estudo de caso, os autores
concluem que “a proposta é incompatível com a natureza jurídica atual da organização e
apresenta forte tendência ao distanciamento da missão da instituição no âmbito do ensino e da
assistência à saúde” (p. 548) e que a diretriz mercadológica do programa não se coaduna com
as funções sociais das organizações hospitalares públicas.
Em suma, percebe-se que o contexto brasileiro não foi adequadamente considerado
quando da formulação e implantação da reforma administrativa. O modelo tomado como
referência propunha soluções universais, mas demasiadamente simplistas, para serem
aplicadas a uma realidade complexa, com múltiplos aspectos inter-relacionados e por vezes
contraditórios.
Heisler (1995), além de observar a “fundamentação de proposições em condições ou
requisitos inexistentes na realidade brasileira” (p. 13), aponta ainda o caráter voluntarista da
reforma, com supervalorização da vontade dos governantes e condutores do processo e, ao
mesmo tempo, uma subestimação dos interesses dos grupos hegemônicos no sistema político-
administrativo. Convém ressaltar que o sucesso da implantação do modelo gerencial depende
menos da vontade de seus protagonistas que das condições sociais.
Quanto à terceira hipótese, referente aos resultados obtidos pela reforma
administrativa, uma boa fonte para a análise foi um artigo do ministro Bresser Pereira, onde
considera que a reforma é um projeto bem-sucedido, principalmente em termos de definição
institucional, haja vista que as principais mudanças legais previstas foram transformadas em
leis (Bresser Pereira, 2000). Essa constatação é um indicativo de que o formalismo, de acordo
com a concepção de Riggs (1968) e Guerreiro Ramos (1983), foi uma das características da
reforma, haja vista que as normas são mudadas, mas os comportamentos sociais persistem,
criando uma distância entre o que a lei prevê e o que realmente ocorre. Outra evidência de
que o formalismo esteve presente na reforma é que o modelo se resumiu a uma estrutura
formal, baseando-se mais na dimensão técnica que nos aspectos sócio-culturais (Fleury,
1996). Registra-se que as características formalistas da reforma já haviam sido constatadas
também por outros pesquisadores (Machado-da-Silva, Guarido Filho, Nascimento e Oliveira,
2001).
Dentro dessa perspectiva, verifica-se que a reforma se concentrou na dimensão
institucional-legal, enquanto que os problemas que condicionam a efetividade da
administração pública se encontram na esfera cultural-política.
É importante considerar que para Guerreiro Ramos (1983), o formalismo não é uma
característica bizarra, um fato estranho que se encontra nas sociedades em desenvolvimento,
mas uma estratégia dessas sociedades que tem o objetivo de superar a fase em que se
encontram. Nesse sentido, o formalismo resulta da pressão da sociedade mundial, que, dada
uma determinada relação centro-periferia, leva a sociedade periférica a ser compulsoriamente
receptiva. No entanto, a presença do formalismo parece confirmar que as bases teóricas da
reforma não estão em perfeita consonância com a realidade brasileira e, que, por isso, os reais
problemas do Estado brasileiro continuam sem uma efetiva solução.

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Conclusão
Um aspecto relevante da reforma é que ela foi concebida como um processo
invertido: primeiro foi escolhida a solução, materializada na teoria da NGP, e depois foi dada
atenção para o problema, com vistas também a justificar e legitimar a solução desejada. A
ordem natural seria identificar e diagnosticar os problemas para então discutir possíveis
soluções, que poderiam ser oriundas de outras experiências internacionais ou geradas
internamente.
Há, no entanto, várias razões para justificar o modelo de reforma implantado no
Brasil:
a) praticamente todas as mudanças sofridas pela administração pública brasileira
foram conseqüência da influencia de padrões estrangeiros. A reforma administrativa apenas
repetiu uma prática histórica de buscar no exterior a solução para problemas internos;
b) adotar um modelo consagrado garante legitimidade para a reforma e diminui a
resistência à sua implantação;
c) a opção por um modelo internacionalmente bem conceituado permite que o país
adquira um novo status perante os países desenvolvidos. Além disso, dava ao Brasil “a
oportunidade de participar desse grande movimento de reforma e constituir-se no primeiro
país em desenvolvimento a fazê-lo” (Bresser-Pereira, 2000, p. 11);
d) sempre se poderá alegar que a reforma foi bem sucedida, visto que a legislação
que lhe dá base foi aprovada e as novas instituições (organizações sociais, agências executivas
e agências reguladoras) estão em funcionamento; e
e) se nem todos objetivos previstos foram alcançados, a culpa pode ser atribuída aos
interesses corporativistas, à cultura burocrática e às pressões clientelistas.
Na verdade, essa opção por um modelo específico condicionou todo o processo da
reforma. O debate em torno da proposta foi conduzido de forma unilateral e teve como
principal objetivo legitimá-la. As peculiaridades da administração pública brasileira foram
levadas em conta para os ajustes de operacionalização do arcabouço de práticas e teorias, mas
não se constituíram nos elementos fundamentais da formulação da reforma.
Por outro lado, a questão cultural, embora tratada de forma explícita no plano diretor
da reforma, foi relegada na condução do processo. As ações do MARE estiveram direcionadas
prioritariamente para a aprovação das emendas constitucionais e da legislação infra-
constitucional que permitiriam a implantação da reforma.
Uma outra alternativa teria sido pensar a reforma a partir do contexto da
administração pública brasileira, considerando seus anacronismos, vulnerabilidades,
assimetrias, deficiências e, porque não, também suas virtudes, para então serem apresentadas
as propostas de mudança.
Assim, teríamos um processo cujo foco central é a realidade brasileira, com o seu
conjunto de peculiaridades, e não as proposições de um modelo fabricado alhures. Para isso
seria preciso investir na construção de condições locais para planejar e implantar as reformas
e também para acompanhar sua evolução e avaliar os resultados. Isso implicaria, como
destacou Guerreiro Ramos (1966), em desenvolver capacidades para refletir nossa realidade,
deixando de adotar mimeticamente a produção teórica externa, que seria um subsídio a mais a
ser considerado, mas não teria o status de um modelo a ser imitado.
Para gerar uma reforma centrada no contexto brasileiro, é essencial que ela seja
construída através de um consenso social, como parte de um processo de redefinição das
relações entre o Estado e a sociedade, tendo, como resultado, o redesenho das estruturas
institucionais para viabilizar a atuação do Estado no novo cenário (Fleury, 1997).
Ainda de acordo com Fleury (1996, 1997), a reforma administrativa não deve
restringir-se às necessidades técnico-administrativos, mas precisa contemplar os aspectos
relativos à cultura política, considerando a questão do reordenamento das relações de poder.

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Deve ser considerado também que o modelo gerencial não é a única proposta de
mudança factível. Paula (2005), por exemplo, aponta, como uma alternativa ao gerencialismo,
a construção da administração pública societal, que consiste numa proposta que tem como
base um novo modelo de desenvolvimento, a concepção participativa e deliberativa de
democracia, a reinvenção político-institucional e a renovação do perfil dos administradores
públicos.
Ao buscar um modelo internacional e enfatizar a dimensão institucional, talvez na
expectativa de que fosse suficiente para mudar a cultura política e administrativa, a reforma
do Estado de 1995 desperdiçou uma excelente oportunidade para formular uma proposta de
mudança centrada no contexto brasileiro. É verdade que esta maneira de conduzir a reforma
iria de encontro à tendência hoje predominante no mundo globalizado da gestão, que, como
observa Pollitt (2002), pressupõe que a melhor solução sempre está com alguém lá fora,
precisamos somente encontrá-lo, o que faz com que a transferência de tecnologia de gestão de
um país para outro seja um grande negócio.

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