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Universidade Federal de Juiz de Fora

Departamento de História

A arqueologia histórica no estudo dos quilombos


brasileiros: uma breve sondagem

Tiago Faceroli Duque


RESUMO

O presente trabalho tem por intenção fazer uma breve sondagem a respeito das
contribuições da arqueologia histórica para o estudo dos quilombos no Brasil. Ao longo
do trabalho, será feita uma breve análise sobre o que são os quilombos e qual seria o
papel da arqueologia histórica, culminando com a revisão de resultados da pesquisa
arqueológica no Quilombo dos Palmares.

Palavras Chave: Quilombos, Arqueologia Histórica, Quilombo dos Palmares.

ABSTRACT

This paper intends to make a brief survey about the contributions of historical
archaeology in the study of quilombos in Brazil. During the text, there will be done a
brief analysis about what are the quilombos and what are the guidelines for historical
archaeology research, culminating in the review of the results of archeological
researches in Palmares Quilombo.

Key-words: Quilombos, Historical Archaeology, Palmares.


1. Introdução:

A breve pesquisa referente a este trabalho foi estimulada e executada como


trabalho didático feito para o Tópico em História Econômica ministrado pela Profa. Dra.
Carla Maria Carvalho de Almeida no período referente ao primeiro semestre do ano de
2010, oferecido pelo Curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
O Tópico assumiu como tema principal a escravidão, trabalhando com sua
historiografia, suas repercussões e seu impacto nos setores econômico, social e cultural
brasileiros ao tempo do escravismo.
A demarcação do tema aos estudos dos quilombos e a relação estabelecida com a
arqueologia histórica partiu pelo crescente contato entre ambos nas pesquisas
brasileiras. Fala-se hoje ainda em uma delimitação da arqueologia histórica própria
para a área, que seria a arqueologia da escravidão, demonstrando a força que a
arqueologia tem ganhado na área.

2. Escravidão no Brasil e a Formação dos Quilombos:

A escravidão no Brasil tem sido alvo de intenso debate ao longo do século XX


até os dias de hoje. Diversos autores têm proposto novas teorias de análise sobre a
escravidão e a área vem sendo preenchida por uma intensa produção acadêmica. Silvia
Lara faz uma breve análise sobre a historiografia sobre a escravidão colonial no Brasil,
destacando autores como Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., além da atuação da Escola de
São Paulo na década de 1960 (LARA in BICALHO & FERLINI, 2005, p. 23). Já na
década de 1980, afirma Silvia Lara, os estudos sobre a escravidão teriam se
transformado, passando a enfocar mais nos estudos dos valores e ações dos escravos,
deixando de lado o antigo ponto de vista econômico sobre a escravidão (LARA in
BICALHO & FERLINI, 2005, p. 25).
É com o escravo visto como sujeito histórico que os movimentos de resistência
são salientados. Propõe-se um modelo de duplo comportamento para o escravo sujeito,
sendo eles os questionadores (revoltosos, quilombolas) e os submissos, representados
respectivamente pelas figuras de Zumbi dos Palmares e do Pai João (LARA, 1995 apud
ABREU, 2004, p. 236).
Sobre a resistência do escravo, João Reis e Flávio Gomes ainda salientam:

Onde houve escravidão houve resistência. E de vários tipos.


Mesmo sob a ameaça do chicote, o escravo [...] rebelava-se
individual e coletivamente. Aqui também a lista é longa e
conhecida. Houve no entanto um tipo de resistência que
poderíamos caracterizar como a mais típica da escravidão [...]
Trata-se da fuga e formação de grupos de escravos fugidos.
(REIS & GOMES, 1996, p. 9)

Esta fuga, que levava à formação de grupos de escravos fugidos, aconteceu nos
lugares onde havia escravidão e recebeu diferentes nomes em diferentes lugares, sendo
no Brasil chamado principalmente de quilombos e mocambos (REIS & GOMES, 1996, p.
10).
Segundo Donald Ramos, os quilombos desempenharam importante papel no
tecido social do sistema escravocrata brasileiro. Eles podem ser vistos como uma forma
de rejeição para a escravidão por parte de muitos escravos, mas também como uma
forma de fuga individual do cativeiro. Daí sua diferença para a rebelião, que é retratada
por Donald Ramos como sendo em muitos casos “um esforço para destruir o sistema
[...] ” (RAMOS in REIS & GOMES, 1996, p. 167).
Como conclusão, Donald Ramos afirma que os quilombos representavam uma
porta de saída para a escravidão, sendo no caso de Minas Gerais, também parte de um
sistema maior desenvolvido pela mineração. A existência de quilombos permitiu aos
escravos desempenharem vários papéis, que iam desde se portar como um escravo
obediente a maior parte do tempo a ajudar os quilombolas e mesmo juntar-se a eles. De
acordo com Donald Ramos, isto criou uma ambigüidade que provocava frustrações às
autoridades e ao sistema. Para João Reis e Flávio Gomes, o quilombo ainda “seria uma
espécie de sociedade alternativa à sociedade escravocrata, onde todos seriam livres e
possivelmente iguais, tal como teriam sido na África [...]” (REIS & GOMES, 1996, p. 11).
Em síntese, o quilombo teria sido uma formação (político)social que assumia uma
diversidade de funções, e cujos membros participavam de forma ainda mais diversa quando em
relação à sociedade vigente.

3. Arqueologia Histórica

Segundo José D’Assunção Barros, o século XX é um “século de


especializações”, e que a partir dele começaram a se definir as mais diversas
modalidades internas ao Campo Histórico (BARROS, 2004, p. 1). Neste sentido, o autor
trabalha com a História da Cultura Material, sendo ela

[...] o campo histórico que estuda fundamentalmente os objetos


materiais em sua interação com os aspectos mais concretos da
vida humana, desdobrando-se por domínios históricos que vão
do estudo dos utensílios ao estudo da alimentação, do
vestuário, da moradia e das condições materiais do trabalho
humano. (BARROS, 2004, p. 4-5)

Seria esta cultura material a ferramenta de estudos da arqueologia. A


arqueologia histórica teria surgido na década de 1930 nos EUA em oposição à
arqueologia pré-histórica. Mas seu campo de atuação ainda teria de percorrer um longo
caminho e receber inúmeras definições e conceitos para amadurecer e chegar aos
estágios atuais (ZANETTINI, 2005). Em decorrência de seu desenvolvimento nos EUA,
a arqueologia teria então se dividido em arqueologia histórica e pré-histórica. O
resultado deveria ser de fato uma divisão entre a arqueologia referente a períodos pré e
pós-literatos (arremetendo assim à Babilônia antiga), mas na prática o termo passou a
ser quase que exclusivamente aplicado ao “Novo Mundo” (FUNARI et alii, 1999c apud
ZANETTINI, 2005, p. 25).
A arqueologia tem com a escravidão uma ligação forte por sua possibilidade de
buscar pontos da história não oficial, dominada pelos documentos da elite. Na Roma
antiga, como afirma Andrea Binsfeld

Até a os anos 60 do século XX, a Arqueologia teve um papel


menor na investigação da escravidão antiga Só a partir de
então, imagens de escravos e libertos começam a ser usadas
como fontes para uma História Social. Assim, a investigação
arqueológica começou a tentar deduzir a posição social dos
sepultados e a organização da sociedade da decoração e
organização espacial de campos sepulcrais. (BINSFELD,
2009, p. 32-33)

Assim, a consolidação da História Social deu à arqueologia uma plenitude de


áreas inéditas para trabalho, onde as principais fontes são a Cultura Material. Para a
escravidão brasileira e especificamente para os quilombos, João Reis e Flávio Gomes
afirmam que “a arqueologia é uma perspectiva nova de abordagem dos quilombos entre
nós e promete revelar aspectos impossíveis de abordar a partir da documentação
convencional [...]” (REIS & GOMES, 1996, p. 14).
Em conclusão, a arqueologia é uma ferramenta útil para o estudo de quilombos,
visto que muitas vezes os relatos sobre os mesmos só se limitam à população, ao sítio e
à destruição das comunidades. A arqueologia, como veremos a seguir, permitiu
reconhecer em Palmares algumas informações nunca antes retratadas historicamente, e
que contribuem imensamente para entender o ambiente social do quilombo.

4. O estudo arqueológico em Palmares.

Antes de se fazer qualquer menção aos estudos arqueológicos em Palmares, é ao


menos necessário uma breve inserção de comentários sobre o Quilombo, para melhor
caracterizar o que a historiografia tem conseguido extrair sem ajuda das fontes
arqueológicas.
Os primeiros sinais da formação de Palmares (na realidade um complexo de
diversas comunidades quilombolas e não só uma) remonta aos fins do século XVI
(VAINFAS in REIS & GOMES, 1996, p. 62). Foi nesta época que a escravidão africana
no Brasil ganhou força, substituindo a escravidão indígena.
Segundo Ronaldo Vainfas,

Palmares foi, com efeito, a maior rebelião e a manifestação


mais emblemática, como é sabido, de quilombos coloniais.
Resistiu por cerca de cem anos às expedições repressivas,
promoveu assaltos aos engenhos e povoações coloniais e
estimulou fugas em massa de escravos na capitania. Palmares
provocou tanta inquietação [...] que a própria monarquia
portuguesa [...] tentou em diversos momentos negociar com os
rebeldes.(VAINFAS in REIS & GOMES, 1996, p. 63)

Por ter sido esta “manifestação mais emblemática”, o caso Palmares se tornou de
fato uma figura representativa do medo colonial das rebeliões escravas. Este medo,
segundo Guimarães, teria encontrado respaldo na realidade das Minas Gerais à época do
ouro, onde o trabalho escravo, fortemente empregado, gerava a reação dos escravos, que
ao longo de pouco mais de meio século, gerou mais de 160 quilombos (GUIMARÃES
in REIS & GOMES, 1996, p. 141)1. Nas palavras do autor sobre o fortalecimento da
imagem de palmares “Não fosse a realidade mineira tão rica em atitudes de rebeldia por

1
Segundo Carlos Magno Guimarães, 160 é o número de quilombos encontrados e destruídos em Minas
Gerais entre 1710 e 1798.
parte dos escravos, provavelmente Palmares não teria sido tão lembrado pelas
autoridades” (GUIMARÃES in REIS & GOMES, 1996, p. 161).
Falar que o quilombo dos Palmares foi uma formação político social formada
por escravos, índios e talvez alguns brancos é algo bastante normal, que independe de
estudos arqueológicos. Porém, muito se perdeu na documentação, e várias novas
informações sobre Palmares, como no caso da pesquisa de campo retratada por Pedro
Paulo Funari (FUNARI in REIS & GOMES, 1996, p. 26), já nos mostram um novo
panorama sobre o Quilombo.
Em 1991 foi criado o Projeto Arqueológico Palmares, a fim de estudar o
quilombo através da arqueologia Histórica. Os primeiros trabalhos de campo foram
realizados inicialmente entre 1992 e 1993. A primeira etapa da escavação se concentrou
na área considerada como a capital do quilombo, a serra da Barriga.
Tendo sido escavados 14 sítios arqueológicos na serra da barriga, os resultados
da escavação foram bastante significativos, embora em estágio inicial. Foram
encontradas estruturas referentes a possíveis paliçadas de madeira e o mais impressivo,
foi encontrado em grande quantidade cerâmica indígena, o que Funari conclui sugerir
que “uma mescla cultural no assentamento quilombola devia ser, a exemplo de outros
casos, muito intensos” (FUNARI in REIS & GOMES, 1996, p. 46). Na análise do artigo
de Funari, João Reis e Flávio Gomes elaboram uma série de perguntas para as
conclusões de Funari, nas palavras dos autores:

É sabido que em Palmares viveram brancos, mestiços de vária


estirpe e índios, além de negros africanos e nascidos no brasil.
Mas teriam os índios representado uma parte substancial –
digamos, trinta, quarenta ou mais por cento – da população
palmarina? Ou o que a cerâmica revela são apenas influências
da cultura indígena sobre a cultura material dos negros
palmarinos? E essa cerâmica é palmarina ou pós-palmarina?
[...] as implicações históricas podem ser importantes para
redimensionar a interpretação africanocêntrica do famoso
quilombo. Análises mais finas [...] poderão esclarecer mais a
respeito de um quilombo sobre o qual, a rigor, sabe-se
verdadeiramente muito pouco.(REIS & GOMES, 1996, p. 14)

5. Conclusões

As respostas exatas para as perguntas de João Reis e Flávio Gomes podem


demorar a se apresentar no meio acadêmico, ou talvez até mesmo nunca virem ser tão
exatas quando se desejaria que fossem. Porém é inegável que o levantamento
arqueológico teve muito a salientar e oferecer em termos de novas informações.
O que se deve ressaltar, porém, é que esta arqueologia não estaria funcionando
como uma forma de desconstruir a importância para a memória africana no Brasil, mas
sim fortalecê-la, criando laços maiores com esta terra. A “arqueologia social”, termo
conforme usado por Funari para descrever o trabalho em Palmares (FUNARI in REIS &
GOMES, 1996, p. 36), neste ponto ajudaria a formar em Palmares não um mito dos
africanos no Brasil, mas um mito Afro-brasileiro.
Acredito que tal entendimento só tenha a auxiliar no combate ao preconceito
tanto no dia-a-dia quanto nos próprios estudos acadêmicos, e que um adensamento de
estudos na área só tenha a estender cada vez mais a complexidade e a beleza do mosaico
cultural brasileiro.
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