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Público online, 16-1-11, http://jornal.publico.

pt/noticia/16-01-2011/novas-regras-para-a-
economia-global-21031105.htm

Novas regras para a economia global

Por Dani Rodrik

Suponhamos que os principais governantes do mundo iam de novo reunir-se em Bretton


Woods, New Hampshire, para a elaboração de uma nova ordem económica global. Estariam
naturalmente preocupados com os actuais problemas, a crise da zona euro, a recuperação
global, a regulamentação financeira, os desequilíbrios macroeconómicos internacionais, e
assim por diante. Mas debruçarem-se sobre estas questões exigiria aos líderes reunidos que
fossem além delas e considerassem a sensatez de acordos económicos globais no geral.

Apresento aqui sete coerentes princípios da governação económica global com que talvez eles
concordassem (apresento-os com maior pormenor no meu novo livro, The Globalization
Paradox).

1. "Os mercados devem estar profundamente integrados em sistemas de governação". A


ideia de que os mercados são auto-reguladores foi absolutamente aniquilada na recente crise
financeira e deve ser abandonada de uma vez por todas. Os mercados exigem outras
instituições sociais que os apoiem. Eles contam com os tribunais, com estruturas legais e
reguladores para estabelecerem normas e as porem em prática. Dependem das funções
estabilizadoras que os bancos centrais e a política fiscal contracíclica exercem. Precisam do
consenso político que a tributação redistributiva, as redes de segurança e a segurança social
ajudam a criar. E tudo isto se aplica também aos mercados globais.

2. "É provável que, num futuro próximo, a governação democrática seja organizada no seio
das comunidades políticas nacionais". O Estado-nação existe, embora não nos melhores
moldes, e continua a ser, no essencial, a única coisa que existe. A governação global é uma
tarefa de loucos. É altamente improvável que os governos nacionais cedam controlo
significativo a instituições transnacionais, e harmonizar normas não beneficiaria sociedades
com diferentes gostos e necessidades. A União Europeia será talvez a única excepção deste
axioma, embora a actual crise em que se encontra tenda a comprovar esse ponto de vista.

É com demasiada frequência que se desperdiça cooperação internacional em objectivos


exageradamente ambiciosos, que acabam por ter fracos resultados, sendo o mais baixo
denominador comum entre os principais Estados. Quando a cooperação internacional é,
efectivamente, "bem sucedida", reproduz normas que ou são ineficazes ou reflectem apenas
as preferências dos Estados mais fortes, como as regras de Basileia III sobre os requisitos do
capital e as regras da Organização Mundial do Comércio sobre subsídios, propriedade
intelectual e medidas de investimento que são exemplo deste género de exageros. Pode
melhorar-se a eficácia e a legitimidade da globalização apoiando os procedimentos
democráticos de cada país, em vez de os castrar.

3. "Prosperidade pluralista". O reconhecimento de que a infra-estrutura institucional da


economia global tem de ser construída ao nível nacional liberta os países para
implementarem as instituições que melhor se lhes adequam. Os Estados Unidos, a Europa e o
Japão produziram no longo prazo quantidades de riqueza semelhantes. Todavia, os seus
mercados de trabalho, governação empresarial, regras antimonopólio, protecção social e
sistemas financeiros diferem consideravelmente, com uma série destes "modelos" - um
diferente em cada década - considerados de grande sucesso a ser seguidos.

As sociedades mais bem sucedidas do futuro darão espaço para experimentação, permitindo
assim uma maior evolução das instituições. Uma economia global que reconheça a
necessidade e o valor da diversidade institucional estimula essa experimentação e essa
evolução em vez de a sufocar.
4. "Os países têm o direito de protegerem as suas próprias regulamentações e instituições".
Os princípios anteriores podem parecer inócuos. Mas possuem fortes implicações que entram
em conflito com a crença geral dos defensores da globalização. Uma dessas implicações é o
direito que cada país tem de salvaguardar as suas opções institucionais. O reconhecimento da
diversidade institucional não teria significado se os países não tivessem instrumentos
disponíveis para moldar e manter - numa só palavra, "proteger" - as suas próprias
instituições.

Aceitar-se-ia, portanto, que os países pudessem manter as regras nacionais - políticas fiscais,
regulamentações financeiras, padrões de mão-de-obra ou regras de protecção do consumidor
- e pudessem fazê-lo erguendo, se necessário, barreiras nas fronteiras, "quando as
transacções comerciais ameaçam visivelmente as práticas nacionais gozando de amplo apoio
popular". Se os adeptos da globalização tiverem razão, os apelos à protecção falharão por
falta de provas ou de apoio. Se estiverem errados, haverá uma válvula de segurança para
assegurar que valores em conflito - as vantagens de economias abertas contra as vantagens
de manter as regulamentações nacionais - sejam devidamente discutidos em debates
públicos.

5. "Os países não têm o direito de impor a outros países as suas instituições". Impor
restrições no comércio transfronteiriço ou na área financeira para manter os valores e as
regulamentações nacionais não deve confundir-se com o utilizá-las para impor esses valores
e regulamentações a outros países. As normas da globalização não devem obrigar os
americanos ou os europeus a consumir mercadorias produzidas de formas que a maioria dos
cidadãos desses países consideram inaceitáveis. Mas também não podem permitir que os EUA
ou a UE usem sanções comerciais ou outras formas de pressão para alterar as leis do
mercado de trabalho, as políticas ambientais ou as regulamentações financeiras de outros
países. Os países têm o direito à diferença. Não à convergência imposta.

6. "Os acordos económicos internacionais deverão definir regras para gerir a interacção entre
as instituições nacionais". Fazer depender dos estados-nação o desempenho das funções de
governação essenciais da economia mundial não implica o abandono das normas
internacionais. O regime de Bretton Woods tinha regras claras, embora limitadas em âmbito e
profundidade. Uma liberdade total completamente descentralizada não beneficiaria ninguém.

O que é preciso é regras de circulação para a economia global que ajudem veículos de
diversas dimensões, formas e velocidades a navegar em torno uns dos outros, em vez de
impor um veículo igual para toda uma velocidade de circulação uniforme. Temos de lutar para
atingir uma globalização máxima que seja consistente com a existência de espaço para a
diversidade nos acordos institucionais nacionais.

7. "Países não democráticos não podem contar com os mesmos direitos e privilégios que as
democracias na ordem económica internacional". O que torna interessantes e legítimos os
princípios anteriores é que assentam em deliberação democrática - quando esta se verifica
realmente, dentro dos Estados. Quando os Estados não são democráticos esta estrutura cai.
Deixamos de poder presumir que os acordos institucionais reflectem as preferências dos
cidadãos. Por isso, os países não democráticos têm de jogar com regras diferentes e menos
permissivas.

Estes são os princípios que os arquitectos da próxima ordem económica global têm de
aceitar. Mais importante ainda, terão de assimilar o paradoxo supremo que cada um destes
princípios destaca: a globalização funciona melhor quando não é levada demasiado longe.

Professor na Universidade de Harvard

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