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Andanças de segunda-feira e a brincadeira de mau gosto

Cinco e meia da manhã de um dia gelado de outono. O teimoso


levanta, se banha e coloca pra fazer um café enquanto que, como uma
barata atingida por um bom jato de inseticida, vagueia pelo trajeto quarto –
corredor – cozinha – banheiro...

Sem lembrar como, de repente está vestido e com o tal gole de café.
Mais uma zanzada pra não perder o costume, porta a fora, e um bom dia
mal humorado pro vizinho que teve a infelicidade de chegar ao hall do
elevador no mesmo instante. Cinco minutos que parecem uma eternidade.
Mas tão logo isso se percebe, uma reflexão e a lembrança de que o maço de
cigarros espera no boteco longínquo tratam logo de apaziguar os ânimos
mais preguiçosos.

Depois, o beijo de despedida e a paisagem pintada à mão na parede


da estação de Barueri – retrato de época distante, onde um barão discute
algo enquanto desponta a maria-fumaça, pontual, que o levaria, ou a todos,
aos seus destinos. Quase ninguém a percebe, nem o google imagens lhe
refere. Pena...

Horas e horas a fio se desprendem do escasso tempo de que (não) se


dispõe. Andanças, gente bonita, gente esquisita, burra, agradável, solícita.
Uma parada pra comprar água, em volta os tipos mais corriqueiros, medo
de abrir a boca. Uma chamada pra casa e tudo se acalma. Coragem pra
reconhecer que o ser à frente, anunciado cearense, é o único esboço de
saída do lugar inóspito em que se encontra, partindo do pressuposto que te
dará precisa informação. E para surpresa (depois do susto) do reles
forasteiro, faz coro um simplório vendedor de mídias piratas – tudo se
resolve, o caminho se faz claro.

Bom senso é algo sempre bem-vindo, e tanto sim que, mesmo


decidido a ir até a Av. Paulista para então tomar o metrô, uma vista à volta
muda o rumo. Claro que o pernóstico carioca-rei-do-mundo haveria antes
de consultar seu mapa, olhar vago e ostensivo (como que perdido) ao redor,
antes de ter a pachorra de perguntar se havia uma estação mais próxima.
Sim, São Judas. E finalmente, passadas sete horas do despertar, a primeira
parte divertida do infindável dia.

Um lugar no vagão, à frente um japonês, não digo de forma genérica


(por aqui é fácil desenvolver a habilidade de distinguir estes e chineses,
coreanos ,etc). Duas ou mais estações percorridas e o sujeito pende a
cabeça, como se seu pescoço fosse feito de mola. Mais uma, e seus olhos se
fecham. Uma mulher, dos seus cinqüenta e poucos anos, se senta a seu
lado, de frente pra mim. Vila Mariana, Ana Rosa, e a fadiga do nipônico
segue firme em seu propósito de se esgueirar por quaisquer míseros
minutos que lhe restem antes da labuta. A senhora lança um olhar cômico,
que a princípio se refere ao estado letárgico de seu próximo. Depois olha
em frente, na minha direção. É quando percebo Vergueiro, logo, São
Joaquim, e então Liberdade.
Minha relutância em acreditar na piada se desfaz por completo
quando, na parada de daimoku, ele continua seu sono e a senhora me olha
de novo, sempre discreta, porém mais veemente. Os dois continuam. Desço
em seguida, na Sé, contendo a gargalhada.

Mais tarde um pouco, a aula fantástica, a notícia ruim, as conversas


acalentadoras.

Segunda-feira com brincadeiras de mau gosto.

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