Havia um gato embaixo da cama que sempre aparecia quando a
noite chegava. Era um bichano cheio de malimolência, lembrava o velho malandro, com suas listras no pelo e o andar arrastado com se fosse um poço de preguiça. Já fazia parte da paisagem de minha infância, sempre que deitava esperava sua aparição, conversávamos ate altas horas como se dois boêmios fossemos. As vezes como era bom em matemática me ensinava as contas e os números, havia apenas um detalhe, para ele a base era o sete e não o dez, por isso de vez em maioria das vezes eu me ferrava. Lembrando agora chegam-me as lagrimas de um momento em que a vida parecia um carrossel de alegria. A vida corria a todo o vapor sem que eu percebesse quão rápido o tempo escoa. Um dia chuvoso quando já havia completado meus doze anos, entrando na adolescência, me peguei indagando se esse negocio de ver e falar com gato a noite não era coisa boba de criança, que não tem “maturidade”, pois bem desde este dia o gato sumiu. No principio me senti meio aliviado, pois era um segredo que carregava sozinho comigo, como se fora um cruz, daquelas do pagador de promessas, uma coisa pesada que não podia dividir com ninguém, pois acha estranho uma pessoa ter um gato em baixo da cama. Hoje décadas e décadas depois, quase séculos, me acordei e olhei para debaixo da cama, com a esperança vazia de encontrar meu gato sem botas, mas que tanto conhecimento e alegrai me deu. Um vazio se instalou no meu peito, nem um ronronar ou mesmo um miau, apenas o espaço com a forma de um gato que um dia existiu dentro de mim.