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SERAFIM DA PORTEIRA ( Ou seria o fim da porteira?

O Noturno da Mogiana toda noite invariavelmente saia da estação ali próxima em direção a
SP, e então já sabíamos ser mais ou menos 8 horas da noite, e no cruzamento com a Rua
Guatapará, já estava com uma certa velocidade com suas caldeiras aumentando a potencia,
resfolegando e soprando fumaça, levantando nuvens de poeira vermelha, balançando os
dormentes e a porteira, rangendo nos trilhos , e eventualmente deslocando algum cascalho
do leito dos trilhos que saia catapultado, assobiando. Resfolegava e apitava. Nessa
passagem, cruzamento das ruas Guatapará e Rua Caramuru, para evitar acidentes havia uma
porteira de 2 partes e o sr.Serafim, responsável pelo acionamento manual da mesma,
quando passavam os trens vindos da estação em direção a SP, que habitava a casa ao lado,
construída a propósito (contava-se estórias inventivas e inventadas dele de d Da.Mariinha,
sua esposa!), já tinha efetuado sua missão fechando a porteira, que rangia em seus gonzos,
indicando que há muito tempo os mesmos não recebiam lubrificação.

O apitar da locomotiva ao sair da estação era a senha para a molecada da vizinhança


“viajar” na porteira, como fazia toda noite, eu incluído, e alertas corríamos empoleirar na
trave inferior de madeira, uns 10 meninos em cada parte. Era a suprema alegria do dia,
sermos levados junto com a porteira, quando seu Serafim fechava e abria após a passagem
do trem.

Figura sombria e enigmática, sempre de terno, e com sua mão mecânica, pois a original foi
perdida num acidente de trem, (era funcionário da C.Mogiana.E.F. Foi uma figura marcante
de minha infância, com seu feitio imponente, sempre sisudo e ereto. Jamais vi um sorriso
em seus lábios. O que mais me impressionava era sua luva de couro marrom, que cobria a
prótese.

Postava-se impassível e imperturbável, ao lado da porteira, ate passar o ultimo vagão do


noturno, quando abria novamente as duas partes da porteira, e cada uma batia com
estrepito, no muro de pedras onde se ancoravam, pejadas da “molecada” da rua,
divertimento maior delas. Acho que era o único momento do dia em que ele se permitia
alguma quebra de seu protocolo, pois provavelmente era sua boa ação diária. Presas as
porteiras em suas amarras, lá íamos de volta, em alarido, para nossas casas, nos recolher à
cama, e talvez sonhar com cavalos bufando vapor e porteiras imaginárias, que nos abriam
caminho para mundos fantasiosos.

EA-14/12/2006

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