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A Leitura Perdição
Edmir Perrotti
Leitura Informação
São muitas as razões de ler. Talvez a mais importante para a vida prática
seja a de ler para se informar. Com efeito, lemos jornais, revistas, documentos,
ofícios, contas de luz, de água, cheques, bula de remédios, certidão de batismo,
de nascimento e de casamento. E lemos para tomar conhecimento de questões
que afetam nosso cotidiano, nosso dia a dia, a vida diária. (Talvez a única que
interesse verdadeiramente!). Num universo letrado, tais leituras são essenciais à
sobrevivência, no que esta tem de mais imediato e urgência e é espantoso que
não nos envergonhemos com as taxas de analfabetismo que assolam o país,
verdadeira tragédia!
A importância superior dessa função encontra sua fragilidade, no entanto – e
paradoxalmente – nos aspectos imediatistas que lhe conferem relevância
excepcional. Face a necessidades práticas do dia a dia, o leitor pragmático não
hesita em utilizar outros meios para se informar. Sem pejo e nenhum pudor, como
convém, sempre que a necessidade impõe suas fortes, implacáveis e soberanas
leis de sobrevivência, abandona pactos e comportamentos às vezes arraigados e
sai em busca de informação onde puder, deixando para trás promessas de
fidelidade e de compromisso eterno. O pragmatismo o conduz e nada detém seu
desejo de saber a última notícia.
Alguns teimosos até tentam resistir ao utilitarismo comum em nossa época, à
leitura pretexto, mas em geral ficam isolados em suas posições. A maioria vai nas
ondas do tempo, embarcando em sucessivas modas. E quem diz que não estão
certos! Afinal, diz-se que a vida é feita de diversidade, nasce e renasce da
diferença. Será proibido esperar pouco mais que mera funcionalidade das coisas?
Tenho a impressão que nesses assuntos não há possibilidade de regras ou
consenso, mas é impossível deixar de considerar que, com as atuais tecnologias
da informação e da comunicação, a própria leitura já não é a mesma, vem
alterando seu modo de ser. De certo modo, para sobreviver, vem colocando em
crise sua própria tradição voltada à permanência, à fixação e à duração,
embarcando na transitoriedade, no factual rápido e epidérmico das nossas
sociedades da informação que, de tão informadas, como diz Virilio, acabam
desinformadas.
Assim, hoje lemos não apenas textos, mas hipertextos dinâmicos, móveis,
em permanente estado de mutação, mensagens que exigem que sejamos não
apenas leitores, mas também, ao mesmo tempo, escritores rápidos, ligeiros,
competentes. A antiga distância temporal que separava emissores e destinatários
de cartas postadas nos correios, não ocorre mais na época da comunicação
eletrônica. O e-mail, os chats, os blogs e outros quejandos, impuseram uma nova
natureza móvel à escrita. Por outro lado, como não temos que nos preocupar com
a permanência, ganhamos uma liberdade extraordinária face à língua escrita e
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Leitura Conhecimento
Leitura Perdição
Se ler para se informar, bem como para conhecer são razões fortes e
especiais de leitura, há todavia uma razão de outra ordem, única e especial: ler
para perder-se.
Gente que conta, Cervantes, Flaubert e Eça; Machado, Lobato e Proust;
Lispector, Borges e Lygia, a Bojunga, da Bolsa Amarela e da Corda Bamba,
trataram da questão, cada um a seu modo, evidentemente: “quero livros em que
as crianças queiram morar”, disse o pai da Emília: “não era uma menina com um
livro. Era uma mulher com seu amante”, disse a luminosa Clarice, ao relatar seu
encontro com o Sítio do Pica-Pau Amarelo de Lobato. “Tive sete grandes amores”,
revela-nos Bojunga, provocando nossa curiosidade, sem no entanto jamais
nomeá-los diretamente. Em comum, todos esses criadores excepcionais chamam
nossa atenção para o deslumbramento produzido pela imaginação escrita. E pela
escrita nos fascinamos com o Quixote, a Emma Bovary, a Luíza, do Primo Basílio,
tanto quanto a Carolina Maria de Jesus, negra, separada, moradora de favela que,
nos anos 50, escreveu um contundente e belíssimo relato sobre sua vida de
catadora de papel: Quarto de Despejo. Diante do imponderável, do inexorável, do
inaceitável, a força restauradora e resistente da palavra escrita, anúncio de
renovação, como cantou o poeta mangueirense: “bate outra vez, com esperanças
o meu coração...”.
Platão condenou no Fedro a escrita, por ter visto aí uma dificuldade: ao se
liberar do emissor, o destinatário daria a interpretação que bem quisesse aos
signos. Recepção sem controle, perigo, portanto, para a polis, dizia o grego genial.
No entanto, o quadro histórico a que se referia era diferente do nosso e, naquele
contexto, suas críticas talvez até pudessem ser justas. Hoje, a massificação nos
ronda todo o tempo, temos dificuldade de assumir nossa singularidade, apesar do
individualismo exacerbado da época. Na sociedade de massas, não há lugar fácil
para o reconhecimento do único, do diferenciado, do singular. A menos que este
seja espetacularizado, como ideal a ser buscado e se possível imitado pelas
massas consumidoras de gestos e atitudes. Ou seja, outro paradoxo de nossos
tempos narcisistas! O interesse pelo singular, mas na medida em que ele possa se
tornar plural, acessível no mercado das trocas simbólicas e materiais.
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